Entendendo o processo licitatório: as etapas do certame
Entre as diversas alterações trazidas pela Lei nº 14.133/2021 (a chamada Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos – NLLCA), uma das mudanças mais significativas diz respeito às etapas dos procedimentos licitatórios.
Afastando-se consideravelmente da sua antecessora, a conhecida Lei nº 8.666/93, a NLLCA trouxe uma sequência de fases muito similar à adotada pela Lei do Pregão (Lei nº 10.520/02), em especial devido à inversão das fases de habilitação e de julgamento das propostas, com o objetivo de simplificar e conferir agilidade ao procedimento licitatório.
Em linhas gerais, o rito da licitação pública se estrutura por meio das seguintes etapas, prevista no artigo 17 da Lei nº 14.133/2021:
Fase preparatória
A fase preparatória, também chamada fase interna da licitação, contempla inicialmente a identificação de uma necessidade pública que, embora não possa ser resolvida de forma adequada e diretamente pela própria Administração, pode ser satisfeita por meio da contratação de um particular. Uma vez identificada essa necessidade, ainda na fase preparatória, tem-se o planejamento sobre a contratação em si, em termos de melhor solução, incluindo a forma de seleção do particular a ser contratado e o objeto da contratação propriamente dito.
É nessa fase que serão desenvolvidos o Estudo Técnico Preliminar (ETP), o Projeto Básico ou Termo de Referência, além do edital convocatório. Ou seja, é a etapa em que se realizam os de estudos técnicos contendo a justificativa e as condições para a contratação, sempre a partir da requisição originária para a contratação necessária para resolver um problema da Administração.
Na Lei nº 14.133/2021 foi conferido um destaque inédito a essa fase, em especial por meio do artigo 18, que traz uma espécie de “manual de instruções” para o planejamento da licitação pública, representando uma evolução em relação à Lei nº 8.666/93, que possuía pouquíssimos artigos tratando sobre esse tema.
Divulgação do edital
Uma vez encerrada a instrução do processo licitatório durante a fase preparatória, na qual é realizado o controle prévio de legalidade e a análise da regularidade da contratação pela assessoria jurídica da Administração, a autoridade competente determina a divulgação do edital da licitação.
Essa divulgação deve seguir o disposto no artigo 54 da Lei nº 14.133/2021, atentando-se para a necessidade de que a publicidade do edital seja realizada mediante divulgação no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), além de ser publicado extrato do edital no Diário Oficial da União, do Estado, do Distrito Federal ou do Município, bem como em jornal diário de grande circulação.
Apresentação de propostas
Os particulares interessados na licitação devem apresentar suas propostas durante o período designado no edital.
Na maioria dos casos, o ambiente onde ocorre a apresentação das propostas dos licitantes é eletrônico, ou seja, a proposta é apresentada por meio de uma plataforma eletrônica (como o Comprasnet ou o e-Licitações).
Basicamente, o licitante precisa estar previamente credenciado no sistema em que acontecerá o certame. Para isso, é comum que o interessado tenha de apresentar documentos habilitatórios mínimos, que permitam a criação de um login e de uma senha. A partir dessas credenciais, o licitante apresentará a sua proposta no sistema, em concorrência direta com outros eventuais participantes.
No caso de licitações presenciais, a apresentação das propostas acontece por meio da apresentação, à Administração, envelopes lacrados contendo esses documentos mínimos, que serão apresentados em uma data especificamente designada para isso.
Antes do julgamento propriamente dito, é feita uma análise das propostas apresentadas, sendo possível a desclassificação de eventuais participantes nesta etapa, em caso de desconformidade com o edital que não possa ser sanada.
Após a apresentação das propostas, a Administração deve classificar os licitantes segundo os critérios objetivos previstos pelo edital.
Neste momento, a depender do modo de disputa, poderá ocorrer uma sessão competitiva em tempo real. Como será visto em detalhes mais adiante, o modo de disputa poderá ser:
- Aberto, e, nesse caso, os licitantes poderão apresentar novas propostas de preços por meio de lances públicos e sucessivos, crescentes ou decrescentes;
- Fechado, hipótese em que as propostas apresentadas permanecerão em sigilo até a data e hora designadas para sua divulgação; ou,
- É possível, ainda, a utilização conjunta dos dois modos de disputa.
Julgamento das propostas
Uma vez classificadas as propostas apresentadas pelos licitantes, estas serão julgadas pela comissão licitante ou pelo pregoeiro, momento no qual serão desclassificados os licitantes que apresentarem propostas com vícios ou desconformidades insanáveis, que não obedecerem às especificações técnicas previstas no edital, que apresentarem preços inexequíveis ou permanecerem acima do orçamento estimado para a contratação, ou, ainda, que não tiverem sua exequibilidade demonstrada, quando exigido pela Administração.
Caso os vícios encontrados sejam sanáveis, a Administração deverá possibilitar ao licitante a correção desse vício, abrindo diligência para tal, como, por exemplo, um erro de cálculo do valor da proposta, em que os preços unitários estão corretos, mas a soma está incorreta. Além disso, se o preço for considerado inexequível – ou seja, não se revelar capaz de possibilitar ao licitante uma retribuição financeira compatível em relação aos encargos que terá de assumir contratualmente –, este licitante terá a oportunidade de comprovar que o preço em questão é exequível.
A etapa de julgamento das propostas pode acontecer de diferentes maneiras, a depender do critério de julgamento do certame. Por exemplo, se o critério adotado for menor preço ou maior desconto, o julgamento se dará por meio da simples comparação dos valores apresentados. Se o critério for técnica e preço, por outro lado, deverá ser considerada a maior pontuação obtida a partir da ponderação das notas atribuídas aos aspectos de técnica e de preço da proposta, de tal modo que haverá avaliação das propostas técnicas, e, em seguida, as propostas de preço apresentadas pelos licitantes, na proporção máxima de 70% (setenta por cento) de valoração para a proposta técnica.
Além disso, tanto no julgamento por técnica e preço, quanto no julgamento por melhor técnica, são verificadas a capacidade e experiência do licitante, comprovadas por meio da apresentação de atestados de obras, produtos ou serviços previamente realizados, sendo que as notas serão atribuídas por banca designada para essa finalidade, de acordo com as orientações e limites definidos em edital.
Por fim, especificamente nos casos de julgamento por melhor técnica ou conteúdo artístico, serão consideradas exclusivamente as propostas técnicas ou artísticas apresentadas pelos licitantes.
Negociação
Outra previsão trazida pela Lei nº 14.133/2021 diz respeito à possibilidade de a Administração, assim que esteja definido o resultado do julgamento, negociar condições mais vantajosas com o primeiro colocado, sendo esta etapa de negociação facultada pela lei. Essa negociação poderá ser feita com os demais licitantes, segundo a ordem de classificação inicialmente estabelecida, quando o primeiro colocado, mesmo após a negociação, for desclassificado em razão de sua proposta ter permanecido acima do preço máximo definido pelo órgão licitante (artigo 61, § 1º).
Habilitação
Depois do julgamento das propostas, tem-se a etapa de habilitação do licitante mais bem classificado, com o objetivo de apurar se este cumpre todos os requisitos necessários para tal habilitação.
Nesse momento, será verificado o conjunto de informações e documentos que comprovam a idoneidade e a capacidade do licitante de realizar o objeto da licitação, dividindo-se em:
- Capacidade jurídica;
- Capacidade técnica;
- Capacidade fiscal, social e trabalhista; e
- Capacidade econômico-financeira.
Se, após a análise desses documentos, concluir-se que o licitante não atende às exigências do edital, os demais licitantes serão chamados, sucessivamente, de acordo com a ordem de classificação das propostas apresentadas.
Fase recursal
Após a etapa de habilitação dos licitantes, tem-se uma fase recursal única, na qual serão impugnadas todas as eventuais irregularidades ocorridas nas demais fases da licitação. A existência de uma fase recursal única é, também, uma das grandes novidades trazidas pela Lei nº 14.133/2021, assemelhando-se novamente ao sistema licitatório da Lei do Pregão. Essa alteração teve por objetivo corrigir uma das maiores deficiências da Lei nº 8.666/93, que previa uma fase recursal após cada uma das etapas do certame, o que acabava gerando diversos atrasos e ineficiência na condução dos procedimentos licitatórios.
Homologação
Encerradas as fases de julgamento e habilitação, esgotados os recursos administrativos e estando o processo licitatório livre de quaisquer irregularidades, a autoridade superior homologará a licitação.
Observa-se que, com a Lei nº 14.133/2021, a fase de adjudicação, anteriormente prevista pela Lei nº 8.666/93 como uma etapa autônoma, acabou sendo absorvida pela etapa de homologação (artigo 71, inciso IV da NLLCA), de tal modo que da fase recursal passa-se direto à homologação do resultado final. Essa alteração teve como objetivo, também, simplificar o processo licitatório e conferir celeridade a ele.
Principais mudanças com a Nova Lei
Como mencionado anteriormente, uma das maiores alterações da NLLCA foi a inversão das fases de habilitação e de apresentação de propostas. Segundo a nova sistemática proposta, o órgão licitante inicialmente prepara a licitação, na sequência divulga o edital e, na data designada, recebe as propostas. Após, haverá o julgamento das propostas apresentadas, seguido da verificação da habilitação dos licitantes, e só depois serão abertos os prazos para interposição de recursos.
O fato de a habilitação ocorrer em momento posterior ao do julgamento das propostas simplifica o procedimento licitatório, pois economiza tempo precioso da Administração, que não precisará analisar os documentos de habilitação das licitantes que não apresentarem propostas minimamente exequíveis e compatíveis com o disposto no edital. É possível, porém, inverter as etapas de habilitação e julgamento das propostas, retornando ao cenário da Lei nº 8.666/93, desde que essa inversão seja feita por ato motivado, que deixe claros os benefícios decorrentes da inversão, e que haja previsão expressa no edital de licitação, conforme estabelece o artigo 17, § 1º da Lei nº 14.133/2021.
O quadro-resumo abaixo traz, de forma esquematizada, a atual estruturação das etapas de um certame licitatório:
Por isso, ao participar de licitações e firmar contratos com a Administração Pública, é recomendável contar com o auxílio de uma assessoria especializada em todas as etapas da licitação.
Você tem alguma dúvida ou sugestão em relação ao tema? Entre em contato conosco por meio do e-mail contato@schiefler.adv.br, para que um dos nossos advogados especialistas em licitações públicas possa lhe atender.
Read MoreAs principais leis sobre licitação pública e contratos administrativos: navegando entre diferentes normas
O regime jurídico das licitações públicas e contratos administrativos, no Brasil, é composto por inúmeras normas. Nesse aspecto, um ponto que sempre causa certo receio para quem trabalha com licitações públicas e contratos administrativos, sem dúvida, diz respeito à necessidade de conhecer múltiplas normas legais, já que não existe um código normativo unificado regulamentando as licitações e contratações públicas.
Assim, este tópico apresenta uma introdução às principais normas legais relacionadas com o tema, em conjunto com suas características e âmbitos de aplicação.
Constituição Federal
No ponto mais alto do ordenamento jurídico nacional, como lei fundamental do Brasil, servindo de parâmetro de validade a todas as demais espécies normativas, encontra-se a Constituição Federal.
A Constituição, por sua vez, como já adiantado anteriormente, prevê em seu artigo 37, inciso XXI, como regra, a obrigatoriedade de realização de procedimento licitatório:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[…]
XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
Esse dispositivo serve como verdadeiro norte para a matéria. Merece, em verdade, um destaque especial, pois possui grande riqueza em seu conteúdo, estabelecendo diretrizes essenciais sobre o regime jurídico das contratações públicas brasileiras.
Como devemos compreender e interpretar adequadamente o artigo 37, inciso XXI da Constituição Federal?
A primeira oração do inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal (“ressalvados os casos especificados na legislação, […]”) traz, já de início, uma regra de exceção bastante importante: a de que a legislação pode estipular casos excepcionais em que o processo de licitação pública não será obrigatório. É o que ocorre no caso de dispensa de licitação – quando o valor do objeto a ser contratado é considerado baixo, por exemplo – e de inexigibilidade de licitação – quando só há um fornecedor que pode entregar o produto desejado, por exemplo – previstos na Lei Federal nº 8.666/1993 e na Lei Federal nº 14.133/2021.
