Se o campo geral das licitações e contratações públicas pode(e deve) se modificar com as interpretações sobre a Lei nº 14.133/2021, é possível que o microssistema especial das estatais também possa sofrer uma influência reflexa - abrindo-se aqui, possivelmente, o espaço para a aplicação subsidiária ou para analogia nos casos de lacunas a serem preenchidas na aplicação.
Com a publicação da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, promulgada no dia 1º de abril de 2021 sob o número 14.133, significativas mudanças são realizadas neste campo do direito administrativo brasileiro, em todos os âmbitos das Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, positivando entendimentos jurisprudenciais e doutrinários, mas também trazendo inovações práticas que deverão ser levadas em consideração pelos gestores públicos e pelos particulares interessados em contratar com o Poder Público (confira aqui as três novidades que você precisa conhecer sobre a Lei nº 14.133/2021).
Dada a sua vasta abrangência, é legítimo que surja a dúvida se o novo diploma se aplica às estatais e, em caso afirmativo, de que modo afetaria suas licitações e seus contratos administrativos.
Antes de se buscar a resposta, é preciso entender o que são as chamadas estatais e a que regime jurídico estão submetidas no direito administrativo pátrio. Atualmente, a expressão [empresas] estatais é utilizada na doutrina para se referir de modo geral a qualquer das entidades empresariais regidas pela Lei nº 13.303/2016. Conforme o caput do seu art. 1º, estas entidades são as empresas públicas e as sociedade de economia mista e suas subsidiárias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União ou seja de prestação de serviços públicos. Não é por outra razão que a Lei nº 13.303/2016 é a chamada de Lei das Estatais e, desde a sua promulgação, tem regido, na condição de estatuto especial, as licitações e os contratos administrativos realizados por essas entidades.
Assim, considerando a preexistência do regime jurídico específico da Lei nº 13.303/2016, a Lei nº 14.133/2021 oferece à questão que serve de título a este artigo uma resposta preliminar já no seu art. 1º, § 1º, o qual determina que “Não são abrangidas por esta Lei as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as suas subsidiárias, regidas pela Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016, ressalvado o disposto no art. 178 desta Lei.”
O fato de a nova Lei de Licitações ter distinguido o regime jurídico das estatais encontra, de certo modo, explicação no caráter da Lei nº 13.303/2016. Como se percebe, a Lei das Estatais é especial, isto é, prescreve regime próprio de licitações e contratos para estas entidades, que já se sobrepunha ao regime tradicional de licitações, anteriormente baseado na Lei nº 8.666/93 (normas para licitações e contratos administrativos), na Lei nº 10.520/02 (modalidade pregão) e na Lei nº 12.462/12 (Regime Diferenciado de Contratações – RDC). A nova Lei de Licitações, neste sentido, respeitou a especialidade da Lei nº 13.303/2016.
Contudo, em que pese o seu caráter especial, a Lei das Estatais prevê, explicitamente, três casos de aplicação de dispositivos normativos que devem ser encontrados alhures. Com efeito, o art. 32, inciso IV, da Lei nº 13.303/2016 estabelece que:
Art. 32. Nas licitações e contratos de que trata esta Lei serão observadas as seguintes diretrizes:
[…]IV – adoção preferencial da modalidade de licitação denominada pregão, instituída pela Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, para a aquisição de bens e serviços comuns, assim considerados aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado.
Por meio do artigo e inciso supracitados, a Lei das Estatais determina que, para a aquisição de bens e serviços comuns, deve-se adotar preferencialmente o pregão como modalidade de licitação. Contudo, destaca-se o entendimento doutrinário predominante segundo o qual a adoção da modalidade pregão pelas estatais se limita aos aspectos procedimentais, não excluindo a observância da Lei nº 13.303/2016 no que diz respeito aos demais aspectos substanciais do rito licitatório e do contrato.
