
O planejamento patrimonial e sucessório é para todos?
Nos dias atuais, tem-se observado uma progressiva ruptura com os estigmas interligados à finitude da vida humana, popularizando o pensar sobre o futuro, de modo a planejar racionalmente os próximos passos da existência individual e, por consequência, dos acontecimentos no post mortem.
Sobre tal perspectiva, torna-se comum a utilização de instrumentos jurídicos capazes de organizar a sucessão, de modo a planejar a transmissão do patrimônio e garantir a proteção adequada aos bens conquistados pela família, o que se chama ordinariamente de Planejamento Patrimonial e Sucessório.
Embora se enxergue um avanço significativo dentro das famílias em que há o diálogo sobre a temática, ainda existem grandes questionamentos sobre o momento ideal para se realizar o planejamento e para quais famílias é mais indicado.
O que é o Planejamento Patrimonial e Sucessório?
O Planejamento Patrimonial e Sucessório consiste em um conjunto de estratégias, realizadas através de um ou mais instrumentos jurídicos, adotadas pelo titular de bens, que possibilitam a preservação e a sucessão do patrimônio de modo eficaz e eficiente, a fim de garantir o bem-estar das futuras gerações.
Por que realizar um Planejamento Patrimonial e Sucessório?
O Planejamento Patrimonial e Sucessório permite que o titular dos bens planeje, ainda em vida, a organização e disposição patrimonial que deseja após o seu falecimento, estipulando critérios para a transmissão dos bens aos seus herdeiros quando aberta a sucessão, alinhados aos objetivos e interesses do titular.
Isto é, no Planejamento Sucessório o titular pode prever quem, quando, como e com quais propósitos serão utilizados os bens deixados, preservando, dessa forma, os bens existentes e os interesses familiares.
E mais. Para além de organizar a transmissão do patrimônio aos herdeiros, o Planejamento Patrimonial e Sucessório pode significar uma redução de custos e uma economia tributária bastante significativa, a depender das estratégias adotadas.
Em suma, o Planejamento Sucessório é indispensável àqueles que desejam otimizar a transmissão dos bens, proteger o patrimônio e reduzir os custos e tributos envolvidos, preservando-o contra eventualidades que possam surgir ao longo do tempo, como a morosidade do judiciário e garantindo a perpetuação do patrimônio ao longo das gerações.
Quais as principais vantagens em realizar um Planejamento Patrimonial e Sucessório?
A realização de um Planejamento Patrimonial e Sucessório possui inúmeras vantagens, dentre as quais podemos exemplificar:
(i) Mitigação de riscos de eventuais conflitos familiares podendo, até mesmo, evitar a realização de um inventário;
(ii) Manutenção do patrimônio no seio familiar, evitando que terceiros indesejados tenham acesso aos bens construídos e adquiridos pela família;
(iii) Redução da carga tributária (ITCMD, IR, ITBI) em comparação com a forma tradicional de transmissão de bens quando do falecimento de um ente querido;
(iv) Redução de gastos relacionados à taxas, emolumentos e/ou custas judiciais;
(v) Mitigação de riscos relacionados a eventuais contingências judiciais (trabalhistas, fiscais, cíveis).
Afinal, quem deve realizar o Planejamento Patrimonial e Sucessório?
A realização de um Planejamento Patrimonial e Sucessório é indicado para todas aquelas pessoas que possuem patrimônio, independentemente do seu tamanho, e desejam obter benefícios com a utilização de instrumentos jurídicos capazes de facilitar a transmissão dos bens aos seus herdeiros e também reduzir os custos envoltos a uma sucessão hereditária.
Acesse nosso e-book sobre o tema e fique por dentro dos instrumentos mais utilizados na realização de um Planejamento Patrimonial e Sucessório eficiente!
Ficou com alguma dúvida ou possui algum comentário sobre o tema? Entre em contato através do e-mail contato@schiefler.adv.br que um de nossos advogados especialistas irá lhe atender!
Read More
É possível alterar o regime de bens após o casamento?
A escolha do regime de bens norteia não só as relações patrimoniais do casal durante e após o casamento, como também o direito sucessório deste casal, sendo, portanto, uma das decisões mais significativas do relacionamento e que pode, no decorrer da vida conjugal, revelar-se inadequada.
Tratando-se de assunto patrimonial, são frequentes as dúvidas sobre qual o melhor regime de bens a ser escolhido em cada situação e a possibilidade de alteração do regime de bens após a celebração oficial do casamento.
Neste artigo, abordaremos de forma sucinta os tipos de regimes de bens mais comuns na atualidade e se é possível a sua alteração durante a vida conjugal.
Quais são os regimes de bens existentes?
Na atualidade, há quatro regimes de bens bastante utilizados por aqueles que decidem contrair matrimônio ou constituir união estável. São eles:
- Comunhão parcial de bens:
Na atualidade, é o regime de bens mais utilizado, embora nem sempre atenda por completo às necessidades dos nubentes. O Código Civil de 2002 dispõe que, não havendo estipulação expressa do regime de bens entre os cônjuges, vigora o regime de comunhão parcial de bens. Nesse regime, somente se comunicam os bens adquiridos onerosamente na constância do casamento são partilhados em caso de divórcio ou dissolução de união estável. Os bens particulares, adquiridos anteriormente ao relacionamento, bem como aquilo que receberem por sucessão ou doação, não se comunicarão.
- Comunhão universal de bens:
A comunhão universal de bens era o regime mais utilizado antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002. Neste regime, há a disposição de que todos os bens, incluindo o patrimônio adquirido anteriormente ao casamento, bem como os bens futuros, gratuitos ou onerosos, comunicar-se-ão.
