
Obrigatoriedade de diligência prévia na desclassificação de propostas inexequíveis, conforme a Lei 14.133/2021
Introdução
A nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021) trouxe importantes inovações, dentre elas um critério objetivo para identificar propostas possivelmente inexequíveis (ou seja, de valor tão baixo que seriam inexequíveis na prática).
No entanto, longe de permitir a desclassificação automática dessas propostas, a lei e a jurisprudência exigem que a Administração Pública realize uma diligência prévia antes de inabilitar (desclassificar) uma proposta por inexequibilidade. Em recente decisão (Acórdão 803/2024 do Tribunal de Contas da União – TCU), essa obrigatoriedade foi reforçada, consolidando o entendimento de que o órgão licitante deve oportunizar ao licitante a chance de comprovar a viabilidade de sua oferta.
Neste artigo, será explorado o contexto legal e jurisprudencial desse tema, as implicações práticas para as empresas licitantes e exemplos de como a atuação jurídica especializada pode proteger os interesses do licitante. Veremos a definição de proposta inexequível, a análise do §4º do art. 59 da Lei 14.133/21, o papel da diligência prévia, os riscos da desclassificação automática e boas práticas para licitantes.
Proposta inexequível: conceito e critério legal na Lei 14.133/2021
Em licitações públicas, considera-se inexequível a proposta cujo preço é tão baixo que não permitiria a execução satisfatória do objeto licitado. Em outras palavras, é uma oferta antieconômica ou inviável, que levanta suspeitas de que o licitante não conseguirá cumprir o contrato por aquele valor.
A Lei nº 14.133/2021, em seu art. 59, traz parâmetros objetivos para identificar possíveis propostas inexequíveis, especialmente em contratos de obras e serviços de engenharia. O §4º do art. 59 estabelece que, “No caso de obras e serviços de engenharia, serão consideradas inexequíveis as propostas cujos valores forem inferiores a 75% (setenta e cinco por cento) do valor orçado pela Administração”. Ou seja, a nova lei fixa um limite percentual (75% do orçamento estimado) abaixo do qual a proposta deve ser tratada com suspeita de inexequibilidade.
Exemplo prático: Suponha que a Administração estime que determinada obra de engenharia custe R$ 1.000.000,00. Se um licitante apresentar proposta de valor inferior a R$ 750.000,00 (75% do orçamento), essa oferta se enquadrará como potencialmente inexequível segundo o critério legal. Nessa situação, a proposta não pode ser simplesmente descartada de imediato, mas sim avaliada com maior cuidado mediante diligências.
Importante destacar que esse critério objetivo não significa que qualquer proposta abaixo de 75% do orçamento seja inexequível em termos absolutos, mas apenas que presume-se sua inexequibilidade até prova em contrário. A experiência prática demonstra que podem existir justificativas legítimas para um preço significativamente inferior, como tecnologias inovadoras que reduzem custos, condições comerciais vantajosas, estoque de materiais a preços baixos, estratégia empresarial de menor margem de lucro para entrar no mercado, entre outros. Por isso, é necessário analisar caso a caso se aquela oferta pode, de fato, ser executada pelo proponente.
Essa compreensão de que o parâmetro numérico gera apenas uma presunção relativa não é nova. A antiga Lei nº 8.666/1993 (agora revogada) já previa critério semelhante (70% em obras de engenharia, conforme seu art. 48, §1º, alínea a e b) e, naquela época, o TCU firmou entendimento de que esse era um indicador relativo, não uma regra absoluta.
Esse entendimento foi consolidado na Súmula 262 do TCU, a qual enuncia que “o critério definido no art. 48, inciso II, § 1º, alíneas ‘a’ e ‘b’, da Lei nº 8.666/93 conduz a uma presunção relativa de inexequibilidade de preços, devendo a Administração dar à licitante a oportunidade de demonstrar a exequibilidade da sua proposta”. Em suma, já na vigência da lei antiga ficou assente que a Administração deve permitir que o proponente com preço suspeito demonstre que, apesar de baixo, seu preço é viável.
A Lei 14.133/2021 seguiu filosofia semelhante: embora tenha fixado um critério objetivo (75% do orçamento) para alertar sobre possível inexequibilidade, ela contém dispositivos que asseguram a possibilidade de o licitante provar a exequibilidade da sua proposta. Esses dispositivos impõem, como veremos a seguir, um verdadeiro dever de diligência prévia por parte do órgão público antes de efetivar a desclassificação.
Aplicação da IN nº 73/2022 na Inexequibilidade de Propostas para Bens e Serviços Comuns
A Instrução Normativa SEGES/MGI nº 73/2022 trouxe, no âmbito das licitações de bens e serviços comuns, um critério objetivo para identificar propostas presumivelmente inexequíveis. De acordo com o art. 34 dessa IN, considera-se indício de inexequibilidade qualquer proposta cujo valor seja inferior a 50% do valor estimado (orçado) pela Administração.
Em outras palavras, uma oferta abaixo de metade do preço de referência do edital é automaticamente sinalizada como possivelmente inviável.
Importa destacar que a IN 73/2022 adota o termo indício, indicando que esse critério de 50% serve como uma presunção relativa – um alerta inicial, não uma desclassificação automática. Tanto é que a própria norma exige, no parágrafo único do art. 34, a realização de diligência antes de confirmar a inexequibilidade, a fim de verificar objetivamente a capacidade de execução daquela proposta de baixo valor.
Nesse procedimento, o agente de contratação (pregoeiro) deverá averiguar se os custos do licitante ultrapassam o valor ofertado e se inexistem ganhos ou fatores compensatórios (custos de oportunidade) que justifiquem o preço tão reduzido. Somente se a diligência comprovar que o licitante não teria como cumprir o contrato sem incorrer em prejuízo (ou sem um motivo econômico válido para ofertar tão abaixo do mercado) é que a proposta será formalmente declarada inexequível e desclassificada.
É importante comparar esse critério dos 50% da IN 73/2022 com o parâmetro estabelecido na Lei nº 14.133/2021, especificamente no §4º do art. 59, que trata da inexequibilidade em obras e serviços de engenharia.
A Lei 14.133/21 determina que, no caso de contratos de engenharia, serão consideradas inexequíveis as propostas com valores inferiores a 75% do valor orçado pelo órgão público. Ou seja, para obras e serviços de engenharia, a própria lei fixou um limite de 75% do orçamento como piso de viabilidade – qualquer proposta abaixo disso é presumida inexequível de acordo com a legislação.
Trata-se de um parâmetro mais rigoroso do que o aplicado a bens e serviços comuns (75% contra 50%), refletindo a natureza distinta desses objetos.
Bens e serviços comuns geralmente permitem margens de desconto maiores devido à padronização e competitividade de mercado, de modo que preços muito baixos (até certa medida) podem ainda ser exequíveis.
Já obras e serviços de engenharia envolvem custos fixos significativos, riscos e complexidades que tornam impraticáveis descontos tão expressivos – daí o limite mais elevado de 75%.
Em síntese, conforme o tipo de objeto licitado, aplica-se um critério distinto de inexequibilidade: nas licitações de itens comuns vale a regra dos 50% do estimado (conforme a IN 73/2022), ao passo que nas contratações de obras/engenharia vigora a regra dos 75% do estimado (conforme a Lei 14.133).
Vale lembrar ainda que a Lei 14.133/2021 não estipulou um percentual fixo para bens e serviços em geral, lacuna essa preenchida, no âmbito federal, pela IN 73/2022. Assim, cada modalidade de objeto possui sua faixa de alerta: abaixo de 50% para itens comuns, abaixo de 75% para engenharia – sempre exigindo a análise adequada da viabilidade antes de qualquer decisão definitiva.
Exemplo prático: Considere uma licitação para fornecimento de 100 unidades de determinado equipamento, com valor estimado oficial de R$ 100.000,00. Suponha que o Licitante A apresente uma proposta de R$ 48.000,00, equivalente a 48% do valor orçado. Segundo o critério da IN 73/2022, essa oferta está abaixo do limite de 50%, configurando um forte indício de inexequibilidade. Nessa situação, o pregoeiro (agente de contratação) deve instaurar diligência para que o Licitante A comprove como será possível executar o objeto por esse preço extraordinariamente baixo. O licitante poderá, por exemplo, apresentar uma planilha detalhada de custos, demonstrando que obteve preços excepcionais de insumos ou que dispõe de estoque e logística eficiente, de forma que seus custos totais fiquem dentro do valor proposto. Poderá ainda alegar alguma estratégia comercial específica – como vender sem margem de lucro imediata visando benefícios futuros (ganhar mercado, publicidade, etc.) – o que se enquadraria em “custos de oportunidade” justificadores da oferta atípica. Caso o Licitante A comprove satisfatoriamente a exequibilidade (viabilidade) da proposta nesse procedimento de diligência, sua oferta deverá ser mantida na disputa. Por outro lado, se não conseguir demonstrar de forma convincente que executará o contrato por R$ 48 mil sem prejuízo ou quebra da qualidade, a administração desclassificará a proposta por inexequibilidade. Note que, sem esse rito de verificação, a proposta poderia ser sumariamente excluída por estar abaixo de 50%, mas a IN 73/2022 garante ao licitante essa oportunidade de esclarecimento antes da desclassificação.
O dever de diligência prévia no art. 59 da Lei 14.133/2021
A nova Lei de Licitações também deixou claro nos seus próprios termos que a Administração Pública tem o dever de verificar a exequibilidade das propostas suspeitas, em vez de simplesmente desclassificá-las de plano. Duas previsões do art. 59 são centrais aqui:
- Art. 59, inciso IV: determina a desclassificação das propostas que “não tiverem sua exequibilidade demonstrada, quando exigido pela Administração”. Ou seja, a Administração pode exigir que o licitante demonstre a viabilidade de sua oferta; se ele não conseguir demonstrar quando exigido, aí sim sua proposta será desclassificada como inexequível.
- Art. 59, §2º: dispõe que “a Administração poderá realizar diligências para aferir a exequibilidade das propostas ou exigir dos licitantes que ela seja demonstrada, conforme disposto no inciso IV do caput deste artigo”. Em outras palavras, a lei faculta (e implicitamente obriga, diante do interesse público) que a equipe de licitação realize todas as verificações necessárias junto ao licitante para confirmar se a proposta é exequível.
Essas regras deixam claro que o critério de 75% do §4º não implica uma desclassificação imediata. Trata-se de uma presunção relativa de inexequibilidade que aciona o dever de verificação.
Portanto, cabe à Administração promover diligências quando se deparar com uma proposta abaixo do patamar indicativo. Na prática, essa diligência prévia envolve medidas como:
- Solicitação formal de esclarecimentos e documentos ao licitante, referentes à formação de seu preço. Por exemplo, pedir planilhas de composição de custos, notas fiscais de insumos, comprovantes de que o licitante possui condições especiais (descontos de fornecedores, estrutura própria, menor carga tributária etc.) que justifiquem o preço ofertado.
- Análise técnica detalhada dos elementos apresentados. A comissão de licitação deve verificar se os custos alegados são compatíveis com os de mercado, se as quantidades e produtividade estimadas pelo licitante são razoáveis, e se a margem de lucro (se houver) está dentro de um patamar realista.
- Comparação com parâmetros externos, quando possível. A Administração pode confrontar os dados do licitante com referências de preços em bancos de dados públicos, contratos similares já executados, tabelas oficiais (por exemplo, SINAPI para construção civil, em se tratando de obras) etc., para aferir a coerência da proposta.
- Decisão fundamentada: Após a análise, se ficar demonstrado que, apesar de estar abaixo de 75% do orçamento, a proposta é exequível, a empresa não poderá ser desclassificada por preço inexequível. Por outro lado, se o licitante não conseguir comprovar de forma satisfatória a viabilidade ou se ficar claro que os números não fecham (por exemplo, o custo dos insumos básicos já supera o valor proposto), aí sim a desclassificação por inexequibilidade estará amparada, devendo ser formalizada com a devida justificativa.
Resumidamente, a diligência prévia é a etapa em que se verifica, de maneira transparente e técnica, se a oferta aparentemente muito baixa pode ser sustentada na execução do contrato. Essa exigência não é apenas uma opção da Administração, mas configura um verdadeiro dever, visto que decorre do princípio do procedimento formal correto, do estímulo à competitividade e, até mesmo, dos direitos ao contraditório e ampla defesa do licitante.
Afinal, desclassificar um concorrente sem lhe dar chance de explicar seu preço equivaleria a uma sanção prematura e poderia eliminar indevidamente a proposta possivelmente mais vantajosa para a Administração.
Jurisprudência do TCU
A jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU) tem se mostrado alinhada com essa leitura da lei, reforçando que o limite de 75% é uma presunção relativa e que a diligência prévia é obrigatória.
Como mencionado, a Súmula 262/TCU (editada em 2010 sob a égide da Lei 8.666) já estabelecia expressamente que a Administração deve oportunizar ao licitante a prova da exequibilidade da proposta suspeita. Com a vigência da Lei 14.133/2021, o TCU passou a enfrentar casos práticos envolvendo o novo critério de 75%, e suas decisões reafirmaram essa compreensão.
Destaca-se, em especial, o Acórdão 803/2024 – Plenário do TCU (relatado pelo Min. Benjamin Zymler, julgado em 24/04/2024), que abordou diretamente a interpretação do art. 59, §4º da Lei 14.133/21. Nesse caso, discutia-se uma possível contradição entre a lei e uma norma infralegal (Instrução Normativa Seges/MGI 2/2023) que autorizava a realização de diligências quando houvesse proposta inferior a 75% do orçamento. Alegava-se que a lei teria criado um critério absoluto (ou seja, abaixo de 75% seria inexequível sem discussão), de modo que a previsão de diligência na IN seria ilegal.
O TCU, contudo, afastou essa interpretação literal rígida do §4º. O plenário do Tribunal fez observações importantes: uma leitura inflexível do limite de 75% poderia, na verdade, prejudicar a competição e até contrariar princípios constitucionais. Isso porque, se todos soubessem que ofertas abaixo de 75% seriam desclassificadas automaticamente, os licitantes tenderiam a não ofertar descontos além desse patamar – na prática, congelando o desconto máximo em 25%. Isso eliminaria a disputa por preços melhores, pois nenhum concorrente iria abaixo disso com medo de ser eliminado. Como resultado, muitos certames poderiam acabar empatados justamente nesse limite, forçando o uso de critérios de desempate. Segundo o TCU, tal cenário frustraria o objetivo da licitação de obter a proposta mais vantajosa e poderia até afrontar o princípio da economicidade e o dever de licitar previstos na Constituição.
Além disso, o Acórdão 803/2024 salientou que não cabe ao Estado uma tutela excessiva dos licitantes a ponto de fixar um corte absoluto para preços. Cada empresa conhece sua estrutura de custos e suas estratégias. Um critério legal fixo não consegue abarcar todas as nuances da atividade econômica. Citou-se, por exemplo, a situação de uma empresa que deliberadamente faz uma proposta muito barata visando obter experiência ou um atestado técnico, mesmo arcando com pouco ou nenhum lucro – uma decisão empresarial válida em certos contextos. Se a Administração impuser um paternalismo exagerado, poderia estar interferindo indevidamente na liberdade do setor privado assumir riscos calculados.
Por outro lado, o TCU reconheceu que propostas excessivamente baixas podem ocultar intenções prejudiciais, aludindo ao chamado “risco moral”. Esse risco ocorre quando o licitante assume postura irresponsável por saber que, se não conseguir cumprir o contrato, as consequências podem recair em parte sobre a Administração (por exemplo, ele abandona a obra após executar a parte mais lucrativa, deixando o restante para ser contratado de emergência, ou então ganha a licitação barato já contando em pedir aditivos ilegais posteriormente para aumentar o valor). Porém, conforme frisou o Acórdão 803/2024, a solução para coibir esse risco moral não é fixar um critério inflexível de preço, mas sim aprimorar os procedimentos de análise e fiscalização. Ou seja, cabe à Administração, no momento da licitação e da execução contratual, ser rigorosa na avaliação das propostas (incluindo exigência de demonstração de exequibilidade) e no acompanhamento do contrato, de modo a evitar comportamentos oportunistas.