Ao revogar expressamente a Lei nº 10.520/2002 (após decorridos dois anos da sua publicação oficial), a nova Lei de Licitações substitui a Lei do Pregão na regência desta modalidade, determinando, pelo comando do seu art. 189, que a Lei nº 14.133/2021 seja aplicada às hipóteses previstas na legislação que façam referência expressa à Lei nº 8.666/1993, à Lei nº 10.520/2002, e aos arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462/2011. Como consequência, sendo o caso da adoção do pregão como modalidade de licitação pelas estatais, o regime a ser aplicado será o da nova Lei de Licitações. Essa circunstância faz surgir a questão de saber qual será o entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre o alcance da sua aplicabilidade, isto é, permanecerá limitado ao procedimento? Tal questão, provavelmente, será objeto de debates nos tribunais.
O segundo caso em que se vê mitigada a especialidade da Lei das Estatais é o previsto no seu art. 55, inciso III, que determina a adoção de critérios de desempate estabelecidos na Lei nº 8.666/1993. Veja-se:
Art. 55. Em caso de empate entre 2 (duas) propostas, serão utilizados, na ordem em que se encontram enumerados, os seguintes critérios de desempate:
[…]III – os critérios estabelecidos no art. 3º da Lei nº 8.248, de 23 de outubro de 1991, e no § 2º do art. 3º da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.
Como a Lei nº 8.666/1993 também será revogada pela nova Lei de Licitações após decorridos dois anos da sua publicação oficial, os seus critérios de desempate se tornarão inaplicáveis e serão tacitamente substituídos pelos que são estabelecidos no § 1º do art. 60 da Lei nº 14.133/2021. Esta substituição promoverá algumas mudanças, notadamente em razão dos incisos I e IV do referido parágrafo, a saber: dar-se-á preferência para empresas estabelecidas no território do Estado ou do Distrito Federal do órgão ou entidade da Administração Pública estadual ou distrital licitante ou, no caso de licitação realizada por órgão ou entidade de Município, no território do Estado em que este se localize (inciso I); e para empresas que comprovem a prática de mitigação relativa à Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC, nos termos da Lei nº 12.187/2009 (inciso IV). Além disso, o inciso V do § 2º do art. 3º da Lei nº 8.666/1993, que assegurava preferência aos bens e serviços produzidos ou prestados por empresas que comprovem cumprimento de reserva de cargos prevista em lei para pessoa com deficiência ou para reabilitado da Previdência Social e que atendam às regras de acessibilidade previstas na legislação, não é reproduzido na nova Lei de Licitações como critério de desempate, mas como exigência da fase de habilitação (art. 63, inciso IV).
A terceira remissão da Lei das Estatais encontra-se em seu art. 41, segundo o qual “Aplicam-se às licitações e contratos regidos por esta Lei as normas de direito penal contidas nos arts. 89 a 99 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993”.
Resta averiguar, então, o efeito do disposto no art. 178 Lei nº 14.133/2021. Este artigo acrescenta ao Código Penal os artigos 337-E a 337-P, sob o Capítulo II-B – Dos Crimes em Licitações e Contratos Administrativos, transferindo para o códex próprio os dispositivos penais que integravam a Lei nº 8.666/1993, porquanto revogou expressa e imediatamente os seus artigos 89 a 108. Como consequência, o regime disciplinar penal aplicável à Lei das Estatais se encontra doravante no Código Penal, perdendo efeito o art. 41 da Lei nº 13.303/2016, o qual determinava a aplicação às licitações e contratos regidos por esta lei das normas de direito penal contidas nos arts. 89 a 99 da Lei nº 8.666/1993. A mudança, porém, não se limita a este aspecto formal, pois este regime disciplinar sofreu algumas alterações de natureza material.
Isto se evidencia pela comparação dos novos tipos penais criados no Código Penal pela Lei nº 14.133/2021 com os correspondentes dispositivos revogados na Lei nº 8.666/1993, que revela, à primeira vista, uma continuidade normativo-típica, porém, com alterações nos preceitos secundários, mediante cominações mais gravosas e a substituição do regime de detenção pelo de reclusão.