- Separação total de bens:
Nessa modalidade de regime, como o próprio nome pressupõe, há a separação total do patrimônio. Isto é, tanto os bens particulares (em regra, aqueles adquiridos antes do início do matrimônio ou da união estável) como aqueles que foram adquiridos durante o relacionamento não se comunicarão, pertencendo apenas a quem os adquiriu.
- Regime misto:
Dada a autonomia dos cônjuges na escolha do regime de bens que mais se adeque às suas necessidades, tornou-se possível a criação de uma espécie de regime híbrido.
O regime misto, formalizado através do pacto antenupcial, possibilita o estabelecimento de regras provenientes de um ou mais regimes de bens, estabelecendo questões de cunho extrapatrimonial e patrimonial que melhor se adequem à realidade do casal.
É possível alterar o regime de bens após o casamento?
Antes da entrada do Código Civil de 2002, não era possível a modificação do regime de bens adotado quando da realização do casamento. No entanto, com a entrada do novo Código, isso se modificou.
Assim, passou a ser possível a alteração do regime de bens em momento posterior à celebração do casamento ou da constituição da união estável. No entanto, para que haja a sua modificação é necessária a propositura de uma ação judicial, não sendo possível alterá-lo extrajudicialmente.
Quais são os critérios necessários para alteração do regime de bens?
Conforme o texto legislativo, para alteração do regime de bens devem ser observados os seguintes critérios:
(i) A alteração somente é admissível mediante autorização judicial; e
(ii) Tal modificação deve ser solicitada por ambos os cônjuges, de maneira consensual.
Além disso, a legislação dispõe a necessidade de apresentação dos motivos que justificariam o pedido de alteração do regime de bens que rege o matrimônio. Contudo, recentemente, relativizou-se tal necessidade, afirmando ser válida a alteração do regime de bens a partir da autorização judicial e do consenso entre os cônjuges.
Deve-se alertar, ainda, que a alteração do regime de bens do casamento ou da união estável, observados os requisitos legais, deve resguardar o direito de terceiros e não pode prejudicar nenhum dos cônjuges.
Quer saber mais sobre os regimes de bens existentes e suas disposições legais? Acesse nosso ebook.
Possui alguma dúvida ou gostou do tema? Encaminhe um e-mail para contato@schiefler.adv.br que um de nossos advogados especialistas irá lhe atender.
Read More
Quem possui o direito à herança?
Após o falecimento de um ente familiar, são frequentes as dúvidas sobre a partilha da herança e quem são os respectivos herdeiros do titular do patrimônio. Em razão dos inúmeros questionamentos que chegam diariamente ao escritório, este artigo possui a finalidade de sanar as dúvidas mais frequentes sobre o tema.
O que é a herança?
A expressão herança tem sua origem no termo latino hereditas, relacionado com herus e cujo significado é ser dono, ou seja, tudo o que pertence ao sucedido (falecido), seu ativo e passivo, será transmitido aos herdeiros em razão de sua morte. Assim, a herança compreende todos os bens, direitos e obrigações de uma pessoa.
Quem pode receber a herança?
Atualmente, entende-se que há dois tipos de herdeiros: os legítimos e os testamentários. Os herdeiros legítimos são aqueles que recebem a herança por força de lei, sendo estes: (i) os herdeiros descendentes (filhos, netos e bisnetos); (ii) os ascendentes (pais, mãe, avôs, bisavôs); (iii) o cônjuge ou companheiro; e (iv) os herdeiros colaterais até o quarto grau (irmãos, sobrinhos, primos e tios) – estes últimos também conhecidos como herdeiros facultativos.
Há ainda de se destacar que dentre aqueles que são considerados herdeiros legítimos, há aqueles considerados como herdeiros necessários. Os herdeiros necessários são aqueles que a lei protege e aos quais assegura que tenham direito pelo menos à metade do monte-mor a ser partilhado, não podendo ser excluídos da herança, salvo por declaração judicial de ato de indignidade ou deserdação. Também são conhecidos como herdeiros obrigatórios ou legitimários e guardam sempre uma maior aproximação no que diz respeito ao grau de parentesco e de afetividade para com o sucedido, como ocorre com os descendentes, ascendentes, cônjuge ou companheiro.
Por fim, os herdeiros testamentários são aqueles que recebem a herança por vontade expressa do titular, que segue a sua livre manifestação de vontade para beneficiar os herdeiros que, aleatoriamente, segundo seus interesses pessoais, institui por meio de testamento, podendo ou não serem seus parentes. Os herdeiros necessários não sucedem por força de lei, mas por força da expressa vontade do testador.
É importante destacar que, havendo herdeiros necessários (descendentes, ascendentes, cônjuge ou companheiro), o autor da herança só pode dispor de 50% de todo o patrimônio de forma livre. O restante pertence de forma obrigatória aos herdeiros necessários (legítima), seguindo a ordem hereditária prevista em lei.
Não havendo testamento, o patrimônio será destinado em totalidade aos herdeiros necessários.
Para melhor exemplificar, traz-se uma tabela comparativa sobre a sucessão hereditária:
Herdeiros necessários | Herdeiros Legítimos | Herdeiros testamentários* | |
Ascendentes | x | x | x |
Descendentes | x | x | x |
Cônjuges/companheiros | x | x | x |
Colaterais | x | x | |
Terceiros | x |
*podem ser herdeiros testamentários
Quem não tem direito à herança?
Como regra geral do direito sucessório, todo herdeiro tem capacidade para suceder, permitindo ao titular da vocação hereditária aceitar ou renunciar à herança recebida. No entanto, a legislação civil prevê situações específicas em que, embora o herdeiro possua capacidade e legitimidade hereditária, é privado do seu direito à herança, como nos casos de indignidade ou deserdação.