Seguindo no texto constitucional, lê-se que “[…] as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública […]”. Aqui, fica estabelecido o processo de licitação pública como a regra geral para que o Estado contrate com o particular, qualquer que seja a finalidade e o objeto do contrato, exceto para os casos de ressalva previstos em lei.
A imposição ao Estado, e por ele próprio, de que o processo de licitação pública seja a regra para a contratação com particular não se limita, porém, a este requisito, já que a sequência da redação é a de que este processo deve ocorrer assegurando-se “[…] igualdade de condições a todos os concorrentes […]”. A garantia aqui resguardada é a de que haverá igualdade de tratamento para os licitantes, o que também é denominado como a necessária isonomia entre os licitantes.
Ademais, no que diz respeito ao contrato administrativo a ser firmado com a vitória no processo de licitação, o texto constitucional impõe que sejam mantidas as condições efetivas da proposta e a existência de cláusulas que estabeleçam à Administração Pública as obrigações de pagamento ao particular. Trata-se do conhecido direito ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato. É que, se, para o Estado o objetivo final da contratação pública é cumprir as suas atribuições dirigistas, em prol do bem-estar social dos cidadãos, para o particular contratado o objetivo final é atender o contrato e auferir lucro, sem que seja prejudicado por eventos imprevisíveis ou inevitáveis, ou mesmo por fato causado pela Administração.
Por fim, a redação final do inciso XXI do artigo 37 da Constituição prevê que o processo de licitação pública “[…] somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”. Esta disposição prevê o que se entende por dever de proporcionalidade, a saber: a Administração só pode exigir requisitos mínimos de participação no processo de licitação pública, que sejam estritamente necessários à execução do objeto do contrato a ser celebrado, sob pena de invalidade do certame. Esse dispositivo, então, orienta o conteúdo das demais normas jurídicas sobre a matéria.
O inciso XXVII do artigo 22 da Constituição Federal e a questão da competência para legislar sobre licitações e contratos administrativos
Faz-se válido abordar também o inciso XXVII do artigo 22 da Constituição Federal, cuja previsão é a seguinte:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
[…]
XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III;
Ou seja, a União é o ente federado com maior amplitude de competência legislativa sobre licitações públicas e contratos administrativos. Em outras palavras, a regra é de que os Estados, Distrito Federal e municípios não poderão legislar sobre normas gerais de licitações e contratos administrativos; poderão, por sua vez, legislar sobre normas especiais.
Apesar de não existir consenso sobre o que seriam exatamente “normas gerais”, em contraposição às “normas especiais”, existem alguns núcleos de concordância sobre o tema, como aquelas normas gerais previstas na Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 8.666/93 e 14.133/21) que tratam de: (i) modalidades e tipos de licitação; (ii) hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação. Desse modo, um município não poderá, por exemplo, produzir uma lei que venha a introduzir uma nova modalidade de dispensa do procedimento licitatório, sob pena de inconstitucionalidade.
Outras previsões: O artigo 173, §1º, inciso III e a necessidade de lei específica para regular o procedimento licitatório das empresas estatais e o artigo 175 e o dever de prestação de serviços públicos por parte do Estado
Ainda da Constituição Federal, outra previsão que merece atenção é a do artigo 173, §1º, inciso III. Este dispositivo prevê a necessidade de lei específica para regular o procedimento licitatório das empresas estatais:
Art. 173. […] § 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:
[…] III – licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública;
Essa lei já existe: trata-se da Lei nº 13.303/2016, a qual será estudada mais adiante.
No mais, outro dispositivo constitucional a ser citado é o artigo 175, segundo o qual “Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”. Esse dispositivo, em resumo, indica o dever do Estado brasileiro de prestar serviços públicos, seja de forma direta ou indireta. Se indireta, por meio de concessão ou permissão, mas, nesse caso, sempre por intermédio de licitação.
Diretrizes da Constituição Federal sobre o tema das licitações públicas:
Portanto, para além das regras materiais previstas no inciso XXI do artigo 37, verifica-se que a Constituição Federal estabeleceu as seguintes diretrizes no que tange ao tema das licitações públicas:
(i) é competência privativa da União estabelecer normas gerais em matéria de licitação e contratação pública;
(ii) traz, como regra geral, a obrigatoriedade da licitação para todos os órgãos da administração pública, direta e indireta, nas três esferas de governo;
(iii) traz a obrigatoriedade da licitação também para as empresas públicas e sociedades de economia mista, e respectivas subsidiárias, devendo fazê-lo, entretanto, segundo procedimento estabelecido em regulamento próprio;
(iv) traz a obrigatoriedade do Estado ao prestar serviços públicos de forma indireta, seja por meio de concessão ou permissão, de obrigatoriamente promover processo licitatório.
Lei Geral das Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 8.666/93 e Lei nº 14.133/2021)
A Lei nº 8.666/93 trata das normas gerais de licitação e contratos administrativos. De modo geral, ela é a norma que regulamenta o artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, instituindo normas para licitações e contratos da Administração Pública e dando outras providências.
Esta lei predispõe, já em seu primeiro artigo, que se trata de uma lei que “estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. É como explica Joel de Menezes Niebuhr:
Essa Lei compreende cento e vinte e seis artigos, a maior parte deles fragmentada em vários parágrafos, incisos e alíneas, cujos teores constituem emaranhado de normas que praticamente exaurem a disciplina da licitação pública e do contrato administrativo, pretendendo uniformizar a matéria […]
Nesse aspecto, a Lei nº 8666/93 (em processo de substituição pela Lei nº 14.133/2021), ao estabelecer normas gerais sobre licitações e contratos administrativos no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, aborda o uso de processos licitatórios para a realização de: obras; serviços, inclusive de publicidade (disciplinado complementarmente por lei específica, a Lei nº 12.232/10); compras; alienações; locações; concessões e permissões (disciplinadas por leis específicas, as leis nº 8.987/95 e Lei nº 9.074/95).
No mais, é importante destacar que o artigo 1º da Lei 8.666/93 apresenta não apenas o objeto geral da Lei de Licitações e Contratos, mas também os sujeitos que estão submetidos a essa normativa. Dispõe que se subordinam ao seu regime: (i) os órgãos da administração direta; (ii) os fundos especiais; (iii) as autarquias; (iv) as fundações públicas; (v) as empresas públicas; (vi) as sociedades de economia mistas; e (vii) as demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municipais.
Além disso, podem ser citados como alguns dos principais artigos e previsões da Lei nº 8666/93, e seus correspondentes na Lei nº 14.133/2021, os seguintes:
- O art. 21 determina como deve ser feita a publicação do edital do processo licitatório, incluindo os prazos (correspondente ao art. 53 da Lei nº 14.133/2021);
- O art. 22 que apresenta as cinco modalidades principais de licitação e seus conceito, sendo elas: concorrência; tomada de preços; convite; concurso; leilão. Na Lei nº 14.133/2021, as modalidades estão previstas no artigo 28 e são as seguintes: concorrência, pregão, convite, leilão e o diálogo competitivo;
- O art. 23 apresenta os limites de valores para contratação em cada uma das modalidades de licitação (não há correspondente na Lei nº 14.133/2021);
- O art. 24 determina as 35 hipóteses em que a licitação é dispensável, ou seja, em que é permitido que um poder público realize uma contratação direta (correspondente ao art. 75 da Lei nº 14.133/2021);
- O art. 25 determina as três hipóteses em que a licitação é inexigível, ou seja, em que não pode ser exigido que o poder público conduza um processo licitatório para a contratação. Isso acontece quando a competição entre empresas ou profissionais é inviável (correspondente ao art. 74 da Lei nº 14.133/2021);
- O art. 27 estabelece os requisitos de documentação para que uma empresa se habilite a participar de licitações (correspondente ao art. 62 da Lei nº 14.133/2021);
- O art. 32 esclarece como devem ser apresentados os documentos para a habilitação (correspondente ao art. 70 da Lei nº 14.133/2021);
- O art. 43 apresenta os procedimentos formais que devem ser seguidos para julgar as propostas recebidas dos licitantes, os participantes da licitação (correspondente ao art. 43 da Lei nº 14.133/2021);
- O art. 55 determina as cláusulas necessárias no contrato fechado com a empresa que vencer a licitação (correspondente ao art. 92 da Lei nº 14.133/2021);
De toda forma, como já adiantado, a Lei nº 8.666/93 só permanecerá em vigência até abril de 2023, quando será substituída, definitivamente, pela Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, a Lei nº 14.133/2021.
Durante esse período, ambas as leis podem ser utilizadas, como prevê o artigo 191 da Lei nº 14.133/2021:
Art. 191. Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 193, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso.
Parágrafo único. Na hipótese do caput deste artigo, se a Administração optar por licitar de acordo com as leis citadas no inciso II do caput do art. 193 desta Lei, o contrato respectivo será regido pelas regras nelas previstas durante toda a sua vigência.
Desde o dia primeiro de abril de 2021, com a publicação da Lei Federal nº 14.133, a atenção dos atuantes em Direito Público tem-se voltado para discutir o regramento e entender de que forma ele impactará a sistemática das contratações públicas. Tal preocupação, aliás, é de extrema pertinência, haja vista a amplitude da NLLCA, que, ao prescrever a revogação (a acontecer em dois anos) e ocupar o espaço das Leis nº 8.666/1993 (antiga Lei de Licitações e de Contratos Administrativos), nº 10.520/2002 (Lei do Pregão) e nº 12.462/2011 (Lei do Regime Diferenciado de Contratações Públicas), torna-se a grande referência normativa em matéria de contratações públicas.
Vamos tratar, mais adiante, de modo específico, sobre o perfil e as principais características da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos.
Lei do Pregão (Lei nº 10.520/02) e Decretos nº 3.555/00 (regulamenta o Pregão Presencial) e nº 10.024/2019 (regulamenta o Pregão Eletrônico)
A Lei nº 10.520, de 2002, também chamada de Lei do Pregão, indica uma modalidade de licitação que é bastante utilizada na atualidade, sendo esta destinada para a aquisição de bens e serviços comuns – uma licitação para a obtenção de material de escritório, por exemplo, seria considerado como bem de interesse comum. Trata-se de mais uma lei que se encontra em processo de substituição, que será revogada em abril de 2023.
O pregão possui rito simplificado para a licitação e, historicamente, sob a perspectiva estatística, é a modalidade mais utilizada no Brasil.
Um ponto importante a ser salientado é que esta modalidade não se aplica em determinadas situações, que dizem respeito a objetos incomuns, sendo que, como maior exemplo, encontram-se as obras de engenharia, que não podem ser contratadas por meio de pregão.
Ao contrário da Lei nº 8.666/93 e da Lei nº 14.133/21, trata-se de uma lei bastante sucinta e objetiva. Nesse aspecto, e justamente por não prever todas as situações possíveis em seus 13 artigos, tem-se o artigo 9 da Lei nº 10.520/02, o qual determina que se aplicam, subsidiariamente, para a modalidade pregão, as normas da Lei nº 8.666/93.
Na prática, contudo, o que é mais relevante para a aplicação do pregão está em seu decreto regulamentador. No âmbito federal, essas regras encontram-se dispostas no
Decreto Federal nº 10.024/2019, que regulamenta a licitação na modalidade do pregão eletrônico. Há também o Decreto nº 3.555/2000, que regulamenta o pregão presencial em âmbito federal, embora esta seja uma prática em avançado estágio de desuso, sobretudo quando se trata de licitações do Governo Federal.
A característica essencial da modalidade do pregão é a possibilidade de oferta de lances em tempo real, sejam eles verbais ou eletrônicos, por parte dos licitantes. No caso do pregão, o critério de julgamento busca sempre avaliar apenas o preço (menor preço ou maior desconto). Ou seja, não há que se falar, no caso de pregão, sobre a atribuição de notas a propostas técnicas.