A mudança mais vistosa consiste, portanto, no aumento do rigor punitivo, que tem consequências relevantes. Vejamos, por exemplo, os novos artigos 337-E e 337-L do Código Penal. Eles correspondem respectivamente aos revogados artigos 89 e 96 da Lei nº 8.666/1993, e previam penas de detenção de 3 (três) a 5 (cinco) anos e multa, e de 3 (três) a 6 (seis) anos e multa, respectivamente. Além de promoverem mudanças na tipificação para ampliar a sua abrangência, os novos artigos mudaram a sua cominação, não somente substituindo a detenção pela reclusão, mas também majorando em um ano o tempo mínimo da pena de privação de liberdade, que passou a ser, para ambos os tipos penais, 4 (quatro) anos.
As consequências são relevantes. Em primeiro lugar, verifica-se o recrudescimento da punição, pois a pena de reclusão é reservada para condenações mais severas, sendo geralmente cumprida em estabelecimentos de segurança média ou máxima, permitindo o início do seu cumprimento em regime fechado. Em segundo lugar, com o aumento da pena mínima para 4 (quatro) anos, os artigos 337-E e 337-L impedem a celebração de acordos de não persecução penal, uma vez que o art. 28-A do Código de Processo Penal autoriza o Ministério Público a propor tal medida despenalizadora apenas em casos de “prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos”.
Outra alteração digna de atenção no regime disciplinar penal doravante aplicável automaticamente a todas as licitações e contratos administrativos afeta diretamente o sistema de cálculo das multas cominadas. De fato, revogou-se o art. 99 da Lei nº 8.666/1993, que determinava o pagamento de quantia fixada na sentença e calculada em índices percentuais, cuja base devia corresponder ao valor da vantagem efetivamente obtida ou potencialmente auferível pelo agente. Estes índices, porém, estavam limitados pelo disposto no parágrafo 1º, não podendo ser inferiores a 2% (dois por cento), nem superiores a 5% (cinco por cento) do valor do contrato licitado ou celebrado com dispensa ou inexigibilidade de licitação. Já o novo art. 337-P do Código Penal estabelece que a multa cominada aos crimes em licitações e contratos administrativos seguirá a metodologia de cálculo prevista neste Código, mantendo-se o limiar de 2% (dois por cento) sobre o valor do contrato licitado ou celebrado com contratação direta, sem, contudo, estipular um teto próprio, aplicando-se, porém, o limite máximo previsto no art. 49 do Códex Criminal.
Nem tudo, porém, é releitura do sistema disciplinar penal precedente. Há um tipo penal completamente novo, introduzido pelo artigo 337-O, que visa coibir a frustração do caráter competitivo da licitação ou da seleção da proposta mais vantajosa para a Administração Pública. Atente-se para o dispositivo do § 2º, que determina que a pena prevista no caput do artigo se aplica em dobro se o crime for praticado com o fim de obter benefício, direto ou indireto, próprio ou de outrem.
Estas considerações nos permitem afirmar, por fim, que a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos afeta as estatais, pelo menos, de três modos. Em primeiro lugar, sendo o caso da adoção do pregão como modalidade de licitação pelas estatais, a lei de regência para este procedimento passa a ser a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Em segundo lugar, os critérios de desempate que devem ser observados nos procedimentos licitatórios das empresas estatais estabelecidos § 2º do art. 3º da Lei nº 8.666/1993 serão substituídos pelos do § 1º do art. 60 da Lei nº 14.133/2021, com inovações referentes ao local de estabelecimento das concorrentes e à observância da Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC. E em terceiro lugar, o sistema disciplinar penal aplicável às estatais, que antes da publicação da Lei nº 14.133/2021, se encontravam, com remissão expressa, na Lei nº 8.666/1993, a partir de 1º de abril de 2021 se integram ao Código Penal, aplicando-se indiscriminadamente às licitações e contratos administrativos, pouco importando o seu regime jurídico. Além dessa alteração de cunho formal, verifica-se que, do ponto de vista material, ao proceder à sua transferência para o Código Penal, a Lei nº 14.133/2021 promoveu, de modo geral, um endurecimento do regime disciplinar penal, buscando, ao que tudo indica, responder a um anseio social de combate à corrupção.