Em outras palavras, o beneficiário pode ser excluído da sucessão após a prática de algumas condutas revestidas de reprovabilidade pelo sistema jurídico. São excluídos da sucessão os herdeiros necessários que:
- Cometeram ato ou tentativa de homicídio doloso contra o autor da herança, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
- Apresentaram denunciação caluniosa do de cujus em juízo ou praticaram crime contra a sua honra;
- Inibiram ou impediram, por violência ou fraude, o autor da herança de dispor livremente de seus bens.
O Código Civil também estabelece que não tem capacidade para suceder as pessoas que não tenham nascido ou sido concebidas no momento da abertura da sucessão – salvo as nascidas depois da morte do sucedido por técnicas de fertilização assistida post mortem. Também não podem ser herdeiros aqueles que participaram da constituição do testamento, como as testemunhas, e os concubinos do testador casado, isto é, aqueles que possuem relação extraconjugal não eventual com o testador.
O que ocorre na inexistência de herdeiros testamentários ou legítimos?
Seguindo o que dispõe a legislação civil pelo qual a herança se transmite automaticamente com a abertura da sucessão (falecimento) para os herdeiros legítimos e testamentários do sucedido, pode ocorrer de não serem conhecidos, de imediato, quem seriam os sucessores da herança aberta.
Durante esse espaço existente entre a morte e a aceitação da herança por seus efetivos herdeiros ou, havendo dúvidas sobre quem seja afinal a pessoa contemplada com o espólio, é preciso protegê-lo de eventuais usurpadores e dar continuidade à sua administração. A herança jacente ocorre quando não há herdeiros legítimos nem testamentários, ou, no caso de existirem, eles não se apresentem para receber a herança ou não logram êxito em justificar seus respectivos títulos ou, também, quando renunciam à sucessão.
Nesses casos, os bens do espólio ficam sob a guarda e administração de um curador encarregado de conservar e administrar os bens até serem entregues ao herdeiro ou, se for declarada vaga a herança por total ausência de herdeiros, passando às mãos do município, como determina a legislação brasileira.
A jacência da herança é uma situação invariavelmente transitória e que comporta uma de duas soluções: (i) ou aparecem os herdeiros e abre-se o inventário; ou (ii) eles não aparecem e a herança jacente se converte em vacante, passando a posse e administração dos bens ao município ou ao distrito federal e união.
Ficou com alguma dúvida ou possui algum comentário sobre o tema? Entre em contato através do e-mail contato@schiefler.adv.br que um de nossos advogados especialistas irá lhe atender!
Read More
Jota: Arbitragem expedita é recomendação da ONU para agilizar resolução de conflitos
Confira Murillo Preve no Jota
.
Read More
Quais são os fatos geradores do ITCMD?
Após o falecimento de um ente querido, surgem dúvidas frequentes sobre as determinações burocráticas concernentes à sucessão e seus respectivos direitos e deveres. Dentre estas, a incidência de alguns tributos e suas particularidades, como o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação.
O que é o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD)?
O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) é um tributo de competência dos estados e do Distrito Federal que incide sobre a transmissão de bens e direitos, em decorrência do recebimento de heranças e doações. Sendo assim, o ITCMD tem como finalidade tributar a riqueza proveniente das transações não onerosas, isto é, dos valores recebidos de forma gratuita.
Sendo de competência estadual, cada estado deve estabelecer, por lei ordinária, as alíquotas do ITCMD a serem cobradas, até o limite fixado pelo Senado Federal, que hoje é de 8% do montante a ser recebido. Além disso, alguns estados fixam alíquotas distintas para os diversos fatos geradores, por exemplo, o estado de Pernambuco fixa alíquotas de 5% para a transmissão causa mortis e 2% para a doação.
Esse imposto está regularmente previsto na Constituição Federal e no Código Tributário Nacional. Dentre as suas regulamentações constitucionais, está previsto que, no caso dos bens imóveis, leva-se em consideração a aplicação da alíquota do estado em que se encontra situado o bem. Enquanto nos bens móveis, compete ao estado onde for processado o inventário ou o arrolamento, ou onde tiver domicílio o doador. Nos casos de bens situados no exterior, inexiste, até o momento, lei que regulamente esta situação.
De maneira simplificada, o ITCMD tem como fato gerador a transmissão da propriedade de quaisquer bens ou direitos por causa do falecimento de uma pessoa, isto é, a transmissão causa mortis e a doação (cessão gratuita) de bens e direitos.
A transmissão causa mortis
A transmissão constitui a passagem jurídica da propriedade ou de bens e direitos de uma pessoa para a outra. Na transmissão causa mortis, essa passagem ocorre entre o proprietário falecido do bem e seus herdeiros legais, aqueles definidos e protegidos por lei, como pais, filhos, irmãos, cônjuges e sobrinhos, ou testamentários, beneficiados por testamento.
A partir desse fato gerador, o critério temporal de incidência do ITCMD passa ser a data de abertura da sucessão, ou seja, a data do óbito do autor da herança, uma vez que se transmite de imediato o domínio e a posse da herança aos herdeiros legítimos e testamentários.
Por fim, valendo-se do valor exato transmitido a cada herdeiro, o ITCMD deverá ser recolhido antes da homologação da partilha, de acordo com as alíquotas previstas em cada estado, com exceção dos casos de arrolamento.
Doação de bens e direitos
A doação é o contrato por meio do qual uma pessoa, por mera liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra, que os aceita (art. 538 do CC).
Nesse caso, o ITCMD será recolhido antes da celebração do ato ou contrato correspondente.
Se você possui alguma dúvida ou sugestão em relação ao tema? Entre em contato conosco por meio do e-mail contato@schiefler.adv.br, para que um dos nossos advogados especialistas na área possa lhe atender.
