
Qual a importância de um planejamento patrimonial?
Atualmente, observa-se a crescente preocupação em relação a como ficará a disposição patrimonial em vida ou no pós-morte. Nesse sentido, há um aumento expressivo na busca pelo planejamento patrimonial, seja para assegurar o patrimônio empresarial e pessoal em vida, ou para planejar a sucessão.
O que é o planejamento patrimonial?
Em síntese, o patrimônio pode ser considerado como o conjunto de bens, direitos e obrigações de um indivíduo. Nesse sentido, o planejamento patrimonial consiste em uma estratégia de organização, administração e manutenção desse patrimônio e, através de diversos mecanismos jurídicos, busca estruturá-lo objetivando uma finalidade pessoal, empresarial ou sucessória.
Quais os principais objetivos do planejamento patrimonial?
A estruturação de um planejamento patrimonial é feita de maneira individualizada, de acordo com os objetivos particulares de cada indivíduo. Pode-se elencar como alguns dos objetivos para a realização de um planejamento patrimonial:
- Organização patrimonial: busca evitar que o patrimônio perca seu valor ou seja ameaçado por riscos desnecessários, conferindo maior segurança à manutenção dos bens.
- Organização familiar e sucessória: pode-se realizar antecipadamente uma estruturação do patrimônio familiar, alinhando os interesses do titular e reduzindo as burocracias em caso de falecimento deste, de modo a garantir maior segurança e estabilidade aos herdeiros e sucessores e minimizando os riscos de conflitos futuros. Além disso, também pode ser inserido nesse tópico a organização do planejamento sucessório empresarial, de modo a regulamentar as disposições das empresas familiares.
- Planejamento tributário: o planejamento patrimonial também pode ser utilizado como uma estratégia na redução lícita do pagamento de tributos. A organização patrimonial pode ser realizada de modo a objetivar a minimização do impacto dos encargos tributários sobre os bens, possibilitando que o indivíduo ou a empresa tenha um menor desembolso.
Afinal, qual a importância do planejamento patrimonial?
O planejamento patrimonial é indispensável aos que desejam proteger seu patrimônio contra eventualidades que possam surgir ao longo do tempo, bem como obter uma melhor administração e manutenção deste.
A importância do planejamento patrimonial pode ser observada nos seguintes aspectos:
- Na preservação e proteção dos bens mediante as situações de risco, em especial, ao assegurar maior estabilidade patrimonial nos momentos de conflitos socioeconômicos e políticos do país;
- Promove uma administração mais efetiva e organizada dos bens, visando a minimização de riscos na organização empresarial;
- Auxilia previamente nas determinações para a realização da sucessão do patrimônio, bem como a sua transmissão de direitos e obrigações aos eventuais sucessores, sendo um grande aliado no processo sucessório;
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TJSP reconhece a inexistência de relação de representação comercial e nega pleito de indenização por rescisão contratual
Em decisão recente, a 13ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu a inexistência de relação de representação comercial entre empresas que mantinham contrato de parceria comercial e consultoria e, por consequência, julgou indevido o pedido de indenização prevista na Lei de Representação Comercial pretendida pela empresa contratada, que alegava ser representante comercial, pela rescisão do contrato.
Além disso, levando em consideração que a empresa contratada formalizou protesto de um débito inexistente, e que isso gerou prejuízos à reputação da empresa contratante, o TJSP condenou a contratada ao pagamento de indenização por danos morais.
Contexto do caso: a natureza da relação mantida e a rescisão contratual
No caso julgado pelo TJSP, ambas as empresas formalizaram contrato de parceria comercial e consultoria, por prazo indeterminado, no qual a empresa contratada havia assumido a obrigação de identificar oportunidades de negócios estratégicos para a contratante, notadamente junto ao Poder Público, pelos formatos de contratações administrativas previstos em lei.
A relação mantida entre as partes se desenvolveu regularmente até que, em 2018, por uma série de razões, a empresa contratante decidiu rescindir o contrato firmado. Para tanto, observando as cláusulas previstas no instrumento contratual, formalizou aviso prévio de 30 dias. Após a decorrência do prazo, a rescisão perfectibilizou-se sem qualquer ônus às partes, da forma como convencionado no contrato.
No entanto, em 2020 e, portanto, dois anos após a rescisão contratual, a empresa contratada notificou a contratante para que esta realizasse o pagamento de indenização em razão do rompimento do contrato com fundamento no art. 27, “j”, da Lei nº 4.886/1965, que rege as relações de representação comercial.
Após a resposta à notificação pela empresa contratante, a contratada requereu, novamente, o pagamento da indenização e, ato contínuo, formalizou protesto deste valor em cartório extrajudicial, alegando a existência de uma suposta duplicata como título executivo para tanto. Como consolidado na jurisprudência sobre o tema, nestes casos se presume que a medida causa prejuízos à reputação da empresa que sofre o protesto, motivo pelo qual, ao se reconhecer que o protesto foi indevido, deve ser determinada a indenização por danos morais.
O reconhecimento judicial de inexistência do débito e a condenação à indenização por danos morais
Diante do ocorrido, a empresa contratante ajuizou ação buscando a declaração judicial de inexistência do débito e a condenação da contratada ao pagamento de indenização por danos morais, em virtude do protesto lavrado indevidamente. A ação foi distribuída à 27ª Vara Cível do TJSP, que a julgou integralmente procedente.
Após a interposição de recurso de apelação, a sentença foi mantida pelo TJSP, em acórdão proferido pela 13ª Câmara de Direito Privado, sob a relatoria do Desembargador Francisco Giaquinto, ementado nos seguintes termos:
Ação declaratória de inexistência de débito – Protesto de duplicata sem causa subjacente – Sentença de procedência da ação e improcedência da reconvenção – Alegação da autora inexistir base para saque da duplicata mercantil – Duplicata emitida com base em indenização que a ré alega ter direito pela rescisão de contrato de representação comercial com base na Lei 4886/65 – Somente autoriza-se o saque de duplicata com base em operação de compra e venda mercantil ou prestação de serviço – Impossibilidade de saque de duplicata com base em valor que a ré entende cabível com base em interpretação da situação fática. Protesto de duplicata ilícito – Contrato de parceria comercial de prestação de serviços de consultoria e não de representação comercial – Autora contratada com objeto precípuo de coleta de oportunidades de negócios, remetendo-as à ré – Ausência de autonomia na conclusão dos negócios – Ausência dos requisitos previstos no art. 1º da Lei 4.886/65 – Cláusulas sinalagmáticas, livremente pactuadas entre as partes, devendo ser mantidas em consonância com o princípio pacta sunt servanda –Não caracterização de representação comercial entre as partes – Pedido de indenização que se mostra indevido – Danos morais – Caracterização – Protesto ilícito de duplicata – Danos morais evidenciados com o próprio fato ilícito – Damunm in re ipsa – Sentença mantida – Recurso negado.
As decisões judiciais do caso foram baseadas nas provas e fundamentos apresentados pelo escritório Schiefler Advocacia.
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Anulação do certame licitatório: o que diz a lei e a jurisprudência?
No Direito, a “anulação” é um tema que está sempre relacionado à verificação da ocorrência de alguma ilegalidade que não possa ser corrigida sem grave prejuízo. Em licitações, a anulação é o ato pelo qual a Administração Pública aponta a ocorrência de uma ilegalidade (vício) e, em razão disso, determina o desfazimento parcial ou integral do certame.
Mas não são todos os vícios que resultam automaticamente na anulação de um processo licitatório. Alguns vícios podem possuir a natureza de mera irregularidade, sem prejuízos materiais ou consequências drásticas sobre a continuidade do procedimento. Nesses casos, deve a Administração buscar reparar tais defeitos de procedimento. Dessa forma, a anulação ocorrerá somente nos casos em que os vícios impliquem consequências graves e substanciais, com o potencial de invalidar todo o andamento do certame.
Neste texto, veremos como a Nova Lei de Licitações lida com a anulação e como esta disciplina legal se relaciona com alguns precedentes jurisprudenciais que já abordavam o tema.
1. A anulação na Nova Lei de Licitações:
Como dito anteriormente, a anulação de uma licitação deve ocorrer apenas diante dos denominados “vícios insanáveis”. Isto é, diante daqueles vícios que não são passíveis de serem corrigidos e que, por isso, inviabilizam a legalidade do certame como um todo ou o seu aproveitamento para a futura etapa de contratação.
Assim, segundo a Lei nº 14.133/2021, diante de uma irregularidade, a Administração deve, primeiro, buscar corrigir o vício, e somente se não for possível tal correção, deve lançar mão de um ato de anulação. Esse é o teor do art. 71 da Lei nº 14.133/2021, vejamos:
Art. 71. Encerradas as fases de julgamento e habilitação, e exauridos os recursos administrativos, o processo licitatório será encaminhado à autoridade superior, que poderá:
I – determinar o retorno dos autos para saneamento de irregularidades;
[…]
III – proceder à anulação da licitação, de ofício ou mediante provocação de terceiros, sempre que presente ilegalidade insanável; […]
O exame dos “erros” que podem ou não resultar em anulação do certame deve ser feito pela autoridade superior, que, no caso, também é a autoridade competente para adjudicar o objeto e homologar a licitação. Esse exame faz parte do “controle interno” que a própria Administração realiza sobre os atos que pratica. Contudo, vale lembrar que a anulação de uma licitação também pode ser feita tanto pelo Poder Judiciário quanto pelo Tribunal de Contas competente da respectiva esfera.