Outras características peculiares estão no fato de existir apenas uma fase recursal, na qual podem ser questionados atos praticados ao longo do certame, e que o certame é conduzido pelo pregoeiro, e não por uma comissão de licitação.
Como dito, a modalidade Pregão, prevista na Lei nº 10.520/2002, passará a ser definitivamente disciplinada pela Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/21) junto das demais modalidades.
O Pregão passa a ser definido pela Lei nº 14.133/2021, no seu inciso XLI do artigo 6º, como a “modalidade de licitação obrigatória para aquisição de bens e serviços comuns, cujo critério de julgamento poderá ser o de menor preço ou o de maior desconto”.
Assim, a partir da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, o Pregão passa a ser obrigatório para a contratação de todo e qualquer bem ou serviço comum.
Por fim, no que se refere ao procedimento desta modalidade, segue-se o rito previsto no artigo 17 da Lei nº 14.133/2021, bastante semelhante ao rito previsto na Lei nº 10.520/2002 (Lei do Pregão), qual seja:
Art. 17. O processo de licitação observará as seguintes fases, em sequência:
I – preparatória;
II – de divulgação do edital de licitação;
III – de apresentação de propostas e lances, quando for o caso;
IV – de julgamento;
V – de habilitação;
VI – recursal;
VII – de homologação.
O que se percebe é que o rito procedimental previsto na Lei nº 10.520/2002 (Lei do Pregão) acabou por inspirar e influenciar o rito licitatório na Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, de modo que a ordem sequencial de etapas do pregão passou a ser adotado como regra nas licitações em geral, inclusive em outras modalidades.
Estatuto Jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias (Lei nº 13.303/2016)
Atualmente, a expressão “empresas estatais” é utilizada na doutrina para se referir de modo geral a qualquer uma das entidades empresariais regidas pela Lei nº 13.303/2016. São as empresas públicas e as sociedades de economia mista e suas subsidiárias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União ou seja de prestação de serviços públicos.
São exemplos de empresas estatais: Banco do Brasil, Petrobras, Eletrobras, BNDES, Caixa Econômica Federal, Embrapa, Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô), Sabesp, etc.
Não é por outra razão que a Lei nº 13.303/2016 é a chamada de Lei das Estatais e, desde a sua promulgação, tem regido, na condição de estatuto especial, as licitações e os contratos administrativos realizados por essas entidades.
Em outras palavras, a Lei nº 13.303/2016 foi criada com a finalidade de definir regras mais claras e rígidas para essas empresas no que diz respeito a compras, licitações e nomeação de diretores, presidentes e membros do conselho de administração. Dessa forma, o seu intuito maior é evitar episódios de corrupção, sobrepreço e qualquer tipo de interferência política indevida em instituições dessa natureza, garantindo relações mais transparentes entre elas e seus fornecedores.
Inclusive, em virtude do contexto acima, a Lei das Estatais mescla institutos de direito privado e de direito público, criando mecanismos de transparência e governança que devem ser observados, o que inclui: (i) regras para divulgação de informações; (ii) práticas de gestão de risco; (iii) códigos de conduta; (iv) orientações para fiscalização do Estado e da sociedade; (v) constituição e funcionamento de conselhos; e, é claro, (vi) normas de licitações e contratos. As regras de licitações e contratos estão previstas entre os artigos 28 a 84 da lei nº 13.303/2016.
Uma das principais exigências da Lei nº 13.303/2016 é a de que seja produzido, por cada empresa estatal, um regulamento interno prevendo os procedimentos para a realização de licitações e formalização de contratos administrativos.
Serviços de publicidade prestados por intermédio de agências de propaganda (Lei nº 12.232/2010)
A contratação de agências de propaganda pela Administração Pública, originalmente, era realizada pela Lei nº 8.666/93. Contudo, esta legislação apresentava regras e procedimentos que não permitiam, eficientemente, a escolha da melhor proposta para prestação de serviços por agências de publicidade, já que a ferramenta e diferencial neste mercado é a criatividade dos profissionais, característica capaz de ser valorada apenas subjetivamente.
Surgiu então a Lei nº 12.232/2010, que criou regras próprias para a contratação de agências de propaganda.
As principais características diferenciadoras nas licitações para a contratação de agência de propaganda estão relacionadas com a forma de apresentação e julgamento das propostas dos participantes.
Em linhas gerais, cada licitante propõe à Administração um plano de comunicação publicitária, o qual contém uma campanha desenvolvida a partir de um desafio publicitário comum a todos os participantes.
Este plano de comunicação publicitária, em conjunto com informações técnicas sobre os próprios licitantes, é julgado por uma subcomissão técnica especializada, formada a partir de um sorteio para a escolha de profissionais isentos, listados pela Administração, com formação em comunicação, publicidade ou marketing ou que atuem em uma dessas áreas.
A Lei trata de enumerar diversos procedimentos para garantir a objetividade necessária às decisões da subcomissão técnica, tais como a anonimização e a padronização das formas de apresentação das propostas técnicas (especificamente, do plano de comunicação publicitária), permitindo o conhecimento do autor apenas depois da revelação das avaliações.
Regime Diferenciado de Contratação Pública (RDC) (Lei nº 12.462/11)
A Lei nº 12.462/11 instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC). Este regime foi concebido para as licitações destinadas à Copa do Mundo de Futebol de 2014 e às Olimpíadas de 2016. Posteriormente, seu uso foi ampliado para as ações integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) (Lei nº 12.745/12), além de licitações e contratos de obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde (Lei nº 12.745/12), entre outras previsões.
De modo geral, o regime foi instituído com a finalidade de suprir uma série de defasagens da Lei nº 8.666/93, acentuadas em um momento no qual o Brasil necessitava realizar obras voluptuosas e que dependiam de um regime licitatório menos burocrático, mais célere, moderno e eficiente, que se adequasse ao cenário das obras que precisavam ser realizadas pelo país.
Este regime jurídico deixará de existir a partir de abril de 2023, em razão da Lei nº 14.133/21. De todo modo, houve a absorção, pela NLLCA, de parcela significativa das inovações trazidas pela RDC.
Lei Complementar nº 123/06
A Lei Complementar nº 123/06 trata do Estatuto da Microempresa e empresa de pequeno porte. Esta lei é relevante no que toca às contratações públicas porque estabelece as regras gerais de tratamento diferenciado e preferencial para microempresas e empresas de pequeno porte (MEs e EPPs) nas licitações.
Em síntese, os principais benefícios e vantagens das MEs e EPPs nas contratações públicas brasileiras são os seguintes:
- Critério de desempate favorável às MEs e EPPs, quando em disputa com outras empresas (artigos 44 e 45);
- Existência de licitações em que somente MEs e EPPs podem participar, com itens de contratação cujo valor é de até R$ 80 mil (art. 48, I);
- Possibilidade de que haja exigência de que o contratado pela Administração Pública subcontrate MEs ou EPPs (art. 48, II);
- Existência de cotas reservadas a MEs e EPPs, em montante de até 25% do quantitativo, em licitações de bens de natureza divisível (art. 48, III)
- Possibilidade de privilegiar a contratação de MEs e EPPs sediadas local ou regionalmente, inclusive mediante o pagamento de preços superiores aos praticados por outras empresas (até 10% do melhor preço válido encontrado) (art. 48, §2º)
- Exigência de comprovação de regularidade fiscal e trabalhista das microempresas apenas por ocasião da assinatura do contrato (Arts. 42 e 43)
As previsões contidas nesta lei configuram o tratamento diferenciado que o Estado brasileiro dedica às MEs e EPPs, o que objetiva fomentar o desenvolvimento nacional sustentável, a partir de uma política de incentivos.
Read MoreEstatísticas do mercado público: as contratações diretas são exceção ou regra?
O inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal prescreve a regra geral de que, ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, os serviços, as compras e as alienações serão contratados mediante processo de licitação pública.
Em outras palavras, isto significa que, se não houver uma exceção prevista em lei, a Administração Pública deve realizar uma licitação pública se quiser contratar alguém.
O grande ponto sobre este assunto é que, na prática, essas exceções do plano jurídico representam uma parcela muito significativa das contratações públicas. E isto é muito relevante para a compreensão do universo das licitações e dos contratos administrativos, já que, para atuar neste mercado, é indispensável conhecer o que, de fato, acontece no cotidiano da Administração Pública. Veja, ao longo deste texto, a análise detalhada das principais estatísticas do mercado público.
Os dados do Painel de Compras Públicas
Em estatística que pode até parecer contraintuitiva, extraída de dados das compras públicas entre 2016 e 2020, verifica-se que 71,25% dos contratos celebrados pelo Governo Federal decorreram de processos de contratação pública em que não houve licitação. Do total de contratações celebradas pelo Governo Federal, 59,18% foram fundamentadas em hipóteses de dispensa de licitação e 12,07% em hipóteses de inexigibilidade de licitação pública. Aproveitando a oportunidade para conhecer as modelagens estatisticamente mais comuns no universo das contratações públicas, note-se que, das 258.023 licitações realizadas, no período, pelo Governo Federal, 252.692 licitações foram realizadas pela modalidade do pregão eletrônico. Isto significa que o pregão eletrônico foi responsável por 97,93% das licitações públicas realizadas no período.
Essas estatísticas foram bem analisadas por Eduardo Schiefler, em sua dissertação de mestrado (UnB). Veja-se:
“No período de 2016 a 2020, dos 897.538 processos de compras divulgados no Governo Federal, 531.198 ocorreram por dispensa de licitação e 108.317 por inexigibilidade de licitação, o que corresponde a aproximadamente 71,25% do total de processos. Por sua vez, o restante das compras (28,75%) foi realizado mediante licitação, sendo 252.692 por pregão, 3.134 por tomada de preços, 1.492 por concorrência, 570 por convite, 84 por concurso e 51 por concorrência internacional.
Em valores financeiros despendidos, a ordem de prevalência das modalidades sofre alteração, de sorte que: (i) o pregão representa o principal destinatário dos valores destinados aos processos de compras, atingindo o montante que supera R$ 630 bilhões; em seguida, têm-se (ii) a dispensa de licitação e a inexigibilidade de licitação, as quais representam aproximada e respectivamente R$ 82 bilhões e R$ 78 bilhões; por sua vez, (iii) as demais modalidades de licitação alcançam aproximadamente R$ 10,5 bilhões (concorrência), R$ 1,8 bilhão (tomada de preços), R$ 280 milhões (concorrência internacional), R$ 58 milhões (convite) e R$ 6,6 milhões (concurso). Ademais, observa-se do Painel de Compras que, do total de processos de compras divulgados, a contratação de serviços corresponde a 40,1%, enquanto a de materiais representa 59,9%.