Read More
ConJur: A participação do mercado no planejamento das contratações públicas
Confira Gustavo Schiefler no ConJur
.
Read More
O que é uma Inteligência Artificial e como ela pode ser utilizada na Nova Lei de Licitações?
INTRODUÇÃO
A sociedade contemporânea é, sem sombra de dúvidas, uma sociedade digital. Isso significa dizer que vivemos hoje em um mundo altamente tecnológico, comunicativo e informacional, com relacionamentos econômico-sociais cada vez mais complexos, difusos e virtuais.
Para acompanhar o exponencial crescimento da tecnologia, todas as áreas do conhecimento precisam se manter atualizadas e buscar o estado da arte, inclusive a jurídica. Nesse campo, temos uma área em especial que regulamenta a relação entre cidadãos e o Estado e que, por essa razão, está diretamente ligada às demandas e necessidades de uma sociedade digital: o Direito Administrativo.
Nesse contexto, é evidente que o Direito Administrativo é fortemente impactado pelas inovações que, cotidianamente, surgem no âmbito dos mais variados setores da sociedade. Com efeito, um dos instrumentos de inovação mais comentados dos últimos anos, a Inteligência Artificial (IA), é o maior exemplo atual de tecnologia disruptiva capaz de revolucionar as atividades administrativas e a governança pública.
A despeito das desconfianças e dos desafios que invariável e historicamente envolvem a assunção de tecnologias disruptivas, o fato é que, entre os benefícios que a Inteligência Artificial pode proporcionar às relações público-público e público-privadas, podemos citar como as principais a capacidade de conferir maior celeridade, eficiência, auditabilidade, transparência e confiabilidade às rotinas administrativas e às ações dos particulares que interagem com a administração pública.
Mas como a administração pública pode se utilizar dessa tecnologia para melhorar suas tarefas? Para responder a essa pergunta, precisamos primeiro entender o que pode ser considerada uma Inteligência Artificial.
I) O que é Inteligência Artificial?
Compreender o que é Inteligência Artificial é, na verdade, uma tarefa árdua, uma vez que não existe uma denominação em comum para esse tipo de tecnologia. A própria história da tecnologia nos dá uma pista sobre a dificuldade de definição dessa tecnologia, uma vez que várias ferramentas que, antigamente, poderiam ser consideradas inteligentes (a exemplo da calculadora), hoje podem não mais ser assim vistos por diversos estudiosos.
Apesar de não existir uma definição universal sobre o que é IA, esse fato não é necessariamente encarado como negativo, tendo em vista que a ausência de definição rígida permitiu e permite que a tecnologia se desenvolva de forma mais difusa.
Um dos primeiros estudiosos a se debruçar sobre IA foi Alan Turing, conhecido como o “Pai da Computação”, o qual desenvolveu o “Teste de Turing”. Nesse teste, um ser humano teria de avaliar se os textos fornecidos foram feitos por uma máquina ou por um humano, e caso a máquina conseguisse “se passar por uma pessoa”, ela passaria com sucesso no teste.
Hoje, a título de pesquisa, entende-se por mais correto subdividir a área da Inteligência Artificial, a exemplo do que foi feito pela IBM em seu artigo intitulado “What is artificial intelligence?” (O que é Inteligência Artificial?). Dessa forma, nós podemos entender IA não como algo geral, mas que possui suas próprias subdivisões e cada qual para um fim: a (i) Narrow Artificial Intelligence (Inteligência Artificial Limitada), ou também chamada de Weak Artificial Intelligence (Inteligência Artificial Fraca); e (ii) Strong Artificial Intelligence (Inteligência Artificial Forte).
De maneira simplificada, pode-se entender que uma IA Fraca (Narrow AI) é treinada para trabalhar com dados e situações específicas, ou seja, ela é especializada na realização de tarefas específicas.
Por exemplo, a maioria de nós temos hoje em nossos bolsos sistemas de IA Fraca, como é o caso de programas de reconhecimento facial/de voz de nossos smartphones. A siri, assistente virtual dos produtos da Apple, é um exemplo de IA Fraca. Apesar de aparentar possuir uma “consciência” pela alta interação com o usuário, os assistentes virtuais de voz basicamente processam nossa voz e linguagem e, a partir disso, se utilizam desse processamento para buscar, em mecanismos de pesquisa, resultados para as demandas do usuário.
Isso é feito pelo que se denomina de Machine Learning (aprendizado de máquina), aplicação pela qual as IAs, por meio do acesso aos sistemas de dados, podem “aprender” por si mesmas a interpretar e aprender com base nos dados e padrões. Isto é, aprende-se com a experiência. Assim é que, toda vez que perguntamos algo para um assistente de voz e ele erra, dificilmente o erro acontecerá de novo, uma vez que a IA buscará se adaptar e aprender com a experiência vivenciada.
Entretanto, não deixe se enganar pela facilidade com que temos acesso a tais dispositivos inteligentes, uma vez que as IAs Fracas são mecanismos altamente complexos e que processam enormes quantidades de dados. Isto é, apesar de vivermos rodeados de sistemas inteligentes, isso não os tornam simples de serem desenvolvidos e aperfeiçoados.
Aliás, um exemplo que demonstra que a IA não é algo da terceira década do século XXI é que, em 2017, o Google desenvolveu uma IA Fraca denominada “AlphaZero AI”, que ensinou a si mesma a jogar xadrez em quatro horas e ganhou do programa de IA que até então era campeã do mundo em xadrez, o Stockfish 8.