Mas, atenhamo-nos, aqui, ao controle interno da própria Administração. Isso porque, ao verificar a ocorrência de algum problema, a autoridade superior deve determinar o retorno do processo para o refazimento do ato manchado por uma irregularidade. Porém, identificando a impossibilidade dessa correção (saneamento), a autoridade superior, de ofício ou a pedido, poderá anular a licitação, no todo ou em parte, a fim de que tal vício não comprometa a integridade dos resultados do certame futuramente.
A excepcionalidade na anulação de um certame respeita o princípio segundo o qual não deve ser reconhecida a nulidade quando não há dano às partes envolvidas ou ao objeto chancelado pelo procedimento (o que a doutrina jurídica chama de “pas de nullité sans grief”).
Assim, a lei dispõe que nesses casos de anulação deve ser garantida a prévia manifestação dos interessados, a fim de que se dê voz sobre a gravidade da irregularidade identificada. Essa previsão demonstra que a anulação é medida que resguarda o interesse das próprias partes envolvidas, de modo que a não concessão de oportunidade prévia para manifestação pode ser, inclusive, uma irregularidade sobre o ato de anulação.
Vale ressaltar que o ato de anulação é também, ele próprio, passível de ser objeto de recurso administrativo, no prazo de três dias úteis, contados da data de intimação ou de lavratura da ata, conforme redação do art. 165, I, d, da Lei nº 14.133/2021.
2. Precedentes jurisprudenciais
Feitas essas considerações, nos cabe comentar um pouco sobre alguns casos já enfrentados pela jurisprudência e que podem seguir orientando o tema na vigência da Nova Lei de Licitações.
Um bom exemplo diz respeito à anulação de licitações após a adjudicação do objeto e a homologação do certame. De forma ilustrativa, imagine um caso em que a parte impetra Mandado de Segurança para pedir a anulação da licitação, porém, antes que o processo judicial seja efetivamente julgado, ocorre a homologação da licitação e a adjudicação do objeto em favor da licitante vencedora.
Foi diante de um caso assim que o Superior Tribunal de Justiça afastou o argumento de que a adjudicação do objeto da licitação ocasionaria, automaticamente, na perda do objeto da ação (Mandado de Segurança), em que se tratava da ocorrência de vícios no certame licitatório. Assim, o STJ fixou o entendimento de que a apreciação de eventuais ilegalidades não pode ser afastada do Poder Judiciário, em qualquer tempo, sendo possível, inclusive, determinar-se a anulação da licitação mesmo após o seu encerramento. [1]ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL. CIVIL. LICITAÇÃO. TÉCNICA E PREÇO. JULGAMENTO. RECURSO ADMINISTRATIVO. PROJETO EXECUTIVO NA TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO. MINISTRO DE ESTADO DA INTEGRAÇÃO … Continue reading
Há, no entanto, casos em que os órgãos de controle, ao ponderar sobre as consequências práticas de suas decisões, acabam por não interferir nas escolhas administrativas, especialmente quando estas podem importar em anulação de uma licitação ou prejudicar um contrato administrativo em execução. Isto é, existem casos em que os órgãos de controle, e a própria Administração Pública, podem, excepcionalmente, optar pela convalidação das irregularidades ocorridas, porque esta atitude se apresenta como mais favorável ao interesse público.
O Tribunal de Contas da União já enfrentou caso similar em que se verificou que, embora tenha ocorrido uma série de falhas em relação à publicidade e à competitividade do certame, ainda assim, o procedimento resultou na celebração de contratos com preços vantajosos para a Administração. [2]No seu voto, o Ministro Relator consignou que: Não há, portanto, razão para anular os referidos contratos, uma vez que foram avençados a preços vantajosos para a administração e não se … Continue reading
Esse precedente do TCU revela que, a depender da gravidade dos erros identificados na licitação e dos resultados atingidos por esse procedimento, a anulação nem sempre é a melhor medida a ser tomada. Em outras palavras, diante de uma irregularidade que poderia ter sido saneada, porém, tendo a licitação alcançado o resultado almejado, mediante a celebração de um Contrato vantajoso à Administração, os vícios identificados poderão ser convalidados, mantendo a contratação feita em favor do interesse público.
Vale salientar que essa lógica, inclusive, foi absorvida pela Nova Lei de Licitações, no seu art. 147, parágrafo único, que prevê expressamente que caso a anulação não se revele medida de acordo com o interesse público, “o poder público deverá optar pela continuidade do contrato e pela solução da irregularidade por meio de indenização por perdas e danos, sem prejuízo da apuração de responsabilidade e da aplicação de penalidades cabíveis”.
3. O que fazer diante de um ato de anulação?
Como se pode ver, o ato de anulação possui tanto o aspecto de proteção da lisura do procedimento licitatório e do objeto a ser contrato, quanto o aspecto de prestar atenção aos resultados da licitação e da contratação, quando não se está diante de uma ilegalidade insanável. Isto é, entre as possibilidades de correção do vício e anulação, quando na esfera administrativa, ou entre as possibilidades de convalidação do vício e anulação, quando na esfera judicial ou de controle de contas, deve haver sempre um juízo de ponderação sobre o interesse público e o interesse das partes envolvidas.
Nestes casos, a existência ou não de dano em razão do vício deve ser aferida mediante o diálogo da Administração Pública, ou órgãos de controle, com as partes interessadas. Assim, diante de uma irregularidade ou uma anulação de certame, existem uma série de medidas legais que o particular poderá adotar. Como, por exemplo:
- pedido administrativo de nulidade;
- prévia manifestação ao ato de anulação;
- recurso administrativo em face de ato anulação;
- representação junto ao Tribunal de Contas;
- ação judicial.
Todas essas são medidas que o particular pode lançar mão para argumentar acerca da existência ou extensão de um dano por irregularidade no procedimento. Para a boa utilização de todos esses instrumentos, é indispensável o acompanhamento de um profissional capacitado na área.
Se você possui alguma dúvida ou sugestão em relação ao tema? Entre em contato conosco por meio do e-mail contato@schiefler.adv.br, para que um dos nossos advogados especialistas na área possa lhe atender.
Referências[+]
↑1 | ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL. CIVIL. LICITAÇÃO. TÉCNICA E PREÇO. JULGAMENTO. RECURSO ADMINISTRATIVO. PROJETO EXECUTIVO NA TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO. MINISTRO DE ESTADO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL. CONSULTORIA. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM REJEITADA. PRELIMINAR DE DECADÊNCIA. REJEITADA. PRELIMINAR DE PERDA DE OBJETO. NÃO ACOLHIDA. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. NÃO ACATADA. ALEGADAS INFORMAÇÕES PRIVILEGIADAS. NÃO COMPROVAÇÃO. PRETENSA SUBJETIVIDADE DO EDITAL. JULGAMENTO MOTIVADO. VIOLAÇÃO À ISONOMIA. INOCORRÊNCIA. OFENSA AO ART. 9º, I, DA LEI 8.666/93. INEXISTENTE. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. 1. Cuida-se de mandado de segurança impetrado contra decisão de Ministro de Estado que negou provimento ao recurso administrativo interposto contra o julgamento de proposta técnica de licitação para contratação de consultoria para formulação de parte de projeto executivo para obra de grande escala (Transposição do Rio São Francisco). […] 4. A Corte Especial do STJ já acordou que “a superveniente adjudicação não importa na perda de objeto do mandado de segurança, pois se o certame está eivado de nulidades, estas também contaminam a adjudicação e posterior celebração do contrato” (AgRg na SS 2.370/PE, Rel. Min. Ari Pargendler, Corte Especial, DJe 23.9.2011). No mesmo sentido: REsp 1.128.271/AM, Rel. Min; Castro Meira, Segunda Turma, DJe 25.11.2009; e REsp 1.059.501/MG, Rel. Min; Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 10.9.2009. Rejeitada a preliminar. […] (MS n. 12.892/DF. STJ. Primeira Seção. Relator: Min. Humberto Martins. Julgado em: 26/2/2014. Publicado em: 11/3/2014). |
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↑2 | No seu voto, o Ministro Relator consignou que: Não há, portanto, razão para anular os referidos contratos, uma vez que foram avençados a preços vantajosos para a administração e não se vislumbra risco de dano ao erário na sua execução. Em casos como o ora analisado, em que se verifica a ocorrência de falhas em relação ao procedimento licitatório, notadamente em relação à publicidade e competitividade, há que se sopesar outros princípios que regem o agir administrativo sob pena de a atuação do poder público ocasionar um dano maior que aquele que visava a combater. Muitas vezes, embora contendo vícios, a opção da convalidação do ato irregular é a que melhor atende à administração e ao interesse público. (Acórdão 1.823/2017. TCU. Plenário. Relator: Min. Walton Alencar Rodrigues. Julgado em: 23/8/2017. Publicado em: 4/9/2017) |

Sou credor das Americanas. E agora?