Em conclusão, o TCU julgou improcedente a representação que alegava a ilegalidade das diligências e afirmou, em caráter pedagógico, que o §4º do art. 59 da Lei 14.133 deve ser interpretado à luz do §2º do mesmo artigo. Não se trata de uma presunção absoluta de inexequibilidade, mas relativa. O resultado prático desse entendimento é: sempre que uma proposta estiver abaixo do referencial de 75%, a Administração deve acionar o mecanismo da diligência, dando oportunidade ao licitante de comprovar a exequibilidade da sua oferta, em atenção ao que determinam o inciso IV e o §2º do art. 59.
Somente após essa apuração, e caso o proponente não consiga dissipar as dúvidas sobre sua capacidade de executar pelo preço proposto, é que a desclassificação por inexequibilidade estará juridicamente respaldada.
Vale mencionar que esse posicionamento do Acórdão 803/2024 não é isolado. Outros precedentes do TCU, também já sob a vigência da Lei 14.133, seguem na mesma linha. Por exemplo, o Acórdão 465/2024-Plenário igualmente registrou que a regra do art. 59, §4º gera presunção relativa e impõe o dever de dar ao licitante a chance de demonstrar a viabilidade de sua proposta.
Para as empresas licitantes, essa jurisprudência é uma garantia de que seus direitos serão respeitados: se oferecerem um preço agressivo (baixo), não poderão ser eliminadas sumariamente sem chance de se defender. Contudo, também traz responsabilidades, pois caberá a elas reunir e apresentar elementos técnicos convincentes quando forem chamadas a justificar seus preços.
Jurisprudência do TCU: reforço à presunção relativa e à obrigatoriedade de diligência
A jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU) tem se consolidado no sentido de que o limite de 75% do valor estimado, previsto no §4º do art. 59 da Lei nº 14.133/2021, bem como o de 50% previsto no art. 34 da Instrução Normativa SEGES/MGI nº 73/2022, configuram apenas uma presunção relativa de inexequibilidade, e não uma presunção absoluta. Assim, impõe-se à Administração Pública o dever de realizar diligência prévia, sempre que a proposta apresentar indícios de inexequibilidade com base nesse parâmetro.
Essa orientação encontra respaldo desde a Súmula 262/TCU, editada sob a égide da antiga Lei nº 8.666/1993, que já reconhecia a necessidade de oportunizar ao licitante a demonstração da exequibilidade da proposta suspeita. Com a vigência da nova lei, o TCU reafirmou esse entendimento em diversas decisões relevantes.
Dentre elas, merece destaque o Acórdão nº 803/2024 – Plenário do TCU (rel. Min. Benjamin Zymler), que enfrentou diretamente o tema da interpretação do §4º do art. 59. Na ocasião, afastou-se a tese de que a norma teria criado um critério absoluto de desclassificação automática, ao reconhecer que a realização de diligência para apuração da viabilidade econômica da proposta é obrigatória, mesmo quando esta se encontrar abaixo do limite de 75%.
O Tribunal ressaltou que uma leitura inflexível do dispositivo legal poderia restringir indevidamente a competitividade, ao desencorajar propostas com descontos mais agressivos. Além disso, apontou que o papel do Estado não é exercer tutela paternalista sobre os licitantes, mas sim assegurar que propostas exequíveis e vantajosas tenham a oportunidade de prevalecer — desde que o proponente consiga comprovar tecnicamente sua capacidade de execução.
Mais recentemente, essa jurisprudência foi reforçada com ainda mais clareza pelo Acórdão nº 214/2025 – Plenário do TCU, que deve ser considerado como o precedente mais atual e contundente sobre o tema. Nesse julgamento, o Tribunal reiterou que a Administração não pode desclassificar proposta com fundamento exclusivo no §4º do art. 59 da Lei 14.133/2021, sem antes oportunizar ao licitante a demonstração da exequibilidade por meio de diligência, sob pena de violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa e da busca pela proposta mais vantajosa.
O acórdão foi categórico ao afirmar que a interpretação sistemática dos §§2º e 4º do art. 59 conduz à obrigatoriedade de diligência sempre que houver dúvida quanto à exequibilidade da proposta. Ressaltou-se, inclusive, que essa etapa é condição de validade da própria desclassificação, sob pena de nulidade do ato.
Para as empresas licitantes, essa jurisprudência representa uma dupla garantia: o direito de defender propostas competitivas e o dever de estar preparadas para justificar, com base técnica, a viabilidade econômica da sua oferta.
Riscos da desclassificação automática sem diligência
Desconsiderar esse dever de diligência prévia e partir para a desclassificação automática de uma proposta suspeita de inexequível representa um grave risco jurídico e prático tanto para a Administração quanto para os licitantes envolvidos. Dentre os principais problemas de uma inabilitação sumária sem observância do procedimento adequado, destacam-se:
- Nulidade do ato e do certame: Uma desclassificação feita em desacordo com a Lei 14.133/21 e a jurisprudência do TCU pode ser declarada inválida. O licitante prejudicado tem o direito de apresentar recurso administrativo no próprio processo licitatório, alegando a irregularidade (violação do art. 59, §2º e inc. IV). Caso a comissão de licitação mantenha a decisão ilegal, é possível buscar a anulação do ato via representação aos órgãos de controle (como o TCU ou os Tribunais de Contas estaduais/municipais) ou mesmo por ação judicial.
- Violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa: A Constituição Federal (art. 5º, LV) assegura o direito ao contraditório e à ampla defesa nos processos administrativos. Embora um julgamento de propostas não seja um “processo sancionador” típico, a exclusão de uma proposta legítima sem chance de defesa fere o senso de justiça procedimental. Os órgãos de controle e o Poder Judiciário têm reconhecido que o licitante deve ser ouvido quanto à viabilidade de sua proposta antes de ser afastado, sob pena de ofensa a princípios basilares do Direito Administrativo.
- Prejuízo à competitividade e à economicidade: Como apontado pelo TCU, eliminar automaticamente propostas abaixo de certo patamar pode distorcer o jogo competitivo. Em vez de incentivar descontos maiores (beneficiando a Administração com preços mais baixos), um critério rígido desestimula propostas ousadas. Isso significa que a Administração pode acabar pagando mais caro por contratar uma proposta “segura” (acima de 75%) quando poderia ter obtido uma oferta válida de menor valor. Ou seja, a falta de diligência pode levar à contratação de uma proposta menos vantajosa economicamente, contrariando o princípio da busca da proposta mais vantajosa.
- Risco de responsabilização do agente público: Os agentes da comissão de licitação ou o pregoeiro que deixarem de realizar diligência e efetuarem uma desclassificação indevida podem ser responsabilizados. O TCU já qualificou a desclassificação sem diligência como irregularidade passível de apontamento em auditorias. Em casos graves, isso pode levar a sanções aos responsáveis, como multas ou determinações de correção do procedimento.
- Imagem e confiança no processo licitatório: Para os licitantes, ver propostas descartadas sem análise gera desconfiança na lisura do certame. Empresas idôneas podem se sentir desestimuladas a participar de futuras licitações daquele órgão, receosas de arbitrariedades. A longo prazo, isso reduz a competição nos certames, o que também prejudica a Administração.
Em face desses riscos, fica evidente que não compensa “queimar etapas”. O procedimento correto – isto é, investigar a exequibilidade por meio de diligência – não é burocracia excessiva, mas sim uma garantia de segurança jurídica e de decisão acertada. Inclusive, a diligência bem conduzida não tende a alongar demasiadamente o certame; pelo contrário, pode evitar impugnações e atrasos futuros. Muitas vezes, basta conceder ao licitante um prazo curto (24 ou 48 horas) para apresentar esclarecimentos/documentos, analisar rapidamente em seguida, e então tomar a decisão fundamentada. Esse pequeno investimento de tempo previne uma série de problemas maiores adiante.
Do ponto de vista do licitante, caso ele seja vítima de uma inabilitação por inexequibilidade sem ter havido diligência, é crucial que saiba que pode e deve reagir. Os caminhos incluem interpor recurso administrativo contra a desclassificação, juntando toda a documentação que comprove a exequibilidade e citando a legislação e precedentes do TCU favoráveis. Se mesmo assim não for revertido, buscar a via judicial ou representação ao TCU são alternativas. Nessas horas, contar com assessoria jurídica especializada, como a do Schiefler Advocacia, faz a diferença para reverter o quadro com rapidez e efetividade.
Boas práticas para licitantes: preparando-se para comprovar a exequibilidade
Para as empresas que participam de licitações, especialmente em setores de obras e engenharia (onde o critério de 75% se aplica), seguem algumas boas práticas a adotar visando prevenir problemas com alegações de inexequibilidade e se proteger caso elas surjam:
- Elaboração cuidadosa da proposta: Antes de tudo, o licitante deve montar sua proposta de preço com base em uma planilha de custos realista. Identifique todos os custos diretos (materiais, mão de obra, equipamentos, logística) e indiretos, tributos incidentes, margens etc. Se o preço final ofertado for muito baixo em relação ao orçamento público, certifique-se de que internamente você consegue justificar cada cifra. Isso já serve de preparação para uma eventual diligência.
- Documentação de suporte pronta: Tenha à mão documentos que possam comprovar condições vantajosas da sua empresa. Por exemplo: cotações de fornecedores com valores menores que os usuais, demonstrações de eficiência produtiva, comprovantes de estoque próprio de material, contratos anteriores em que executou serviço similar por preço equivalente, enfim, qualquer evidência de que você consegue realizar pelo valor proposto. Essa documentação poderá ser apresentada rapidamente se a comissão solicitar esclarecimentos.
- Atenção ao edital e comunicações da licitação: O edital pode prever expressamente como será avaliada a exequibilidade e quais documentos podem ser exigidos. Siga essas regras. Além disso, fique atento durante a sessão ou fase de julgamento: se o pregoeiro/comissão mencionar suspeita de inexequibilidade, esteja pronto para requerer a oportunidade de demonstrar sua exequibilidade (caso não seja automaticamente concedida). Faça constar em ata, se possível, seu compromisso de apresentar justificativas.
- Responda prontamente às diligências: Se a Administração abrir diligência para comprovação de exequibilidade, observe rigorosamente o prazo concedido e responda de forma completa. Entregue todos os documentos solicitados e, se cabível, acrescente uma explicação por escrito, clara e objetiva, indicando como chegou àquele preço e porque ele é exequível. Essa resposta bem fundamentada frequentemente é suficiente para convencer a comissão e evitar a desclassificação.
- Recurso bem fundamentado em caso de desclassificação indevida: Caso, apesar de tudo, sua proposta seja desclassificada sem chance de esclarecimento (ou você julgue que a avaliação foi equivocada), interponha recurso administrativo. Demonstrar conhecimento técnico-jurídico firme pode fazer a própria Administração reconsiderar a decisão, evitando escalonar o conflito.
- Assessoria jurídica especializada: Conte com apoio de advogados experientes em licitações antes, durante e depois do certame. Essa parceria preventiva pode evitar que o problema de inexequibilidade sequer aconteça, ou tratar rapidamente dele se surgir, protegendo sua posição no certame.
Adotando essas boas práticas, o licitante minimiza consideravelmente o risco de ser surpreendido por uma inabilitação por inexequibilidade. E mesmo que seus preços agressivos despertem questionamentos, estará bem aparelhado para demonstrar a viabilidade e assegurar sua vitória legítima na licitação.
A participação em licitações públicas envolve desafios técnicos e jurídicos significativos, sobretudo diante da possibilidade de desclassificação por inexequibilidade. Nesse contexto, contar com uma assessoria jurídica especializada, como a oferecida pelo Schiefler Advocacia, é fundamental para proteger os interesses das empresas licitantes. Atuamos desde a análise preventiva dos editais e elaboração estratégica das propostas, passando pelo acompanhamento criterioso do certame e intervenções técnicas imediatas, até a apresentação robusta de justificativas técnicas e recursos administrativos contra decisões indevidas.
Além disso, nossa equipe está preparada para representar empresas perante Tribunais de Contas e Poder Judiciário, sempre embasada em sólida argumentação jurídica e técnica, amparada pela mais recente jurisprudência do TCU. Nossa atuação continua na fase contratual, garantindo apoio jurídico em situações que demandem reequilíbrio econômico-financeiro e renegociações, assegurando, assim, a execução sustentável e vantajosa dos contratos administrativos.
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Contratação de Empresa com CNAE Divergente do Objeto Licitado: Análise Jurídica sob a Lei 14.133/2021
Introdução
A contratação pública de empresas cuja inscrição no CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica) não apresenta atividade econômica (CNAE) correspondente ao objeto licitado levanta importantes questões jurídicas. Com a entrada em vigor da Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos), é fundamental analisar como ficam os requisitos de habilitação das licitantes nesse contexto.
Este artigo aprofunda o tema à luz da nova legislação, em especial no que tange à habilitação jurídica e à qualificação técnica dos licitantes, e examina entendimentos jurisprudenciais relevantes do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a matéria. O objetivo é esclarecer se a ausência de determinado CNAE no cadastro da empresa pode, por si só, impedi-la de contratar com a Administração Pública, mesmo quando esteja tecnicamente apta a executar o objeto licitado.
CNAE e Objeto Licitado: Conceitos e Implicações
A Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) é o código oficial que identifica as atividades econômicas exercidas por uma empresa. No cadastro do CNPJ, cada pessoa jurídica informa um ou vários CNAEs correspondentes aos ramos de atuação aos quais se dedica.
Em licitações públicas, muitas vezes se menciona o CNAE da empresa como indicativo de sua aptidão para realizar o objeto contratual. Entretanto, o CNAE em si não define de forma absoluta a capacidade de uma empresa executar determinado serviço ou obra.
Ele é uma referência administrativa e fiscal das atividades empresariais, mas não um limitador legal das atividades que a empresa pode exercer – desde que estas estejam abrangidas, ainda que genericamente, em seu objeto social (a descrição das atividades permitidas em seu contrato ou estatuto social).
É relativamente comum que editais de licitação contenham cláusulas exigindo que a empresa licitante tenha finalidade ou ramo de atuação ligado ao objeto licitado. Essa prática busca garantir que apenas concorram empresas “do ramo” do objeto da contratação. Contudo, surge o questionamento: se a empresa não tem em seu cadastro um CNAE específico para aquela atividade, mas comprova que já a executou com qualidade, poderia ser inabilitada?
A Nova Lei de Licitações e Contratos e a jurisprudência moderna apontam para um tratamento mais flexível e focado na capacidade real da empresa, conforme veremos a seguir.
Habilitação Jurídica na Lei 14.133/2021
A habilitação jurídica diz respeito à capacidade da empresa de exercer direitos e assumir obrigações perante a Administração. Na Lei nº 14.133/2021, diferentemente da legislação anterior, simplificou-se a exigência de habilitação jurídica.
Segundo o art. 66 da nova lei, a documentação se limita à comprovação da existência jurídica da pessoa e, quando cabível, de autorização específica para o exercício da atividade a ser contratada. Em outras palavras, basta demonstrar que a empresa existe formalmente (por meio do contrato social registrado, CNPJ ativo etc.) e que não há impedimentos legais para que atue naquele ramo – se a lei exigir alguma autorização especial (por exemplo, licenças ou registro em conselho profissional para atividades regulamentadas).
Importante destacar que a lei não menciona nenhuma obrigação de que o objeto social ou o CNAE da empresa coincida exatamente com o objeto licitado. A ênfase está na regularidade formal da empresa e na autorização legal quando a atividade exigir condição especial (por exemplo, registro na Anvisa para certas atividades de saúde, ou no CREA/CAU para serviços de engenharia/arquitetura, etc.).