A antítese para uma IA Fraca seria uma IA Forte (Strong AI), que em termos gerais seria capaz de realizar várias funções, eventualmente ensinando a si mesma como resolver novos problemas. Podemos imaginar esse tipo de IA como as pensadas nos filmes Sci-fi, como o caso de “O Exterminador do Futuro” ou “A.I. – Inteligência Artificial”, e de maneira bem pessimista em “2001: Uma Odisséia no Espaço”.
Esse tipo de IA teria “autoconsciência” e não necessitaria de humanos para que se desenvolvesse. Na verdade, poder-se-ia considerar que a IA tomaria suas “próprias decisões” e teria sua “própria mente”, em inteligência comparativamente igual ou até maior a dos humanos – como é o caso das Artificial Super Intelligence (ASI), que logo mais mencionaremos. Ou seja, podemos entender esse tipo de IA como aquelas que os críticos tanto temem dominar o mundo e os seres humanos. A grande questão é que os caminhos para o desenvolvimento de IAs Fortes têm cada vez tomado mais forma. Não se pode dizer ainda que existem IAs desse tipo, mas já não se pode mais afirmar que se trata de uma fantasia.
E, como digna da complexidade que acompanha o assunto, a Strong AI ainda pode ser dividida em mais duas outras: a Artificial General Intelligence (AGI) (Inteligência Artificial Geral) e Artificial Super Intelligence (ASI) (Super Inteligência Artificial), sendo que “Uma AGI é uma forma teórica de IA na qual sua inteligência seria equivalente à de um humano, sendo autoconsciente com a habilidade de resolver problemas, aprender e planejar o futuro. Já uma ASI, também ainda teórica, teria uma inteligência muito superior a um humano.”
Diante de tudo o que foi exposto, compartilhamos da conclusão de Fabiano Hartmann Peixoto e Roberta Zumblick Martins da Silva, segundo os quais uma boa maneira de se compreender o termo Inteligência Artificial é “como um termo guarda-chuva: que abriga uma série de aplicações e tecnologias diferentes”, cada qual para uma destinação específica.
No mais, para a finalidade que se quer dar à Inteligência Artificial como um auxiliador da Administração Pública, entendemos como adequado nos restringir à aplicação da IA Fraca (Narrow AI), ou seja, um sistema que seja treinado e focado no processamento de padrões e dados para a realização de tarefas específicas.
II) Como uma Inteligência Artificial pode ser utilizada pela a Administração Pública em suas contratações com particulares?
Antes de falarmos da aplicação das IAs às compras públicas, é pertinente que façamos o destaque para a inclusão da inovação tecnológica que a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021) fez no mundo das contratações públicas.
Por exemplo, a Nova Lei de Licitações estabeleceu, no seu artigo 11, inciso IV, o incentivo à inovação e o desenvolvimento nacional sustentável como objetivo dos processos licitatórios. Essa previsão, apesar de não ser uma novidade no ordenamento jurídico brasileiro, é um forte estímulo para a consolidação da inovação nas contratações públicas. A administração pública deve sempre buscar inovar, facilitar e dinamizar as compras públicas, modernizando e aproximando as licitações da tecnologia e da realidade do mercado.
A Nova Lei de Licitações também estabeleceu como regra a tramitação eletrônica do processo administrativo (art. 17, §2º), bem como criou o Portal Nacional de Contratações Públicas – PNCP. Ambas as medidas demonstram o espírito da nova legislação de se valer de ferramentas tecnológicas para modernizar o regime jurídico de licitações e contratos, o qual historicamente sempre foi reconhecido por ser analógico e extremamente burocrático.
Além disso, tanto a utilização de processos administrativos eletrônicos como a criação do PNCP permitem que sistemas que operam mediante Inteligência Artificial sejam desenvolvidos e utilizados pela administração pública e por particulares, especialmente na atividade de controle interno, externo e social das compras públicas, sem falar nas próprias rotinas internas dos órgãos públicos.
Dito isso, considerando o caráter inovador da Nova Lei de Licitações, é essencial que nós entendamos como uma Inteligência Artificial pode ser utilizada, efetivamente, para o benefício da Administração e seus administrados.
III) Como uma IA pode ser usada nas contratações públicas?
Apesar da recente empolgação com as possibilidades de uso de IAs – como o ChatGPT, desenvolvido pela Open AI –, muito ainda há o que se discutir sobre o seu uso para substituição de operadores do direito no dia a dia, uma vez que a sensibilidade e análise humana são fundamentais para o Direito e sua prática, especialmente em se tratando da administração pública e da sua relação com os cidadãos.
Contudo, por certo é que uma Inteligência Artificial é muito útil na substituição de seres humanos em processos mecânicos e repetitivos, os quais se utilizam de dados e padrões para sua consecução, a exemplo de minutas de recursos, análise de preços e elaboração de relatórios. A execução dessas atividades pode, hoje, ser auxiliada por ferramentas de IA, sem necessariamente substituir o operador humano – que ainda terá a essencialidade de sua percepção e criatividade humanas.
Um dos motivos que permitem que a IA auxilie os humanos em tais atividades é o Processo de Linguagem Natural (Natural Language Processing – NLP), que, em síntese, significa a habilidade das máquinas de “ler” ou “entender” a linguagem humana, sendo capaz de “traduzir” o que nós falamos e escrevemos para a linguagem das máquinas, como a Java e Python, entre outras. E não só uma tradução literal é feita, como também a análise do contexto, preferências, e demais complexidades de interpretação e diálogo que os sistemas usam para refinar cada vez mais a capacidade de resposta e processamento de dados, o que é chamado, grosso modo, de deep learning.
Assim é que, ao estabelecer o processo administrativo eletrônico como regra, a Nova Lei de Licitações não só tem o potencial de tornar as compras públicas mais céleres e eficientes, como também facilita a disponibilização, seja interna ou externa, de dados e informações que potencializam o uso de IA, por exemplo, que podem atuar como verdadeiros agentes fiscalizadores dos procedimentos licitatórios, seja dos órgãos de controle interno e externo, seja dos cidadãos que possuem o interesse de fiscalizar a atividade administrativa.