Como vem sendo amplamente noticiado, a companhia Americanas S.A. (“Lojas Americanas”) divulgou que constatou uma inconsistência de R$ 20 bilhões em seu balanço contábil no início de 2023, o que põe sérias dúvidas sobre a sua solvência frente às dívidas assumidas com todos os seus credores.
Sabendo do que diz o artigo 1.425 do Código Civil (o vencimento da dívida se antecipa caso o devedor caia em insolvência ou deixe de adimplir as obrigações sucessivas na forma do pactuado), a empresa logo pediu uma tutela cautelar ao Poder Judiciário para impedir a antecipação da exigibilidade das dívidas que somam mais de R$ 40 bilhões. A razão do pedido era evitar que, diante das notícias rapidamente veiculadas, eventual exigência efetuada por todos os credores inutilizasse os efeitos de um plano de recuperação judicial ou extrajudicial.
O que pediu a Americanas, basicamente, foi a coibição de que os credores pudessem cobrar as dívidas imediatamente (enquanto não apresentado o plano de recuperação judicial), inclusive impedindo que credores com imensos poderes econômicos (como bancos) pudessem compensar os seus créditos em detrimento dos demais credores (como são os trabalhadores, os consumidores, os credores de condenações judiciais e fornecedores de menor porte).
A medida cautelar visou antecipar um dos efeitos naturais do pedido de recuperação judicial, no caso, a suspensão de execuções ajuizadas contra o devedor e a proibição de qualquer forma de retenção, aresto, penhora, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor pelo prazo de 180 dias (prorrogáveis por igual período, por uma única vez). É o que se denomina “stay period”, período em que o devedor poderá propor e negociar o plano de recuperação judicial com os credores (Artigo 6º, incisos II e III, da Lei 11.101/2005).
Logo depois, no dia 19 de janeiro de 2023, a Americanas S.A. formalizou o seu pedido de recuperação judicial, calculando as dívidas em valores em torno de R$ 43 bilhões. No mesmo dia, o juiz responsável pelo processo deferiu o processamento da recuperação, abrindo o prazo de 60 dias para que a Americanas apresente o plano de recuperação judicial.
Nesse contexto, quando companhias deste porte cogitam se valer desse procedimento, a recuperação judicial sempre volta ao debate público. Mas o que de fato acontece nesses casos?
No presente texto, discutiremos brevemente como os credores de sociedades em recuperação judicial devem agir para participarem corretamente do processo de recuperação judicial e defender os seus direitos.
QUEM PODE SER CREDOR?
Qualquer pessoa que possua um crédito contra a empresa é sua credora, mas nem todo credor se sujeita, necessariamente, aos efeitos da recuperação judicial.
A Lei nº 11.101/05, em seu artigo 41, elenca quatro classes de credores que comporão a Assembleia Geral de Credores: (i) os credores trabalhistas, (ii) os credores com garantia real, (iii) os credores quirografários (sem garantia real) e subordinados e (iv) os credores enquadrados como microempresa e empresa de pequeno porte. Ficam de fora os credores extraconcursais.
Os credores extraconcursais poderão continuar exercendo os seus direitos normalmente, exigindo o pagamento da dívida na data do vencimento (sem necessidade de habilitação). Tais credores podem se dividir nos que (a) contraíram créditos com o devedor após a distribuição do pedido recuperação judicial e (b) nos que, por lei, não se sujeitam aos efeitos recuperacionais, como o credor fiduciário, o credor arrendador mercantil, os bancos que realizam adiantamento aos exportadores, e outros [1]COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e Recuperação de Empresas. – 15 ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. p. 178..
De volta aos credores da recuperação, cabe dizer que cada crédito sujeito à reestruturação possui uma natureza que influenciará em como o devedor desenvolverá o seu plano de recuperação judicial, haja vista que precisa contemplar cada espécie de credor de forma cômoda. Isso porque os credores possuem poder de voto para recusar o plano recuperacional, caso se sintam desconfiados ou prejudicados.
Ao confeccionar o plano, o devedor exterioriza como pretende adimplir o pagamento das dívidas existentes com cada uma das classes de credores e, para isso, lançará mão de várias estratégias econômicas.
Geralmente, o devedor irá propor um prazo de carência em que não haverá pagamento das dívidas para, após a reestruturação da empresa, iniciar a diluir os adimplementos a favor de cada classe de forma parcelada (por exemplo: após 180 dias, a empresa se compromete a pagar as dívidas da classe X em Y vezes, com W% de juros).
Mas não só, pois o artigo 50 da Lei de Recuperação e Falência elenca exemplos não exaustivos de propostas de reestruturação a serem manejados pelo devedor.
Com o plano de recuperação estruturado, a empresa recuperanda tentará convencer os credores de que seu projeto econômico irá prosperar ao ponto de que a empresa consiga, de fato, pagar todas as dívidas (e de que não seja um plano de mera postergação da falência) e se reerguer.
Isso porque, no fim, o plano de recuperação só será aprovado com a concordância de todas as classes (mais especificamente, de votos que equivalham a mais da metade dos créditos presentes na Assembleia para credores com garantia real e quirografários, e mais da metade dos presentes – independentemente do valor – para credores trabalhistas e que sejam ME e EPPs).
Vale lembrar que é de total interesse do devedor apresentar um plano sério e financeiramente bem fundamentado, pois a sua recusa pelos credores ou a sua confecção extemporânea (o devedor tem 60 dias úteis e improrrogáveis, contados do deferimento da recuperação, para apresentar o plano), a depender do caso, poderá acarretar a falência da empresa.
Enfim, simplificando e generalizando, os credores recuperacionais mais comuns costumam ser os empregados (trabalhistas), os fornecedores de bens e serviços, as instituições financeiras e os debenturistas (que podem ou não ter garantia real, caso em que serão, respectivamente, credores com garantia real ou quirografários).
Neste texto, falaremos sobre os credores trabalhistas, os fornecedores e o caso peculiar dos acionistas da companhia.
A FASE DE HABILITAÇÃO DOS CRÉDITOS
Após deferir o pedido de recuperação judicial, o juiz ordenará a expedição de Edital que conterá a relação nominal de credores (documento de apresentação obrigatória pelo devedor em seu pedido inicial) e a fixação do prazo (15 dias) para que qualquer credor interessado impugne (se o valor do crédito estiver inferior à realidade) ou solicite a sua habilitação (caso o crédito não exista na relação nominal).
Passado o prazo, tais impugnações e pedidos de habilitação serão avaliados e julgados pelo administrador judicial (auxiliar da justiça nomeado pelo juiz) que as divulgará, mediante relação provisória de credores, no prazo de 45 dias. Permanecendo divergência entre o credor e o administrador judicial, esta será julgada pelo juiz, caso haja pedido por parte do interessado em até 10 dias contados da publicação da relação referida.
Resolvidas as divergências existentes, será publicada a relação definitiva dos credores e, nos termos legais, será homologado o quadro-geral de credores. Para habilitação de créditos posteriormente à homologação, a Lei de Recuperação e Falência regulou os chamados créditos retardatários que, devido à brevidade deste texto, não serão aqui tratados.
OS CREDORES TRABALHISTAS
Após a habilitação, os credores trabalhistas são os únicos que possuem proteção legal contra a livre estipulação do plano, haja vista que a Lei nº 11.101/05 trata as demais classes como credores privados que podem livremente estipular a chamada “novação das dívidas” na forma que entenderem melhor (mediante aprovação do plano do devedor).
Por isso, o plano de recuperação judicial obrigatoriamente deverá prever o pagamento integral, em até 1 (um) ano, dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes trabalhistas, desde que vencidos até a data do protocolo de pedido de recuperação (artigo 54 da Lei no 11.101/05). O prazo referido pode, em certas circunstâncias, ser prorrogado para 2 (dois) anos (artigo 54, § 2o, da Lei no 11.101/05).
A Lei também garante que o devedor deverá prever o pagamento, em até 30 (trinta) dias, dos créditos com natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores ao pedido de recuperação. O limite máximo, entretanto, será de até 5 salários mínimos (artigo 54, § 1o, da Lei no 11.101/05).
Vale lembrar que os credores trabalhistas, caso continuem trabalhando na recuperanda após o pedido de recuperação judicial, serão credores extraconcursais e poderão (deverão) continuar cobrando os seus salários (e outras verbas) corretamente na data de vencimento ou na data acordada para pagamento.
OS CREDORES-FORNECEDORES
Também estão sujeitos à recuperação judicial os créditos daqueles que atuaram junto da recuperanda e ainda não receberam a devida contraprestação. Tais credores são todos aqueles fornecedores de produtos ou serviços (desde que não trabalhistas) que contrataram com a empresa e ainda não foram ressarcidos.