Embora essas sejam as três únicas remissões expressas da Lei das Estatais aos antigos diplomas gerais de licitações, há que se ponderar que sendo a Lei nº 14.133/2021 um novo diploma geral, todo o léxico de licitações e contratações públicas passa a encontrar um novo fundamento legal “de base” neste mais recente diploma. Assim, há que se cogitar que a interpretação da Lei das Estatais poderá sofrer influência das interpretações futuras da Lei nº 14.133/2021. Em outras palavras, se o campo geral das licitações e contratações públicas pode (e deve) se modificar com as interpretações sobre a Lei nº 14.133/2021, é possível que o microssistema especial das estatais também possa sofrer uma influência reflexa – abrindo-se aqui, possivelmente, o espaço para a aplicação subsidiária ou para analogia nos casos de lacunas a serem preenchidas na aplicação.
Afora essas três modificações que possuem previsão de eficácia ou imediata ou para daqui a dois anos, portanto, resta ainda saber se e como a nova Lei de Licitações influenciará o regime especial de licitações e contratações das estatais. Essas, no entanto, são questões que serão respondidas pela doutrina, pelos tribunais e pelos operadores do Direito em geral – todos no seu devido tempo.
Read MoreO texto versa sobre o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) e os principais pontos que permeiam a dificuldade na sua aplicabilidade.
O advogado Gustavo Schiefler estreou, no último domingo (23/05/2021), na nova coluna do site Conjur: Público & Pragmático. O seu primeiro texto, intitulado “É recomendável aplicar a nova Lei de Licitações na pendência do PNCP?”, versa sobre o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) e os principais pontos que permeiam a dificuldade na sua aplicabilidade, oferecendo diretrizes e soluções aos impasses. Acesse em: https://www.conjur.com.br/2021-mai-23/publico-pragmatico-recomendavel-aplicar-lei-licitacoes-pendencia-pncp
A coluna Público & Pragmático recebe textos aos domingos e segue sob a curadoria do Prof. Gustavo Justino de Oliveira (USP e IDP).
Read MoreA exposição ocorreu no evento Judiciário Exponencial.
O advogado Gustavo Schiefler participou, hoje (13/5/2021), do evento Judiciário Exponencial, proferindo palestra sobre a contratação direta de Encomenda Tecnológica (art. 19, §2º-A, V, da Lei da Inovação). Em sua apresentação, Gustavo Schiefler enfatizou o potencial disruptivo desta modelagem contratual, vocacionada a resolver problemas concretos da Administração Pública que dependam de um desenvolvimento tecnológico ainda inexistente ou indisponível, em que exista risco tecnológico.
Contando com a participação de mais de 40 integrantes de Tribunais brasileiros, Schiefler destacou a existência de um importante precedente contratual, que pode servir como referência para novas contratações semelhantes: a encomenda tecnológica realizada pelo Supremo Tribunal Federal em 2019, para o desenvolvimento de um módulo integrante do PJe com inteligência artificial. Para quem se interessa pelo tema, Gustavo Schiefler recomendou a obra “Contratação de Inovação na Justiça – com os avanços do Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação” (2020), da qual é autor de dois capítulos, onde trata não somente da Encomenda Tecnológica como também de outras formas de contratar tecnologia.
Participaram também do evento, como expositores, os Drs. Ademir Piccoli (organizador do Judiciário Exponencial), Nathália Domingues Oliveira Barbosa (assessora do NIT/UFMG), Thiago de Andrade Vieira (Diretor de Tecnologia da Informação do CNJ) e Rafael Bitencourt (Líder de Práticas de Contratação de Nuvem em Governo da AWS).
Read MoreO novo marco consolida importantes flexibilizações e simplificações procedimentais, sobretudo no âmbito do uso de tecnologias da informação, que devem facilitar, na prática, a condução dos procedimentos licitatórios.