Fora dessas hipóteses de exigência legal específica, não há base legal para desclassificar licitantes unicamente porque seu cadastro empresarial não listava determinada atividade. Tal entendimento é coerente com o princípio da ampla concorrência (ou competitividade) previsto na própria Lei 14.133/2021 e na Constituição Federal (art. 37, XXI), que proíbe a Administração de restringir injustificadamente a participação de interessados na licitação.
Qualificação Técnica: Comprovação de Capacidade x CNAE
Enquanto a habilitação jurídica cuida dos aspectos formais de existência e capacidade legal da empresa, a qualificação técnica verifica se o licitante possui aptidão técnica para executar o contrato. A Lei 14.133/2021 disciplina a qualificação técnica principalmente em seu art. 67, que trata da documentação técnico-profissional e técnico-operacional exigível.
Dentre os meios de comprovação de qualificação técnica permitidos, destacam-se: apresentação de atestados de capacidade técnica (fornecidos por pessoas jurídicas de direito público ou privado que atestem que a empresa realizou serviços ou forneceu bens semelhantes ao objeto da licitação), indicações de equipe técnica e aparelhamento adequados, e registro em conselho profissional, quando aplicável.
Em suma, a lei prioriza a comprovação concreta da experiência e capacidade técnica da empresa, por meio de atestados e certificações, em vez de se ater a classificações formais. Não há no art. 67 ou em qualquer dispositivo da Lei 14.133/2021 previsão de exigência do código CNAE como condição de qualificação. A Administração deve exigir prova da capacidade técnica pertinente ao objeto (por exemplo, atestados de serviços similares já executados), o que é muito mais eficaz para avaliar a aptidão do que verificar se determinada atividade consta ou não do cadastro fiscal da empresa.
Assim, do ponto de vista estritamente legal, nada impede que uma empresa sem o CNAE exato do objeto licitado participe e seja habilitada, desde que comprove, por outras vias, que tem condições técnicas de executar o contrato. Essa comprovação ocorre mediante os documentos de qualificação técnica elencados na lei – e não pela simples classificação fiscal.
Em última análise, o que se busca é a garantia de que a contratada entregue o objeto com qualidade, e isso se verifica pelos seus antecedentes de desempenho (experiência pretérita) e estrutura atual, e não por códigos de inscrição econômica.
Jurisprudência do TCU sobre CNAE e Objeto Social do Licitante
A jurisprudência do Tribunal de Contas da União tem reiteradamente firmado entendimento de que o CNAE ou a descrição específica do objeto social da empresa não constituem, por si sós, elementos essenciais para habilitação, se a capacidade técnica restar devidamente demonstrada.
Em casos concretos, o TCU vem decidindo que a inabilitação fundada exclusivamente na ausência de determinado CNAE configura formalismo excessivo e viola o caráter competitivo da licitação. Desde meados dos anos 2000, o TCU assinala que a Administração não deve restringir a competição exigindo correspondência exata entre o ramo de atividade registrado da empresa e o objeto licitado.
No Acórdão nº 571/2006 – TCU (2ª Câmara), por exemplo, discutiu-se a situação de um licitante cujo contrato social não continha, de forma expressa, a atividade específica objeto da licitação (transporte de pessoas). Naquela oportunidade, o Tribunal ponderou que a empresa havia apresentado três atestados de capacidade técnica por entes públicos distintos, comprovando experiência na execução do serviço pretendido. Concluiu, então, ser irrazoável exigir que o objeto social preveja minuciosamente cada subatividade ligada à atividade principal desempenhada: “Se uma empresa apresenta experiência adequada e suficiente para o desempenho de certa atividade, não seria razoável exigir que ela tenha detalhado o seu objeto social a ponto de prever expressamente todas as subatividades complementares à atividade principal”. Nesse caso, o TCU entendeu que a desclassificação da empresa com base unicamente nessa lacuna do contrato social feriu o interesse público, pois impediu a seleção da melhor proposta possível – entendimento inteiramente alinhado ao princípio da competitividade.
Essa linha de raciocínio foi posteriormente reafirmada em diversos outros precedentes do TCU.
No Acórdão nº 1203/2011 – Plenário, citando um exemplo, o Tribunal julgou indevida a inabilitação de empresa que não possuía CNAE específico para transporte de cargas leves, pois a licitante demonstrara já ter executado serviços semelhantes para a própria Administração contratante em contrato anterior – evidência de capacidade técnica que se sobrepôs a meras formalidades cadastrais.
De forma semelhante, no Acórdão nº 9365/2015 – 2ª Câmara, uma licitante de serviços de alimentação foi mantida na disputa apesar de não ter o CNAE exato de “distribuição de refeições”, porque apresentou atestados comprovando larga experiência no fornecimento de refeições em eventos de grande porte.
Mais recentemente, em pleno vigorar da nova lei, o Acórdão nº 444/2021 – Plenário reforçou esse entendimento ao considerar ilegal a desclassificação de uma empresa por divergência de CNAE em um pregão para recuperação de estradas vicinais – o TCU ressaltou que o essencial era a comprovação da experiência da empresa em atividades análogas, tratando a exigência rígida de CNAE como indevida por comprometer a seleção da proposta mais vantajosa.
Em síntese, a posição consolidada do TCU é de que a ausência de determinada atividade no objeto social ou no CNAE da licitante não é motivo suficiente para inabilitá-la, desde que fique demonstrada sua aptidão técnica para executar o objeto contratual. Cláusulas editalícias que exijam estritamente a correspondência do CNAE como critério eliminatório tendem a ser consideradas restritivas em demasia. O foco deve recair sobre a comprovação efetiva da capacidade de desempenho – por meio de atestados, registros profissionais, qualificação de equipe, etc. – em observância aos arts. 67 e 69 da Lei 14.133/2021 e ao princípio da competitividade.
Consequências Práticas e Recomendações
Diante do arcabouço legal e jurisprudencial exposto, uma empresa pode, em tese, ser contratada pelo Poder Público mesmo que não possua, em seu CNPJ, CNAE correspondente ao objeto da licitação.
Não havendo vedação legal expressa, a ausência do código específico não impede a contratação se a licitante cumprir os demais requisitos de habilitação. Isso traz alívio para muitas empresas, especialmente as que diversificam seus serviços ao longo do tempo e nem sempre atualizam imediatamente seus CNAEs junto aos órgãos de registro.
Entretanto, é recomendável adotar boas práticas preventivas. Do ponto de vista prático, incluir no objeto social da empresa descrições amplas ou abrangentes das atividades que ela desenvolve (ou pretende desenvolver) pode evitar questionamentos nas fases de habilitação. Manter o cadastro CNAE atualizado com as principais atividades também é salutar – não por imposição legal, mas para reduzir resistências e necessidade de esclarecimentos perante comissões de licitação menos experientes.
Em caso de cláusulas restritivas no edital, a empresa deve considerar impugná-las administrativamente antes da licitação ou, se necessário, recorrer judicialmente ou aos órgãos de controle. A própria nova lei reforça a possibilidade de saneamento de falhas e flexibilização de exigências excessivas para ampliar a disputa (fundamento que embasa, por exemplo, o art. 9º, I, “b” e o art. 12, III, da Lei 14.133/2021, que vedam cláusulas ou práticas que frustrem o caráter competitivo injustificadamente).
Em suma, prevalece o meritório sobre o meramente formal: uma empresa tecnicamente qualificada não deve ser afastada apenas por não constar determinado código de atividade em seu CNPJ. A Administração Pública, ao conduzir suas licitações, deve buscar a proposta mais vantajosa e selecionar fornecedores capazes, evitando formalismos exagerados que não guardem relação direta com a futura execução contratual.
Esse entendimento, lastreado na lei e na jurisprudência do TCU, promove a competitividade e a eficiência nas contratações públicas, beneficiando tanto o setor público (que passa a contar com um leque maior de propostas qualificadas) quanto as empresas que, por sua expertise, podem participar de certames além das definições estritas de seus cadastros.
Conclusão
A Nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021) consolida uma visão moderna da fase de habilitação: privilegia-se a efetiva capacidade jurídica e técnica do licitante em detrimento de formalidades cadastrais rígidas. Nesse cenário, exigir que o CNAE ou o objeto social do licitante seja idêntico ao objeto licitado não encontra amparo expresso na lei e vem sendo refutado pelos órgãos de controle. Desde que a empresa demonstre, com documentação hábil, estar legalmente constituída e tecnicamente apta a executar o contrato, não deverá ser inabilitada pela mera ausência de um código CNAE específico ligado ao objeto da licitação. Tal prática, além de juridicamente questionável, pode privar a Administração da melhor proposta, contrariando o interesse público.
Por todo o exposto, a resposta à indagação inicial é clara: é possível a contratação pública de empresa cujo CNPJ não apresente atividade econômica correspondente ao objeto licitado, desde que atendidos os requisitos legais de habilitação (existência jurídica regular e qualificação técnica comprovada por outros meios idôneos).
A atenção deve recair sobre a essência (capacidade de executar) e não sobre a forma (registro burocrático da atividade). Esse entendimento, respaldado pela jurisprudência do TCU, fortalece os princípios da isonomia e da competitividade nas licitações, ao mesmo tempo em que impõe às empresas o ônus de demonstrar sua qualificação de maneira robusta.
Diante das nuances legais e dos riscos envolvidos nas contratações públicas, é imprescindível contar com orientação jurídica especializada.
O escritório Schiefler Advocacia coloca à disposição das empresas sua consolidada experiência em Direito Administrativo e Contratações Públicas, oferecendo consultoria completa desde a fase de habilitação até a execução contratual. Reconhecido nos anuários Análise Advocacia por sua excelência na área e detentor do selo DNA USP de qualidade acadêmica, o Schiefler Advocacia está preparado para auxiliar sua empresa a navegar com segurança pelo regime da Lei 14.133/2021, maximizando oportunidades e prevenindo eventuais impedimentos em licitações. Entre em contato e conte com uma equipe altamente qualificada para defender os interesses da sua organização no âmbito das contratações governamentais.
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Obrigatoriedade de Apresentação do Balanço Patrimonial por MEIs em Licitações Públicas
Fundamentos Legais: da Lei nº 8.666/1993 à Nova Lei nº 14.133/2021
A exigência de demonstrações contábeis (balanço patrimonial, DRE etc.) em licitações públicas tem base nas leis de licitações, tanto na antiga Lei nº 8.666/1993 quanto na nova Lei nº 14.133/2021. Essas normas visam garantir que os licitantes possuam saúde financeira mínima para cumprir um futuro contrato público.
Pela Lei nº 8.666/1993, a habilitação econômico-financeira restringia-se à apresentação de: (i) balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social, já exigíveis e na forma da lei, comprovando a boa situação financeira da empresa (não se admitindo balancetes ou balanços provisórios); (ii) certidão negativa de falência ou concordata (no caso de pessoa jurídica) ou de execução patrimonial (para pessoa física); e (iii) eventualmente, garantia limitada a 1% do valor do contrato. Em suma, a antiga lei exigia o balanço patrimonial do último ano como comprovação da capacidade econômico-financeira.
Com a Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações), em vigor integral desde 2023, a regra foi mantida e até ampliada. O artigo 69 dessa lei estabelece que a habilitação econômico-financeira será demonstrada, de forma objetiva, pela apresentação de balanço patrimonial, demonstração do resultado do exercício (DRE) e demais demonstrações contábeis dos 2 (dois) últimos exercícios sociais, além da certidão negativa de falência/insolvência.
Ou seja, agora podem ser exigidos os balanços dos dois últimos anos, aumentando o escopo de análise das finanças do licitante. Há, contudo, uma salvaguarda para empresas novas: se o licitante tiver menos de 2 anos de constituição, os documentos contábeis se limitam ao último exercício encerrado. Essa evolução normativa demonstra que o legislador reforçou a necessidade de transparência financeira, sem dispensar micro ou pequenos empreendedores dessa obrigação.
Importante notar que essa obrigação legal vale para qualquer participante da licitação, incluindo microempresas, empresas de pequeno porte e microempreendedores individuais (MEIs). A legislação especial das licitações, por sua natureza, impõe essas exigências a todos os concorrentes, visando resguardar o interesse público na contratação. No âmbito das leis de licitação, não há exceção expressa que dispense MEIs ou microempresas de apresentar balanço patrimonial – as únicas flexibilizações são aquelas gerais, como a possibilidade de exigir apenas o último balanço para empresas constituídas há menos de dois anos (no caso da Lei 14.133) e os benefícios da Lei Complementar nº 123/2006 que não incluem isenção de demonstrações contábeis, como veremos adiante.
Jurisprudência do TCU: MEI Deve Apresentar Balanço Patrimonial
Diante da dúvida se um Microempreendedor Individual, por ter obrigações contábeis simplificadas, precisaria mesmo entregar balanço patrimonial em licitações, o Tribunal de Contas da União (TCU) firmou entendimento claro: sim, deve apresentar. Em diversas decisões recentes, o TCU consolidou que as exigências das leis de licitação prevalecem sobre eventuais dispensas previstas em legislação civil ou comercial.
Um marco nesse entendimento foi o Acórdão nº 133/2022 do TCU – Plenário, de relatoria do Ministro Walton Alencar Rodrigues. Nessa decisão, o TCU examinou a participação de um MEI em licitação regida pela Lei 8.666/93 e concluiu que, mesmo que o Código Civil dispense o pequeno empresário de manter balanço, o MEI deve apresentá-lo se o edital exigir para fins de qualificação econômico-financeira. Conforme consta do voto, “ainda que o MEI esteja dispensado da elaboração do balanço patrimonial pelo Código Civil, para participação em licitação pública regida pela Lei 8.666/1993, deverá apresentar o balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social, já exigíveis e na forma da lei, conforme previsto no art. 31, inciso I, da Lei 8.666/1993”. Em outras palavras, a obrigação de demonstrar a boa situação financeira prevalece no âmbito da licitação, independentemente do regime simplificado do empresário.
Mais recentemente, já na vigência da nova lei, o TCU reafirmou esse entendimento no Acórdão nº 2586/2024 – Plenário. Nesse julgado, ao apreciar um recurso, o Tribunal adaptou a redação da orientação anterior para o contexto da Lei 14.133/2021. Ficou consignado que, em licitações sob a égide da Lei 14.133, o MEI – mesmo dispensado de escrituração contábil pelo Código Civil – deverá apresentar, quando exigido para comprovação de sua boa situação financeira, o balanço patrimonial e as demonstrações contábeis do último exercício social, salvo nas hipóteses de dispensa de documentação previstas no art. 70, inciso III, da Lei 14.133/2021.
A referência ao art. 70, III, diz respeito a casos excepcionais em que a própria lei de licitações permite a dispensa de documentos de habilitação (por exemplo, contratações de menor valor com entrega imediata e pagamento único, conforme limites legais). Fora dessas situações excepcionais, o entendimento do TCU é peremptório: MEIs estão obrigados a apresentar suas demonstrações contábeis nas licitações, assim como qualquer outra empresa.
Essa posição não surgiu do nada – o TCU já vinha sinalizando em decisões anteriores que não poderia o edital isentar MEIs ou microempresas da apresentação de balanço. Por exemplo, em 2016 e 2017, o Tribunal censurou editais que desobrigavam balanço patrimonial, por violarem a Lei 8.666 e os princípios da isonomia. No Acórdão 1.857/2022, também do Plenário, reiterou-se que a desobrigação de balanço para ME/EPP é irregular, devendo os benefícios às microempresas limitar-se àqueles previstos na Lei Complementar 123/2006.
Ou seja, a jurisprudência do TCU tem sido consistente em não admitir tratamento favorecido além do previsto em lei, reforçando que a exigência de balanço patrimonial é regra geral para todos os licitantes.