Os fornecedores, pessoas físicas ou jurídicas, a depender da qualidade de seus créditos, serão classificados em algumas das classes restantes da Assembleia Geral de Credores, podendo ser: (i) quirografários, caso não possuam garantia real para pagamento das dívidas, (ii) com garantia real, caso possuam direitos de hipoteca, penhor ou anticrese, e (iii) créditos ME/EPP, casos sejam microempresas ou empresas de pequeno porte.
Veja-se que um credor pode deter dois ou mais créditos de naturezas diferentes. Nestes casos, ele fará parte de cada uma das classes de credores na proporção do seu respectivo crédito.
Após correta habilitação, os fornecedores poderão discutir livremente, em suas respectivas classes, as condições para aprovarem, ou não, o plano de recuperação. Em sua generalidade, tais credores costumam representar a maioria dos créditos (em valor) e possuem forte poder econômico (como bancos e outros conglomerados empresariais), sendo livres para promover rodadas de negociação com o devedor para representarem o seu interesse dentro do processo.
Mas o devedor não pode fechar os olhos para os fornecedores menores, abusando de seu direito junto dos demais credores.
Isso porque os credores quirografários e reais de menor monta também costumam ser empresas que, devido a falta de pagamento (ou a sua dilação abusiva no tempo) podem sofrer crises com o inadimplemento da recuperanda (não se esqueça que marketplaces, como é o caso da Americanas, possuem diversos contratos ativos com os fornecedores dos produtos que anunciam em seu site).
Ressalta-se que os fornecedores que negociarem com a recuperanda após pedido de recuperação judicial são credores extraconcursais, e podem seguir exigindo o cumprimento das dívidas normalmente.
E OS ACIONISTAS?
Os acionistas da recuperanda não são seus credores, mas seus sócios [2]COELHO, Fábio Ulhoa. Lei de Sociedades Anônimas comentada / Ana Frazão … [et al]. coordenação Fábio Ulhoa Coelho – Rio de Janeiro: Forense, 2021. p. 169. Significa dizer que as perdas que sofreram fazem parte do risco que assumiram ao investir na empresa. Não há sequer razão em se dizer que seriam credores dos dividendos, haja vista que a distribuição dos lucros e dividendos só poderá ser feita em conformidade com o plano, isso é, com a prévia aprovação dos credores.
Por uma série de discussões jurisprudenciais e doutrinárias que não cabem neste texto, pode-se dizer que os danos causados aos acionistas pela má administração da companhia são apenas indiretos. Os eventuais danos diretos, em tese, são considerados causados à empresa em si que, em nome próprio ou representada por 5% de seus acionistas (artigo 159, § 4o, da LSA), poderá propor ação judicial contra quem entender de direito para recuperar/minorar o rombo causado (o produto da condenação será de propriedade da empresa).
Isso porque os acionistas que estavam insatisfeitos com os rumos da sociedade aberta possuíam plena capacidade de vender a sua participação societária na Bolsa de Valores, inclusive contando com a vantagem de deterem títulos plenamente líquidos e de rápida negociação.
Nada impede, entretanto, que o acionista que se sentir apto a provar que o administrador/acionista controlador da empresa lhe causou dano direto e imediato proponha ação judicial para rever as suas perdas (artigo 159, § 7o, da LSA). Em caso de condenação judicial, o acionista se tornará credor e deverá habilitar o título judicial na recuperação judicial (se a condenação se referir a fato gerador ocorrido antes da distribuição da recuperação) ou executar a decisão normalmente (se o fato gerador do dano for posterior à distribuição do pedido recuperacional), conforme indica posicionamento vinculante do STJ (Tema nº 1.051).
Por fim, resta necessário diferenciar os acionistas dos debenturistas. A debênture, apesar de ser negociada em Bolsa, é um empréstimo feito em forma de valor mobiliário. Ela pode ser garantida pelo próprio patrimônio do devedor ou por direito real em garantia, caso em que o seu detentor será, respectivamente, credor quirografário ou real. Nestes casos, deverá se habilitar normalmente na classe correta da recuperação, pois é verdadeiro credor da recuperanda.
Percebeu as complexidades da recuperação judicial? Para superá-las, recomenda-se sempre o acompanhamento de um advogado especialista no tema!
Referências[+]
↑1 | COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e Recuperação de Empresas. – 15 ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. p. 178. |
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↑2 | COELHO, Fábio Ulhoa. Lei de Sociedades Anônimas comentada / Ana Frazão … [et al]. coordenação Fábio Ulhoa Coelho – Rio de Janeiro: Forense, 2021. p. 169 |

Joint Tenancy como instrumento de planejamento sucessório
Nas hipóteses em que há planejamentos sucessórios que envolvem participações societárias no exterior (offshore), detidas por pessoas residentes e domiciliadas no País, não raras são as situações em que se discute a possibilidade de instituir a denominada Joint Tenancy With Rights Of Survivorship como uma alternativa para evitar a realização de inventário no exterior.
Até o presente momento, o instituto da Joint Tenancy não possui nenhuma correspondência no direito brasileiro – embora alguns institutos apresentem características semelhantes.
No entanto, embora não haja, ainda, correspondência, tem-se visto com cada vez mais frequência debates sobre este instituto e sobre a possibilidade da sua utilização em um planejamento sucessório bem como do seu reconhecimento no ordenamento jurídico brasileiro.
O que é o Joint Tenancy with Rights of Survivorship (JTWRS)?
O Joint Tenancy with Rights Survivorship é uma estrutura de propriedade em condomínio, ou seja, dois ou mais sujeitos possuem titularidade sobre determinado bem em comum. Nesta situação, quando um dos joint tenants (proprietários) falecer, os direitos reais sobre a propriedade se concentram nos sobreviventes, sem a necessidade da realização de um inventário.
Quais as vantagens da utilização da Joint Tenancy with Rights Survivorship em um planejamento sucessório?
A utilização do instituto da Joint Tenancy with Rights of Survivorship é extremamente estratégico, uma vez que afasta a necessidade dos procedimentos tradicionais de sucessão no exterior, evitando a contratação de escritórios de advocacia estrangeiros para realizar o inventário dos bens (participações societárias) deixadas no exterior pela pessoa falecida.
A principal vantagem de utilização deste instituto, como mencionado, é que com o falecimento de um dos proprietários, os demais sobreviventes passam a ser, automaticamente, titulares do direito de propriedade do falecido. Desta forma, não há a necessidade de realizar um processo de sucessão causa mortis e, consequentemente, também afasta a aplicação de impostos relacionados à sucessão – que podem ser bastante expressivos, principalmente no exterior.
Como a legislação brasileira aborda o Joint Tenancy?
A inexistência deste instituto dentro da legislação brasileiro não impede que ele seja reconhecido, desde que respeitados os limites do ordenamento jurídico brasileiro.
No entanto, para que sejam reconhecidos os seus efeitos é necessário que se respeitem os direitos de descendentes, ascendentes, cônjuges ou companheiros (ou seja, que haja estrito respeito à legítima dos herdeiros necessários).
A aplicação deste instituto somente é possível uma vez que vigora em território nacional o princípio da pluralidade dos juízos sucessórios. Isso significa dizer que é possível que o País faça o inventário do patrimônio existente no estrangeiro, desde que siga a aplicação e os efeitos da jurisdição estrangeira. Em outras palavras, aplica-se a lei estrangeira no Brasil, para que haja a compreensão e a utilização do instrumento da Joint Tenancy With Rights Of Survivorship, desde que a sua aplicação não viole a ordem pública, à legítima dos herdeiros necessários e a soberania nacional, conforme bem dispõe a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).
Quando adotar a Joint Tenancy with Rights of Survivorship?
A decisão quanto à adoção ou não da Joint Tenancy With Rights Of Survivorship deve ocorrer após a análise minuciosa de todo o patrimônio familiar, bem como dos objetivos a curto, médio e longo prazo do grupo familiar. As particularidades de cada caso devem ser cuidadosamente verificadas através de um corpo jurídico qualificado, que poderá esclarecer e demonstrar os pontos negativos e positivos da utilização deste e de outros instrumentos de planejamento patrimonial e sucessório.
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Sistema de registro de preços: o que é e quais são as hipóteses de cabimento?
I. Do que se trata o Sistema de Registro de Preços?
O Sistema de Registro de Preços (SRP) é um instrumento utilizado pela Administração Pública para registrar o preço de produtos e serviços que poderão ser contratados, no futuro, durante a vigência de um determinado período. Em termos práticos, o SRP não se trata de uma modalidade licitatória, mas de um conjunto de procedimentos (artigo 78, IV, da Nova Lei de Licitações) que auxilia a Administração Pública a formalizar um pré-contrato, na forma de uma Ata de Registro de Preços. O SRP permite, portanto, uma expectativa de contratação, sem, contudo, obrigar a Administração a contratar (Artigo 82 da Nova Lei de Licitações).