No dia 1º de abril de 2021, foi sancionada e publicada no Diário Oficial da União a Lei nº 14.133/2021, que unifica o regime jurídico sobre licitações e contratos administrativos no Brasil. A “Nova Lei de Licitações” inaugura e protagoniza uma era digital no âmbito das contratações públicas brasileiras, estabelecendo-se como um esperado paradigma normativo, sobretudo devido à defasagem sistêmica da Lei nº 8.666/93 e demais normas que historicamente regem as licitações e contratos administrativos.
Em síntese, a Lei nº 14.133/2021 consolida em um único diploma normativo o regime jurídico aplicável às licitações e contratos administrativos, sendo que, antes disso, as normas legais encontravam-se distribuídas entre disposições contidas na Lei Geral de Licitações (Lei nº 8.666/93), na Lei do Pregão (Lei nº 10.520/2002) e, extraordinariamente, na Lei nº 12.462/11, que dispõe sobre o Regime Diferenciado de Contratações (RDC). O novo diploma traz importantes aperfeiçoamentos para o âmbito das contratações públicas, consolidando boas práticas, introduzindo novos institutos e corrigindo falhas pontuais do sistema licitatório brasileiro, ainda que siga uma sistemática muito similar à antiga (em processo de substituição) Lei nº 8.666/93.
Com 194 artigos, a Lei nº 14.133/2021 visa a ocupar a posição de “lei geral”, propondo-se a ser um diploma consolidado e exauriente sobre o tema. Dentre seus cinco títulos, a lei inclui não apenas disposições acerca das licitações e dos contratos administrativos propriamente ditos, como também tipifica infrações e prevê as respectivas sanções, realizando, inclusive, modificações no Código de Processo Civil, no Código Penal e na Lei das Parcerias Público-Privadas (Lei nº 11.079/2004).
A Nova Lei de Licitações foi aprovada e publicada após quase 25 anos de discussões e tramitação, entre idas e vindas nas comissões parlamentares, uma vez que o Projeto de Lei nº 4.253/2020, que deu origem à atual Lei nº 14.133/2021, consiste, em realidade, em Substitutivo da Câmara dos Deputados aos Projetos de Lei do Senado nº 163/95 e nº 559/2013.
Novidades da Nova Lei de Licitações
Pensada com o objetivo de adaptar os mecanismos licitatórios e contratuais à realidade contemporânea, que é voltada ao universo de atividades em âmbito eletrônico, e visando, sobretudo, a acompanhar a dinâmica atual das relações contratuais da Administração, a Nova Lei de Licitações trouxe um grupo de novidades voltadas aos procedimentos eletrônicos e instrumentos digitais, como, por exemplo:
- A criação do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), ainda a ser instituído, que terá por objetivo operacionalizar e concentrar informações sobre licitações e contratos administrativos. O portal em questão ficará responsável, ainda, pela divulgação centralizada de todos os atos licitatórios dos órgãos e entidades da Administração direta, autárquica e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
- Licitação em meio eletrônico como a regra geral para todos os certames e, caso seja realizada de forma presencial, a imposição de que as sessões sejam gravadas em áudio e vídeo.