O Conflito com o Código Civil e a Prevalência da Lei Especial de Licitações
A resistência de alguns microempreendedores em apresentar balanço patrimonial deriva do aparente conflito de normas. De um lado, o Código Civil (Lei nº 10.406/2002) estabelece, em seu art. 1.179, que todo empresário e sociedade empresária devem seguir um sistema de contabilidade e levantar anualmente balanço patrimonial e de resultado. Por outro lado, o próprio art. 1.179 do Código Civil, em seu §2º, dispensa dessas exigências “o pequeno empresário a que se refere o art. 970”. Na prática, este “pequeno empresário” abrange as microempresas e, por extensão, o microempreendedor individual (que é uma categoria criada posteriormente pela LC 123/2006, gozando de tratamento semelhante ao da microempresa). Além disso, a Lei Complementar nº 123/2006 (Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte) permite que microempresas optantes pelo Simples Nacional adotem uma contabilidade simplificada, a critério do empreendedor. Em suma, a legislação civil e comercial não obriga o MEI a ter balanço patrimonial e escrituração completa, diferentemente de empresas maiores.
Diante disso, seria lógico questionar: por que exigir balanço do MEI na licitação, se a lei dispensa sua elaboração? A resposta está na hierarquia e especialidade das normas.
As regras de habilitação em licitações integram uma legislação especial (leis de licitação) voltada especificamente à contratação pública, com objetivos próprios de proteção ao interesse público (garantia da execução contratual, seleção de propostas vantajosas, isonomia entre licitantes, etc.). Já as disposições do Código Civil e da LC 123/2006 são normas gerais de direito empresarial e econômico, visando desburocratização e incentivo aos pequenos negócios de forma ampla.
Prevalece, nesse caso, o princípio de que a lei especial prevalece sobre a lei geral (lex specialis derrogat legi generali). O TCU explicitou exatamente isso: a licitação pública é regida por lei específica e, em razão dessa especialidade, afasta a aplicação da lei geral naquilo que for incompatível. Portanto, a dispensa contábil do art. 1.179 do Código Civil não isenta o MEI das exigências da Lei de Licitações, pois esta representa um microssistema próprio. Ademais, a Constituição Federal, ao tratar de licitações (art. 37, XXI), exige igualdade de condições e cumprimento estrito dos termos do edital e da lei. Isentar um licitante de apresentar documentos exigidos dos demais violaria a isonomia e a competitividade do certame.
Assim, a interpretação que se consolidou é de que o MEI pode, para efeitos do direito privado, não ter obrigação de escrituração mercantil completa, mas se ele optar por participar de licitação pública, deve atender às exigências documentais dessa legislação especial, inclusive no tocante ao balanço patrimonial.
Ressalte-se que a LC 123/2006, ao estabelecer tratamento favorecido às micro e pequenas empresas nas contratações públicas, não prevê a dispensa da documentação de qualificação econômico-financeira. Os benefícios ali elencados referem-se a outras medidas, como preferência em caso de empate, prazos para regularizar certidões fiscais, subdivisão de lotes, etc. Não há na LC 123/06 qualquer artigo isentando microempresas ou MEIs de apresentar balanços ou demonstrativos em licitações. Portanto, permitir que um MEI concorra sem comprovar sua situação financeira seria criar um benefício não previsto em lei, algo que os órgãos de controle rechaçam.
Em síntese, o entendimento dominante é que a obrigação de balanço patrimonial prevalece, e a dispensa do Código Civil não pode ser invocada para frustrar as exigências de habilitação fixadas nas leis de licitação.
Consequências da Não Apresentação do Balanço Patrimonial
A não apresentação do balanço patrimonial pelo MEI em um processo licitatório pode acarretar sérias consequências práticas, em especial a sua inabilitação imediata. Nos processos regidos tanto pela antiga Lei 8.666 quanto pela nova Lei 14.133, a fase de habilitação é eliminatória: o licitante que não entregar toda a documentação exigida no edital (observados os limites da lei) será desclassificado da licitação (inabilitado), não podendo prosseguir na disputa. Assim, um MEI que deixa de incluir suas demonstrações contábeis (quando o edital as exige) muito provavelmente será excluído do certame por não atender à qualificação econômico-financeira.
Mesmo que o microempreendedor individual argumente que não possui balanço formal por não ser obrigado a elaborá-lo no dia a dia, a comissão de licitação ou pregoeiro não tem amparo legal para relevá-lo, salvo nas hipóteses excepcionalíssimas de dispensa de documentação previstas na lei (como contratações diretas ou licitações dispensáveis de baixo valor, conforme art. 70 da Lei 14.133, mencionadas). Na prática comum das licitações, a ausência do balanço no envelope de habilitação leva à inabilitação do MEI – ou de qualquer outra empresa nas mesmas condições.
Do ponto de vista do órgão público condutor da licitação, há também consequências caso ele tente flexibilizar indevidamente essa exigência. Se um edital dispensar o MEI de apresentar balanço patrimonial (tentando favorecer sua participação), tal cláusula será considerada ilegal e inconstitucional pelos órgãos de controle. O TCU já determinou ciência a entes públicos alertando que isentar MEIs da exigência do balanço contraria o art. 37, XXI, da CF/88 (princípio da isonomia e seleção da proposta mais vantajosa), bem como a Lei 8.666/93 e a jurisprudência consolidada. Isso significa que o procedimento licitatório pode ser impugnado por outros licitantes ou questionado pelos Tribunais de Contas, levando à anulação do edital ou à necessidade de correção das regras. Em suma, a Administração não pode criar exceções não previstas em lei sob pena de invalidar o certame.
Portanto, a não apresentação do balanço patrimonial resulta, para o MEI, na perda da oportunidade de contratar (desclassificação), e para o processo licitatório em si, no risco de nulidade caso a exigência tenha sido indevidamente dispensada.
Recomendações Práticas para MEIs e Pequenas Empresas em Licitações
Diante desse cenário, é fundamental que microempreendedores individuais e pequenas empresas tomem algumas precauções e adotem boas práticas ao se prepararem para participar de licitações públicas. Seguem algumas recomendações úteis:
- Mantenha a contabilidade em dia: Mesmo que a lei civil não o obrigue, o MEI deve preparar anualmente um balanço patrimonial e demonstrações de resultado. Busque auxílio de um contador para elaborar esses documentos conforme os princípios contábeis. Assim, quando surgir uma oportunidade de licitação, a empresa já terá em mãos as demonstrações do último exercício (ou dos dois últimos, se aplicável) prontas para apresentação.
- Verifique o edital com atenção: Ao se interessar por um certame, leia cuidadosamente a seção de habilitação econômico-financeira do edital. Identifique se é exigido balanço patrimonial e de quais exercícios. Verifique também se há menção a índices financeiros mínimos (ex.: liquidez corrente, solvência) a serem calculados a partir do balanço. Esteja preparado para apresentar os documentos e cálculos requeridos ou questione formalmente caso alguma exigência extrapole o permitido em lei.
- Utilize os mecanismos da lei a seu favor: Se o edital trouxer exigências muito rígidas ou em desconformidade com a legislação (por exemplo, pedir balanço de mais anos do que a lei exige, ou índices indevidos), protocolize um pedido de esclarecimento ou impugnação ao edital dentro do prazo cabível. A nova Lei de Licitações enfatiza a objetividade e a justificativa das exigências; portanto, o MEI pode e deve buscar a correção de clausulados excessivos para evitar ser barrado indevidamente. Garantir regras equilibradas faz parte do direito dos licitantes, especialmente dos pequenos negócios.
- Conheça os benefícios legais, mas não conte com perdão para documentação: Esteja ciente dos benefícios do Estatuto da Microempresa (LC 123/06) nas licitações, como empate ficto e preferência de contratação local. Porém, não interprete esses benefícios como perdão para faltas documentais. Diferentemente de algumas certidões fiscais que podem ser regularizadas em 5 dias úteis se a microempresa sair vencedora, o balanço patrimonial é um documento de qualificação cuja ausência pode não ser passível de correção posterior. Portanto, encare a preparação do balanço como parte indispensável do planejamento para licitar.
- Planejamento e investimento: Participar do mercado de compras governamentais exige profissionalização. Considere investir em assessoria contábil e jurídica especializadas em licitações. Isso ajuda a estruturar a empresa para atender aos editais (do ponto de vista documental, fiscal e trabalhista) e também a navegar nos procedimentos licitatórios sem incorrer em erros formais. O custo de manter contabilidade regular é compensado pelas oportunidades de negócios com o poder público que se abrem ao estar habilitado corretamente.
Seguindo essas orientações, o MEI e as pequenas empresas aumentam significativamente suas chances de sucesso nas licitações. Em resumo, a chave é antecipar-se às exigências, tratar a elaboração de balanço patrimonial como parte do negócio e não apenas uma burocracia, e valer-se dos instrumentos legais para competir em condições justas.
Considerações Finais
Em conclusão, a obrigatoriedade de apresentação do balanço patrimonial por MEIs em licitações públicas é hoje uma realidade incontornável do ordenamento jurídico brasileiro. A evolução normativa – da Lei 8.666/1993 para a Lei 14.133/2021 – reforçou a importância da qualificação econômico-financeira dos licitantes, e a jurisprudência do TCU consolidou o entendimento de que nem mesmo o regime simplificado dos microempreendedores individuais os exime desse dever legal.
Para evitar inabilitações e garantir a competitividade, os MEIs devem se preparar adequadamente, mantendo suas demonstrações contábeis em ordem e atendendo rigorosamente aos editais, valendo-se dos mecanismos de flexibilidade apenas nos estritos termos da lei.
A Atuação do Escritório Schiefler Advocacia
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Entenda o processo de desapropriação do imóvel de “Ainda Estou Aqui”: aspectos jurídicos e alternativas
No dia 03/10/2025, o prefeito do Rio de Janeiro publicou o Decreto nº 55729/2025[1], declarando de utilidade pública o imóvel na Urca onde foi filmado “Ainda Estou Aqui”, filme vencedor do Oscar. O objetivo anunciado foi o de transformar a casa em um espaço cultural aberto ao público. O valor do imóvel – que encontrava-se à venda – teria saltado de R$ 13,9 milhões para R$ 25 milhões após a vitória no Oscar.
Antes de adentrar aos aspectos legais da desapropriação, é necessário partir da seguinte premissa: a desapropriação constitui uma venda, embora forçada.
O Decreto-Lei nº 3.365/1941, que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública, elenca diversos motivos – desde segurança nacional e salubridade pública até preservação de patrimônio histórico e cultural. No caso do imóvel da Urca, o fundamento para a desapropriação se deu com base na alínea “h” do art. 5º do Decreto-Lei nº 3.365/1941, que considera caso de utilidade pública a “exploração ou a conservação dos serviços públicos”.
A peculiaridade do caso “Ainda Estou Aqui” é que o imóvel não possui propriamente um patrimônio histórico tradicional – visto que foi locado pela produção do filme para as gravações. Isso explica, em parte, o motivo pelo qual o decreto não invocou diretamente a justificativa de “preservação de monumento histórico” (alínea “k”, do art. 5º), optando por enquadrar a hipótese no interesse de instalação de serviço público (alínea “h” do art. 5º).
Vale dizer que o conceito de patrimônio cultural abrange qualquer bem portador de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira (CF, art. 216), o que confere respaldo ao Poder Público para agir na proteção de um local que se tornou simbolicamente relevante para a sociedade.
Por outro lado, o decreto levanta o questionamento se a transformação de um imóvel utilizado como cenário cinematográfico em centro cultural se enquadraria adequadamente na motivação pública. Se o objetivo é preservar a memória cultural e a premiação do filme, por que não utilizar o instituto do tombamento, que visa precisamente resguardar a identidade e a memória de bens culturais?
Em suma, do ponto de vista jurídico, a validade do decreto depende de demonstrar um interesse público concreto e legítimo, o que, no caso ora analisado, convida a um exame sobre a fundamentação legal mais adequada para o atingimento da finalidade pública pretendida.
O que ocorre após a publicação do decreto de utilidade pública?
A partir da declaração de utilidade pública, formalizada pelo decreto publicado, o poder público tem prazo legal de até cinco anos para efetivar a desapropriação (art. 10 do DL 3.365/1941) – o que não necessariamente pressupõe a intervenção do judiciário, conforme decurso apresentado a seguir.
Após a publicação do decreto, o próximo passo é a elaboração de um laudo de avaliação para determinar o valor da indenização a ser oferecida ao proprietário. Essa oferta inicial deve corresponder a um valor justo, atendendo ao mandamento constitucional de prévia e justa indenização em dinheiro (CF, art. 5º, XXIV). Na prática, esse valor tende a se situar entre o valor venal do IPTU (geralmente inferior) e o valor de mercado do imóvel. Notificado o proprietário e apresentada a proposta, busca-se uma composição amigável, de modo que, se o proprietário aceitar o montante, a transferência ocorre administrativamente, evitando-se litigiosidade.
Vale ressaltar que a partir de 2019, tornou-se possível a opção pela mediação ou pela via arbitral para a definição de valores de indenização, hipótese em que o particular indicará um dos órgãos ou instituições especializados previamente cadastrados pelo órgão responsável pela desapropriação (Art. 10-B do DL. 3.365/41).
Caso não haja acordo, o ente público deverá propor uma ação judicial de desapropriação. Nessa fase judicial, o Município normalmente deposita em juízo o valor ofertado (ou o valor venal) e pode requerer a imissão provisória na posse (art. 15 do DL 3.365/41) – para tomar posse do bem antes da conclusão do processo, quando a urgência ou interesse público o justifique.
O proprietário desapropriando é então citado e tem oportunidade de contestação, que só poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação do preço (art. 20 do DL 3.365/41). O processo segue sob rito ordinário, com a designação de perícia judicial para apurar o justo preço do imóvel. Neste ínterim, o bem já pode estar em posse do poder público, mas a discussão sobre o quantum indenizatório pode se arrastar por anos até trânsito em julgado.
O proprietário do bem poderá, então, aceitar, em juízo, a oferta feita pelo expropriante, realizando um acordo judicial; ou aguardar a sentença, que fixará a indenização definitiva, considerando fatores como localização, estado do imóvel, potencial de uso e valorização.
Desapropriação vs. Tombamento: diferenças e possibilidades
Diante do propósito declarado pelo decreto de preservar a memória cultural ligada ao imóvel, cabe a diferenciação entre dois institutos do direito administrativo que giram em torno da intervenção do Estado na propriedade: a desapropriação e o tombamento.
O tombamento é um ato administrativo em que o Poder Público reconhece o valor histórico, cultural, arquitetônico ou paisagístico de um bem, inscrevendo-o nos livros do tombo e impondo restrições à sua utilização para assegurar sua preservação.
Diferentemente da desapropriação, o tombamento não transfere a titularidade do bem – no entanto, o proprietário passa a ter o dever legal de conservar o bem e fica proibido de demolir, alterar ou dar destinação que comprometa o valor cultural protegido.
Em regra, o tombamento não gera direito a indenização, por ser considerado uma limitação administrativa ao uso da propriedade, e não uma perda da propriedade em si.
No caso do imóvel da Urca, se o objetivo predominante fosse a preservação da identidade e memória do local, o tombamento seria um caminho juridicamente pertinente, e não a desapropriação. A casa estaria legalmente protegida contra destruição ou descaracterização, sem que o Município tivesse que adquirir sua propriedade.
Por outro lado, o tombamento, isoladamente, não garantiria o acesso público ao imóvel nem a implementação imediata de um centro cultural, dependendo sempre da anuência ou parceria do proprietário para que o local possa receber visitantes ou abrigar atividades.
Já a desapropriação proporciona à administração controle pleno sobre o bem, viabilizando a instalação de um equipamento público e o acesso da população. Em contrapartida, exige recursos financeiros elevados para indenizar o particular e representa a medida mais drástica de intervenção na propriedade, só se justificando quando o interesse público assim o exigir.