Na Ata de Registro de Preços serão registrados o objeto, os preços, os fornecedores, os órgãos participantes e as condições a serem praticadas. O prazo de vigência da Ata de Registro de Preços será de 1 (um) ano e poderá ser prorrogado, por igual período, desde que comprovado o preço vantajoso (artigo 84 da Nova Lei de Licitações).
Trata-se, portanto, de um sistema que possui o objetivo de simplificar e agilizar o processo de aquisição de bens e serviços, evitando que a Administração realize sucessivas licitações para compras de um mesmo produto. Por meio desse procedimento, o particular deverá fornecer determinados bens ou prestar serviços durante período de vigência da Ata, sob demanda da Administração, a partir de preços definidos na licitação ou na contratação direta.
Imagine-se uma hipótese em que a prefeitura de determinado município necessita comprar cadeiras para as escolas, mas, por alguma circunstância técnica, como a inexatidão quanto ao número de alunos matriculados naquele ano, desconhece a quantidade exata que precisará. Nesse caso, a municipalidade pode adotar o Sistema de Registro de Preços. Caso a demanda exceda o estimado para a primeira compra, a prefeitura pode utilizar, ainda, se dentro do período de vigência, a Ata de Registro de Preços para adquirir um novo lote, sem a necessidade de realizar um novo procedimento licitatório.
Assim, mediante a utilização do Sistema de Registro de Preços (SRP), a Administração Pública poderá lançar uma licitação e receber propostas provenientes de particulares interessados, cabendo-lhe escolher aquela mais vantajosa. Contudo, diferentemente da maioria dos processos licitatórios, em que a Administração busca a contratação imediata, o SRP, como regra, visa formalizar os parâmetros para uma contratação futura.
Vale destacar que o SRP poderá ser compartilhado entre diversos órgãos e entidades públicas. Em uma mesma Ata de Registro de Preços, poderão ser contemplados mais de um órgão ou entidade públicos como beneficiários, que tiverem o interesse na aquisição do mesmo objeto. Isso garante uma economia em escala, visto que diversos órgãos poderão adquirir em conjunto produtos e serviços por meio da mesma Ata de Registro de Preços, reduzindo custos operacionais e o número de licitações. No exemplo acima citado, no qual a prefeitura utiliza-se do Registro de Preços para a compra futura de cadeiras para escolas do município, outros órgãos ou entidades interessados no mesmo objeto poderiam também compartilhar a Ata de Registro de Preços.
II. Quais as hipóteses de cabimento do Sistema de Registro de Preços?
De modo geral, o SRP é um procedimento cabível diante de circunstâncias em que (Art. 3°, Decreto Nº 7.892/2013):
a) há a necessidade de contratações frequentes;
b) há interesse no parcelamento de fornecimentos ou na remuneração de serviços por unidade de medida ou em regime de tarefa;
c) diversos órgãos ou entidades possuem interesse comum em contratar o mesmo objeto (compras compartilhadas); ou
d) o quantitativo do objeto é inexato.
A hipótese descrita na alínea “a” é a situação clássica e originária em que o SRP é aplicado. Trata-se de bens e serviços que o Poder Público necessitará corriqueiramente, mas em quantidades variáveis. Já as hipóteses das alíneas “b”, “c” e “d” vêm sendo cada vez mais frequentes e denotam situações em que a Administração possui uma demanda imediata, não sendo necessariamente um caso de contratação futura. Diante de alguma dessas hipóteses, portanto, a Administração Pública assinará uma Ata de Registro de Preços, e, sempre que houver necessidade, durante a vigência dessa Ata, contratará o particular detentor da melhor proposta, conforme a classificação formalizada no documento.
Por fim, vale destacar que o SRP não é aplicável a todas as modalidades de contratação. A Nova Lei de Licitações estabelece duas modalidades licitatórias em que o SRP poderá ser aplicado: no pregão ou na concorrência (artigo 6º, XLV), mediante registro formal de preços relativos à prestação de serviços, a obras e à aquisição e locação de bens para contratações futuras. Ainda, é possível que o procedimento seja utilizado em hipóteses de contratação direta, qual seja, nas hipóteses de inexigibilidade e de dispensa de licitação, para a aquisição de bens ou para a contratação de serviços por mais de um órgão ou entidade (artigo 82, §6 da Nova Lei de Licitações).
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O procedimento de adjudicação e de homologação: lei e jurisprudência
I. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Quando todas as demais fases da licitação são encerradas, o certame seguirá para as suas etapas derradeiras. Nesse momento, a autoridade estatal competente estudará quais atitudes deverá tomar para finalizar (ou não) a licitação: poderá (i) declarar vencedor um ou mais licitantes, (ii) anular completamente o processo contratual ou (iii) determinar a sua reestruturação em resposta à constatação de algum vício. Neste texto, serão explicadas as fases de adjudicação e homologação, nome dado às fases que compõem o primeiro dos estágios acima descritos , as quais são reguladas pelo artigo 71, inciso IV, da Lei Federal no 14.133/2021.
A referida norma é clara em dispor que, encerrada as fases competitivas do procedimento licitatório (após o julgamento e a habilitação), e estando o vencedor em plenas condições de se tornar contratante junto à Administração, será realizada uma última deliberação, desta vez pela autoridade superior competente.
Antes da Lei nº 14.133/2021, a adjudicação era realizada pelo pregoeiro ou pela comissão de licitação, sendo o procedimento homologado, posteriormente, pela autoridade superior. Com a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos – NLLCA, porém, essas fases foram reunidas em uma só, sendo praticadas pela mesma autoridade superior, o que agiliza o processo de conclusão do procedimento licitatório.
Frise-se que somente é possível seguir para as etapas de adjudicação e homologação após o encerramento das fases de julgamento e habilitação, se não houver irregularidades a serem corrigidas ou irregularidades insanáveis no procedimento, e somente depois de serem exauridos os recursos administrativos cabíveis.
Pois bem, “adjudicar”, no contexto de uma licitação, é o ato administrativo que declara oficialmente que determinada empresa foi a vencedora do certame, ou seja, que identifica e declara qual das licitantes foi a proponente da melhor proposta, nos termos do edital. A adjudicação estabelece um vínculo jurídico entre a Administração e a licitante vencedora, pois representa o ato formal indicativo de que é com determinada empresa que a Administração contratará a execução do objeto licitado.
Há, portanto, uma continuidade lógica entre os atos: uma vez adjudicado o objeto, será possível à mesma autoridade superior homologar a licitação e finalizá-la.
Ao “homologar” a licitação, por sua vez, a autoridade superior formaliza e explicita que o procedimento licitatório está apto a ser finalizado, ou seja, que não foi identificada nenhuma irregularidade insanável. Em regra, a homologação significa:
- Que o edital respeitou os princípios da licitação pública, tendo sido garantida a competitividade do certame;
- Que as propostas foram apresentadas adequadamente, tendo sido julgadas conforme os critérios previamente definidos em edital e com base nos interesses da Administração Pública;
- Que a empresa vencedora foi devidamente habilitada, tendo apresentado todos os documentos e cumprido com todos os critérios necessários para que a futura execução do contrato seja regular e;
- Que todos os recursos interpostos foram julgados de forma imparcial.
A adjudicação, por outro lado, é um ato meramente declaratório, não devendo ser confundido com a etapa solene de assinatura do contrato, momento em que o vencedor será convidado para fechar o negócio.
Mesmo sendo um ato de caráter declaratório, é importante frisar que a adjudicação é ato vinculado às hipóteses do citado art. 71 da NLLCA. Isto significa que não será possibilitado à Administração, por mera liberalidade, deixar de adjudicar o objeto da licitação ao vencedor da licitação, haja vista que as hipóteses de não conclusão do negócio estão explicitamente previstas naquele dispositivo, seja pelo retorno dos autos para saneamento de irregularidades, seja pela revogação ou anulação do certame.
A adjudicação, portanto, faz surgir para o Estado verdadeiro dever de contratar o objeto exclusivamente com o(s) particular(es) adjudicado(s). Para o vencedor da licitação, por sua vez, surgem as obrigações de: (i) sujeitar-se às penalidades, se for o caso, e aos prazos estabelecidos para assinatura do contrato; e (ii) contratar e executar o objeto nos termos do edital.
II. PROCEDIMENTO
O licitante vencedor, de acordo com o art. 90 da Lei Federal nº 14.133/2021, será convocado para a assinatura do contrato no prazo preestabelecido no edital, sob pena de decair o seu direito de contratação, além de responder pelas penalidades previstas em Lei. O § 1o do art. 90 da mesma lei permite a prorrogação do prazo uma única vez (por igual prazo), desde que o adjudicatário fundamente seu pedido, e com ele concorde a Administração.
A não assinatura do contrato na data estabelecida, quando para isso convocado, tornará o adjudicatário totalmente inadimplente da obrigação, perdendo todas as eventuais garantias ofertadas em favor do órgão ou entidade licitante (Art. 90, § 5o). Nesse caso, a Administração poderá (facultativamente) convocar os demais licitantes em ordem de classificação para, nos mesmos termos da proposta do vencedor-recusante, celebrarem o contrato (Art. 90, § 2o).