Além da necessidade de acompanhar o desenvolvimento tecnológico, um dos fios condutores do novo marco licitatório foi um visível esforço para que a Administração Pública mantenha-se em consonância com as melhores práticas contemporâneas, seguindo o que atualmente está pacificado na jurisprudência e em normativas infralegais. Nesse sentido, foram inseridos diversos dispositivos na Lei nº 14.133/2021 que têm por objetivo prestigiar a simplificação e o formalismo moderado nas contratações, racionalizando procedimentos e sedimentando práticas contratuais já existentes, mas que não possuíam, até então, previsão legal no regime ordinário. Nesse contexto, destacam-se as seguintes alterações:
- Incorporação, no novo diploma, de práticas e procedimentos não previstos nem regulamentados pela Lei nº 8.666/1993, como a contratação por credenciamento, a pré-qualificação do objeto ou de interessados, o procedimento de manifestação de interesse (PMI) e o registro cadastral unificado (art. 78 e ss.);
- Protagonismo à etapa de planejamento das licitações públicas, com destaque para o estudo técnico preliminar (art. 18);
- Maior flexibilização das hipóteses de dispensa de licitação, bem como a adequação dos exemplos de inexigibilidade (art. 75);
- Previsão de contratação de bens e também de serviços exclusivos, indicando formas mais flexíveis para viabilizar a comprovação de exclusividade, além da suavização na comprovação da notória especialização (art 74);
- Alteração do prazo e vigência de contratos de serviços ou fornecimentos contínuos, ou sob regime de fornecimento e prestação de serviço associado: de até 5 anos, prorrogáveis por até 10 anos (art. 105 e ss.);
- Antecipação dos efeitos do termo aditivo (art. 132);
- Possibilidade de afastamento do dever de elaborar parecer jurídico em razão do valor, complexidade ou padronização das contratações (art. 53, §5º);
- Diretrizes em favor do saneamento de vícios e critérios para decisão sobre a preservação da avença ou declaração de nulidade do contrato (art. 12, III, art. 59, I e V, art. 71, III, e art. 147).
A Nova Lei de Licitações repete algumas modalidades de licitação já conhecidas, como o pregão, a concorrência, o concurso e o leilão, sendo que o rito licitatório é inteiramente inspirado na experiência do pregão (com fase recursal única e habilitação após o julgamento). Ao lado das modalidades conhecidas, a Lei nº 14.133/2021 prevê ainda uma nova modalidade específica para o desenvolvimento de soluções durante o certame: o diálogo competitivo. No novo diploma foram extintas, porém, as modalidades de convite e tomada de preços, previstas na antiga Lei Geral de Licitações.
Ademais, é digna de nota a preocupação do novo diploma com a sustentabilidade, que teve sua importância majorada por meio de previsões específicas, como a contida no artigo 144 da Lei nº 14.133/2021, que permite o estabelecimento de remuneração variável vinculada ao desempenho do contratado, inclusive com base em critérios de sustentabilidade ambiental.
O dever de integridade também ocupa posição de destaque no texto da nova lei, uma vez que passa a ser obrigatória a existência de programa de integridade pelo licitante no caso de contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto (superior a duzentos milhões de reais), conforme dispõe o art. 25, § 4º, além de ser utilizada como critério de desempate (art. 60) e atenuante de eventuais sanções impostas (art. 156, §1º).
Cumpre destacar, ainda, algumas novidades pontuais, como a criação da figura do “agente de contratação”, em substituição à comissão de licitação, e as alterações em matéria criminal, uma vez que a nova lei acrescentou doze tipos penais ao Código Penal. A propósito, a Lei nº 14.133/2021 revogou e substituiu, desde a sua publicação, os crimes previstos na Lei nº 8.666/93.
Aplicação da Nova Lei de Licitações
A Nova Lei de Licitações entrou em vigor na data de sua publicação, porém permanece sendo de uso facultativo até o marco temporal de 1º de abril de 2023, quando serão oficialmente revogadas a Lei nº 8.666/93 (atual Lei Geral de Licitações), a Lei nº 10.520/2002 (Lei do Pregão) e os arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462/2011 (que tratam do Regime Diferenciado de Contratações – RDC).
Durante esses dois anos de transição e adaptação, será possível utilizar, em licitações e contratos administrativos, alternativamente, ou a Nova Lei de Licitações ou o regime definido pelas normas do regime em substituição, sendo vedada a combinação de regimes.
Dos vetos presidenciais
Dentre os 26 vetos presidenciais apresentados, que ainda devem ser analisados pelo Congresso Nacional, destacam-se os seguintes:
- Foi vetado o dispositivo que previa que a empresa contratada por órgão público deverá divulgar em seu site próprio, após a licitação, o teor dos contratos assinados.