Somado a isso, a criação de uma plataforma online de licitações públicas, o Portal Nacional de Contratações Públicas – PNCP, que tem entre suas finalidades a centralização de diversas informações relevantes relacionadas com as contratações públicas regidas pela nova lei, em formato de dados abertos, permitindo que as ferramentas de IA atuem e auxiliem as atividades de controle nas compras públicas.
Aliás, tal possibilidade está prevista, inclusive, no artigo 169 da Nova Lei de Licitações, que consigna expressamente a adoção de recursos de tecnologia da informação para as atividades de controle das compras públicas:
Art. 169. As contratações públicas deverão submeter-se a práticas contínuas e permanentes de gestão de riscos e de controle preventivo, inclusive mediante adoção de recursos de tecnologia da informação, e, além de estar subordinadas ao controle social, sujeitar-se-ão às seguintes linhas de defesa
Por fim, listamos abaixo alguns exemplos de uso de Inteligência Artificial no ambiente licitatório, com o intuito de demonstrar como uma IA poder ser utilizada para ajudar no controle das compras públicas:
(i) estruturar dados inicialmente não estruturados, a fim de facilitar a análise e o processamento por máquina;
(ii) organizar automaticamente os documentos dos processos administrativos;
(iii) aplicar a técnica de ocerização de arquivos em imagem para transformá-los em formato texto pesquisável;
(iv) realizar o cruzamento de dados para apurar possíveis óbices à participação de empresas em licitações em andamento ou à contratação ao final;
(v) reduzir a termo, de forma automatizada, as sessões públicas gravadas em áudio e vídeo;
(vi) efetuar pesquisas de preços e verificar orçamentos, propostas e cobranças, a fim de identificar possíveis superfaturamentos ou sobrepreços;
(vii) apoiar o processo de redação de relatórios, decisões e documentos em geral, com correção de texto e sugestão de jurisprudência e doutrina que podem ter relação com o caso concreto;
(viii) empreender a anonimização de possíveis dados sensíveis e sigilosos, em atenção às regras impostas pela Lei de Acesso à Informação e pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD (Lei nº 13.709/2018); e
(ix) criar acervos de decisões administrativas e de modelos de atos administrativos a serem compartilhados entre os servidores públicos e as unidades de controle dos órgãos e das entidades.
IV) Conclusão
Esse texto teve por objetivo apresentar, de forma didática e minimamente técnica, a Inteligência Artificial e como ela pode contribuir para melhorar os processos de contratações públicas. Basicamente, conclui-se que o uso da IA pode tornar os procedimentos licitatórios mais céleres e efetivos, cumprindo com o princípio da eficiência, baluarte da administração pública.
Com a Nova Lei de Licitações, a inovação como objetivo nas compras públicas foi oficializada, criando um ambiente propício para o uso de sistemas inteligentes e aumentando as chances de que as alterações trazidas pela nova legislação incrementem a celeridade, eficiência, auditabilidade, transparência e confiabilidade das compras públicas.
O Portal Nacional de Compras Públicas – PNCP e a consolidação do processo administrativo eletrônico como regra nos processos de contratações públicas foram marcos importantes para a aplicação de novas tecnologias e a adaptação do ambiente licitatório às mudanças.
Certamente, ainda há muito a ser explorado na evolução das IAs e o seu uso pela administração pública, mas é fato que já vem sendo utilizado no âmbito público e pelos órgãos de controle, sendo atualmente um importante instrumento que contribui para a governança das contratações públicas.
Read More
TCU define como a Administração Pública pode optar pela antiga Lei de Licitações mesmo com a vigência obrigatória da Nova Lei
A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos – NLLCA (Lei nº 14.133/2021) prevê, no inciso II de seu artigo 193, que a Lei nº 8.666/1993 (antiga Lei de Licitações e Contratos Administrativos), a Lei nº 10.520/2002 (Lei do Pregão) e os arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462/2011 (Lei do RDC) serão revogados após decorridos 2 anos de sua publicação, prazo este que findará no dia 1º de abril de 2023.
Além disso, no artigo 191, a NLLCA prevê que, durante o período de 2 anos fixado, de 1º de abril de 2021 a 31 de março de 2023, a Administração poderá optar por licitar ou contratar de acordo com as leis a serem revogadas, citadas acima, mediante indicação expressa no edital ou no aviso de instrumento de contratação direta.
Até 22/03/2023, no entanto, o Tribunal de Contas da União (TCU) ainda não havia manifestado o seu entendimento sobre até quando a Administração poderia optar pela lei anterior, tampouco sobre como essa opção deveria ser feita. Havia, ainda, dúvidas e insegurança jurídica.
Porém, em sessão plenária ocorrida em 22/03/2023, o TCU resolveu a questão levantada e proferiu o Acórdão nº 507/2023, sob a relatoria do Ministro Augusto Nardes.
Segundo o Acórdão nº 507/2023, a Administração Pública poderá optar pela aplicação do regime da legislação antiga (Lei nº 8.666/1993, Lei nº 10.520/2022 e Lei nº 12.462/2011) em licitação ou em contratação pública direta, desde que respeitados os seguintes requisitos:
a) A autoridade competente precisa manifestar expressamente a opção na fase preparatória e interna, antes da divulgação do edital ou aviso de contratação, em processo administrativo já instaurado;
b) O edital ou o aviso de contratação deverão ocorrer até 31/12/2023, final do ano, para que a opção continue válida;
c) Os processos que não se enquadrarem nessas diretrizes deverão observar o regime jurídico da Lei nº 14.133/2021.
