
O Momento Adequado para a Elaboração da Intenção de Registro de Preço (IRP) sob a Lei nº 14.133/2021
1. Introdução
O Sistema de Registro de Preços (SRP) é um procedimento especial de licitação previsto na Lei nº 14.133/2021, destinado ao registro formal de preços relativos à prestação de serviços, obras ou aquisição de bens para contratações futuras. A correta aplicação deste sistema exige a observância de diversas etapas processuais, sendo uma delas a Intenção de Registro de Preço (IRP), disciplinada pelo art. 86 da referida lei.
Este artigo tem por objetivo esclarecer o momento processual adequado para a elaboração da IRP no âmbito da administração pública, especificamente para profissionais da área jurídica que atuam em processos licitatórios. A dúvida central reside em determinar se a IRP deve ser elaborada pelas unidades demandantes juntamente com o levantamento de quantitativos ou pela unidade responsável pelas licitações após a elaboração do Estudo Técnico Preliminar (ETP) e do Termo de Referência (TR).
A adequada compreensão e aplicação dos procedimentos estabelecidos na nova legislação são cruciais para garantir a legalidade, a eficiência e a transparência nos processos de contratação pública.
2. O Sistema de Registro de Preços (SRP) e suas Etapas sob a Lei nº 14.133/2021
O Sistema de Registro de Preços (SRP), conforme a Lei nº 14.133/2021, é um conjunto de procedimentos para realização de licitação na modalidade pregão ou concorrência para registro formal de preços relativos a bens e serviços, a serem contratados no futuro. A operacionalização do SRP envolve diversas fases, que, em geral, seguem uma sequência lógica para garantir a efetividade e a legalidade do processo. Embora a lei não detalhe exaustivamente cada etapa, é possível delinear um fluxo típico com base na legislação e em exemplos práticos.
Inicialmente, as diversas unidades ou órgãos da administração pública identificam suas necessidades de bens ou serviços e realizam o levantamento dos quantitativos estimados para suas demandas futuras. No caso em questão, esta etapa é conduzida pelas unidades que solicitam os quantitativos para registro de preço.
Em seguida, a unidade responsável pela condução do processo licitatório consolida essas informações e inicia a fase de planejamento da contratação. Esta fase compreende a elaboração do Estudo Técnico Preliminar (ETP), que visa demonstrar a necessidade da contratação, definir o objeto, analisar as alternativas existentes e justificar a escolha da solução mais adequada.
Posteriormente, é elaborado o Termo de Referência (TR), documento que detalha as especificações técnicas do objeto a ser contratado, os requisitos de habilitação, os critérios de julgamento, as obrigações das partes e as condições de execução contratual.
A Intenção de Registro de Preço (IRP) surge como uma etapa crucial na fase preparatória da licitação para registro de preços. Após a definição do objeto e das especificações no TR, o processo avança para a publicação do edital de licitação, a realização do certame (pregão ou concorrência), a seleção dos fornecedores e a assinatura da Ata de Registro de Preços (ARP).
A ARP formaliza os preços registrados e as condições para futuras contratações pelos órgãos participantes e, em alguns casos, por órgãos não participantes, denominados “caronas”. Compreender a colocação exata da IRP nesse fluxo é fundamental para a questão levantada.
3. Entendendo a Intenção de Registro de Preço (IRP) – Artigo 86 da Lei nº 14.133/2021
O artigo 86 da Lei nº 14.133/2021 dedica-se especificamente à Intenção de Registro de Preço (IRP), estabelecendo um procedimento público a ser observado na fase preparatória do processo licitatório para registro de preços. O caput do artigo dispõe que o órgão ou entidade gerenciadora deverá realizar este procedimento, com o objetivo de possibilitar, pelo prazo mínimo de 8 (oito) dias úteis, a participação de outros órgãos ou entidades na respectiva ata de registro de preços e determinar a estimativa total das quantidades da contratação.
A finalidade primordial da IRP é, portanto, agregar as demandas de diferentes órgãos públicos para um mesmo objeto, buscando alcançar economia de escala e condições mais vantajosas na contratação. Ao tornar pública a intenção de realizar um registro de preços, a Administração oferece a oportunidade para que outras entidades que possuam a mesma necessidade manifestem seu interesse em participar da futura ata. Isso permite que a licitação seja dimensionada de forma mais precisa, considerando o volume total a ser contratado, o que pode influenciar positivamente os preços ofertados pelos licitantes.