- Foi vetada a disposição acerca de autorização conferida aos estados, municípios e distrito federal para estabelecer margem de preferência para produtos fabricados em seus territórios;
- Foi vetado o dispositivo que determinava ao órgão público o depósito em conta dos recursos necessários antes do início da execução de cada etapa da obra;
- Foi vetada a obrigatoriedade de os Municípios realizarem divulgação complementar de suas contratações mediante publicação de extrato de edital de licitação em jornal diário de grande circulação local;
- Foi vetada a obrigatoriedade de limitação dos valores de referência dos itens de consumo dos três Poderes nas esferas federal, estadual, distrital e municipal aos valores de referência do Poder Executivo federal.
Conclusões
De modo geral, ainda que a Nova Lei de Licitações não possa ser considerada especialmente inovadora, pois, como mencionado, se orienta por uma lógica similar à da Lei nº 8.666/93, é possível afirmar que o novo marco consolida importantes flexibilizações e simplificações procedimentais, sobretudo no âmbito do uso de tecnologias da informação, que devem facilitar, na prática, a condução dos procedimentos licitatórios.
Nota-se que a Lei nº 14.133/2021 carrega, como característica marcante, a previsão expressa e o detalhamento de diversas práticas licitatórias e contratuais que, embora já existissem na prática administrativa, careciam de positivação em lei. A expectativa é, portanto, que o diploma confira maior segurança jurídica aos licitantes e particulares contratados pela Administração Pública, em mais um importante passo no longo caminho de evolução do Direito Administrativo brasileiro.
Read MoreO curso contempla o regime da Lei nº 8.666/1993 e também da Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021).
Nos dias 12 e 13 de abril de 2021, o advogado Gustavo Schiefler ministrou as duas primeiras aulas do curso “40 vícios mais comuns nas licitações e contratações diretas”, promovido pela Zênite Consultoria e Informação.
Em abordagem que contemplou o regime da Lei nº 8.666/1993 e também da Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021), Gustavo tratou da identificação dos vícios e as consequências no procedimento, assim como dos vícios mais comuns no planejamento da licitação, com foco nos entendimentos do Judiciário e do TCU.
Os principais pontos abordados foram:
- Identificação dos vícios e as consequências no procedimento;
- Entendimentos do Judiciário e do TCU;
- LINDB e a Lei de Licitações;
- Vícios mais comuns no planejamento da licitação;
- Regime atual e novidades pontuais da nova Lei de Licitações;
- Escolha da solução e da modelagem de contratação que melhor atende à necessidade administrativa;
- Definição do objeto;
- Exigência de amostra;
- Reunião do objeto em lotes e divisão em itens;
- Estudo Técnico Preliminar (ETP);
- Pesquisa de preços de mercado de acordo com a IN nº 73/2020 e elaboração de planilhas;
O evento foi promovido pela Escola do Legislativo Deputado Lício Mauro da Silveira.
No dia 5/4/2021, o advogado Gustavo Schiefler ministrou a palestra de abertura do Curso de Licitação e Fiscalização de Contratos dos servidores da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina (ALESC), em evento promovido pela Escola do Legislativo Deputado Lício Mauro da Silveira.
No primeiro dia útil após a entrada em vigor da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei Federal nº 14.133/2021), Gustavo Schiefler apresentou os principais destaques deste novo regime de contratações, durante 2 horas-aula, para um público de aproximadamente 70 pessoas. Na palestra, a Nova Lei de Licitações foi abordada em 8 pontos principais. São eles:
- Perguntas básicas sobre a Nova Lei de Licitações;
- Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP);
- Redução de formalidades e adoção de tecnologias;
- Modalidades, Fases e Modos de Disputa;
- Institucionalização dos Diálogos Público-Privados;
- Novidades nas Contratações Diretas;
- Prazo de duração dos Contratos Administrativos;
- Destaques Finais.
A palestra está disponível no YouTube e pode ser conferida no link: https://www.youtube.com/watch?v=P9jxBRjxyG0.