No espectro das alternativas, entre o tombamento (mera restrição preservacionista) e a desapropriação (aquisição compulsória), há ainda saídas intermediárias que poderiam ter sido consideradas. Por exemplo, a Lei de Licitações prevê, enquanto hipótese de inexigibilidade de licitação, a “aquisição ou locação de imóvel cujas características de instalações e de localização tornem necessária sua escolha” (art. 74, V, da Lei 14.133/2021). Mas, para que tal alternativa fosse efetivamente considerada, o proprietário deveria necessariamente anuir com a venda, o que não ocorre na hipótese da desapropriação .
Considerações finais: do Oscar à desapropriação
Os “considerandos” do decreto delineiam a motivação contida na pretensão de desapropriar: fala-se da relevância cultural da casa construída em 1938 utilizada enquanto locação principal do filme (Considerando 2º); da indicação do filme “Ainda Estou Aqui” ao Oscar e a sua vitória em uma das categorias (Considerandos 3º e 4º); do dever do Estado de preservar a memória democrática e a superação do autoritarismo (Considerando 8º); e da a necessidade de criar um espaço de memória do cinema brasileiro (Considerando 10º).
Nesse cenário, diversas alternativas jurídicas poderiam ter sido adotadas para atender o interesse público concreto e legítimo: o tombamento garantiria a preservação do bem sem a transferência de propriedade e o acesso ao público; a aquisição mediante inexigibilidade de licitação permitiria uma venda consensual entre o poder público e o proprietário. Em suma, a adoção da alternativa jurídica mais adequada envolve ponderar custos, grau de intervenção e efetividade do resultado almejado: no caso de “Ainda Estou Aqui”, a Prefeitura optou pelo caminho da desapropriação, que assegura a criação do museu e a prestação de um serviço público, em que pese tratar-se de uma intervenção supressiva e mais onerosa.
Do ponto de vista do direito dos proprietários, diante da publicação do decreto de utilidade e a iminente abertura da fase executória da desapropriação, o auxílio de uma assessoria jurídica é essencial para construir alternativas que culminem em uma indenização justa pelo Poder Público.
[1] Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/rj/r/rio-de-janeiro/decreto/2025/5573/55729/decreto-n-55729-2025-declara-de-utilidade-publica-para-fins-de-desapropriacao-o-imovel-que-menciona. Acesso em: 14/03/2025.
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Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) Suspende Licitação Para Serviços de Análises Clínicas Devido A Exigências Editalícias Controversas
Nesta semana de fevereiro de 2025, o escritório Schiefler Advocacia conseguiu a concessão de liminar perante o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC) no Mandado de Segurança Cível nº 5006475-67.2025.8.24.0000, impetrado em face de Edital da Concorrência Eletrônica (CE) nº 539/2024, licitação destinada à contratação de serviços de análises clínicas hospitalares, veiculada pelo Estado de Santa Catarina.
A controvérsia gira em torno da legalidade das exigências editalícias, especialmente em relação aos prazos para a realização dos exames, à metodologia de pontuação baseada no tempo de experiência e à distribuição dos critérios de julgamento para proposta técnica e proposta de preço.
A impetrante sustentou que os prazos estipulados para a execução dos exames eram tecnicamente inviáveis e poderiam comprometer a segurança dos pacientes, além de restringirem a competitividade do certame. Também questionou a atribuição de 70% da nota à proposta técnica e 30% à proposta de preço, argumentando que essa proporção não estava devidamente justificada e poderia resultar na seleção de uma proposta economicamente desvantajosa.
Ao analisar o pedido, o TJSC reconheceu a plausibilidade das alegações e a probabilidade do direito, destacando que os prazos estabelecidos no edital eram incompatíveis com diretrizes técnicas amplamente reconhecidas, como as do Laboratório Central de Saúde Pública de Santa Catarina (LACEN/SC), que estabelecem tempos mínimos necessários para a correta execução de exames laboratoriais, os quais não foram respeitados no Edital. Confira-se excerto da decisão:
Como é de notório conhecimento, a fixação de prazos incompatíveis com parâmetros técnicos pode comprometer a confiabilidade dos resultados laboratoriais, acarretando diagnósticos imprecisos e tratamentos inadequados, com risco à saúde dos pacientes. A ausência de justificativa técnica para a estipulação desses prazos, se for esse o caso, indica possível violação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, reforçando a necessidade de revisão do edital para garantir a segurança e a qualidade dos serviços prestados.
Além disso, a Corte ressaltou que a definição da proporção de 70% para a nota técnica, relegando apenas 30% para a nota da proposta de preço, deve necessariamente ser acompanhada de um estudo técnico justificando essa escolha, o que não ocorreu no caso, conforme orientações do Tribunal de Contas da União (TCU):
A impetrante argumenta, com razão, que a ênfase excessiva no critério técnico, sem um estudo prévio que a justifique, pode levar à contratação de serviços por valores elevados, prejudicando a competitividade e inviabilizando a participação de empresas menores, ainda que tecnicamente qualificadas.
Diante desses elementos, o Tribunal concedeu a liminar para suspender a concorrência eletrônica, incluindo a sessão pública de concorrência previamente agendada, até que sejam prestadas informações e reavaliadas as condições editalícias.
Processo: 5006475-67.2025.8.24.0000.
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Contrata+Brasil: Oportunidades para Microempreendedores e Compradores Públicos
O que é o Contrata+Brasil?
O Contrata+Brasil é uma plataforma lançada pelo Governo Federal para conectar microempreendedores individuais (MEIs) a compradores públicos, como prefeituras, governos estaduais e órgãos federais. O objetivo é facilitar a participação de pequenos negócios em processos de contratação pública, promovendo inclusão, transparência e eficiência nas aquisições governamentais.
A iniciativa foi instituída pela Instrução Normativa SEGES/MGI nº 52, de 10 de fevereiro de 2025, e faz parte de um movimento maior para digitalizar e simplificar o acesso dos pequenos empreendedores ao mercado público, fomentando o desenvolvimento local e reduzindo barreiras burocráticas.
Como Funciona o Contrata+Brasil?
A plataforma funciona como um hub digital de oportunidades, onde os microempreendedores podem se cadastrar, visualizar demandas de órgãos públicos e oferecer seus serviços ou produtos. O processo é simples e envolve as seguintes etapas:
- Cadastro na plataforma – O microempreendedor cria um perfil e fornece as informações necessárias.
- Busca por oportunidades – A ferramenta exibe licitações e demandas de compras públicas compatíveis com o perfil do usuário.
- Proposta de fornecimento – O MEI pode enviar sua proposta diretamente pela plataforma.
- Contratação e fornecimento – Caso selecionado, o empreendedor recebe as instruções para fornecer o serviço ou produto contratado.
Essa estrutura reduz a burocracia tradicional dos processos de compras públicas e estimula a participação de pequenos negócios.
A plataforma é um módulo integrado ao Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais (Siasg), o que garante maior integração e facilidade de uso por parte dos órgãos públicos.
Além disso, vale mencionar que, embora a iniciativa seja do Governo Federal, o programa também permite a adesão de estados, municípios, empresas públicas, sociedades de economia mista, serviços sociais autônomos e entidades privadas sem fins lucrativos que recebam recursos públicos.
Todas as operações na plataforma são monitoradas e os fornecedores devem estar inscritos no Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores (SICAF) para participarem.
De acordo com a IN nº 52/2025, os pagamentos devem ocorrer preferencialmente por meio do PIX ou cartão de pagamento, reduzindo prazos e facilitando a gestão financeira dos MEIs.
Benefícios do Contrata+Brasil para os Microempreendedores
A plataforma traz diversas vantagens para os microempreendedores individuais que desejam expandir seus negócios e atender o setor público:
- Acesso facilitado a contratos públicos – Antes restrito a grandes empresas, o mercado público agora está mais acessível para MEIs.
- Menos burocracia – O ambiente digital simplifica a participação dos empreendedores nas licitações.
- Maior previsibilidade financeira – Trabalhar com contratos governamentais pode proporcionar mais segurança e estabilidade financeira.
- Fomento ao crescimento dos pequenos negócios – Oportunidade de ampliação de clientela e fortalecimento da atuação no mercado.
De acordo com o art. 13 da IN nº 52/2025, as contratações cujos valores sejam de até R$ 80.000,00 podem ser realizadas exclusivamente com MEIs, microempresas e empresas de pequeno porte (EPPs), garantindo maior competitividade para os pequenos negócios.
Também vale destacar que o processo de cadastramento e participação no Contrata+Brasil foi simplificado pela IN nº 52/2025, eliminando etapas burocráticas comuns em outras modalidades de contratação pública, como a elaboração de Estudo Técnico Preliminar (ETP), Análise de Riscos, elaboração de Termo de Referência (TR) e de Edital.
Impacto do Contrata+Brasil para o Setor Público
Além dos benefícios para os empreendedores, o Contrata+Brasil também é vantajoso para os órgãos públicos, pois:
- Aumenta a concorrência e, consequentemente, melhora os preços e a qualidade dos serviços.
- Promove o desenvolvimento local, estimulando a economia regional.
- Reduz custos administrativos, tornando o processo de aquisição mais ágil e eficiente.
Em relação à promoção do desenvolvimento local, vale mencionar a regra prevista no art. 18 da IN nº 52/2025, que estabelece a preferência na contratação de microempresas, empresas de pequeno porte e equiparadas sediadas no local ou região do órgão ou entidade contratante, que deverão privilegiadas mesmo quando a sua proposta for superior em até 10% da proposta de empresas não locais ou regionais.
Como se Cadastrar no Contrata+Brasil?
O cadastro na plataforma é gratuito e pode ser feito por meio do site oficial do Contrata+Brasil. Os passos incluem:
- Acessar o portal oficial e clicar na opção de cadastro.
- Informar os dados básicos do microempreendedor.
- Indicar os produtos ou serviços que pretende oferecer.
- Aguardar a validação e começar a visualizar oportunidades.
Sanções e Penalidades para Fornecedores
Caso desejem participar do Contrata+Brasil, os fornecedores também deverão se manter atentos para evitar o risco de aplicação de sanções e penalidades. Isso porque a IN nº 52/2025 estabeleceu regras para garantir a integridade do processo de contratação, sujeitando os fornecedores à inativação temporária ou à aplicação de sanções administrativas, caso:
- Não atualizem seus dados cadastrais.
- Descumpram prazos ou requisitos do contrato.
- Cometam infrações como fraude ou fornecimento de informações falsas.
Conclusão
O Contrata+Brasil representa um avanço significativo na inclusão de microempreendedores individuais no setor de contratações públicas. Com menos burocracia e mais acessibilidade, a plataforma abre novas oportunidades para pequenos negócios e fortalece a economia local. Para quem deseja expandir sua atuação e buscar novos clientes no setor público, essa é uma excelente alternativa.
Quer saber mais sobre como vender para o governo e aproveitar as vantagens do Contrata+Brasil? Fale com nossos especialistas em contratações públicas e receba assessoria jurídica personalizada para garantir sua participação nesse mercado!
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A regulamentação do termo de referência na administração pública federal pela IN CGNOR/ME nº 81, de 25 de Novembro de 2022
Com a iminência do fim do período de transição entre o antigo regime de contratações públicas e a Lei nº 14.133/2021, a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, uma série de aspectos desta Lei têm sido objeto de regulamentação por parte dos entes que compõem a Administração Pública.
É exatamente nesse contexto que, em 25 de novembro de 2022, foi publicada a Instrução Normativa CGNOR/ME nº 81, que trata da elaboração do termo de referência no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, e que também dispõe sobre a utilização do Sistema TR digital.
Em síntese, essa regulamentação federal institucionaliza o Sistema TR digital e traz diretrizes gerais a serem observadas na elaboração do termo de referência pela Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, bem como por órgãos e entidades da administração estadual, distrital ou municipal, direta ou indireta, quando executarem recursos da União decorrentes de transferências voluntária.
Mas o que é termo de referência? E quais são as diretrizes trazidas pela IN CGNOR/ME nº 81/2022?
Em linhas gerais, o termo de referência é um documento no qual a Administração Pública apresenta, aos potenciais interessados, informações detalhadas acerca do produto ou do serviço que pretende contratar. Como o próprio nome já diz, é neste documento que são estabelecidas as referências acerca do bem a ser fornecido ou do serviço a ser prestado.
Trata-se de um documento que deve ser elaborado durante a etapa de planejamento das contratações, e que deve ser publicado em conjunto com o instrumento convocatório. Nesse sentido, a respeito do conteúdo deste documento, em seu art. 6º, XXIII, a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos estabeleceu que o termo de referência deverá contemplar os seguintes elementos descritivos:
- Definição do objeto, incluindo sua natureza, os quantitativos, o prazo do contrato e, se for o caso, a possibilidade de prorrogação;
- Fundamentação da contratação, utilizando-se do teor dos estudos técnicos preliminares;
- Descrição da solução como um todo;
- Requisitos da contratação;
- Modelo de execução do objeto, ou seja, definição de como o contrato deverá produzir os resultados pretendidos;
- Modelo de gestão do contrato, que descreve como a execução será acompanhada e fiscalizada;
- Critérios de medição e de pagamento;
- Forma e critérios de seleção do fornecedor;
- Estimativas do valor da contratação, acompanhadas dos preços unitários referenciais, das memórias de cálculo e dos documentos que lhe dão suporte;
- Adequação orçamentária.
Diante dessas exigências, o que faz o que faz a Instrução Normativa CGNOR/ME nº 81, de 25 de novembro de 2022, é complementar a abordagem da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos sobre os elementos descritivos que compõem o termo de referência, trazendo diretrizes para a elaboração deste documento. Mais especificamente, a regulamentação acrescenta as seguintes exigências para a elaboração de termos de referência:
- Na definição do objeto, além da natureza, dos quantitativos, do prazo do contrato e de eventual possibilidade de prorrogação, deverá ser apresentada (i) a especificação do bem ou do serviço, preferencialmente conforme o catálogo eletrônico de padronização de compras, serviços e obras (Portaria nº 938, de 2 de fevereiro de 2022), observados os requisitos de qualidade, rendimento, compatibilidade, durabilidade e segurança; (ii) a indicação dos locais de entrega dos produtos e das regras para recebimento provisório e definitivo, quando for o caso; (iii) a especificação da garantia exigida e das condições de manutenção e assistência técnica, quando for o caso;
- Quando não houver estudo técnico preliminar, exige-se que a fundamentação deverá seja realizada mediante justificativa do mérito da contratação e do quantitativo pretendido;
- Na descrição da solução, além de considerar todo o ciclo de vida do objeto, o termo de referência deverá dar preferência a arranjos inovadores em sede de economia circular;
- No tocante à forma e critérios de seleção de fornecedor, dispõe-se que sempre se deverá optar pelo critério de julgamento de técnica e preço quando a avaliação e a ponderação da qualidade técnica das propostas que superarem os requisitos mínimos estabelecidos no edital forem relevantes aos fins da Administração;
- Quanto à estimativa do valor da contratação, faz-se referência à Instrução Normativa nº 65, de 7 de julho de 2021;
- A respeito da adequação orçamentária, indica-se ser ela prescindível quando se tratar de sistema de registro de preços;
Além disso, a IN CGNOR/ME nº 81/2022 formaliza a necessidade de que o termo de referência demonstre a vinculação entre a contratação e o Plano de Contratações Anual do órgão ou entidade administrativa contratante, indicando o alinhamento entre este negócio e o planejamento desenvolvido para cada exercício.
Ainda quanto ao termo de referência, a regulamentação federal em comento destaca as hipóteses em que a elaboração deste documento será dispensada, quais sejam, (i) contratação que mantenha condições definidas em edital de licitação deserta ou fracassada ocorrida há menos de 1 ano; (ii) adesão em ata de registro de preços, nas quais o estudo técnico preliminar deverá apresentar as principais informações sobre a contratação; e (iii) prorrogação de contratos de serviço e fornecimento contínuos.