Com o intuito de consolidar as informações que ora foram apresentadas, elaborou-se a seguinte tabela:
Dados disponibilizados no Painel de Compras Públicas, referentes às contratações do Governo Federal entre 2016 e 2020: | |
Valor total estimado | R$ 805.639.740.474,61 |
Valor destinado às ME/EPP | Mais de R$ 460 bilhões |
Quantidade de ME/EPP contratadas | 101.247 |
Quantidade total de processos de compras | 897.538 |
Representação percentual da contratação de materiais em relação à quantidade total de processos de compras | Aproximadamente 59,9% |
Representação percentual da contratação de serviços em relação à quantidade total de processos de compras | Aproximadamente 40,1% |
Quantidade, valores e representação percentual de dispensas de licitação em relação à quantidade total de processos de compras | 531.198 |
Aproximadamente R$ 82 bilhões | |
Aproximadamente 59,18% | |
Quantidade, valores e representação percentual de inexigibilidades de licitação em relação à quantidade total de processos de compras | 108.317 |
Aproximadamente R$ 78 bilhões | |
Aproximadamente 12,07% | |
Representação percentual das contratações diretas (dispensas e inexigibilidades) em relação à quantidade total de processos de compras | Aproximadamente 71,25% |
Quantidade, valores e representação percentual de pregões (presenciais ou eletrônicos) em relação à quantidade total de processos de compras | 252.692 |
Mais de R$ 630 bilhões | |
Aproximadamente 28,15% | |
Quantidade, valores e representação percentual de tomada de preços em relação à quantidade total de processos de compras | 3.134 |
Aproximadamente R$ 1,8 bilhão | |
Aproximadamente 0,35% | |
Quantidade, valores e representação percentual de concorrências em relação à quantidade total de processos de compras | 1.492 |
Aproximadamente R$ 10,5 bilhões | |
Aproximadamente 0,17% | |
Quantidade, valores e representação percentual de convites em relação à quantidade total de processos de compras | 570 |
Aproximadamente R$ 58 milhões | |
Aproximadamente 0,06% | |
Quantidade, valores e representação percentual de concursos em relação à quantidade total de processos de compras | 84 |
Aproximadamente R$ 6,6 milhões | |
Aproximadamente 0,01% | |
Quantidade, valores e representação percentual de concorrências internacionais em relação à quantidade total de processos de compras | 51 |
Aproximadamente R$ 280 milhões | |
Aproximadamente 0,006% |
Tabela 2 – Painel de Compras Públicas do Governo Federal (2016 e 2020)
Como se verifica, na prática, quantitativamente o que deveria ser a exceção (contratação direta de bens e serviços), conforme a legislação constitucional e infraconstitucional, acaba se tornando a regra nos processos de compras públicas, ao passo que a regra (contratação mediante processo licitatório) é empreendida em menos ocasiões. Uma possível justificativa para a ocorrência dessa inversão na realidade administrativa, em termos quantitativos, pode estar presente no fato de ser permitido, diretamente e sem licitação, comprar bens e contratar obras e serviços até um determinado valor, por dispensa de licitação, nos termos da Lei nº 8.666/1993 (artigo 24, I e II), assim como em situações de emergência ou de calamidade pública (artigo 24, IV).
Por outro lado, dentre as modalidades de licitação, exalta-se a contratação por pregão, cuja sistemática de competição foi, em larga escala, incorporada pela Nova Lei de Licitações, de sorte que, sob a sua égide, também passará a ser a regra para as demais modalidades de licitação. A propósito dos pregões, que podem ser empreendidos nas formas presencial ou eletrônica, é importante mencionar uma informação que detém especial pertinência a este trabalho, qual seja, a obrigatoriedade imposta pelo Decreto nº 10.024, de 20 de setembro de 2019, editado pelo Governo Federal, de que os pregões sejam realizados no formato eletrônico, em detrimento do presencial.”
A partir destes dados, pode-se compreender melhor as estatísticas do mercado de contratações públicas.
Compreendendo as Estatísticas do Mercado de Contratações Públicas
Como toda estatística, é importante compreendê-la para além dos números propriamente expostos. Note-se, primeiramente, que uma parcela significativa da estatística se refere à quantidade de contratações, o que não se confunde com o volume financeiro das contratações. Quando se analisa o volume financeiro das contratações, o resultado é distinto.
Daí se verifica que, na prática, a maioria dos contratos administrativos, em termos de quantidade de contratos, são avenças de baixo valor econômico, o que leva à conclusão que a maioria dessas contratações se fundamenta na hipótese de dispensa de licitação em razão do valor. Este cenário tende a se perpetuar com a Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021), uma vez que os limites para as contratações por dispensa em razão do valor foram significativamente aumentados.
Portanto, sob a perspectiva dos negócios empresariais, é fato que existe um imenso mercado público em que as empresas são contratadas sem licitação pública. A depender da precificação do produto ou serviço a ser vendido à Administração, o empreendedor precisará dominar muito mais as normas aplicáveis às contratações diretas, sobretudo a dispensa de licitação, do que as regras de licitação propriamente dita.
Ainda que não sejam as mais pujantes sob a perspectiva financeira, as contratações por dispensa de licitação em razão do valor do contrato representam uma parcela muito significativa das contratações públicas brasileiras e, tomando por base o que ocorre no Governo Federal, a maioria em termos quantitativos de contratações.
E a inexigibilidade de licitação?
Note-se, a partir das estatísticas oficiais, que o mercado das contratações diretas por inexigibilidade de licitação também é muito expressivo: aproximadamente R$ 78 bilhões/ano e mais de 12% dos contratos firmados.
Portanto, há também muito espaço para empreendedores que adotam uma modelagem negocial geradora de produtos ou serviços exclusivos, que não podem ser adquiridos livremente no mercado, por inexistirem concorrentes, ou que oferecem serviços técnicos profissionais especializados, com o objetivo de resolver problemas singulares, especiais, extraordinários.
As estatísticas ora apresentadas foram estruturadas em termos relativos ao próprio mercado de contratações públicas, ou seja, a relação de proporcionalidade é interna ao próprio mercado.
Mas qual é o tamanho deste mercado? Para compreender a dimensão do mercado de contratações públicas, não perca o próximo texto desta série de artigos acerca de licitações públicas e de contratos administrativos.
SCHIEFLER, Eduardo André Carvalho. Controle das Compras Públicas, Inovação Tecnológica e Inteligência Artificial: o paradigma da administração pública digital e os sistemas inteligentes na Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 2021. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade de Brasília – UnB, Brasília, 2021, p. 29-30.
As informações foram extraídas do Painel de Compras Públicas no mês de abril de 2021, de sorte que eventuais alterações podem ter ocorrido por conta de possíveis correções empreendidas pelo Governo Federal em momento posterior.
Os valores referentes às modalidades de licitação, que são determinadas de acordo com os seus limites (artigo 23 da Lei nº 8.666/1993), foram atualizados pelo Decreto nº 9.412/2018; consequentemente, as contratações diretas por dispensa de licitação, com base no artigo 24, I e II, da Lei nº 8.666/1993, foram majorados para R$ 33.000,00 (obras e serviços de engenharia) e para R$ 17.600,00 (compras e serviços que não configuram de engenharia). Com a Nova Lei de Licitações, estes limites foram majorados ainda mais, para R$ 100.000,00 (obras e serviços de engenharia ou de serviços de manutenção de veículos automotores) e para R$ 50.000,00 (outros serviços e compras), conforme o seu artigo 75, I e II, assim como o § 1º do mesmo dispositivo legal.
Por exemplo, nos processos licitatórios fundamentados na Nova Lei de Licitações, foi absorvida a característica dos pregões de inverter as fases de julgamento das propostas e de análise da habilitação dos licitantes, de acordo com o artigo 17, IV e V, da nova lei.
Decreto Federal nº 10.024/2019: Art. 1º […] § 1º A utilização da modalidade de pregão, na forma eletrônica, pelos órgãos da administração pública federal direta, pelas autarquias, pelas fundações e pelos fundos especiais é obrigatória.
Read MoreEstatísticas do mercado público: as compras públicas representam 12% do PIB
Ninguém duvida que o mercado das compras públicas é relevante e toma grandes proporções no Brasil. A questão é saber qual o seu tamanho exato e, mais importante que isso, como mensurá-lo?
Antes de adentrar-se às nuances deste tema propriamente dito, é importante lembrar que, historicamente, as contratações públicas podem ser vistas como instrumentos potenciais de indução de práticas e comportamentos nos âmbitos administrativo e particular, tendo em vista a sua importância e as suas características quantitativas, qualitativas e financeiras.
É dizer, não raramente as contratações públicas são utilizadas legitimamente não apenas como uma forma de satisfazer as necessidades primárias dos cidadãos e da própria administração, mas também como uma ferramenta política para induzir determinado comportamento no poder público ou na sociedade civil, com vistas a desenvolver algum setor ou promover alguma mudança em sua estrutura e em seu modo de agir.
Considerando também essa função instrumental, não seria absurdo afirmar que praticamente toda e qualquer atividade da Administração Pública envolve, em determinado momento e em maior ou menor grau, a contratação de bens e serviços (seja mediante licitação, seja por contratação direta).
E como, no Brasil, as funções administrativas avançam sobre as mais variadas áreas sociais, por opção constitucional e legal, a consequência da atuação do poder público não poderia ser outra: as compras públicas representam um percentual significativo do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
O Estado brasileiro é o maior comprador atuante em nosso mercado:
Existem dúvidas sobre como mensurar o percentual do PIB correspondente às contratações públicas, já que não existe apenas uma metodologia de calcular tal indicador econômico nem consenso sobre quais contratos devem ser levados em consideração no cálculo a ser realizado. Há uma dificuldade inerente ao processo de definição sobre o volume de contratações públicas e o seu impacto na economia.
A despeito disso, é possível, de fato, ter uma noção aproximada sobre o percentual do PIB representado pelas compras públicas no Brasil. Estudos técnicos foram realizados e conferem certa segurança ao afirmarem que as compras públicas representaram, nas duas primeiras décadas do século XXI, uma média de aproximadamente 12% do PIB brasileiro.
É o que se verifica, primeiramente, no estudo realizado por Cássio Garcia Ribeiro e Edmundo Inácio Júnior, pesquisadores visitantes do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea, que desenvolveram uma metodologia para mensurar o mercado brasileiro de compras públicas entre 2006 e 2017. Os dados obtidos por tal metodologia resultaram nesta seguinte tabela:
Verifica-se que, entre os anos de 2006 e 2017, o volume médio anual das compras governamentais do Brasil (abrangendo a União, os Estados e os Municípios) foi de 12,5% do PIB, representando uma média anual de R$ 499,5 bilhões. A União tem participação majoritária neste quantitativo, o que demonstra a sua relevância sobre parcela substancial do PIB brasileiro, o qual, tanto em termos absolutos como em termos proporcionais, torna evidente a influência das contratações públicas na economia do País.
Como destacado anteriormente, os números percentuais e absolutos alcançados para representar as compras públicas no PIB brasileiro dependem da metodologia utilizada. Como toda pesquisa científica, adotam-se premissas que justificam a conclusão dentro das possibilidades criadas pelas métricas e pelos dados que foram selecionados, de sorte que verificações similares ou distintas sobre o mesmo tema podem coexistir e ser igualmente válidas.
Especificamente sobre a mensuração das compras públicas, Denis Audet explica que existem poucos estudos de quantificação do tamanho do mercado de compras públicas, sendo que os seus resultados não são, necessariamente, comparáveis, uma vez que diferentes conceitos podem ter sido adotados, ocasionando conclusões distintas. Como exemplo, cita-se a afirmação feita, em avaliação produzida pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE sobre o Sistema de Integridade da Administração Pública Federal Brasileira, de que as compras públicas têm uma proeminência como instrumento político e, no âmbito dos países membros da OCDE, representam entre 4% a 14% do PIB, enquanto no Brasil as estimativas mais conservadoras indicam que o valor giraria em torno de 8,7% do PIB.
Independentemente disso, é importante observar que a média alcançada pelo primeiro estudo indicado acima, de 12% do PIB brasileiro, está compatível com o que ocorre nos países membros da OCDE, de modo que é seguro utilizar este número percentual como representativo das compras públicas.
Para corroborar ainda mais tal posicionamento, cita-se um segundo estudo, também proveniente do Ipea, mas que desta vez envolveu um número maior de pesquisadores. Além dos dois já citados (Cássio Garcia Ribeiro e Edmundo Inácio Júnior), juntaram-se a eles Vera Thorstensen, Luís Felipe Giesteira, Antonio Pedro Rima de Oliveira Faria e Ignácio Tavares de Araújo Júnior. Com pequenas alterações nos números absolutos, as médias percentuais do PIB representadas pelas compras públicas permaneceram praticamente inalteradas em relação ao primeiro estudo.
Este estudo analisou as compras públicas entre 2002 e 2019 e concluiu que, neste período, a média das compras públicas foi de 12,0% do PIB brasileiro, tendo igualmente a União uma posição majoritária nos quantitativos:
Observa-se da tabela que, em termos de números absolutos, o auge das contratações públicas ocorreu entre os anos de 2012 e 2014, alcançando o montante de R$ 994 bilhões neste último. Por sua vez, em termos proporcionais, o seu auge aconteceu em 2010, quando as compras públicas representaram incríveis 13,5% do PIB brasileiro.