Read MoreTrata-se de uma decisão que, advinda de uma Corte Superior, confere ainda mais segurança jurídica para o instituto do ANPC em sede de ação de improbidade administrativa.
A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu, por unanimidade, a possibilidade de celebração de Acordo de Não Persecução Cível (ANPC) nas ações de improbidade administrativa que estejam em fase recursal, inclusive após a condenação em 2ª instância, desde que não tenha havido o trânsito em julgado.
Ao interpretar a nova redação dada ao § 1º do artigo 17 da Lei nº 8.429/1992 (“Lei de Improbidade Administrativa” ou “LIA”) pela Lei nº 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”), o Relator do AREsp nº 1.314.581 – SP, o Ministro Benedito Gonçalves, homologou judicialmente o Termo de Acordo de Não Persecução Cível firmado entre a Promotoria de Justiça do Município de Votuporanga (SP) e o réu. Anuíram com a homologação judicial do acordo também o Ministério Público do Estado de São Paulo, representado pelo Procurador-Geral de Justiça, na qualidade de parte, e o Ministério Público Federal, por meio de parecer.
No caso, a Primeira Turma do STJ concluiu que, “tendo em vista a homologação do acordo pelo Conselho Superior do MPSP, a conduta culposa praticada pelo ora recorrente, bem como a reparação do dano ao Município de Votuporanga, além da manifestação favorável do Ministério Público Federal à homologação judicial do acordo, tem-se que a transação deve ser homologada”, extinguindo o feito com resolução de mérito, com base no inciso III do artigo 487 do Código de Processo Civil.
O acordo dizia respeito a acórdão proferido pelo TJSP por meio da qual o réu havia sido condenado à modalidade culposa do artigo 10 da LIA em razão de dano ao erário, no valor de R$ 50.000,00, em decorrência de condenação do Município de Votuporanga por danos morais em ação indenizatória. A condenação por danos morais se deu por conta de não cumprimento de ordem judicial emitida ao então réu para o fornecimento, a paciente, de medicamento destinado ao tratamento de deficiência coronária grave, tendo o paciente falecido por acometimento de infarto agudo de miocárdio.
Em sede de AREsp – portanto, depois da condenação em 2º grau de jurisdição, pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) – a parte ré firmou com a Promotoria de Justiça do Município de Votuporanga o acordo, com base na atual redação do § 1º do artigo 17 da Lei de Improbidade Administrativa, na Resolução nº 1.193/2020 do Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo – que disciplina o Acordo de Não Persecução Cível para o MPSP – e no § 2º do artigo 7º da Resolução nº 179/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público.
A decisão é paradigmática, já que, até então, havia insegurança quanto aos limites de aplicabilidade da atual redação do § 1º do artigo 17 da LIA – que, lacônica, tão somente dispõe sobre a possibilidade de celebração de Acordo de Não Persecução Cível no bojo das ações de improbidade administrativa – para ações que estivessem em fase recursal.
Embora o caso concreto tenha sido precedido de homologação pelo Conselho Superior do MPSP, e somente depois ter sido levado para apreciação do Poder Judiciário, a Resolução nº 1.193/2020 do Conselho Superior do MPSP, atualmente em vigor, obriga que haja esta homologação apenas nos casos em que a propositura da ação judicial ocorreu por determinação do Conselho (cf. artigo 10, § 2º, da Resolução).
De toda sorte, o fato é que, ao homologar judicialmente o ANPC em sede de Embargos de Declaração no Agravo em Recurso Especial, extinguindo o feito com resolução do mérito com base no inciso III do artigo 487 do Código de Processo Civil, o Superior Tribunal de Justiça abre espaço para a celebração de acordos em todas as ações de improbidade atualmente em trâmite, mesmo para aquelas nas quais tenha havido condenação em 2ª instância.
Trata-se de uma decisão que, advinda de uma Corte Superior, confere ainda mais segurança jurídica para o instituto do ANPC em sede de ação de improbidade administrativa, alçando-o a uma importante ferramenta para a solução negocial entre as partes.
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