No mais, a IN CGNOR/ME nº 81/2022 dispõe que o termo de referência deverá ser elaborado no Sistema TR Digital, cedido pelo Governo Federal aos órgãos e entidades administrativos da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, sendo resguardada a opção de utilizar ferramenta informatizada própria, desde as demais regras e procedimentos desta Instrução Normativa sejam atendidos.
O que é o Sistema TR Digital? Por que ele foi criado? O que a IN CGNOR/ME nº 81/2022 diz sobre ele?
Como dito inicialmente, além de trazer diretrizes para a elaboração do termo de referência, a IN CGNOR/ME nº 81, de 25 de novembro de 2022, também institucionaliza o Sistema TR Digital, que consiste em uma ferramenta informatizada voltada à elaboração do termo de referência, integrante da plataforma do Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais (SIASG) e disponibilizada pelo Governo Federal.
Em outras palavras, o Sistema TR Digital se caracteriza como uma ferramenta tecnológica cujo principal objetivo é aumentar a eficiência na elaboração do termo de referência pela Administração Pública. Da mesma forma que o Sistema ETP Digital, regulamentado pela IN nº 40, de 22 de maio de 2020, e que auxilia na elaboração dos estudos técnicos preliminares, trata-se de uma ferramenta que busca se valer da tecnologia para aperfeiçoar a atuação administrativa na etapa de planejamento das contratações.
Na prática, o Sistema TR Digital disponibilizará, aos seus usuários, modelos de termo de referência desenvolvidos pela Câmara Nacional de Modelos da Advocacia-Geral da União e instituídos pela Secretaria de Gestão do Ministério da Economia, facilitando a adaptação desses modelos para que sejam ajustados às especificidades de cada contratação e apresentando campos para o preenchimentos dos elementos essenciais em cada termo de referência.
Dessa forma, ao institucionalizar o Sistema TR Digital, a IN CGNOR/ME nº 81, de 25 de novembro de 2022, pretende padronizar os termos de referência e, assim, tornar a elaboração desses documentos uma atividade mais eficiente, tanto sob a perspectiva da celeridade, com o aproveitamento das minutas disponibilizadas, quanto da qualidade do documento produzido, que estará alinhado com os modelos utilizados como parâmetro.
Cabe reforçar, no entanto, que a adesão ao Sistema TR Digital é obrigatória apenas para os órgãos e entidades da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, sendo que os demais órgãos e entidades estaduais, distritais ou municipais poderão utilizar ferramenta informatizada própria, desde que atendidas as regras e procedimentos previstos.
Por fim, destaca-se que o Sistema TR Digital ainda está em fase de desenvolvimento, e que a primeira versão desta ferramenta deve ser disponibilizada ao longo do primeiro trimestre de 2023. Portanto, até que este Sistema esteja disponível, os órgãos e entidades administrativas poderão utilizar outra ferramenta eletrônica com a única condição de que, ao final, juntem a respectiva documentação ao sistema de controle e movimentação de processos administrativos eletrônico oficial.
Se você possui alguma dúvida ou sugestão em relação ao tema? Entre em contato conosco por meio do e-mail contato@schiefler.adv.br, para que um dos nossos advogados especialistas na área possa lhe atender.
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Anulação do certame licitatório: o que diz a lei e a jurisprudência?
No Direito, a “anulação” é um tema que está sempre relacionado à verificação da ocorrência de alguma ilegalidade que não possa ser corrigida sem grave prejuízo. Em licitações, a anulação é o ato pelo qual a Administração Pública aponta a ocorrência de uma ilegalidade (vício) e, em razão disso, determina o desfazimento parcial ou integral do certame.
Mas não são todos os vícios que resultam automaticamente na anulação de um processo licitatório. Alguns vícios podem possuir a natureza de mera irregularidade, sem prejuízos materiais ou consequências drásticas sobre a continuidade do procedimento. Nesses casos, deve a Administração buscar reparar tais defeitos de procedimento. Dessa forma, a anulação ocorrerá somente nos casos em que os vícios impliquem consequências graves e substanciais, com o potencial de invalidar todo o andamento do certame.
Neste texto, veremos como a Nova Lei de Licitações lida com a anulação e como esta disciplina legal se relaciona com alguns precedentes jurisprudenciais que já abordavam o tema.
1. A anulação na Nova Lei de Licitações:
Como dito anteriormente, a anulação de uma licitação deve ocorrer apenas diante dos denominados “vícios insanáveis”. Isto é, diante daqueles vícios que não são passíveis de serem corrigidos e que, por isso, inviabilizam a legalidade do certame como um todo ou o seu aproveitamento para a futura etapa de contratação.
Assim, segundo a Lei nº 14.133/2021, diante de uma irregularidade, a Administração deve, primeiro, buscar corrigir o vício, e somente se não for possível tal correção, deve lançar mão de um ato de anulação. Esse é o teor do art. 71 da Lei nº 14.133/2021, vejamos:
Art. 71. Encerradas as fases de julgamento e habilitação, e exauridos os recursos administrativos, o processo licitatório será encaminhado à autoridade superior, que poderá:
I – determinar o retorno dos autos para saneamento de irregularidades;
[…]
III – proceder à anulação da licitação, de ofício ou mediante provocação de terceiros, sempre que presente ilegalidade insanável; […]
O exame dos “erros” que podem ou não resultar em anulação do certame deve ser feito pela autoridade superior, que, no caso, também é a autoridade competente para adjudicar o objeto e homologar a licitação. Esse exame faz parte do “controle interno” que a própria Administração realiza sobre os atos que pratica. Contudo, vale lembrar que a anulação de uma licitação também pode ser feita tanto pelo Poder Judiciário quanto pelo Tribunal de Contas competente da respectiva esfera.
Mas, atenhamo-nos, aqui, ao controle interno da própria Administração. Isso porque, ao verificar a ocorrência de algum problema, a autoridade superior deve determinar o retorno do processo para o refazimento do ato manchado por uma irregularidade. Porém, identificando a impossibilidade dessa correção (saneamento), a autoridade superior, de ofício ou a pedido, poderá anular a licitação, no todo ou em parte, a fim de que tal vício não comprometa a integridade dos resultados do certame futuramente.
A excepcionalidade na anulação de um certame respeita o princípio segundo o qual não deve ser reconhecida a nulidade quando não há dano às partes envolvidas ou ao objeto chancelado pelo procedimento (o que a doutrina jurídica chama de “pas de nullité sans grief”).
Assim, a lei dispõe que nesses casos de anulação deve ser garantida a prévia manifestação dos interessados, a fim de que se dê voz sobre a gravidade da irregularidade identificada. Essa previsão demonstra que a anulação é medida que resguarda o interesse das próprias partes envolvidas, de modo que a não concessão de oportunidade prévia para manifestação pode ser, inclusive, uma irregularidade sobre o ato de anulação.
Vale ressaltar que o ato de anulação é também, ele próprio, passível de ser objeto de recurso administrativo, no prazo de três dias úteis, contados da data de intimação ou de lavratura da ata, conforme redação do art. 165, I, d, da Lei nº 14.133/2021.
2. Precedentes jurisprudenciais
Feitas essas considerações, nos cabe comentar um pouco sobre alguns casos já enfrentados pela jurisprudência e que podem seguir orientando o tema na vigência da Nova Lei de Licitações.
Um bom exemplo diz respeito à anulação de licitações após a adjudicação do objeto e a homologação do certame. De forma ilustrativa, imagine um caso em que a parte impetra Mandado de Segurança para pedir a anulação da licitação, porém, antes que o processo judicial seja efetivamente julgado, ocorre a homologação da licitação e a adjudicação do objeto em favor da licitante vencedora.
Foi diante de um caso assim que o Superior Tribunal de Justiça afastou o argumento de que a adjudicação do objeto da licitação ocasionaria, automaticamente, na perda do objeto da ação (Mandado de Segurança), em que se tratava da ocorrência de vícios no certame licitatório. Assim, o STJ fixou o entendimento de que a apreciação de eventuais ilegalidades não pode ser afastada do Poder Judiciário, em qualquer tempo, sendo possível, inclusive, determinar-se a anulação da licitação mesmo após o seu encerramento. [1]ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL. CIVIL. LICITAÇÃO. TÉCNICA E PREÇO. JULGAMENTO. RECURSO ADMINISTRATIVO. PROJETO EXECUTIVO NA TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO. MINISTRO DE ESTADO DA INTEGRAÇÃO … Continue reading
Há, no entanto, casos em que os órgãos de controle, ao ponderar sobre as consequências práticas de suas decisões, acabam por não interferir nas escolhas administrativas, especialmente quando estas podem importar em anulação de uma licitação ou prejudicar um contrato administrativo em execução. Isto é, existem casos em que os órgãos de controle, e a própria Administração Pública, podem, excepcionalmente, optar pela convalidação das irregularidades ocorridas, porque esta atitude se apresenta como mais favorável ao interesse público.
O Tribunal de Contas da União já enfrentou caso similar em que se verificou que, embora tenha ocorrido uma série de falhas em relação à publicidade e à competitividade do certame, ainda assim, o procedimento resultou na celebração de contratos com preços vantajosos para a Administração. [2]No seu voto, o Ministro Relator consignou que: Não há, portanto, razão para anular os referidos contratos, uma vez que foram avençados a preços vantajosos para a administração e não se … Continue reading
Esse precedente do TCU revela que, a depender da gravidade dos erros identificados na licitação e dos resultados atingidos por esse procedimento, a anulação nem sempre é a melhor medida a ser tomada. Em outras palavras, diante de uma irregularidade que poderia ter sido saneada, porém, tendo a licitação alcançado o resultado almejado, mediante a celebração de um Contrato vantajoso à Administração, os vícios identificados poderão ser convalidados, mantendo a contratação feita em favor do interesse público.
Vale salientar que essa lógica, inclusive, foi absorvida pela Nova Lei de Licitações, no seu art. 147, parágrafo único, que prevê expressamente que caso a anulação não se revele medida de acordo com o interesse público, “o poder público deverá optar pela continuidade do contrato e pela solução da irregularidade por meio de indenização por perdas e danos, sem prejuízo da apuração de responsabilidade e da aplicação de penalidades cabíveis”.
3. O que fazer diante de um ato de anulação?
Como se pode ver, o ato de anulação possui tanto o aspecto de proteção da lisura do procedimento licitatório e do objeto a ser contrato, quanto o aspecto de prestar atenção aos resultados da licitação e da contratação, quando não se está diante de uma ilegalidade insanável. Isto é, entre as possibilidades de correção do vício e anulação, quando na esfera administrativa, ou entre as possibilidades de convalidação do vício e anulação, quando na esfera judicial ou de controle de contas, deve haver sempre um juízo de ponderação sobre o interesse público e o interesse das partes envolvidas.
Nestes casos, a existência ou não de dano em razão do vício deve ser aferida mediante o diálogo da Administração Pública, ou órgãos de controle, com as partes interessadas. Assim, diante de uma irregularidade ou uma anulação de certame, existem uma série de medidas legais que o particular poderá adotar. Como, por exemplo:
- pedido administrativo de nulidade;
- prévia manifestação ao ato de anulação;
- recurso administrativo em face de ato anulação;
- representação junto ao Tribunal de Contas;
- ação judicial.
Todas essas são medidas que o particular pode lançar mão para argumentar acerca da existência ou extensão de um dano por irregularidade no procedimento. Para a boa utilização de todos esses instrumentos, é indispensável o acompanhamento de um profissional capacitado na área.
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Referências[+]
↑1 | ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL. CIVIL. LICITAÇÃO. TÉCNICA E PREÇO. JULGAMENTO. RECURSO ADMINISTRATIVO. PROJETO EXECUTIVO NA TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO. MINISTRO DE ESTADO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL. CONSULTORIA. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM REJEITADA. PRELIMINAR DE DECADÊNCIA. REJEITADA. PRELIMINAR DE PERDA DE OBJETO. NÃO ACOLHIDA. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. NÃO ACATADA. ALEGADAS INFORMAÇÕES PRIVILEGIADAS. NÃO COMPROVAÇÃO. PRETENSA SUBJETIVIDADE DO EDITAL. JULGAMENTO MOTIVADO. VIOLAÇÃO À ISONOMIA. INOCORRÊNCIA. OFENSA AO ART. 9º, I, DA LEI 8.666/93. INEXISTENTE. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. 1. Cuida-se de mandado de segurança impetrado contra decisão de Ministro de Estado que negou provimento ao recurso administrativo interposto contra o julgamento de proposta técnica de licitação para contratação de consultoria para formulação de parte de projeto executivo para obra de grande escala (Transposição do Rio São Francisco). […] 4. A Corte Especial do STJ já acordou que “a superveniente adjudicação não importa na perda de objeto do mandado de segurança, pois se o certame está eivado de nulidades, estas também contaminam a adjudicação e posterior celebração do contrato” (AgRg na SS 2.370/PE, Rel. Min. Ari Pargendler, Corte Especial, DJe 23.9.2011). No mesmo sentido: REsp 1.128.271/AM, Rel. Min; Castro Meira, Segunda Turma, DJe 25.11.2009; e REsp 1.059.501/MG, Rel. Min; Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 10.9.2009. Rejeitada a preliminar. […] (MS n. 12.892/DF. STJ. Primeira Seção. Relator: Min. Humberto Martins. Julgado em: 26/2/2014. Publicado em: 11/3/2014). |
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↑2 | No seu voto, o Ministro Relator consignou que: Não há, portanto, razão para anular os referidos contratos, uma vez que foram avençados a preços vantajosos para a administração e não se vislumbra risco de dano ao erário na sua execução. Em casos como o ora analisado, em que se verifica a ocorrência de falhas em relação ao procedimento licitatório, notadamente em relação à publicidade e competitividade, há que se sopesar outros princípios que regem o agir administrativo sob pena de a atuação do poder público ocasionar um dano maior que aquele que visava a combater. Muitas vezes, embora contendo vícios, a opção da convalidação do ato irregular é a que melhor atende à administração e ao interesse público. (Acórdão 1.823/2017. TCU. Plenário. Relator: Min. Walton Alencar Rodrigues. Julgado em: 23/8/2017. Publicado em: 4/9/2017) |

Sistema de registro de preços: o que é e quais são as hipóteses de cabimento?
I. Do que se trata o Sistema de Registro de Preços?
O Sistema de Registro de Preços (SRP) é um instrumento utilizado pela Administração Pública para registrar o preço de produtos e serviços que poderão ser contratados, no futuro, durante a vigência de um determinado período. Em termos práticos, o SRP não se trata de uma modalidade licitatória, mas de um conjunto de procedimentos (artigo 78, IV, da Nova Lei de Licitações) que auxilia a Administração Pública a formalizar um pré-contrato, na forma de uma Ata de Registro de Preços. O SRP permite, portanto, uma expectativa de contratação, sem, contudo, obrigar a Administração a contratar (Artigo 82 da Nova Lei de Licitações).
Na Ata de Registro de Preços serão registrados o objeto, os preços, os fornecedores, os órgãos participantes e as condições a serem praticadas. O prazo de vigência da Ata de Registro de Preços será de 1 (um) ano e poderá ser prorrogado, por igual período, desde que comprovado o preço vantajoso (artigo 84 da Nova Lei de Licitações).
Trata-se, portanto, de um sistema que possui o objetivo de simplificar e agilizar o processo de aquisição de bens e serviços, evitando que a Administração realize sucessivas licitações para compras de um mesmo produto. Por meio desse procedimento, o particular deverá fornecer determinados bens ou prestar serviços durante período de vigência da Ata, sob demanda da Administração, a partir de preços definidos na licitação ou na contratação direta.