Além de promover a economia de escala, a IRP também contribui para a transparência do processo de planejamento da contratação, permitindo que outros órgãos e a sociedade em geral tenham conhecimento das intenções da Administração. A divulgação da IRP possibilita, ainda, que os órgãos interessados avaliem se o objeto da licitação atende às suas necessidades e, eventualmente, sugiram a inclusão de novos itens ou especificações.
É importante notar que o § 1º do art. 86 prevê a dispensa da IRP quando o órgão ou entidade gerenciadora for o único contratante. Contudo, mesmo nessa situação, a Administração deve avaliar a possibilidade de padronização do objeto para atender a outros órgãos, justificando a decisão de não realizar a IRP caso opte por essa dispensa. Exemplos práticos de IRP demonstram a aplicação deste dispositivo legal, citando o art. 86 e detalhando o objeto da intenção de registro de preços.
4. Analisando o Momento Processual para a IRP
A questão central para o consulente é definir se a IRP deve ocorrer antes ou depois da elaboração do Termo de Referência (TR). A análise do art. 86 da Lei nº 14.133/2021, em conjunto com as melhores práticas e a lógica do processo de contratação, sugere que a IRP deve ser elaborada e divulgada após a elaboração do TR.
A própria finalidade da IRP, de possibilitar a participação de outros órgãos, pressupõe que o objeto da contratação esteja suficientemente definido para que esses órgãos possam avaliar seu interesse.
O Termo de Referência é o documento que contém a descrição detalhada do objeto, com suas especificações técnicas, quantitativos estimados e demais condições da contratação. Sem essas informações essenciais, os outros órgãos não teriam elementos para decidir se desejam participar do registro de preços e quais seriam suas demandas específicas.
Um fluxo de instrução para pregão por SRP demonstra que a elaboração do Termo de Referência ocorre em uma etapa anterior à inclusão e divulgação da IRP. Nesta representação, o TR é elaborado em uma fase anterior, enquanto a IRP é incluída e divulgada posteriormente. Este sequenciamento é lógico, pois a IRP se refere ao objeto detalhado no TR. De forma similar, os exemplos de Intenção de Registro de Preços mencionam o Termo de Referência como o documento que contém as especificações, condições e quantitativos do objeto da licitação.
Isso reforça a ideia de que o TR deve preceder a IRP, fornecendo a base para que outros órgãos possam manifestar seu interesse.
Embora a lei estabeleça que a IRP ocorre na “fase preparatória”, essa fase compreende diversas atividades, e a sequência lógica das informações necessárias para cada etapa indica que a definição detalhada do objeto no TR é um pré-requisito para que a IRP cumpra seu propósito de agregar demandas de outros órgãos.
A comunicação interna para a IRP deve conter o termo de referência ou o projeto básico da contratação, conforme orientação encontrada. Isso permite que as demais unidades avaliem a possibilidade de participar e, eventualmente, façam sugestões para a inclusão de novos itens. Portanto, a elaboração do TR fornece a base informacional necessária para a emissão da IRP.
5. Papéis e Responsabilidades: Unidades Demandantes e Unidade de Licitações
No contexto da consulta, as unidades demandantes são responsáveis por identificar suas necessidades e fornecer os quantitativos iniciais dos bens ou serviços que pretendem contratar. Essa demanda inicial é o ponto de partida para o processo de registro de preços. A unidade responsável pelas licitações, por sua vez, atua como o órgão gerenciador do SRP, sendo responsável por conduzir o processo licitatório em todas as suas etapas, incluindo a elaboração do ETP e do TR.
A elaboração da Intenção de Registro de Preço (IRP) também recai sobre a responsabilidade da unidade responsável pelas licitações, na qualidade de órgão gerenciador. É esta unidade que, após consolidar as demandas e detalhar o objeto da contratação no Termo de Referência, emite a IRP para dar publicidade à intenção de realizar o registro de preços e convidar outros órgãos a participarem.