Caso nenhum dos licitantes aceite cumprir o encargo nos mesmos termos do vencedor, será facultado à Administração convocar todos os competidores, em ordem de classificação, para uma etapa de negociações com o objetivo de obter o melhor preço, mesmo que este seja superior ao do vencedor (Art. 90, § 4o, I), ou, frustrada a barganha, adjudicar e celebrar o contrato com a melhor proposta remanescente (Art. 90, § 4o, II).
III. JURISPRUDÊNCIA
Por fim, destacam-se abaixo alguns temas que vêm sendo enfrentados pelo Tribunal de Contas da União em impugnações de atos realizados durante a fase habilitatória. Sobre os precedentes trazidos, cumpre ressaltar que, mesmo que eles sejam anteriores à vigência da NLLCA, tais julgados adotam entendimentos que devem permanecer válidos, pois dizem respeito a normas que não sofreram alterações substanciais com o advento da Nova Lei.
Diligências de saneamento de dúvidas
Destaca-se que, nos termos da jurisprudência do TCU, as diligências que tenham por objetivo eventual saneamento de dúvidas, como dúvidas relativas à capacidade técnica, devem ser realizadas, preferencialmente, de forma prévia à execução dos atos de homologação e adjudicação do objeto da licitação, conforme dispõe o Acórdão 5857/2009 da Primeira Câmara do TCU.
Vedação à homologação antes do fim do prazo para interposição de recurso
A homologação de licitação antes de esgotado o prazo para interposição de recurso é considerada uma irregularidade grave a ser atribuída à autoridade que homologou o certame, e não aos membros da comissão de licitação, nos termos do Acórdão 1520/2013 do Plenário do TCU.
Publicação na imprensa oficial
O TCU consolidou o entendimento de que é condição indispensável para a eficácia legal do contrato a publicação resumida de seu termo (extrato) na imprensa oficial, na forma do art. 61, parágrafo único, da Lei 8.666/1993, o que não seria suprido com a publicação dos termos de homologação e/ou adjudicação da licitação, conforme traz o Acórdão 1277/2009 do Plenário.
Com o advento da NLLCA, porém, tem-se o art. 94 dispondo que a divulgação no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) é condição indispensável para a eficácia do contrato e seus aditamentos, não mais havendo necessidade de publicação na imprensa oficial.
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É possível cobrar alimentos durante a gestação?
O ordenamento jurídico brasileiro reconhece como dever da família, do Estado e da sociedade assegurar à criança, ao jovem e ao adolescente, o direito e a proteção à vida, à saúde, à alimentação, à dignidade e à convivência familiar. Resguarda, ainda, desde a concepção, os direitos do nascituro, estendendo a estes o direito à prestação de alimentos.
Diante deste cenário, foi promulgada a Lei 11.804/2008, cujo objetivo principal foi regulamentar o direito de alimentos da mulher gestante, popularmente conhecido como “alimentos gravídicos”, garantindo a proteção do estado gestacional e possibilitando o desenvolvimento com dignidade e segurança do nascituro.
O que são alimentos gravídicos?
A Lei 11.804/2008 dispõe, em seu art. 2º, caput, que os alimentos gravídicos são entendidos como os valores suficientes para cobrir as despesas do período de gravidez e da concepção ao parto.
Portanto, os alimentos gravídicos são valores pagos à mulher gestante, com o objetivo de garantir o amparo financeiro ao nascituro, auxiliando nas despesas comuns durante o período gestacional.
Qual o valor dos alimentos gravídicos e o que eles cobrem?
Os alimentos gravídicos atuam como “subsídios gestacionais”, não cobrindo apenas os alimentos, isto é, os recursos necessários à subsistência e à preservação da vida, como também os gastos com assistência médica e psicológica, exames complementares, enxoval, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas que o médico ou o juízo entendam como pertinentes.
O valor é fixado com base nas necessidades do nascituro e nas possibilidades financeiras do genitor (ou possível genitor). Assim, não há um valor fixo ou predeterminado, variando de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto.
Quem tem direito ao recebimento dos alimentos gravídicos?
Entende-se que toda mulher grávida é legitimada a propor ação de alimentos gravídicos, pleiteando a necessidade de auxílio financeiro do (possível) genitor da criança, uma vez que ambos são responsáveis pelos custos da gestação do bebê.
Quem é o responsável pelo pagamento dos alimentos gravídicos?
Os alimentos gravídicos devem ser custeados pelo provável genitor. Nas uniões homoafetivas, em que o nascituro é concebido por técnicas de reprodução assistida, entende-se que também é cabível a prestação de alimentos gravídicos, sendo assim, custeados pelo futuro pai ou mãe.
Em regra, a obrigação alimentar é de responsabilidade dos genitores. No entanto, caso seja comprovada a total incapacidade financeira do genitor ou genitora para custear as despesas durante a gestação, a obrigação poderá ser transmitida aos avós paternos e maternos, de maneira subsidiária. Isso ocorre porque a obrigação de pagar alimentos se estende a todos os ascendentes, conforme determina a legislação civil.
Como conseguir tal direito?
Na hipótese das partes envolvidas não estarem de acordo com a fixação dos alimentos gravídicos ou com o quantum a ser fixado, é necessário que a gestante ingresse com uma ação judicial solicitando a fixação pelo juízo.
Caso as partes estejam de acordo com o valor e a forma a ser fixada, é bastante importante que se realize a minuta deste acordo e, posteriormente, busque a homologação pelo juízo. Isso garante que, em caso de inadimplemento dos valores por parte do genitor/genitora, a gestante possa cobrar os valores em atraso judicialmente.
Quais são os documentos necessários para propor a ação?
Para propor a ação não é preciso haver comprovação de casamento ou união estável, basta que a gestante reúna provas do relacionamento ou envolvimento amoroso, da gravidez decorrente e das despesas geradas em razão do período gestacional.
Além disso, é necessária a apresentação de indícios que apontem e comprovem a paternidade, tais como fotos, testemunhas e mensagens no celular, sendo cada vez mais frequente a aceitação de mensagens trocadas entre as partes via aplicativo de mensagens.
Após o nascimento da criança, o que muda?
Os alimentos gravídicos devem ser pagos até o nascimento da criança e, após o nascimento, devem ser automaticamente convertidos em pensão alimentícia em favor do recém-nascido, estabelecida de acordo com o binômio possibilidade-necessidade.
O que ocorre caso o pagante dos alimentos gravídicos não seja o verdadeiro pai?
O Código Civil entende que os alimentos pagos são insuscetíveis de cessão, compensação ou penhora. Isso significa que, em regra, os valores pagos à título de alimentos, não podem ser devolvidos. Assim, não há o que se falar de reembolso dos valores depositados à título de alimentos.
Na hipótese de se conseguir comprovar, de maneira inequívoca, que a gestante agiu dolosamente, isto é, que tinha conhecimento de que o pagante não era o genitor e, mesmo assim, ingressou com a ação requerendo a fixação dos alimentos em desfavor deste, o pagante poderá ingressar com uma ação requerendo a devolução dos valores indevidamente pagos e, a depender do caso, até a compensação pelos danos morais sofridos.
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Análise de documentação de concorrentes e os problemas mais comuns que levam à desclassificação de licitantes
I. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A análise de documentação de concorrentes pode definir a vitória de uma licitante, pois a partir dela é possível encontrar vícios que levem à inabilitação de outras licitantes ou à desclassificação de suas propostas. Portanto, é crucial que empresas que costumam participar de certames estejam atentas às principais hipóteses de inabilitação ou de desclassificação de propostas, bem como às discussões jurídicas ligadas aos temas.
Este artigo apresentará as hipóteses mais comuns de desclassificação de propostas de licitantes.
De início, vale rememorar a diferença entre inabilitação de licitantes e desclassificação de propostas.
A inabilitação diz respeito à própria pessoa da licitante, ou seja, características econômicas, financeiras, técnicas e/ou jurídicas que fazem com que a licitante não possa participar de determinado certame. Por seu turno, a desclassificação diz respeito à proposta apresentada pela licitante, ou seja, em que pese a licitante esteja habilitada a participar da licitação, a proposta ofertada é inadequada em relação aos critérios previstos em lei ou no edital.
Especificamente sobre a desclassificação, é válido ressaltar que a atividade de julgamento de propostas realizada pela Administração Pública acontece em dois momentos. No primeiro, são verificadas as regularidades formais e materiais das propostas apresentadas. No segundo momento, as propostas que preencheram os requisitos formais e materiais previstos no ato convocatório são comparadas por meio de critério pré-estabelecido no edital, como por exemplo, “julgamento pelo menor preço”. É justamente no “primeiro momento” da atividade de julgamento que podem ocorrer as desclassificações de propostas.