Ainda, nota-se que neste período (2002-2019) as compras da União representaram em termos proporcionais (percentual do PIB) uma média anual de mais de 50% de todas as compras públicas brasileiras (6,6% do PIB), abrangendo nesta comparação os Estados e os Municípios. Os Estados, por sua vez, contrataram o equivalente a 2,2% do PIB nestes anos, enquanto os mais de 5.500 Municípios atingiram uma média de 3,1% do PIB.
Volume de Compras das estatais brasileiras: Petrobras e Eletrobras:
Além do que foi exposto acima, outras análises foram realizadas no âmbito do mesmo estudo, conforme se verifica da tabela abaixo, na qual se observaram as compras governamentais da União, destacando especialmente aquelas empreendidas pelo Grupo Petrobras e pelo Grupo Eletrobras, duas empresas estatais brasileiras que possuem especial relevância:
Da leitura dos dados que culminaram no desenvolvimento da tabela acima, o estudo apontou: (i) o protagonismo da administração indireta diante da administração direta; (ii) o protagonismo da Petrobras, que contribui com mais da metade do mercado de compras do Governo Federal; (iii) a existência de dois ciclos, sendo o primeiro de expansão do mercado de compras da União até 2012 e o segundo a partir de 2015, em que há uma tendência mais significativa de queda no volume das compras.
Especificamente em relação ao Grupo Petrobras, destacou-se que, em relação ao mercado de compras da União, no primeiro ciclo identificado, as aquisições da empresa estatal “mais do que duplicaram em uma década, saltando de R$ 147 bilhões para R$ 349,95 bilhões, entre 2002 e 2012. Aliás, o auge da participação relativa da estatal brasileira ocorreu em 2012, ano em que suas compras atingiram 5,2% do PIB do país. Naquele ano, suas aquisições constituíram aproximadamente 66% do total das compras do governo federal.”. Já no que toca ao segundo ciclo, “há uma queda pronunciada nas aquisições de bens e serviços realizadas pela petroleira brasileira de R$ 370 bilhões (ou 5,2% do PIB, em 2012) para R$ 180 bilhões (ou 2,6% do PIB, em 2016). Se na primeira fase os indicadores da Petrobras foram animadores, isso não se pode dizer da segunda. A crise enfrentada pela estatal brasileira desde o período 2014-2015 e a queda do preço do petróleo ajudam a entender a redução dos gastos da Petrobras com compras de bens e serviços.”.
Já em relação ao Grupo Eletrobras, observou-se que é responsável por efetuar, autonomamente, compras em volume anual bastante similar a toda a administração direta federal ou à administração indireta federal. Assim como a Petrobras, o volume contratado pela Eletrobras é substancial e representa dezenas de bilhões de reais anualmente. Somadas, entre os anos de 2002 e 2019, as compras destas duas empresas estatais representaram em termos proporcionais uma média de 70% das compras públicas da União (4,66% do PIB brasileiro em relação aos 6,6% representados pelas compras da União).
Conclusão:
Nesse sentido, muito embora a mensuração do volume das compras públicas e a sua representação em percentual do PIB sejam atividades complexas a serem empreendidas, a grande questão incontroversa é que o mercado de compras públicas é, na realidade brasileira, um setor extremamente ativo e pujante.
Este mercado se relaciona com praticamente todas as funções da administração pública, bem como envolve quase um trilhão de reais anualmente, havendo, inclusive, alguns núcleos de maior notoriedade, a exemplo do Governo Federal e, mais especificamente, das grandes empresas estatais, como a Petrobras e a Eletrobras.
Para saber mais sobre a temática de contratações públicas e licitações, continue acompanhando nosso conteúdo, inscreva-se em nosso newsletter e baixe gratuitamente o e-book Guia das modalidades de licitação: atualizado de acordo com a nova Lei nº 14.133/2021.
Cf. COSTA, Caio César de Medeiros; TERRA, Antônio Carlos Paim. Compras públicas: para além da economicidade. Brasília: Enap, 2019. p. 5.
RIBEIRO, Cássio Garcia; JÚNIOR, Edmundo Inácio. O Mercado de Compras Governamentais Brasileiro (2006-2017): mensuração e análise. Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Brasília: Ipea, 2019. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/9315/1/td_2476.pdf. Acesso em: 20 fev. 2022.
AUDET, Denis. Government Procurement: a Synthesis Report. OECD Journal on Budgeting. Vol. 2, n. 3. OECD 2002. p. 152-153. Disponível em: https://read.oecd-ilibrary.org/governance/government-procurement-a-synthesis-report_budget-v2-art18-en. Acesso em: 22 fev. 2022.
OCDE. Avaliação da OCDE Sobre o Sistema de Integridade da Administração Pública Federal Brasileira: Gerenciando Riscos por uma Administração Pública Íntegra. 2011. p. 37. Disponível em: https://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/articulacao-internacional/convencao-da-ocde/arquivos/avaliacaointegridadebrasileiraocde.pdf. Acesso em: 20 fev. 2022.
THORSTENSEN, Vera; et al. Brasil na OCDE: Compras Públicas. Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Brasília: Ipea, 2021. Disponível em: https://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/47061/1/S2100424_pt.pdf. Acesso em: 20 fev. 2022.
Read MoreRegra de ouro das licitações públicas: compreendendo a essência de qualquer certame
Para um profissional que se dedica ao estudo do universo das licitações públicas pela primeira vez, o emaranhado de normas, regras, entendimentos, discussões, divergências e polêmicas pode parecer ininteligível, até mesmo espantoso. Surge frequentemente a sensação de que a compreensão deste assunto dependeria de uma dedicação intensa durante anos, quem sabe décadas.
Read MoreTanto a remoção como a licença possuem requisitos próprios para serem concedidos por meio de requerimento administrativo ou de ação judicial.
É comum que cônjuges ou companheiros de servidores públicos sejam deslocados para trabalhar em outra localidade, muitas vezes de ofício (ex officio) e no interesse da administração.
Independentemente de se tratar de um professor universitário, um técnico administrativo ou qualquer outro cargo da carreira federal, um servidor público federal possui o direito de acompanhar o seu marido, a sua esposa ou o seu companheiro(a) no caso de este(a) ser deslocado para outro ponto do território nacional brasileiro.
Este direito está previsto na Lei nº 8.112/1990, também conhecida como Estatuto dos Servidores Públicos Federais, e normalmente consiste nos institutos da remoção para acompanhar cônjuge (artigo 36 da lei) [1]Art. 36. Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede. Parágrafo único. Para fins do disposto neste artigo, entende-se … Continue reading e da licença por motivo de afastamento de cônjuge, com exercício provisório (artigo 84 da lei)[2]Art. 84. Poderá ser concedida licença ao servidor para acompanhar cônjuge ou companheiro que foi deslocado para outro ponto do território nacional, para o exterior ou para o exercício de … Continue reading.
Cada um destes institutos, seja a remoção, seja a licença, possuem requisitos próprios para serem concedidos por meio de requerimento administrativo ou de ação judicial, normalmente por meio de Mandado de Segurança, com pedido liminar.
Nesse sentido, é muito comum surgirem dúvidas como:
(1) Se o servidor deslocado possuir um cônjuge/companheiro também servidor público, ele possui direito de ser removido para fins de acompanhamento, independentemente do interesse da administração?
(2) É possível remover professores ou técnicos administrativos entre diferentes universidades federais ou institutos federais distintos?
(3) A coabitação prévia é um requisito para o acompanhamento de cônjuge por remoção ou por licença com exercício provisório (remunerada)?
(4) A licença com exercício provisório é remunerada e por tempo indeterminado?
(5) O Ministério da Educação pode indeferir o pedido de remoção ou de licença?
(6) Eu preciso de um advogado para pedir a minha remoção ou licença para acompanhamento de cônjuge?
Para conhecer as respostas a estas e outras dúvidas, acesse os artigos escritos pelo advogado do escritório especialista no assunto:
Artigo 1 – A remoção de Professor entre Universidades Federais distintas
Artigo 2 – Servidor Público cujo cônjuge foi deslocado possui direito à licença
Entre em CONTATO com o advogado especialista em acompanhamento de cônjuge caso queira uma avaliação sobre um caso particular.
Texto escrito por: Eduardo Schiefler
Referências[+]
↑1 | Art. 36. Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede.
Parágrafo único. Para fins do disposto neste artigo, entende-se por modalidades de remoção: I – de ofício, no interesse da Administração; II – a pedido, a critério da Administração; III – a pedido, para outra localidade, independentemente do interesse da Administração: a) para acompanhar cônjuge ou companheiro, também servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que foi deslocado no interesse da Administração; b) por motivo de saúde do servidor, cônjuge, companheiro ou dependente que viva às suas expensas e conste do seu assentamento funcional, condicionada à comprovação por junta médica oficial; c) em virtude de processo seletivo promovido, na hipótese em que o número de interessados for superior ao número de vagas, de acordo com normas preestabelecidas pelo órgão ou entidade em que aqueles estejam lotados. |
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↑2 | Art. 84. Poderá ser concedida licença ao servidor para acompanhar cônjuge ou companheiro que foi deslocado para outro ponto do território nacional, para o exterior ou para o exercício de mandato eletivo dos Poderes Executivo e Legislativo.
§ 1º A licença será por prazo indeterminado e sem remuneração. § 2º No deslocamento de servidor cujo cônjuge ou companheiro também seja servidor público, civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, poderá haver exercício provisório em órgão ou entidade da Administração Federal direta, autárquica ou fundacional, desde que para o exercício de atividade compatível com o seu cargo. |
A URP, abreviação para Unidade de Referência de Preços (URP), é um indexador econômico que, até fevereiro de 1989, orientou reajustes, em relação à taxa de inflação, de preços e de salários. Instituída no âmbito do Plano Bresser, a URP tem impacto significativo na remuneração de servidores, tendo sido objeto de muitas discussões jurídicas até os dias atuais.
Eduardo Schiefler[1]Eduardo Schiefler – Advogado no escritório Schiefler Advocacia. Mestrando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). … Continue reading
Matheus Dezan[2]Matheus Dezan – Estagiário de Direito no escritório Schiefler Advocacia. Bacharelando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (FD|UnB). Editor Assistente da Editoria … Continue reading
O objetivo deste artigo é analisar o pagamento da URP (Unidade de Referência de Preço) de fevereiro de 1989, mais conhecida como URP/1989, que foi instituída, no âmbito do Plano Bresser[3]CPDOC. Verbete “Plano Bresser” do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Disponível em: … Continue reading, pelo Decreto-Lei n.º 2.335/1987[4]BRASIL. Decreto-Lei n.º 2.335, 12 de junho de 1987. Dispõe sobre o congelamento de preços e aluguéis, reajustes mensais de salários e vencimentos, institui a Unidade de Referência de Preços … Continue reading, revogado pela Lei n.º 7.730/1989[5]BRASIL. Lei n.º 7.730, de 31 de janeiro de 1989. Institui o cruzado novo, determina congelamento de preços, estabelece regras de desindexação da economia e dá outras providências. Divisão de … Continue reading. Resumidamente, a URP/1989 é um indexador econômico que até fevereiro de 1989 orientou reajustes, em relação à taxa de inflação, de preços e de salários.
A importância da análise desta verba se dá em razão de que, por força de decisão liminar da Ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia, primeira relatora do Mandado de Segurança n.º 28.819/DF, impetrado pelo Sindicato dos Trabalhadores da Fundação Universidade de Brasília (SINTFUB/DF), os servidores públicos da Universidade de Brasília (UnB), instituição federal de ensino superior, recebem, mensalmente, desde o ano de 2010, o pagamento da URP/1989.
Ainda vigente, esta decisão teve por objetivo, “considerando a natureza alimentar da parcela da URP/89, paga aos substituídos durante alguns anos, suspender os efeitos dos atos […] dos quais resulte diminuição, suspensão e/ou retirada daquela parcela da remuneração dos servidores substituídos, e/ou que impliquem a devolução dos valores recebidos àquele título, até a decisão final da presente ação, com a consequente devolução das parcelas eventualmente retidas desde o ajuizamento desta”. Além disso, a então Ministra relatora também consignou em sua decisão que, “ao apreciar alegação de desrespeito à liminar que concedi no Mandado de Segurança n. 26.156, asseverei que a observância do que decidido importava no pagamento da parcela discutida na forma como vinha sendo realizada antes da prolação dos atos impugnados, ou seja, incluídos todos os substituídos (sem distinção quanto à época de ingresso na Fundação Universidade de Brasília) e sem sua absorção por reajustes salariais posteriores.”.