Embora a responsabilidade pela elaboração e emissão da IRP seja da unidade de licitações, as unidades demandantes podem ter um papel importante no fornecimento de informações detalhadas sobre suas necessidades, que serão incorporadas ao ETP e ao TR.
Além disso, após a publicação da IRP, as unidades que desejarem participar formalmente do registro de preços deverão manifestar seu interesse, possivelmente encaminhando informações adicionais, como seus próprios Estudos Técnicos Preliminares, para justificar sua participação e detalhar suas demandas específicas. A colaboração entre as unidades demandantes e a unidade de licitações é, portanto, essencial para o sucesso do Sistema de Registro de Preços.
A natureza do objeto da licitação ou as normas internas da entidade administrativa podem, em alguns casos, influenciar o nível de envolvimento de cada unidade, mas a responsabilidade central pela condução do processo e pela elaboração da IRP permanece geralmente com a unidade responsável pelas licitações.
6. Orientações de Órgãos de Controle
O Tribunal de Contas da União (TCU) e os Tribunais de Contas Estaduais exercem um papel fundamental na fiscalização dos processos de licitação e contratação pública, incluindo o Sistema de Registro de Preços.
O TCU enfatiza que a Intenção de Registro de Preços (IRP) deve ser realizada na fase preparatória do processo licitatório para fins de registro de preços. O objetivo é possibilitar a participação de outros órgãos e determinar a estimativa total de quantidades da contratação. Essa orientação reforça a ideia de que a IRP é um procedimento antecedente à publicação do edital e à realização do certame.
Além disso, o TCU orienta que, antes de iniciarem um processo licitatório ou contratação direta, os órgãos da Administração Pública federal devem consultar as IRPs em andamento e deliberar sobre a conveniência de sua participação (Decreto 11.462/2023, art. 10).
Essa recomendação sublinha a importância da IRP como um instrumento de planejamento e de agregação de demandas no âmbito da administração pública. Embora essa orientação seja direcionada à esfera federal, o princípio de buscar a participação em registros de preços existentes antes de iniciar um novo processo pode ser aplicado em outras esferas.
A consulta ao Decreto nº 11.462/2023, que regulamenta o SRP no âmbito federal sob a nova lei de licitações, pode fornecer diretrizes mais detalhadas sobre o processo e o momento da IRP, que podem ser aplicáveis ou servir de referência para as práticas em outras esferas administrativas.
7. Conclusão e Recomendações
Com base na análise do art. 86 da Lei nº 14.133/2021, nas orientações do TCU, nas melhores práticas observadas e na lógica do processo de contratação por Sistema de Registro de Preços, conclui-se que a Intenção de Registro de Preço (IRP) deve ser elaborada e divulgada pela unidade responsável pelas licitações após a elaboração do Estudo Técnico Preliminar (ETP) e, principalmente, do Termo de Referência (TR).
Recomenda-se que o fluxo processual siga a seguinte ordem:
- As unidades demandantes identificam suas necessidades e levantam os quantitativos.
- A unidade responsável pelas licitações consolida as demandas e elabora o Estudo Técnico Preliminar (ETP).
- A unidade responsável pelas licitações, com base no ETP, desenvolve o Termo de Referência (TR), detalhando o objeto da contratação.
- A unidade responsável pelas licitações elabora e divulga a Intenção de Registro de Preço (IRP), referenciando o TR e convidando outros órgãos a manifestarem seu interesse em participar.
- Os órgãos interessados manifestam seu interesse, possivelmente apresentando seus próprios ETPs e a Manifestação de Intenção de Registro de Preço (MIRP).
- A unidade responsável pelas licitações prossegue com o processo licitatório (pregão ou concorrência) para registro de preços, considerando as demandas agregadas.
Esta sequência garante que a IRP contenha informações suficientes sobre o objeto da contratação para que outros órgãos possam avaliar seu interesse em participar, cumprindo o objetivo previsto no art. 86 da Lei nº 14.133/2021. A responsabilidade pela elaboração da IRP recai sobre a unidade responsável pelas licitações, enquanto as unidades demandantes contribuem com as informações iniciais e podem manifestar seu interesse em participar após a divulgação da IRP. Recomenda-se, ainda, a consulta ao Decreto nº 11.462/2023 para obter detalhes adicionais sobre a regulamentação do SRP sob a nova lei de licitações.
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