A decisão da Corte de Contas é importante porque, com ela, foram sanadas dúvidas sobre como deve ser interpretado o artigo 191 da Lei nº 14.133/2021, garantindo maior segurança jurídica tanto aos agentes públicos envolvidos com os processos de contratação pública como para as empresas que já contratam ou desejam contratar com a Administração Pública.
Read More
Usufruto como instrumento de planejamento patrimonial sucessório
O que é o usufruto?
O usufruto consiste em uma forma de transmissão da posse de um objeto a uma terceira pessoa, denominada usufrutuária. Esse direito concedido permite que terceiros desfrutem do objeto, exercendo o seu direito à posse e à administração da coisa.
O proprietário, ou “nu-proprietário”, do bem mantém a sua titularidade, podendo transferi-lo ou aliená-lo a outra pessoa, receber os frutos e rendimentos bem como possui o direito de reaver a coisa, de reivindicá-la das mãos de quem injustamente a possua ou a detenha. O usufrutuário, por outro lado, possui o direito de usar e fruir do bem, podendo obter proveito econômico sobre ele, desde que não altere a sua substância.
Como pode ser instituído o usufruto?
Em princípio, o usufruto pode ser constituído por determinação legal, como o usufruto dos pais sobre os bens do filho que ainda não atingiu a maioridade (CC, art. 1.689, I), por ato de vontade, em contrato ou testamento.
A constituição do usufruto pode ser em favor de mais de uma pessoa, recaindo sobre um ou mais bens, sendo estes móveis, imóveis, singulares ou coletivos, em um patrimônio inteiro, ou parte deste.
Além disso, pode-se instituir o usufruto com um prazo determinado, estabelecendo um limite máximo para que o usufrutuário possa utilizar o bem. Caso não haja a estipulação expressa de um prazo determinado, entende-se que o usufruto é vitalício, extinguindo-se, em regra, apenas com o falecimento de uma das partes.
Como o usufruto pode ser utilizado em um planejamento sucessório?
O planejamento patrimonial e sucessório consiste em um conjunto de medidas capazes de organizar a sucessão hereditária de bens e direitos. Para isso, o detentor do patrimônio poderá utilizar quantos instrumentos jurídicos forem necessários para organizar e otimizar o processo de transmissão do patrimônio aos seus herdeiros legais e/ou testamentários.
A forma mais comum de utilização deste instrumento em um planejamento sucessório é através de um contrato de doação, com reserva de usufruto, entre ascendentes e descendentes. Assim, os genitores transmitem, desde logo, o patrimônio aos seus herdeiros.
Nesta modalidade, alia-se a liberalidade e gratuidade da doação com a garantia e a segurança jurídica do usufruto, reservando ao doador, enquanto vivo, continuar administrando o bem e recebendo os seus frutos e rendimentos, se assim o quiser.
Além disso, é possível ao testador destinar determinado bem para um sucessor, reservando o usufruto deste mesmo bem em favor de uma terceira pessoa. Esta situação é comumente utilizada quando os herdeiros ainda não atingiram a maioridade e os genitores organizam a transmissão do patrimônio de modo que uma pessoa de confiança possa administrá-lo até que os herdeiros atinjam a maioridade ou cumpram certas obrigações, como a conclusão de ensino superior.
Ficou com alguma dúvida ou gostaria de deixar algum comentário? Envie um e-mail para contato@schiefler.adv.br que um de nossos advogados especialistas irá lhe atender!
Read More
O que são e como funcionam os golpes financeiros
Nos últimos anos, o número de anúncios falsos que prometem ganhos monetários fáceis ou em quantidades desproporcionais àquelas comumente auferidas no mercado se multiplicou, fazendo com que várias vítimas perdessem milhares, ou até mesmo milhões, de reais em verdadeiros golpes profissionais perpetrados por meio de estruturas empresariais voltadas exclusivamente para dispersão do produto do crime.
Quando as pessoas caem nesses golpes, muitas das vezes demoram a descobrir que se tratava de uma fraude. O desconhecimento do modus operandi é a ferramenta que mais proporciona a impunidade aos golpistas, visto que os clientes contratam a prestação de um serviço que lhes parece vantajoso — um produto de investimentos em ativos financeiros, inclusive em moedas e criptomoedas —, criando confiança no atendimento (que parece atencioso, dedicado e de qualidade) dos criminosos para que, nesse meio tempo, transfiram o dinheiro para fora do Brasil ou para inúmeras contas de laranjas, que maquiam o destino das quantias aportadas.
Geralmente, os golpes financeiros virtuais são perpetrados por falsas casas de apostas, por falsas corretoras de investimento (em criptoativos e/ou no mercado de ações brasileiro ou estrangeiro), por vendas de cursos que não possuem qualquer efetividade (ou que sequer existem) ou por transferências bancárias (ou PIX) com falsas promessas de retorno imediato. Assim, dentre os traços distintivos dos golpes financeiros, destacam-se as promessas, feitas pelos criminosos, de lucros superiores à média dos lucros do mercado financeiro.
Com propósitos ilustrativos, pode-se citar golpes bastante comuns que são perpetrados e divulgados em redes sociais, sendo geralmente acompanhados de promessas como “transfira R$ 100 reais no PIX e receba R$ 1000 em algumas horas” (rendimento de 1000% em menos de um dia), “ganhe dinheiro apenas assistindo vídeos do YouTube”, “invista e receba 1% de retorno por dia com ações”, “compre o curso para aprender a pagar todas as suas contas com Day Trade”, dentre diversos outros. Veja-se que os lucros advindos de tais “anúncios” são praticamente inalcançáveis em condições normais de investimento, visto que os juros de empréstimos e dividendos de ações costumam render, se muito, 1% do valor aportado por mês. Os ganhos diários nas condições apresentadas só poderiam ser auferidos por Day Trade e em situações muito específicas, muitas das vezes dependendo de sorte (o que não se repetirá diariamente).