II. PROBLEMAS MAIS COMUNS QUE LEVAM À DESCLASSIFICAÇÃO DE PROPOSTAS DE LICITANTES
As hipóteses mais comuns que levam à desclassificação de propostas de licitantes podem ser resumidas da seguinte forma: (i) Propostas apresentadas com vícios insanáveis; (ii) Propostas em desconformidade com as especificações técnicas do edital; (iii) Propostas com valores inexequíveis; e (iv) Propostas com valor acima do orçamento estimado pela Administração.
II.1) Desclassificação de propostas com vícios insanáveis
As propostas com vícios insanáveis deverão ser desclassificadas pela Administração Pública.
A afirmação pode levar a uma dúvida bastante simples: como distinguir se um vício é sanável ou insanável? De modo geral, pode-se dizer que uma proposta contém um vício sanável quando pode ser repetida sem o vício. A leitura contrária, por conseguinte, leva à conclusão de que um vício é insanável quando não é passível de correção.
A indicação de exemplos práticos pode facilitar a compreensão.
Um exemplo de vício insanável seria o caso de licitante que deixa de indicar os custos de benefícios e despesas indiretas (BDI), afetando o valor total da proposta. Esse exemplo pode ser verificado em julgados recentes de Tribunais Estaduais [TJ-PR – AI: 00119583020218160000 Cascavel 0011958-30.2021.8.16.0000 (Acórdão), Relator: Rogerio Ribas, Data de Julgamento: 30/08/2021, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: 30/08/2021; TJ-RS – AI: 51694423420218217000 RS, Relator: Miguel Angelo da Silva, Data de Julgamento: 17/02/2022, Vigésima Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: 23/02/2022].
Por outro lado, se determinada licitante simplesmente deixa de anexar à proposta o preenchimento de declaração sobre situação preexistente exigida em edital, pode-se estar diante de uma situação de vício sanável. Nesse caso, o vício será sanado com a simples anexação da declaração faltante.
A segunda pergunta que pode surgir é a seguinte: quando a licitante deverá corrigir o vício? Para responder esse questionamento é importante ressaltar que a proposta que contiver vício sanável não deve ser desclassificada de pronto pela Administração, que deverá possibilitar a correção do erro. A desclassificação, em caso de vício reconhecido como sanável, só ocorrerá caso a licitante não corrija o erro apontado pela Administração.
Inclusive, a Nova Lei de Licitações prevê que “a verificação da conformidade das propostas poderá ser feita exclusivamente em relação à proposta mais bem classificada” (art. 58, §1º). Com base nessa regra, é possível que a Administração avalie a conformidade da proposta da licitante melhor colocada no certame e, somente em caso de desclassificação desta, passe a analisar as demais propostas, em sequência.
Portanto, é absolutamente necessário que licitantes se atentem à conferência de inexistência de vícios insanáveis em suas propostas, bem como que estejam aptas a analisar se as propostas de seus concorrentes não possuem vícios dessa natureza.
II.2) Desclassificação de propostas que contenham desconformidade com as especificações técnicas do edital
As propostas que apresentem indicações de bens ou serviços em desconformidade com as especificações técnicas do edital também serão desclassificadas.
A administração pública, com a finalidade de analisar os detalhes técnicos das propostas, poderá exigir, dos licitantes provisoriamente vencedores do certame, a homologação de amostras de conformidade e prova de conceito.
Há distinção entre os conceitos de amostras e provas de conceito. As primeiras são relacionadas a bens padronizados, como por exemplo, “bens de prateleira”. As segundas, por seu turno, servem para os casos nos quais a Administração não busca apenas verificar as características do bem, mas sim testá-lo com a finalidade de confirmar se as funcionalidades indicadas pelo licitante realmente são cumpridas. A análise das amostras e provas de conceito será realizada com base em critérios objetivos previamente definidos em edital.
O artigo 42 da Nova Lei de Licitações, inclusive, prescreve meios de comprovação da qualidade do produto ofertado por licitante:
I – comprovação de que o produto está de acordo com as normas técnicas determinadas pelos órgãos oficiais competentes, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) ou por outra entidade credenciada pelo Inmetro;
II – declaração de atendimento satisfatório emitida por outro órgão ou entidade de nível federativo equivalente ou superior que tenha adquirido o produto;
III – certificação, certificado, laudo laboratorial ou documento similar que possibilite a aferição da qualidade e da conformidade do produto ou do processo de fabricação, inclusive sob o aspecto ambiental, emitido por instituição oficial competente ou por entidade credenciada.
Nos casos de desclassificação por verificação de desconformidades com as especificações técnicas do edital, é possível também que haja parecer técnico elaborado pela administração pública. Os pareceres serão determinantes para a averiguação de conformidade da proposta com as exigências técnicas do edital, sendo esta uma tendência verificada na jurisprudência [TJ-SC – MS: 91522018720148240000 Capital 9152201-87.2014.8.24.0000, Relator: Sérgio Roberto Baasch Luz, Data de Julgamento: 11/05/2016, Grupo de Câmaras de Direito Público; TCE-MG – DEN: 862217, Relator: CONS. MAURI TORRES, Data de Julgamento: 22/08/2017, Data de Publicação: 31/08/2017].
Portanto, é relevante que as licitantes se atentem à adequação de suas propostas às exigências específicas do edital e, principalmente, à possibilidade de fornecer amostras ou provas de conceito adequadas – a depender das exigências editalícias.
II.3) Desclassificação de propostas que contenham preços inexequíveis.
As propostas tidas como inexequíveis são aquelas que não possuem condições de serem cumpridas, uma vez que trazem mais ônus do que vantagens ao licitante. Em outras palavras, os custos inerentes à execução do objeto são maiores do que os valores a serem pagos pela Administração Pública.
Alguém poderia questionar: mas não seria bom para a Administração Pública pagar um preço excessivamente baixo pelo fornecimento de bens ou pela execução de serviços? A resposta é negativa, pois propostas com preços inexequíveis, em regra, culminam no fornecimento de bens ou na prestação de serviços defeituosos, em obras com problemas estruturais e em objetos imprestáveis – circunstâncias que levam à rescisão de contratos, reparações e necessidade de novas licitações.
Em contratações de obras e serviços de engenharia, de acordo com a Nova Lei de Licitações, são consideradas como presumivelmente inexequíveis as propostas cujos valores sejam inferiores a 75% do valor orçado pela Administração Pública.
Feitas essas considerações é importante que se esclareça qual a postura esperada da Administração Pública nos casos de proposta com preços inexequíveis. Ao receber uma proposta com esse potencial vício, a Administração deve, em regra, diligenciar junto à licitante proponente sobre a inexequibilidade dos preços. Na prática, a licitante deve comprovar que, com os valores ofertados, poderá, ao menos, cobrir os seus custos.
O amplo contraditório junto à licitante, de acordo com a jurisprudência do TCU, é essencial à validade do ato administrativo de desclassificação da proposta tida como inexequível [Acórdão 1079/2017. Representação 006.046/2016-9. Data de julgamento: 24/05/2017. Relator Marcos Bemquerer; Acórdão 3092/2014. Representação nº 020.363/2014-1. Data de julgamento: 12/11/2014. Relator Bruno Dantas].
Em licitações do tipo pregão, também de acordo com a jurisprudência do TCU, apenas em situações extremas, quando os lances ofertados configurarem preços simbólicos, irrisórios ou de valor zero, gerando presunção absoluta de inexequibilidade, admite-se a exclusão de lance durante a etapa competitiva do pregão [Acórdão 674/2020. Representação nº 037.069/2019-5. Data de julgamento: 25/03/2020. Relator Walton Alencar Rodrigues].
Desse modo, é fundamental que as licitantes se certifiquem que, ainda que pretendam apresentar baixos valores, tenham como comprovar a exequibilidade de suas propostas, por meio da demonstração de baixos custos envolvidos com a execução do objeto contratual, por exemplo.
II.4) Desclassificação de propostas com valor acima do orçamento estimado pela Administração
A última hipótese comum de desclassificação de proposta diz respeito aos casos nos quais os preços ofertados permaneçam acima do orçamento estimado pela Administração Pública.
Na Lei nº 8.666/1993, há distinção entre “valor máximo” e “valor orçado”. Em razão disso, conforme a jurisprudência do TCU, aplicável à Lei nº 8.666/1993, a proposta só deveria ser desclassificada se ultrapassasse o valor máximo previsto em edital – ou quando o valor orçado fosse, por disposição expressa do edital, equivalente ao valor máximo [Acórdão nº 1549/2017. Representação nº 010.612/2016-5. Data de julgamento: 19/07/2017. Relator José Mucio Monteiro].
Entretanto, a Lei nº 14.133/2021, na mesma linha adotada pela Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016), realizou uma equivalência entre os conceitos de orçamento estimado e preço máximo, de modo que é vedado à Administração contratar por preço superior ao preço orçado.
Em razão disso, é relevante que as licitantes se atentem ao valor estimado pela Administração Pública no edital para que evitem o risco de apresentarem propostas com valores acima do orçado e, consequentemente, tenham suas propostas desclassificadas.