Nesse cenário, uma questão que vem ganhando espaço em julgamentos recentes do STF diz respeito ao fato de que os servidores públicos (técnicos administrativos ou docentes) da Universidade de Brasília (UnB) que, quando redistribuídos para outras instituições federais de ensino superior públicas em razão da Lei n.º 8.112/1990[6]BRASIL. Lei n.º 8.112/1990, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Diário Oficial … Continue reading, deixam de receber o pagamento mensal da URP de fevereiro de 1989.
Isso porque, no entendimento de algumas instituições de ensino superior para as quais os servidores públicos da Universidade de Brasília (UnB) são redistribuídos, este deslocamento acarretaria a interrupção do vínculo entre esses servidores públicos e a Universidade de Brasília (UnB), de modo que a decisão liminar da Ministra Cármen Lúcia no âmbito do Mandado de Segurança n.º 28.819/DF deixaria de abarcá-los.
Isto é, para essas instituições, os servidores transferidos deixariam, em razão da redistribuição, de ser beneficiários do Mandado de Segurança n.º 28.819/DF. Assim, uma vez redistribuídos, os servidores públicos não mais perceberiam o pagamento mensal da URP de fevereiro de 1989.
Notadamente, é preciso notar que os atos administrativos das instituições federais de ensino superior que suprimem o pagamento mensal da URP/1989 dos servidores públicos redistribuídos da Universidade de Brasília (UnB) ignoram que, por força do artigo 37, XV, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988)[7]BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 05 out. 1988, p. 1. e do artigo 37, I e II, da Lei n.º 8.112/1990 (Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União – Servidores Federais), a redistribuição ocorre, sempre, em razão do interesse da Administração, e não dos servidores públicos, motivo pelo qual se assegura a equivalência dos vencimentos e dos subsídios.
Por essa razão, não é lícito que a Administração Pública, isto é, as instituições federais de ensino superior, suprima o pagamento mensal da URP de fevereiro de 1989 dos servidores públicos redistribuídos, originariamente, da Universidade de Brasília (UnB). Confiram-se os dispositivos:
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988)
Art. 37. […]: XV – o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV deste artigo e nos arts. 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I;
Lei n.º 8.112/1990
Art. 37. Redistribuição é o deslocamento de cargo de provimento efetivo, ocupado ou vago no âmbito do quadro geral de pessoal, para outro órgão ou entidade do mesmo Poder, com prévia apreciação do órgão central do SIPEC, observados os seguintes preceitos:
I – interesse da administração;
II – equivalência de vencimentos;
[…]
Isso faz com que a referida supressão viole a garantia de irredutibilidade de subsídios e de vencimentos dos servidores públicos, bem como ignore que a redistribuição não ocorre no interesse exclusivo dos servidores públicos — mesmo que eles tenham demandado a redistribuição —, mas de acordo com o interesse da Administração, que deve, por essa razão, arcar com o ônus econômico-financeiro dessa redistribuição.
É dizer: a Administração jamais procederá à redistribuição de um servidor público se não for do interesse administrativo, não podendo — e a jurisprudência pátria é pacífica nesse sentido — ser compelida a redistribuir um servidor (para tanto, existem outros institutos aplicáveis e oponíveis à Administração, como a remoção para acompanhar cônjuge e a licença por motivo de afastamento de cônjuge, com exercício provisório, por exemplo).
Naturalmente, existem situações em que o interesse da Administração e o do servidor estão alinhados no sentido da redistribuição (o que é até desejável, já que torna o deslocamento legítimo e mitiga o risco de desgaste interno no serviço público). Entretanto, este alinhamento não é requisito para a redistribuição, bastando, entre eles, apenas o interesse da Administração, de sorte que a redistribuição promovida após a solicitação do próprio servidor não tem o potencial de descaracterizá-la como uma medida administrativa efetivamente adotada no interesse da Administração — e, como tal, portadora de consequências que impactam a esfera jurídica dos servidores.
Assim, a supressão do pagamento mensal da URP de fevereiro de 1989 dos servidores públicos redistribuídos da Universidade de Brasília (UnB) viola, a um só tempo, os princípios da confiança, da legítima expectativa, da boa-fé e da segurança jurídica — uma vez que esses servidores públicos, munidos de boa-fé, supuseram, desde o princípio, que a redistribuição a que se submetiam corresponderia àquela positivada pelo artigo 37 da Lei n.º 8.112/1990, que estabelece requisitos e garantias em favor dos servidores públicos, a exemplo da equivalência de seus vencimentos.
O Ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski apreciou, ao menos em cinco ocasiões, no âmbito das Reclamações n.º 36.499/RN[8]STF. Ag. Reg. Emb. Decl. Recl. n.º 36.499/RN. Relator Ministro Ricardo Lewandowski. Órgão Julgador: Segunda Turma. Julgado em: 08 mar. 2021., n.º 41.780/GO[9]STF. Ag. Reg. Recl. n.º 41.780/GO. Relator Ministro Ricardo Lewandowski. Órgão Julgador: Segunda Turma. Julgado em: 15 mar. 2021., n.º 45.760/CE, n.º 45.828/GO[10]STF. Recl. n.º 45.760/CE. Relator Ministro Ricardo Lewandowski. Órgão Julgador: Segunda Turma. Julgado em: 12 mar. 2021., n.º 46.478/MG [11]STF, Recl n.º 46.478 / MG, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, 5 de maio de 2021.e n.º 47.652/RJ[12]STF. Recl. n.º 47.652/RJ. Relator Ministro Ricardo Lewandowski. Órgão Julgador: Segunda Turma. Julgado em: 30 jun. 2021., a questão da manutenção ou da supressão do pagamento da URP/1989 aos servidores públicos redistribuídos da Universidade de Brasília (UnB) para outras instituições de ensino superior públicas.
Nesses processos, decidiu-se que a supressão em questão afronta a autoridade da decisão liminar da Ministra Cármen Lúcia no âmbito do Mandado de Segurança n.º 28.819/DF, do mesmo modo que viola a garantia à irredutibilidade dos subsídios e dos vencimentos dos servidores públicos redistribuídos, positivada pelo artigo 37, XV, da Constituição de 1988 e pelo artigo 37, II, da Lei n.º 8.112/1990. Do mesmo modo, o ato administrativo que suprime o pagamento da verba vai de encontro aos princípios da confiança, da legítima expectativa, da boa-fé e da segurança jurídica, uma vez que é preciso que a redistribuição observe, sempre, o artigo 37, II, da Lei n.º 8.112/1990.
Destarte, assenta-se o entendimento de que os servidores públicos transferidos da Universidade de Brasília (UnB) para outras instituições federais de ensino têm o direito de continuar recebendo, após a sua redistribuição, o pagamento da URP de fevereiro de 1989, sem que esse pagamento seja, de qualquer forma, suprimido, suspenso ou interrompido, ao menos até o julgamento do mérito do Mandado de Segurança n.º 28.819/DF.
Referências[+]
↑1 | Eduardo Schiefler – Advogado no escritório Schiefler Advocacia. Mestrando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Integrante do Grupo de Estudos em Direito Público (GEDIP/UFSC). Integrante do Grupo de Pesquisa em Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial (DRIA.UnB). Autor do livro “Processo Administrativo Eletrônico” (2019) e de artigos acadêmicos, especialmente na área de Direito Administrativo e Tecnologia. |
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↑2 | Matheus Dezan – Estagiário de Direito no escritório Schiefler Advocacia. Bacharelando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (FD|UnB). Editor Assistente da Editoria Executiva da Revista dos Estudantes de Direito da Universidade de Brasília (RED|UnB). Membro do Grupo de Pesquisa certificado pelo CNPq Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial (DR.IA|UnB). Membro do Grupo de Estudos em Direito e Economia (GEDE|UnB|IDP). Membro do Grupo de Pesquisa em Hermenêutica do Direito Administrativo e Políticas Públicas (HDAPP|UniCeub). Monitor da disciplina “Direito Processual Civil 1”, ministrada pelo docente Marcus Flávio Horta Caldeira na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (FD|UnB). Monitor da disciplina “Direito Comercial 1”, ministrada pela docente Amanda Athayde na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (FD|UnB). |
↑3 | CPDOC. Verbete “Plano Bresser” do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/plano-bresser. Acesso em: 02 jul. 2021. |
↑4 | BRASIL. Decreto-Lei n.º 2.335, 12 de junho de 1987. Dispõe sobre o congelamento de preços e aluguéis, reajustes mensais de salários e vencimentos, institui a Unidade de Referência de Preços (URP), e dá outras providências. Divisão de Orçamento, Finanças e Contabilidade (DOFC), Poder Executivo, Brasília, DF, 009214, 13 jun. 1987, p. 2. |
↑5 | BRASIL. Lei n.º 7.730, de 31 de janeiro de 1989. Institui o cruzado novo, determina congelamento de preços, estabelece regras de desindexação da economia e dá outras providências. Divisão de Orçamento, Finanças e Contabilidade (DOFC), Poder Executivo, Brasília, DF, 01 fev. 1989, p. 1745. |
↑6 | BRASIL. Lei n.º 8.112/1990, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 19 abr. 1991, p. 1. |
↑7 | BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 05 out. 1988, p. 1. |
↑8 | STF. Ag. Reg. Emb. Decl. Recl. n.º 36.499/RN. Relator Ministro Ricardo Lewandowski. Órgão Julgador: Segunda Turma. Julgado em: 08 mar. 2021. |
↑9 | STF. Ag. Reg. Recl. n.º 41.780/GO. Relator Ministro Ricardo Lewandowski. Órgão Julgador: Segunda Turma. Julgado em: 15 mar. 2021. |
↑10 | STF. Recl. n.º 45.760/CE. Relator Ministro Ricardo Lewandowski. Órgão Julgador: Segunda Turma. Julgado em: 12 mar. 2021. |
↑11 | STF, Recl n.º 46.478 / MG, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, 5 de maio de 2021. |
↑12 | STF. Recl. n.º 47.652/RJ. Relator Ministro Ricardo Lewandowski. Órgão Julgador: Segunda Turma. Julgado em: 30 jun. 2021. |
Se o campo geral das licitações e contratações públicas pode(e deve) se modificar com as interpretações sobre a Lei nº 14.133/2021, é possível que o microssistema especial das estatais também possa sofrer uma influência reflexa - abrindo-se aqui, possivelmente, o espaço para a aplicação subsidiária ou para analogia nos casos de lacunas a serem preenchidas na aplicação.
Com a publicação da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, promulgada no dia 1º de abril de 2021 sob o número 14.133, significativas mudanças são realizadas neste campo do direito administrativo brasileiro, em todos os âmbitos das Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, positivando entendimentos jurisprudenciais e doutrinários, mas também trazendo inovações práticas que deverão ser levadas em consideração pelos gestores públicos e pelos particulares interessados em contratar com o Poder Público (confira aqui as três novidades que você precisa conhecer sobre a Lei nº 14.133/2021).
Dada a sua vasta abrangência, é legítimo que surja a dúvida se o novo diploma se aplica às estatais e, em caso afirmativo, de que modo afetaria suas licitações e seus contratos administrativos.
Antes de se buscar a resposta, é preciso entender o que são as chamadas estatais e a que regime jurídico estão submetidas no direito administrativo pátrio. Atualmente, a expressão [empresas] estatais é utilizada na doutrina para se referir de modo geral a qualquer das entidades empresariais regidas pela Lei nº 13.303/2016. Conforme o caput do seu art. 1º, estas entidades são as empresas públicas e as sociedade de economia mista e suas subsidiárias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União ou seja de prestação de serviços públicos. Não é por outra razão que a Lei nº 13.303/2016 é a chamada de Lei das Estatais e, desde a sua promulgação, tem regido, na condição de estatuto especial, as licitações e os contratos administrativos realizados por essas entidades.