Imagine-se uma hipótese em que a prefeitura de determinado município necessita comprar cadeiras para as escolas, mas, por alguma circunstância técnica, como a inexatidão quanto ao número de alunos matriculados naquele ano, desconhece a quantidade exata que precisará. Nesse caso, a municipalidade pode adotar o Sistema de Registro de Preços. Caso a demanda exceda o estimado para a primeira compra, a prefeitura pode utilizar, ainda, se dentro do período de vigência, a Ata de Registro de Preços para adquirir um novo lote, sem a necessidade de realizar um novo procedimento licitatório.
Assim, mediante a utilização do Sistema de Registro de Preços (SRP), a Administração Pública poderá lançar uma licitação e receber propostas provenientes de particulares interessados, cabendo-lhe escolher aquela mais vantajosa. Contudo, diferentemente da maioria dos processos licitatórios, em que a Administração busca a contratação imediata, o SRP, como regra, visa formalizar os parâmetros para uma contratação futura.
Vale destacar que o SRP poderá ser compartilhado entre diversos órgãos e entidades públicas. Em uma mesma Ata de Registro de Preços, poderão ser contemplados mais de um órgão ou entidade públicos como beneficiários, que tiverem o interesse na aquisição do mesmo objeto. Isso garante uma economia em escala, visto que diversos órgãos poderão adquirir em conjunto produtos e serviços por meio da mesma Ata de Registro de Preços, reduzindo custos operacionais e o número de licitações. No exemplo acima citado, no qual a prefeitura utiliza-se do Registro de Preços para a compra futura de cadeiras para escolas do município, outros órgãos ou entidades interessados no mesmo objeto poderiam também compartilhar a Ata de Registro de Preços.
II. Quais as hipóteses de cabimento do Sistema de Registro de Preços?
De modo geral, o SRP é um procedimento cabível diante de circunstâncias em que (Art. 3°, Decreto Nº 7.892/2013):
a) há a necessidade de contratações frequentes;
b) há interesse no parcelamento de fornecimentos ou na remuneração de serviços por unidade de medida ou em regime de tarefa;
c) diversos órgãos ou entidades possuem interesse comum em contratar o mesmo objeto (compras compartilhadas); ou
d) o quantitativo do objeto é inexato.
A hipótese descrita na alínea “a” é a situação clássica e originária em que o SRP é aplicado. Trata-se de bens e serviços que o Poder Público necessitará corriqueiramente, mas em quantidades variáveis. Já as hipóteses das alíneas “b”, “c” e “d” vêm sendo cada vez mais frequentes e denotam situações em que a Administração possui uma demanda imediata, não sendo necessariamente um caso de contratação futura. Diante de alguma dessas hipóteses, portanto, a Administração Pública assinará uma Ata de Registro de Preços, e, sempre que houver necessidade, durante a vigência dessa Ata, contratará o particular detentor da melhor proposta, conforme a classificação formalizada no documento.
Por fim, vale destacar que o SRP não é aplicável a todas as modalidades de contratação. A Nova Lei de Licitações estabelece duas modalidades licitatórias em que o SRP poderá ser aplicado: no pregão ou na concorrência (artigo 6º, XLV), mediante registro formal de preços relativos à prestação de serviços, a obras e à aquisição e locação de bens para contratações futuras. Ainda, é possível que o procedimento seja utilizado em hipóteses de contratação direta, qual seja, nas hipóteses de inexigibilidade e de dispensa de licitação, para a aquisição de bens ou para a contratação de serviços por mais de um órgão ou entidade (artigo 82, §6 da Nova Lei de Licitações).
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Contratos administrativos de inovação: os diversos instrumentos para a contratação de novas tecnologias pelo Poder Público
A inovação tecnológica na Administração Pública é imprescindível. Diariamente o Estado se depara com novas necessidades e problemas, muitos dos quais os gestores públicos sequer têm plena consciência de existirem e para os quais, na mesma proporção, os agentes privados avançam em pesquisa e desenvolvimento para criar novas soluções.
Pode-se dizer que contratar inovação tecnológica no âmbito público é algo desafiador, mas que precisa ser feito, sob pena de completa paralisia. Se a Administração não inovar, ela será cada vez mais ineficiente.
A grande questão a ser respondida aqui não é por que contratar, e sim como contratar a inovação. Não deveria ser assim, mas o como contratar é, muitas vezes, um grande desafio enfrentado pelos gestores públicos e, também, pelos agentes privados que têm a capacidade de fornecer novas soluções, mas que não conhecem o emaranhado jurídico que rege a contratações públicas no Brasil.
Neste breve texto, analisaremos alguns dos instrumentos jurídicos que permitem a contratação de soluções inovadoras e disruptivas pela Administração Pública.
Regra geral: contrato administrativo “convencional” precedido de licitação ou contratação direta
A regra geral das contratações públicas é a realização de procedimento licitatório, quando o objeto a ser licitado pode ser suficientemente detalhado no instrumento convocatório. Assim, a depender do nível de complexidade da tecnologia inovadora a ser empregada e a capacidade de especificação do objeto pela Administração, a contratação de soluções inovadoras mostra-se possível mediante o uso da modalidades licitatórias da Lei nº 8.666/1993 ou da Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos).
Os produtos de prateleira (off-the-shelf), por exemplo, ainda que utilizem tecnologias inovadoras (como inteligência artificial, mas de menor complexidade), induzem a contratação à utilização das modalidades licitatórias[1]CENTRO PARA A QUARTA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL. Guia de Contratações Públicas de Inteligência Artificial. [S.L.]: Centro Para A Quarta Revolução Industrial, 2022. p. 31. Disponível em: … Continue reading, como o pregão e a concorrência. Neste artigo você encontra as principais características dessas modalidades.
Em linhas gerais, quando a solução pretendida for conhecida e puder ser especificada pela Administração, esta pode valer-se da licitação para selecionar o fornecedor, tendo como critério o melhor preço (pregão ou concorrência), melhor técnica (concorrência) ou, ainda, a cumulação de melhor técnica e preço (concorrência).
Para elaborar o instrumento convocatório e os estudos técnicos da licitação, a Administração pode valer-se do Procedimento de Manifestação de Interesse – PMI, sendo este um procedimento auxiliar pelo qual a Administração pode solicitar à iniciativa privada, mediante chamamento público, a realização de estudos, investigações, levantamentos e projetos de soluções inovadoras que contribuam com questões de relevância pública (artigo 81 da Lei nº 14.133/2021), cuja participação pode ser limitada a startups.
Se não for possível a realização de certame licitatório, seja pela impossibilidade de fixação de critérios objetivos, seja pela inexistência de competição no mercado para determinado objeto, a Administração pode valer-se da contratação por inexigibilidade de licitação, contratando diretamente determinado fornecedor (artigo 25 da Lei nº 8.666/1993 e artigo 74 da Lei nº 14.133/2021).
Com a evolução do modelo comercial do software as a service, é cada vez mais comum que existam serviços tecnológicos prestados com exclusividade. A Lei nº 14.133/2021, diferentemente do que fazia a Lei nº 8.666/1993, passou a prever de forma expressa a inexigibilidade de licitação para a contratação de prestador de serviços com exclusividade, cenário em que as partes devem atentar-se aos requisitos a serem atendidos para que a contratação direta (sem licitação) seja legítima, tal como a forma de comprovação da adequação do preço e a efetiva exclusividade da solução.
Independentemente da forma como tem origem a contratação, tratando-se o objeto de um serviço, o contrato terá um prazo de, no máximo, 5 anos quando tiver por base a Lei nº 8.666/1993 (art. 57, inciso II)[2]Art. 57. A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos: II – à prestação de serviços … Continue reading ou de 10 anos quando fundamentado na Lei nº 14.133/2021 (art. 108)[3]Art. 108. A Administração poderá celebrar contratos com prazo de até 10 (dez) anos nas hipóteses previstas nas alíneas “f” e “g” do inciso IV e nos incisos V, VI, XII e XVI do caput do … Continue reading, observada a possibilidade de fixação de um prazo de 15 anos quando o contrato previr a “operação continuada de sistemas estruturantes de tecnologia da informação” (art. 144 da Lei nº 14.133/2021).
É certo, no entanto, que embora a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos tenha avançado na modernização do regime contratual administrativo, a utilização do regime convencional de contratação “apresenta limitações jurídicas e econômicas que fragilizam os incentivos para o desenvolvimento de tecnologias emergentes”[4]CENTRO PARA A QUARTA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL. Guia de Contratações Públicas de Inteligência Artificial. [S.L.]: Centro Para A Quarta Revolução Industrial, 2022. p. 31. Disponível em: … Continue reading, tais como a menor flexibilidade para alterações contratuais, a pequena margem de negociação com fornecedores e a rigidez para alocação de direitos de propriedade intelectual.
Assim, o regime jurídico brasileiro prevê, em normas esparsas, outros instrumentos capazes de viabilizar a contratação de soluções tecnológicas inovadoras para o Poder Público.
Encomenda Tecnológica – ETEC
A modelagem contratual consistente em encomenda tecnológica é um mecanismo de estímulo à Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) que pode ser adotado nas situações em que a Administração se depara com um problema cuja solução ainda não está disponível no mercado, ou não é conhecida, e o seu desenvolvimento envolve risco tecnológico, conforme artigo 20 da Lei nº 10.973/2004 (Lei da Inovação)[5]Art. 20. Os órgãos e entidades da administração pública, em matéria de interesse público, poderão contratar diretamente ICT, entidades de direito privado sem fins lucrativos ou empresas, … Continue reading.
O Guia de Contratações Públicas de Inteligência Artificial, elaborado pelo Centro para a Quarta Revolução Industrial (C4IR) do Brasil, define, resumidamente, a encomenda tecnológica da seguinte maneira:
A encomenda tecnológica é uma hipótese de dispensa de licitação que permite ao Poder Público contratar diretamente a realização de atividades de PD&I voltadas à solução de problema técnico específico ou à obtenção de produto, serviço ou processo inovador, quando o objeto envolver risco tecnológico. A encomenda permite o desenvolvimento de novas tecnologias por meio de compras pré-comerciais, que não existem no momento da demanda, e favorece grande flexibilidade de negociação e oportunidades de interação com fornecedores para a definição do objeto contratual. Caso bem sucedida, é permitida a contratação do mesmo fornecedor para o fornecimento em escala do objeto da encomenda (scale up).[6]CENTRO PARA A QUARTA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL. Guia de Contratações Públicas de Inteligência Artificial. [S.L.]: Centro Para A Quarta Revolução Industrial, 2022. p. 30. Disponível em: … Continue reading
Ademais, consoante a cartilha elaborada pelo Laboratório de Inovação do Tribunal de Contas da União, o uso deste instrumento é cabível em situações específicas, em que a solução para determinado problema vivenciado pelo Poder Público ainda não foi desenvolvimento pelos agentes de mercado ou não estão à disposição por meio de relações comerciais comuns, não sendo possível medir o risco do desconhecimento de como a tecnologia se comporta no problema em questão:
– Aplica-se a ETEC quando há uma falha de mercado, cuja solução depende de pesquisa e desenvolvimento e apresenta incerteza devido ao risco tecnológico e à complexidade intrínseca da atividade de P&D.
– Na ETEC, a legislação pressupõe que o Estado assume grande parte do risco tecnológico, tendo em vista o incentivo à inovação e o interesse no desenvolvimento da solução, pois a iniciativa privada não se interessa em arcar com a totalidade do risco, o que deixaria o problema sem a devida solução.
– É necessário apresentar a motivação da escolha por contratar o desenvolvimento da solução por meio de ETEC, cabendo ao contratante realizar análise das alternativas possíveis
– Mesmo que existam soluções, elas não estão disponíveis ao contratante por meio de relações comerciais comuns, e não é possível medir o risco do desconhecimento de como a tecnologia se comporta no problema em questão.[7]TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Encomenda Tecnológica (ETEC). Brasília: Tribunal de Contas da União, 2020. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/encomenda-tecnologica-etec.htm. Acesso em: 25 … Continue reading
Ainda, é válido destacar que “o risco tecnológico pode derivar não apenas de tecnologias novas (“new to the world” ou “new to the market”), mas também da integração inédita de diferentes tecnologias já disponíveis no mercado”, conforme o Guia de Alternativas Jurídicas e de Boas Práticas para Contratações de Inovação no Brasil, do Banco Interamericano de Desenvolvimento[8]BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO. Guia de Alternativas Jurídicas e Boas Práticas para Compras de Inovação no Brasil. Washington, D.C: Banco Interamericano de Desenvolvimento, 2022. p. 58. … Continue reading.
Assim, o elemento central que sustenta a contratação de solução como encomenda tecnológica é a existência de risco tecnológico, sobre o qual já tivemos a oportunidade de nos manifestar:
O risco tecnológico prevê que o processo de criação de determinada tecnologia carregue como variável o fato de que o conhecimento técnico-científico, na ocasião da decisão pelo seu desenvolvimento, possa ser insuficiente para assegurar a conclusão do projeto com êxito. Aquilo que está sendo contratado pode não ser alcançável sob o ponto de vista tecnológico ou, ainda, mesmo que isso seja teoricamente viável, a obtenção de todas as funcionalidades previstas, no tempo que a necessidade administrativa pede, não o é. Em suma, para que a Encomenda Tecnológica seja juridicamente viável, deve existir alguma variável de 30 incerteza que leve à conclusão de que existe um risco tecnológico na contratação.[9]SCHIEFLER, Gustavo Henrique Carvalho Schiefler. A contratação direta de Encomenda Tecnológica: quando há risco tecnológico, instrumento jurídico permite o investimento público em inovação … Continue reading
Neste sentido, de acordo com o artigo 2º, inciso III, do Decreto Federal nº 9.283/2018 (que regulamenta a Lei de Inovação Tecnológica em âmbito federal), o risco tecnológico envolve a “possibilidade de insucesso no desenvolvimento de solução, decorrente de processo em que o resultado é incerto em função do conhecimento técnico-científico insuficiente à época em que se decide pela realização da ação”.
Já no âmbito do Governo do Estado de São Paulo, conforme previsão do Decreto Estadual nº 62.817/2017, “considera-se como atividade que envolve risco tecnológico aquela em que haja incerteza na obtenção de resultados em conformidade com padrões de desempenho almejado, em virtude de limitações no estado da técnica para adequada execução ou especificação” (art. 52, § 2º). Para além dessas características, este regulamento estadual exemplifica o desenvolvimento de soluções com Inteligência Artificial como uma hipótese de solução com risco tecnológico, como prevê no seu § 4º do artigo 52:
4º – inclui-se ainda, dentre as atividades que envolvem risco tecnológico, o desenvolvimento de produtos ou serviços que requerem a oferta, operação continuada e efetiva adoção por usuários, havendo incertezas sobre o atingimento de padrões de desempenho almejado, tais como serviços desenvolvidos por meio de tecnologia de inteligência artificial que demandam ganho de massa crítica de informações captadas por meio do uso efetivo dos serviços por seu público alvo.
Deve-se pontuar, novamente, que a encomenda tecnológica envolve a contratação de pesquisa e desenvolvimento. Assim, a empresa é contratada primeiramente para pesquisar e desenvolver o produto, serviço ou processo inovador que a Administração pretende obter, sendo remunerada para tanto. Se o produto, serviço ou processo inovador for aprovado (isto é, alcançar os objetivos estabelecidos em projeto), a empresa pode ser contratada para fornecê-lo, também por meio de dispensa de licitação – seja com a formalização de um novo contrato específico ou mesmo sem a necessidade da celebração de outro instrumento contratual, na forma do artigo 20, § 4º, da Lei Federal nº 10.973/2004[10]§ 4º O fornecimento, em escala ou não, do produto ou processo inovador resultante das atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação encomendadas na forma do caput poderá ser contratado … Continue reading.