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A manifestação de intenção de recurso na Lei nº 14.133/2021
Uma notável modificação no procedimento licitatório promovida pela Lei nº 14.133/2021 em relação à Lei nº 8.666/1993 foi a adoção, como regra geral (inclusive para a modalidade concorrência), do encadeamento de fases que já era previsto na Lei nº 10.520/2002 (Lei do Pregão), com a fase de julgamento das propostas, a fase de habilitação e, na sequência, a fase recursal una, na qual se debatem tanto as matérias relativas às propostas quanto as relativas à habilitação da licitante classificada em primeiro lugar.
Neste novo procedimento, a Lei nº 14.133/2021 estabeleceu a necessidade de que as licitantes manifestem, previamente à fase recursal, a intenção de recorrer contra eventual decisão, para poderem exercer esse direito. Esta regra também já era encontrada na Lei nº 10.520/2002, mas que não se aplicava às licitações na modalidade concorrência, regidas até então apenas pela Lei nº 8.666/1993.
No entanto, ainda que não seja novidade aos profissionais que já atuaram com pregão, a manifestação da intenção de recurso da Lei nº 14.133/2021 sofreu sensíveis alterações em relação ao previsto na Lei nº 10.520/2002.
A manifestação da intenção de recurso na Lei nº 14.133/2021
Para impugnar o julgamento de propostas ou a habilitação (ou inabilitação) de licitantes, os interessados devem antes manifestar a intenção de recorrer, o que deve ser feito imediatamente, sob pena de preclusão (isto é, a perda da capacidade de agir) dessa faculdade processual, conforme determina o art. 165, § 1º, inciso I, da Lei nº 14.133/2021.
O mesmo art. 165, § 1º, inciso I, da Lei nº 14.133/2021, apresenta, no entanto, uma redação ambígua, que leva a mais de uma interpretação possível sobre o marco inicial a ser considerado para a manifestação da intenção de recurso nas licitações.
Uma primeira interpretação possível é de que a manifestação deve ser feita imediatamente após o ato que se pretende impugnar, de forma que haveria, em tese, duas oportunidades para manifestação de intenção de recurso: a primeira, logo após o julgamento das propostas, e outra, logo após a fase de habilitação, observada ainda a possibilidade de inversão dessas fases (conforme art. 17, § 1º).
Essa era a lógica no Decreto nº 7.581/2011 (art. 53), que regulamentou o Regime Diferenciado de Contratação em âmbito federal (“Art. 53. Os licitantes que desejarem recorrer em face dos atos do julgamento da proposta ou da habilitação deverão manifestar imediatamente, após o término de cada sessão, a sua intenção de recorrer, sob pena de preclusão”).
A segunda interpretação dá continuidade à prática dos atuais pregões regidos pela Lei nº 10.520/2002 (esta que não impunha essa dificuldade hermenêutica), e infere que a manifestação de recurso também é realizada em apenas um único momento, logo após a declaração da licitante provisoriamente vencedora do certame, dando início à fase recursal (ou seja, apenas depois da fase de habilitação, ou, se adotada a inversão de fases do art. 17, § 1º, após o julgamento das propostas).
Essa segunda interpretação foi adotada em âmbito federal, por meio da Instrução Normativa SEGES/ME nº 73/2022, que regulamenta a Lei nº 14.133/2021:
Art. 40. Qualquer licitante poderá, durante o prazo concedido na sessão pública, não inferior a 10 minutos, de forma imediata após o término do julgamento das propostas e do ato de habilitação ou inabilitação, em campo próprio do sistema, manifestar sua intenção de recorrer, sob pena de preclusão, ficando a autoridade superior autorizada a adjudicar o objeto ao licitante declarado vencedor.
Assim, nas licitações promovidas com base na Lei nº 14.133/2021 no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, a manifestação é realizada em apenas um único momento, logo após a declaração da licitante provisoriamente vencedora do certame.
Para os órgãos e entidades das demais esferas, cabe às licitantes a leitura atenta dos regulamentos próprios e dos editais de licitação, para que possam verificar como serão construídas as regras da fase recursal e em que momento deverá ser feita a manifestação da intenção de recurso em cada processo licitatório.
De qualquer forma, em ambas as hipóteses, evidentemente, o marco inicial para a manifestação de recurso conta da data de publicização ou intimação do ato, salvo se esta última ocorrer durante a própria sessão de licitação.
Ademais, diferentemente do que estabelece a Lei nº 10.520/2002, a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos não exige que as licitantes interessadas motivem a intenção de recurso. Em nosso entender, essa flexibilização é um avanço da legislação, uma vez que, não raramente, é possível encontrar certames nos quais os pregoeiros confundem a análise de existência de motivação com a análise do próprio mérito recursal, por vezes até rejeitando sumariamente a intenção de recurso sob a justificativa de que o futuro recurso seria ou deveria ser indeferido.
Pode-se supor, no entanto, que mesmo não havendo a imposição legal de motivação da intenção de recurso, não será difícil encontrar editais de licitação regidos pela Lei nº 14.133/2021 com essa exigência, sobretudo se forem aproveitadas as minutas elaboradas no antigo regime. Embora a imposição desta obrigação (motivar a intenção de recurso) nos editais da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos possa ser considerada como uma regra ilegal, é importante uma leitura atenta de cada instrumento convocatório para obter vantagem estratégica na competição.
A rejeição sumária da manifestação de intenção de recurso
Ainda que não haja mais necessidade de motivar a intenção de recorrer, é possível que o pregoeiro ou a comissão de licitação venham a rejeitar sumariamente a intenção de recurso, por entender, por exemplo, que essa manifestação não observou o prazo fixado em edital.
É evidente, no entanto, que as autoridades administrativas não estão isentas do cometimento de falhas e equívocos também em relação a este juízo de admissibilidade das manifestações de intenção de recurso. Neste cenário, como deve agir o licitante que eventualmente teve sua intenção de recurso sumariamente rejeitada? Entendemos que há mais de uma forma de provocar o órgão licitante para corrigir essa decisão.
De acordo com a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, o recurso hierárquico é cabível apenas nos casos elencados no inciso I do artigo 165, sendo o pedido de reconsideração o instrumento subsidiário, para os casos em que não é cabível o recurso hierárquico. Desta forma, uma possibilidade é a interposição de um pedido de reconsideração por parte da licitante, fundado no inciso II do artigo 165 da Lei nº 14.133/2021, dirigido ao próprio agente ou à comissão responsável pela condução do certame, no qual requer a admissão da manifestação de intenção de recurso, pelos fundamentos que entender adequados.
Esse pedido pode ser formalizado em documento próprio, logo após a cientificação da rejeição da intenção de recurso, ou mesmo imediatamente, na própria sessão de licitação – em sendo presencial a sessão, o pedido pode ser feito oralmente, com o devido registro em ata; sendo realizada virtualmente, o pedido pode ser formalizado por meio do chat ou outro meio que permita a comunicação com o órgão.
Outra possibilidade, que pode ser adotada tanto de forma autônoma quanto na hipótese de indeferimento do pedido de reconsideração, é a apresentação de um pedido de reforma da decisão que inadmitiu a intenção de recurso (e a consequente abertura do prazo recursal), com base no direito constitucional de petição (art. 5º, inciso XXXIV, alínea “a”, da Constituição Federal), dirigida à autoridade hierarquicamente superior ao pregoeiro ou à comissão de licitação.
Embora possuam pleno embasamento jurídico, a prática advocatícia mostra que essas duas formas de provocação da Administração têm suas chances de sucesso diminuídas se não forem julgadas de forma célere, conforme avança o processo licitatório para além da fase recursal.
Sendo assim, uma terceira forma de provocação do órgão licitante é a própria interposição do recurso administrativo, no prazo que seria conferido caso a manifestação da intenção de recurso tivesse sido aceita. Com efeito, nesta peça recursal a licitante pode incluir capítulo próprio para demonstrar as razões de fato e/ou de direito que demonstram a inadequação da rejeição sumária da intenção de recurso (isto é, as razões pelas quais a manifestação deveria ter sido admitida), com o consequente pedido de reforma da decisão e recebimento das razões recursais.
Essa última solução, que pode ser adotada de forma isolada ou cumulativamente com as demais, apresenta-se também como uma forma de compelir a Administração a analisar as razões de recurso da licitante e, assim, corrigir eventual ilegalidade ocorrida no processo. Isso porque, ainda que o órgão continue a entender que a manifestação de intenção de recurso não deveria ser admitida, estando diante de eventual ilegalidade na condução do certame, os gestores públicos têm o dever de corrigi-la.
Como se observa, são diversas as mudanças e inovações trazidas pela Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos e, assim, as empresas e profissionais que desejam entrar e/ou se manter no mercado de licitações públicas devem, necessariamente, buscar atualização sobre este novo e importante diploma legal. Acompanhe nosso site para ter acesso a mais conteúdo sobre licitações e, em caso de dúvidas, não deixe de contatar um dos nossos advogados especialistas na área.
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