Assim, considerando a preexistência do regime jurídico específico da Lei nº 13.303/2016, a Lei nº 14.133/2021 oferece à questão que serve de título a este artigo uma resposta preliminar já no seu art. 1º, § 1º, o qual determina que “Não são abrangidas por esta Lei as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as suas subsidiárias, regidas pela Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016, ressalvado o disposto no art. 178 desta Lei.”
O fato de a nova Lei de Licitações ter distinguido o regime jurídico das estatais encontra, de certo modo, explicação no caráter da Lei nº 13.303/2016. Como se percebe, a Lei das Estatais é especial, isto é, prescreve regime próprio de licitações e contratos para estas entidades, que já se sobrepunha ao regime tradicional de licitações, anteriormente baseado na Lei nº 8.666/93 (normas para licitações e contratos administrativos), na Lei nº 10.520/02 (modalidade pregão) e na Lei nº 12.462/12 (Regime Diferenciado de Contratações – RDC). A nova Lei de Licitações, neste sentido, respeitou a especialidade da Lei nº 13.303/2016.
Contudo, em que pese o seu caráter especial, a Lei das Estatais prevê, explicitamente, três casos de aplicação de dispositivos normativos que devem ser encontrados alhures. Com efeito, o art. 32, inciso IV, da Lei nº 13.303/2016 estabelece que:
Art. 32. Nas licitações e contratos de que trata esta Lei serão observadas as seguintes diretrizes:
[…]IV – adoção preferencial da modalidade de licitação denominada pregão, instituída pela Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, para a aquisição de bens e serviços comuns, assim considerados aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado.
Por meio do artigo e inciso supracitados, a Lei das Estatais determina que, para a aquisição de bens e serviços comuns, deve-se adotar preferencialmente o pregão como modalidade de licitação. Contudo, destaca-se o entendimento doutrinário predominante segundo o qual a adoção da modalidade pregão pelas estatais se limita aos aspectos procedimentais, não excluindo a observância da Lei nº 13.303/2016 no que diz respeito aos demais aspectos substanciais do rito licitatório e do contrato.
Ao revogar expressamente a Lei nº 10.520/2002 (após decorridos dois anos da sua publicação oficial), a nova Lei de Licitações substitui a Lei do Pregão na regência desta modalidade, determinando, pelo comando do seu art. 189, que a Lei nº 14.133/2021 seja aplicada às hipóteses previstas na legislação que façam referência expressa à Lei nº 8.666/1993, à Lei nº 10.520/2002, e aos arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462/2011. Como consequência, sendo o caso da adoção do pregão como modalidade de licitação pelas estatais, o regime a ser aplicado será o da nova Lei de Licitações. Essa circunstância faz surgir a questão de saber qual será o entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre o alcance da sua aplicabilidade, isto é, permanecerá limitado ao procedimento? Tal questão, provavelmente, será objeto de debates nos tribunais.
O segundo caso em que se vê mitigada a especialidade da Lei das Estatais é o previsto no seu art. 55, inciso III, que determina a adoção de critérios de desempate estabelecidos na Lei nº 8.666/1993. Veja-se:
Art. 55. Em caso de empate entre 2 (duas) propostas, serão utilizados, na ordem em que se encontram enumerados, os seguintes critérios de desempate:
[…]III – os critérios estabelecidos no art. 3º da Lei nº 8.248, de 23 de outubro de 1991, e no § 2º do art. 3º da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.
Como a Lei nº 8.666/1993 também será revogada pela nova Lei de Licitações após decorridos dois anos da sua publicação oficial, os seus critérios de desempate se tornarão inaplicáveis e serão tacitamente substituídos pelos que são estabelecidos no § 1º do art. 60 da Lei nº 14.133/2021. Esta substituição promoverá algumas mudanças, notadamente em razão dos incisos I e IV do referido parágrafo, a saber: dar-se-á preferência para empresas estabelecidas no território do Estado ou do Distrito Federal do órgão ou entidade da Administração Pública estadual ou distrital licitante ou, no caso de licitação realizada por órgão ou entidade de Município, no território do Estado em que este se localize (inciso I); e para empresas que comprovem a prática de mitigação relativa à Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC, nos termos da Lei nº 12.187/2009 (inciso IV). Além disso, o inciso V do § 2º do art. 3º da Lei nº 8.666/1993, que assegurava preferência aos bens e serviços produzidos ou prestados por empresas que comprovem cumprimento de reserva de cargos prevista em lei para pessoa com deficiência ou para reabilitado da Previdência Social e que atendam às regras de acessibilidade previstas na legislação, não é reproduzido na nova Lei de Licitações como critério de desempate, mas como exigência da fase de habilitação (art. 63, inciso IV).
A terceira remissão da Lei das Estatais encontra-se em seu art. 41, segundo o qual “Aplicam-se às licitações e contratos regidos por esta Lei as normas de direito penal contidas nos arts. 89 a 99 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993”.
Resta averiguar, então, o efeito do disposto no art. 178 Lei nº 14.133/2021. Este artigo acrescenta ao Código Penal os artigos 337-E a 337-P, sob o Capítulo II-B – Dos Crimes em Licitações e Contratos Administrativos, transferindo para o códex próprio os dispositivos penais que integravam a Lei nº 8.666/1993, porquanto revogou expressa e imediatamente os seus artigos 89 a 108. Como consequência, o regime disciplinar penal aplicável à Lei das Estatais se encontra doravante no Código Penal, perdendo efeito o art. 41 da Lei nº 13.303/2016, o qual determinava a aplicação às licitações e contratos regidos por esta lei das normas de direito penal contidas nos arts. 89 a 99 da Lei nº 8.666/1993. A mudança, porém, não se limita a este aspecto formal, pois este regime disciplinar sofreu algumas alterações de natureza material.
Isto se evidencia pela comparação dos novos tipos penais criados no Código Penal pela Lei nº 14.133/2021 com os correspondentes dispositivos revogados na Lei nº 8.666/1993, que revela, à primeira vista, uma continuidade normativo-típica, porém, com alterações nos preceitos secundários, mediante cominações mais gravosas e a substituição do regime de detenção pelo de reclusão.
A mudança mais vistosa consiste, portanto, no aumento do rigor punitivo, que tem consequências relevantes. Vejamos, por exemplo, os novos artigos 337-E e 337-L do Código Penal. Eles correspondem respectivamente aos revogados artigos 89 e 96 da Lei nº 8.666/1993, e previam penas de detenção de 3 (três) a 5 (cinco) anos e multa, e de 3 (três) a 6 (seis) anos e multa, respectivamente. Além de promoverem mudanças na tipificação para ampliar a sua abrangência, os novos artigos mudaram a sua cominação, não somente substituindo a detenção pela reclusão, mas também majorando em um ano o tempo mínimo da pena de privação de liberdade, que passou a ser, para ambos os tipos penais, 4 (quatro) anos.
As consequências são relevantes. Em primeiro lugar, verifica-se o recrudescimento da punição, pois a pena de reclusão é reservada para condenações mais severas, sendo geralmente cumprida em estabelecimentos de segurança média ou máxima, permitindo o início do seu cumprimento em regime fechado. Em segundo lugar, com o aumento da pena mínima para 4 (quatro) anos, os artigos 337-E e 337-L impedem a celebração de acordos de não persecução penal, uma vez que o art. 28-A do Código de Processo Penal autoriza o Ministério Público a propor tal medida despenalizadora apenas em casos de “prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos”.
Outra alteração digna de atenção no regime disciplinar penal doravante aplicável automaticamente a todas as licitações e contratos administrativos afeta diretamente o sistema de cálculo das multas cominadas. De fato, revogou-se o art. 99 da Lei nº 8.666/1993, que determinava o pagamento de quantia fixada na sentença e calculada em índices percentuais, cuja base devia corresponder ao valor da vantagem efetivamente obtida ou potencialmente auferível pelo agente. Estes índices, porém, estavam limitados pelo disposto no parágrafo 1º, não podendo ser inferiores a 2% (dois por cento), nem superiores a 5% (cinco por cento) do valor do contrato licitado ou celebrado com dispensa ou inexigibilidade de licitação. Já o novo art. 337-P do Código Penal estabelece que a multa cominada aos crimes em licitações e contratos administrativos seguirá a metodologia de cálculo prevista neste Código, mantendo-se o limiar de 2% (dois por cento) sobre o valor do contrato licitado ou celebrado com contratação direta, sem, contudo, estipular um teto próprio, aplicando-se, porém, o limite máximo previsto no art. 49 do Códex Criminal.
Nem tudo, porém, é releitura do sistema disciplinar penal precedente. Há um tipo penal completamente novo, introduzido pelo artigo 337-O, que visa coibir a frustração do caráter competitivo da licitação ou da seleção da proposta mais vantajosa para a Administração Pública. Atente-se para o dispositivo do § 2º, que determina que a pena prevista no caput do artigo se aplica em dobro se o crime for praticado com o fim de obter benefício, direto ou indireto, próprio ou de outrem.
Estas considerações nos permitem afirmar, por fim, que a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos afeta as estatais, pelo menos, de três modos. Em primeiro lugar, sendo o caso da adoção do pregão como modalidade de licitação pelas estatais, a lei de regência para este procedimento passa a ser a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Em segundo lugar, os critérios de desempate que devem ser observados nos procedimentos licitatórios das empresas estatais estabelecidos § 2º do art. 3º da Lei nº 8.666/1993 serão substituídos pelos do § 1º do art. 60 da Lei nº 14.133/2021, com inovações referentes ao local de estabelecimento das concorrentes e à observância da Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC. E em terceiro lugar, o sistema disciplinar penal aplicável às estatais, que antes da publicação da Lei nº 14.133/2021, se encontravam, com remissão expressa, na Lei nº 8.666/1993, a partir de 1º de abril de 2021 se integram ao Código Penal, aplicando-se indiscriminadamente às licitações e contratos administrativos, pouco importando o seu regime jurídico. Além dessa alteração de cunho formal, verifica-se que, do ponto de vista material, ao proceder à sua transferência para o Código Penal, a Lei nº 14.133/2021 promoveu, de modo geral, um endurecimento do regime disciplinar penal, buscando, ao que tudo indica, responder a um anseio social de combate à corrupção.
Embora essas sejam as três únicas remissões expressas da Lei das Estatais aos antigos diplomas gerais de licitações, há que se ponderar que sendo a Lei nº 14.133/2021 um novo diploma geral, todo o léxico de licitações e contratações públicas passa a encontrar um novo fundamento legal “de base” neste mais recente diploma. Assim, há que se cogitar que a interpretação da Lei das Estatais poderá sofrer influência das interpretações futuras da Lei nº 14.133/2021. Em outras palavras, se o campo geral das licitações e contratações públicas pode (e deve) se modificar com as interpretações sobre a Lei nº 14.133/2021, é possível que o microssistema especial das estatais também possa sofrer uma influência reflexa – abrindo-se aqui, possivelmente, o espaço para a aplicação subsidiária ou para analogia nos casos de lacunas a serem preenchidas na aplicação.
Afora essas três modificações que possuem previsão de eficácia ou imediata ou para daqui a dois anos, portanto, resta ainda saber se e como a nova Lei de Licitações influenciará o regime especial de licitações e contratações das estatais. Essas, no entanto, são questões que serão respondidas pela doutrina, pelos tribunais e pelos operadores do Direito em geral – todos no seu devido tempo.
Read MoreA nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021) já está em vigor, iniciando um processo de transformação histórico no direito administrativo brasileiro. E você, já sabe o que mudou? Neste texto, separamos três novidades da nova Lei de Licitações que você precisa saber.
A nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021) foi publicada em 1º de abril de 2021, após longos anos de debates e espera. Além de incorporar entendimentos já consolidados em Tribunais e conhecimentos provindos da doutrina, o novo diploma legal trouxe inovações que certamente promoverão uma transformação profunda na prática deste campo do direito administrativo brasileiro. Neste texto, selecionamos três novidades que, em breve, devem promover grandes alterações na dinâmica das licitações e dos contratos públicos, e que, por isso, você precisa conhecer.