Em regra, essas instituições não são sediadas no Brasil, nos Estados Unidos da América ou em países da Europa, por exemplo, mas em paraísos fiscais, como Chipre, Maldivas e São Vicente e Granadinas. Por isso, uma das principais formas de identificar um golpe financeiro é consultar o local em que a instituição financeira tem sede. Essa informação pode estar disponível no rodapé do sítio eletrônico dessa instituição ou em outros documentos oficiais da empresa (os quais, infelizmente, por vezes, são de difícil acesso, o que reforça a necessidade de extrema cautela).
Na maioria dos casos em que os golpistas se valem de empresas internacionais fantasmas, a organização criminosa (que muitas das vezes opera aqui mesmo, no Brasil) contrata uma empresa especializada na constituição de offshores em paraísos fiscais para que, em seu próprio nome (e não dos criminosos), crie uma sociedade e uma conta bancária no país. Essas empresas especializadas geralmente atuam de forma remota, sequer exigindo que os criminosos precisem se deslocar para o paraíso fiscal.
Criada a sociedade, a empresa especializada assina uma procuração em favor dos golpistas que passam a administrar a sociedade de fachada. Percebe-se que, com essa operação criminosa, nem as autoridades brasileiras nem as estrangeiras têm acesso à verdadeira identidade dos mandantes do crime.
Tanto não têm sede no Brasil que essas empresas sequer constam da relação de instituições financeiras registradas no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, nas Juntas Comerciais e na Comissão de Valores Mobiliários, bastando, portanto, a consulta a esses bancos de dados para constatar que se tratam de empresas, por vezes, fraudulentas.
Nos golpes financeiros virtuais, os membros da organização criminosa que interagem com o cliente, isto é, a vítima, utilizam linguagem persuasiva, sempre prometendo a manutenção ou o aumento dos ganhos financeiros no curto prazo, bastando, para tanto, que se mantenham ou aumentem os aportes financeiros na empresa.
Contudo, esses aportes são feitos em contas bancárias não pertencentes à própria instituição financeira, como a corretora de investimentos, que, usualmente, deveria ser a beneficiária desses aportes. Ao contrário, eles são realizados em contas de terceiros, que atuam como “Payment Service Providers”, ou seja, intermediários entre a vítima e a suposta instituição financeira.
Acontece que corretoras e empresas sérias também costumam se valer de intermediadores de pagamento (geralmente bancos ou outras instituições financeiras), devendo o investidor redobrar a atenção quando se depara com estes terceiros, sugerindo-se fortemente que sejam feitas pesquisas sobre sua procedência de mercado antes da realização do aporte.
Tais “Payment Service Providers” fraudulentos são chamados na linguagem coloquial de “laranjas” e podem atuar nos golpes financeiros de diversas formas. Por vezes, os “laranjas” são profissionais que conscientemente vendem suas identidades para que os golpistas abram as empresas intermediárias e diluidoras em seus nomes, dificultando que as autoridades policiais descubram quem foi o verdadeiro mandante. Em outros casos, os “laranjas” são pessoas humildes que são cooptadas pelos criminosos e, em sua ignorância, recebem pequenas quantias de dinheiro para permitir a utilização de seus documentos pessoais para a abertura de empresas fraudulentas.
Normalmente, uma vez transferidas quaisquer quantias monetárias para esses terceiros, eles (ou os próprios criminosos, em nome dos “laranjas”) distribuem o dinheiro entre contas bancárias dos demais integrantes da organização criminosa (ou dos demais “laranjas”, diluindo-o em ativos financeiros (inclusive criptomoedas), em bens materiais, como casas, carros etc., ou em transferências internacionais para a empresa “fantasma” criada em um paraíso fiscal, o que inviabiliza – ou muito dificulta – a recuperação dessas quantias em caso de solicitação de saque dos investimentos e torna árdua a tarefa de identificação do fluxo das transações realizadas em caso de investigação policial.
Exemplificativamente, tem-se o caso dos crimes apurados pela operação Black Monday, originária do Ministério Público de Minas Gerais e da Polícia Federal. Os crimes apurados, em suma, a princípio consistiram na disponibilização de uma suposta plataforma de investimentos falsa, mas na qual as vítimas depositavam alguma confiança, mormente em razão do fato de que o sistema de investimentos simulava operações reais, porém sem que a vítima efetivamente fosse proprietária dos ativos financeiros supostamente comprados.
Ao contrário, as vítimas aportavam dinheiro na suposta corretora de investimentos por meio de terceiros, os Payment Service Providers, que, por sua vez, ao invés de transferirem os recursos para a corretora, os desviavam para contas de outros integrantes da organização criminosa e os diluíam em bens materiais diversos, dispersando o produto do crime e, sobretudo, dificultando eventual investigação governamental.
Assim, as principais formas recomendadas por nós para que você identifique um golpe financeiro são: i) comparar a proporção dos lucros prometidos com os lucros médios do mercado, ii) verificar se as instituições financeiras estão registradas no Brasil, e não em “paraísos fiscais” ou em países sem legislação rigorosa em matéria de finanças, iii) verificar se os aportes estão sendo feitos para contas bancárias cujos titulares são as instituições financeiras, ou, principalmente, o próprio investidor, e não um intermediário que promete repassar o dinheiro às instituições em questão.
Em caso de dúvidas, consulte um advogado e acione as autoridades competentes, como a Polícias Civil, a Polícia Federal, o Ministério Público e o PROCON de seu Estado.
Read More