Modalidades de Licitações
Uma das novidades mais notáveis da Lei nº 14.133/2021 diz respeito às modalidades de licitações previstas (art. 28), a saber: I) pregão; II) concorrência; III) concurso; IV) leilão; V) diálogo competitivo.
Em contraste com a Lei nº 8.666/93, a nova Lei extingue as modalidades de tomada de preços e convite, mantendo a previsão de concorrência, concurso e leilão, incorporando o pregão (antes em lei especial) e criando a modalidade do diálogo competitivo.
Ainda que, à primeira vista, possa parecer que a inovação tenha ocorrido de forma “tímida”, a nova Lei unifica os regimes em apenas um diploma e altera o critério para a definição das modalidades. Diferentemente da Lei nº 8.666/93, agora o valor estimado da contratação não é mais um critério de definição da modalidade, que passa a ser definida precipuamente pela natureza do objeto a ser licitado (conforme a previsão nos artigos 18 a 27). Da mesma forma, a simplificação das modalidades também reflete uma ampliação dos casos de contratação direta, havendo modificações das hipóteses de dispensa e de inexigibilidade de licitação.
Assim, se de um lado essas modificações parecem introduzir novos ares para a dinâmica das licitações, a novidade stricto sensu ficou a cargo da modalidade de “Diálogo Competitivo”. Segundo o art. 6º da Lei, que traz a definição dos seus principais conceitos, o diálogo competitivo deve ser entendido da seguinte forma:
XLII – diálogo competitivo: modalidade de licitação para contratação de obras, serviços e compras em que a Administração Pública realiza diálogos com licitantes previamente selecionados mediante critérios objetivos, com o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às suas necessidades, devendo os licitantes apresentar proposta final após o encerramento dos diálogos.
Como se pode perceber, essa modalidade traz a permissão de que os próprios licitantes, previamente selecionados por critérios objetivos, possam contribuir para o desenvolvimento de alternativas que atendam às necessidades almejadas para uma determinada contratação pública. Dessa forma, a proposta final será apresentada somente após a conclusão dos diálogos e debates, de modo a induzir a criação de uma solução conjunta entre os setores públicos e privados – seguindo uma tendência de “horizontalização” já existente no direito administrativo brasileiro (vide, por exemplo, os Procedimentos de Manifestação de Interesse). As diretrizes gerais de funcionamento do instituto foram previstas no art. 32 da Lei, porém, certamente, haverá ainda muitas dúvidas acerca de sua condução, cabendo à construção doutrinária e jurisprudencial um importante papel para a eficácia dessa novidade.
As expectativas apontam que essa nova modalidade poderá contribuir especialmente para a contratação de objetos complexos, para os quais os antigos modelos de licitação eram insuficientes e resultavam, não raramente, em problemas de execução contratual. Essa é, portanto, uma novidade que possui potencial para beneficiar sobremaneira a qualidade dos contratos da Administração Pública – e que você precisa conhecer.
Inversão de fases: julgamento anterior à habilitação
Outra novidade relevante é a trazida pelo o art. 17 da nova Lei, que prevê, como regra geral, que as licitações deverão seguir uma sequência em que a fase de julgamento antecede a fase de habilitação. Com isso, a ordem “antiga” – em que primeiro ocorria a habilitação e depois o julgamento, conforme a Lei nº 8.666/93 – ainda será possível, porém, somente mediante ato motivado que torne explícitos os benefícios decorrentes de tal sequência (art. 17, §1º, da Lei nº 14.133/2021).
Embora essa chamada “inversão de fases” não chegue a ser uma novidade no ordenamento jurídico, uma vez que já era praticada na Lei nº 10.520/2002 (Lei do Pregão), a sua generalização afigura-se alvissareira para a desburocratização dos certames públicos. Com a sua extensão, como regra geral, a todas as modalidades de licitação, é possível que a condução de certames licitatórios se torne, na sua maior porção, mais simples e mais célere.
Atualmente um símbolo da burocracia, é consenso que a fase de habilitação representa uma desgastante etapa tanto para os licitantes quanto para as Comissões de Licitação. Com a inversão das fases, o licitante passará a concentrar-se primordialmente na proposta técnica a ser apresentada, deixando as trabalhosas tarefas de reunião e conferência de documentos de habilitação somente para o caso de já ter-se sagrado vencedor da etapa de julgamento. Além disso, a regularidade fiscal, em qualquer caso, somente será exigida “em momento posterior ao julgamento das propostas, e apenas do licitante mais bem classificado” (art. 63, III). Somada à preferência pela realização de modo eletrônico (art. 17, §2º, da Lei nº 14.133/2021), a antecedência da fase de julgamento sobre a fase de habilitação possivelmente irá estabelecer-se como um importante marco da efetividade e da celeridade das licitações brasileiras.
Portal Nacional de Contratações Públicas – PNCP
Com a finalidade de promover a transparência nas contratações públicas e aprofundar o processo de digitalização da Administração, o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) merece destaque como novidade e total atenção da comunidade jurídica.
A nova Lei de Licitações previu o PNCP no Capítulo I do seu Título V – Disposições Gerais, fixando a sua destinação e funcionalidades a serem oferecidas. Assim, com a proposta de ser o site oficial e centralizado das contratações públicas, o PNCP será, sem dúvidas, um arrojado passo de modernização das licitações brasileiras, avançando sobre uma frente já aberta, por exemplo, pelo site “ComprasNet”, de utilização do Governo Federal.
Igualmente em linha com a regra de preferência pela realização eletrônica dos certames, o Portal seguirá o formato de dados abertos, com a obrigatoriedade de manter um repositório de informações e documentos de abrangência nacional, a ser gerido pelo “Comitê Gestor da Rede Nacional de Contratações Públicas”, com representantes de todos os entes da Federação (art. 174, § 1º, da Lei nº 14.133/2021). A sua importância, no entanto, vai além de um mero repositório virtual, pois a Lei preceitua que a divulgação no PNCP será “condição indispensável para a eficácia” dos contratos públicos e seus aditamentos (art. 94, caput, da Lei nº 14,133/2021). Assim, se, por um lado, o PNCP é um locus juridicamente relevante para a eficácia dos contratos, por outro, as incertezas sobre o início do seu efetivo funcionamento acende um alerta para a aplicabilidade imediata da própria Lei nº 14.133/2021. Pois, diferentemente de outras previsões legais de implementação imediata, o Portal Nacional de Contratações Públicas ainda depende de sua estruturação no mundo material da Web. Como à eficácia da lei não é dado aguardar a criação do Portal, e como a própria lei não previu alternativas para este “período de transição”, é certo que a aplicação da nova Lei de Licitações terá um início fora do esquadro ideal do dever-ser. Neste sentido, temos que concordar com Schiefler, para quem “a nova Lei de Licitações já vigora entre nós, embora desacompanhada do PNCP”, não sendo este um problema impeditivo de sua aplicabilidade, para o qual se oferecem inúmeras soluções pragmáticas que cumprem o objetivo da lei.
Assim, diante das expectativas de efetivação do Portal Nacional de Contratações Públicas, só nos resta aguardar, com esperança, que essa novidade da nova Lei de Licitações possa, no futuro próximo, cumprir um importante papel de aprimoramento da accountability das contratações públicas. Fato indiscutível, no entanto, é que essa é uma previsão nova e sem precedentes para o direito administrativo brasileiro.
Por fim, apenas a título exemplificativo, poder-se-ia ainda mencionar novidades que aqui não foram contempladas, mas que certamente trarão mudanças nas licitações e contratações públicas, como: i) a criação do “agente de contratação” e da “comissão de contratação”; ii) a alteração nos critérios de julgamento das propostas; iii) a ampliação dos casos de contratação direta; iv) a exigência de programas de integridade para contratações de grande vulto; v) a previsão de novos regimes de execução contratual; vi) as alterações no Código Penal; e vii) a introdução e confirmação de métodos alternativos de solução de conflitos, como o comitê de resolução de disputas e a arbitragem. Porém, como já dito inicialmente, este não é um texto que se propôs a exaurir todas as novidades da Lei nº 14.133/2021, mas tão somente informar aquelas que o leitor não poderia deixar de conhecer – e que, agora, já conhece.
Read MoreOs argumentos do escritório Schiefler Advocacia foram acolhidos pela decisão liminar em razão da preterição dos aprovados em concurso público por comissionados e terceirizados.
Na última sexta-feira (25/06/2021), a 14ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo (TJSP) determinou à Prefeitura de São Paulo a nomeação de 7 arquitetos aprovados no concurso de QEAG. A decisão foi proferida pelo Juiz Randolfo de Campos que, em sede liminar, acatou os argumentos apresentados pelo escritório Schiefler Advocacia e reconheceu a preterição arbitrária e imotivada dos candidatos aprovados em concurso público em decorrência de contratação sistemática de comissionados e terceirizados para desempenho das funções típicas do cargo de QEAG, na especialidade de arquitetura.
O concurso público foi lançado pela Prefeitura de São Paulo em outubro de 2018 e previa nomeação imediata de 58 arquitetos para o Quadro de Profissionais de Engenharia, Arquitetura, Agronomia e Geologia (QEAG). Ocorre que, mesmo com o andamento regular e homologação do certame em agosto de 2019 e a solicitação de mais de uma centena de nomeações pelas Secretarias Municipais, todas recusadas pela Prefeitura, os candidatos aprovados não foram convocados para assumir o cargo. Diante da evidente demanda por estes profissionais sem as devidas nomeações e de indícios da contratação reiterada de comissionados para desempenho destas funções, o caso tomou repercussão e foi, inclusive, noticiado pela imprensa em fevereiro desde ano.
Diante disto, os candidatos aprovados propuseram ação judicial para ter seu direito à nomeação devidamente reconhecido, uma vez que há provas do preenchimento dos cargos efetivos por comissionados e terceirizados, prática ilícita que configura a preterição dos concursados, nos termos do Tema nº 784 do STF.
A partir da análise da extensa documentação apresentada a fim de provar as irregularidades cometidas pela Prefeitura de São Paulo, a 14ª Vara da Fazenda Pública reconheceu o direito dos autores e determinou a nomeação de sete arquitetos em até 30 dias. Nas palavras do Juiz Randolfo de Campos, “tamanha é a preterição arbitrária e imotivada que vem sendo levada a efeito pelo Município que, numa análise perfunctória, é possível afirmar que a totalidade dos candidatos aprovados dentro do número de vagas para o cargo de arquiteto do QEAG no concurso regido pelo Edital n. 00/2018 têm direito à nomeação imediata.”
A decisão, que determinou a nomeação dos candidatos aprovados dentro do número de vagas, bem como vedou que a Prefeitura de São Paulo nomeie novos comissionados e firme novos contratos cujo objeto contemple as funções do cargo de QEAG, na especialidade de arquitetura, causou nova repercussão na imprensa.
Em notícia publicada no portal G1, foi divulgada a determinação de integração dos arquitetos aos quadros da prefeitura e as reconhecida irregularidades cometidas pela municipalidade. Nela, foi destacada a decisão de que “a ocupação precária, por comissão, terceirização, ou contratação temporária, de atribuições próprias do exercício de cargo efetivo vago, para o qual há candidatos aprovados em concurso público vigente, configura ato administrativo eivado de desvio de finalidade” e, por consequência, os candidatos devem ser imediatamente nomeados.
A decisão proferida no processo nº 1033732-58.2021.8.26.0053 representa uma vitória para os candidatos que, desde a aprovação no concurso, constatavam que terceirizados e comissionados atuavam como se arquitetos da Prefeitura fossem, mesmo sem aprovação no concurso. Enquanto isso, eles, que se submeterem a um acirrado certame com milhares de candidatos, tinham a nomeação solicitada pelas Secretarias e recusada pela Prefeitura com o argumento de que não havia recursos orçamentários – embora, como reconheceu o juízo, “a nomeação dos servidores concursados poderá reduzir os gastos que o Município atualmente realiza na contratação de empresas de engenharia e arquitetura”.
Agora se aguarda o cumprimento da decisão pela Prefeitura de São Paulo, que tem 30 dias para realizar a nomeação dos sete autores da ação beneficiados com a decisão liminar.