Ademais, as Leis nº 8.666/1993 e nº 14.133/2021 preveem, dentre as hipóteses de dispensa de licitação, as contratações que tem por objetivo concretizar o disposto na Lei de Inovação Tecnológica (Lei nº 10.973/2004), desde que observados os princípios gerais desta. As previsões estão contidas no artigo 24, inciso XXXI[11]Art. 24. É dispensável a licitação: XXXI – nas contratações visando ao cumprimento do disposto nos arts. 3º, 4º, 5º e 20 da Lei no 10.973, de 2 de dezembro de 2004, observados os … Continue reading e artigo 75, inciso V[12]Art. 75. É dispensável a licitação: V – para contratação com vistas ao cumprimento do disposto nos arts. 3º, 3º-A, 4º, 5º e 20 da Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004, observados … Continue reading, respectivamente.
Tanto a Lei de Inovação Tecnológica (Lei nº 10.973/2004) quanto seu diploma regulamentar federal (Decreto nº 9.283/2018), não especificam, detalhadamente, o procedimento a ser adotado para a contratação de encomenda tecnológica. No entanto, sendo esta uma hipótese de dispensa de licitação, devem ser observadas as formalidades mínimas previstas para essa forma de contratação direta previstas na Lei nº 8.666/1993 ou na Lei nº 14.133/2021.
Ademais, existem também algumas boas práticas destinadas à preservação dos princípios norteadores da atuação administrativa, como o da publicidade, impessoalidade e moralidade. Neste sentido, é possível que a contratação de encomenda tecnológica seja precedida da realização de um procedimento competitivo simplificado, aberto a todos os interessados, tendo por base um Termo de Referência em que são descritas as necessidades da Administração, “de modo a permitir que os interessados identifiquem a natureza do problema técnico existente e a visão global do produto, do serviço ou do processo inovador passível de obtenção, dispensadas as especificações técnicas do objeto devido à complexidade da atividade de pesquisa, desenvolvimento e inovação ou por envolver soluções inovadoras não disponíveis no mercado” (art. 27, § 3º, do Decreto Federal nº 9.283/2018).
Vale ressaltar que nos instrumentos convocatórios para essa espécie de contratação, a Administração define “somente os requisitos mínimos de desempenho, características físicas e interfaces necessárias, mas não a rota tecnológica a ser seguida, visto que esta será apresentada nos projetos dos possíveis interessados”, além de indicar “o que será considerado sucesso da solução, mediante descrição do resultado a ser buscado”[13]TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Encomenda Tecnológica (ETEC). Brasília: Tribunal de Contas da União, 2020, p. 8. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/encomenda-tecnologica-etec.htm. Acesso em: … Continue reading.
Já a escolha do contratado, nestes casos, conforme o artigo 27, § 8º, inciso II, do Decreto Federal nº 9.283/2018, é orientada para a maior probabilidade de alcance do resultado pretendido pelo contratante, e não necessariamente para o menor preço ou custo, podendo o órgão contratante utilizar, como fatores de escolha, a competência técnica, a capacidade de gestão, as experiências anteriores, a qualidade do projeto apresentado e outros critérios significativos de avaliação.
Nos termos dos artigos 31 e 32 do mesmo diploma legal[14]Art. 31. O fornecimento, em escala ou não, do produto, do serviço ou do processo inovador resultante das atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação encomendadas na forma estabelecida … Continue reading, bem como, o artigo 20, § 4º, da Lei 10.973/2004[15]§ 4º O fornecimento, em escala ou não, do produto ou processo inovador resultante das atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação encomendadas na forma do caput poderá ser contratado … Continue reading, o contrato ainda poderá prever a possibilidade de fornecimento do produto ou processo inovador resultante das atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação encomendadas. Este fornecimento pode se dar mediante a formalização de um novo contrato decorrente do primeiro, ou ocorrer no próprio contrato de encomenda, sem a necessidade da celebração de outro instrumento contratual.
Por fim, o prazo de vigência do contrato para fornecimento da solução desenvolvida, se esta for um serviço, reger-se-á pelas regras aplicáveis aos contratos de prestação de serviços comuns, sendo de, no máximo, 5 anos para a contratação que tem como base a Lei nº 8.666/1993 (art. 57, inciso II) ou de 10 anos para aquela feita com base na Lei nº 14.133/2021 (art. 108).
Contrato Público para Solução Inovadora – CPSI
Em junho de 2021 foi sancionada a Lei Complementar nº 182/2021, que institui o Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador. Dentre as suas inovações, há uma nova modelagem licitatória e contratual para resolver demandas públicas que exijam solução inovadora com emprego de tecnologia, prevista nos seus artigos 12 a 15.
O Guia de Contratações Públicas de Inteligência Artificial assim define o instrumento previsto neste novo diploma:
A modalidade especial de licitação pretende selecionar os licitantes – startups ou não – que apresentem a melhor solução para o problema veiculado no edital, dispensada a descrição de especificações técnicas pela Administração.
Os vencedores celebram o Contrato Público para Solução Inovadora (CPSI), que permite a realização de testes remunerados, em ambiente real. Caso a solução inovadora apresentada pelo proponente se revele bem-sucedida, a Administração pode celebrar um contrato de fornecimento, com vigência e valores limitados, com o proponente que alcançar as metas do CPSI.[16]CENTRO PARA A QUARTA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL. Guia de Contratações Públicas de Inteligência Artificial. [S.L.]: Centro Para A Quarta Revolução Industrial, 2022. p. 31. Disponível em: … Continue reading
Com efeito, de acordo com o artigo 13 da Lei Complementar nº 182/2021:
Art. 13. A administração pública poderá contratar pessoas físicas ou jurídicas, isoladamente ou em consórcio, para o teste de soluções inovadoras por elas desenvolvidas ou a ser desenvolvidas, com ou sem risco tecnológico, por meio de licitação na modalidade especial regida por esta Lei Complementar.
1º A delimitação do escopo da licitação poderá restringir-se à indicação do problema a ser resolvido e dos resultados esperados pela administração pública, incluídos os desafios tecnológicos a serem superados, dispensada a descrição de eventual solução técnica previamente mapeada e suas especificações técnicas, e caberá aos licitantes propor diferentes meios para a resolução do problema.
Como se observa, nesta modalidade especial de licitação, a solução a ser desenvolvida pode ou não conter risco tecnológico, elemento obrigatório para realizar a contratação de encomenda tecnológica, vista anteriormente.
Por se tratar de uma modalidade de licitação, a Administração deve observar as regras e procedimentos específicos previstos na Lei Complementar nº 182/2021, tais como o prazo mínimo de 30 dias para a apresentação de propostas, a contar da publicação do edital (art. 13, § 2º), a composição da comissão julgadora (art. 13, § 3º), os critérios de julgamento (art. 13, § 4º) e demais regras previstas no diploma legal.
Encerrada a licitação, a Administração deve firmar com a(s) proponente(s) selecionada(s) o Contrato Público para Solução Inovadora (CPSI), o qual deve constar, no mínimo (art. 14, § 1º, da Lei Complementar nº 182/2021):
I – as metas a serem atingidas para que seja possível a validação do êxito da solução inovadora e a metodologia para a sua aferição;
II – a forma e a periodicidade da entrega à administração pública de relatórios de andamento da execução contratual, que servirão de instrumento de monitoramento, e do relatório final a ser entregue pela contratada após a conclusão da última etapa ou meta do projeto;
III – a matriz de riscos entre as partes, incluídos os riscos referentes a caso fortuito, força maior, risco tecnológico, fato do príncipe e álea econômica extraordinária;
IV – a definição da titularidade dos direitos de propriedade intelectual das criações resultantes do CPSI; e
V – a participação nos resultados de sua exploração, assegurados às partes os direitos de exploração comercial, de licenciamento e de transferência da tecnologia de que são titulares.
O Contrato Público para Solução Inovadora tem seu prazo de vigência limitado a 12 meses, prorrogável por mais um período de até 12 meses (art. 14 da Lei Complementar nº 182/2021), e pode ser firmado por um valor máximo de R$ 1.600.000,00, devendo ser adotado, obrigatoriamente, algum(ns) dos critérios de pagamento no § 3º do artigo 14 da Lei Complementar nº 182/2021[17]§ 3º A remuneração da contratada deverá ser feita de acordo com um dos seguintes critérios: I – preço fixo; II – preço fixo mais remuneração variável de incentivo; III – … Continue reading, observadas ainda as demais regras estabelecidas nos §§ 4º a 8º da mesma lei[18]§ 4º Nas hipóteses em que houver risco tecnológico, os pagamentos serão efetuados proporcionalmente aos trabalhos executados, de acordo com o cronograma físico-financeiro aprovado, observado o … Continue reading.
Ao fim do Contrato Público para Solução Inovadora, de forma similar ao que ocorre com a encomenda tecnológica, a Administração poderá celebrar com a mesma contratada, sem nova licitação, contrato para o fornecimento do produto, do processo ou da solução resultante do CPSI ou, se for o caso, para integração da solução à infraestrutura tecnológica ou ao processo de trabalho da administração pública (art. 15 da Lei Complementar nº 182/2021).
A vigência do contrato de fornecimento será limitada a 24 meses, prorrogável por mais um período de até 24 meses, e terá seu valor limitado a R$ 8.000.000,00, incluídas as eventuais prorrogações (art. 15, §§ 2º e 3º, da Lei Complementar nº 182/2021).
Diálogo Competitivo
Uma das grandes novidades da Lei nº 14.133/2021 foi a previsão de uma nova modalidade de licitação: o diálogo competitivo, que poderá ser utilizado, especialmente, para a celebração de contratos de natureza complexa, nos cenários em que a Administração não consiga definir sozinha a solução que melhor atenderá uma necessidade pública. Aliás, o artigo 32, inciso I, alínea “a” da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos traz expressamente os casos em que o objeto envolva inovação tecnológica ou técnica como uma das hipóteses de utilização do diálogo competitivo.
As principais características dessa nova modalidade de licitação foram abordadas nesta publicação.
Resumidamente, quanto à sistemática do diálogo competitivo, em um primeiro momento a Administração deve publicar um edital contendo o problema vivenciado e as necessidades que busca solucionar, abrindo a possibilidade para que os agentes de mercado proponham soluções, dentro das regras e exigências já definidas. Em sequência, a Administração deverá então manter diálogos com as proponentes para entender as propostas apresentadas e, ao final, deverá identificar a solução que melhor atenda às suas necessidades, em decisão fundamentada.
Identificada a solução, a Administração deverá dar início à fase competitiva com a divulgação de edital contendo a especificação da solução escolhida e os critérios objetivos a serem utilizados para seleção da proposta mais vantajosa. Nesta etapa, todos os participantes da fase de diálogo poderão apresentar proposta para executar o projeto selecionado, as quais serão julgadas mediante critério de aceitabilidade previamente definido pelo órgão.
O diálogo competitivo, como se observa, em grande medida se assemelha ao Procedimento de Manifestação de Interesse, mencionado no início deste texto. No entanto, a diferença principal entre os institutos é que, pelo PMI, a Administração apenas coleta as possíveis soluções e precisa estabelecer, em um novo processo, a contratação (por licitação ou por compra direta). O diálogo competitivo, por outro lado, agrupa essas duas ações em um único processo.
Ressalta-se que o contrato administrativo oriundo do diálogo competitivo deverá reger-se exclusivamente pela Lei nº 14.133/2021, sendo seu prazo de duração máximo de 5 anos, prorrogáveis por igual período (art. 106 e 107)[19]Art. 106. A Administração poderá celebrar contratos com prazo de até 5 (cinco) anos nas hipóteses de serviços e fornecimentos contínuos, observadas as seguintes diretrizes: I – a … Continue reading.
Parceria decorrente de oportunidade de negócio (empresas estatais)
Outra possível modelagem contratual é encontrada na Lei nº 13.303/2016, que trata das contratações nas empresas públicas e sociedades de economia mista e suas subsidiárias (as chamadas empresas estatais): a parceria empresarial decorrente de oportunidades de negócio. Tal instrumento é previsto no artigo 28, § 3º, inciso II, e § 4º deste diploma, com a seguinte redação:
§ 3º São as empresas públicas e as sociedades de economia mista dispensadas da observância dos dispositivos deste Capítulo[20]Capítulo I – Das Licitações. nas seguintes situações:
[…] II – nos casos em que a escolha do parceiro esteja associada a suas características particulares, vinculada a oportunidades de negócio definidas e específicas, justificada a inviabilidade de procedimento competitivo.
§ 4º Consideram-se oportunidades de negócio a que se refere o inciso II do § 3º a formação e a extinção de parcerias e outras formas associativas, societárias ou contratuais, a aquisição e a alienação de participação em sociedades e outras formas associativas, societárias ou contratuais e as operações realizadas no âmbito do mercado de capitais, respeitada a regulação pelo respectivo órgão competente.
O § 3º, inciso II, como se observa, estabelece, de maneira ampla, determinados requisitos para permitir o afastamento da licitação nesta espécie de contratação por empresas estatais. Tais requisitos se vinculam tanto às características do parceiro quanto às do próprio objeto da parceria, bem como à inviabilidade de procedimento competitivo. O Tribunal de Contas da União (TCU), ao explorar o tema no Acórdão nº 2.488/2018, buscou trazer clareza à redação legal, elencando objetivamente os requisitos para a formalização da parceria:
- O empreendimento deve ser obrigatoriamente relacionado com o desempenho de atribuições inerentes ao objeto social da empresa estatal envolvida;
- Deve estar configurada uma efetiva oportunidade de negócio, nos moldes do art. 28, § 4º, da Lei das Estatais;
- Demonstração da vantagem comercial para a estatal;
- Comprovação de que o parceiro escolhido apresenta condições que demonstram sua superioridade em relação às demais empresas que atuam naquele mercado (diferenciais qualitativos e quantitativos); e
- Demonstração da inviabilidade de procedimento competitivo, servindo a esse propósito, por exemplo, a pertinência e a compatibilidade de projetos de longo prazo, a comunhão de filosofias empresariais, a complementaridade das necessidades e a ausência de interesses conflitantes.
Para viabilizar a parceria, esta deve ser definida com clareza e exatidão, por meio da descrição detalhada do seu escopo e objeto, apresentando, necessariamente, singularidades que a diferenciem das operações normais da estatal. Nesse sentido, é essencial que a dispensa seja justificável em razão das vantagens trazidas pela oportunidade de negócio em parceria, seja com relação à adequação à realidade da empresa, seja com relação aos custos e benefícios técnicos e econômicos que surgirão a partir dessa parceria.
É de suma importância, assim, que o contrato de parceria decorrente de oportunidade de negócio não seja utilizado como um “substituto” do contrato de prestação de serviços, em burla à licitação, mas, pelo contrário, que ele efetivamente traga vantagem comercial e tenha uma relação de custos e benefícios que justifique a dispensa de procedimento licitatório. Isso porque, se as circunstâncias do caso concreto indicarem que a empresa estatal teria mais benefícios simplesmente subcontratando os serviços para os quais não detém capacidade de produção, o estabelecimento de parceria não se justifica.
Para justificar o estabelecimento de parceria com uma empresa privada, ainda, deve-se comprovar que há necessidade de um tal grau de união entre as partes que não há como ser atingido por meio de um contrato de simples prestação de serviços. Alguns dos fatores que podem ser utilizados como justificativa para a parceria são a necessidade de cooperação continuada, a conjunção empresarial de esforços, a integração logística, o aprendizado de know-how, a transferência de tecnologia[21]BRITO, Thiago da Cunha. As parcerias decorrentes de oportunidades de negócio na Lei das Estatais. Disponível em: … Continue reading, dentre outros.
Um último requisito que deve ser comprovado para viabilizar a contratação por meio do estabelecimento de parceria nos termos expostos é a justificativa de inviabilidade de competição. Esse tema é um tanto controvertido na doutrina e jurisprudência nacionais, pois há uma corrente que defende que a comunhão de filosofias empresariais (ou affectio societatis) entre a estatal e a empresa privada parceira é justificativa suficiente para a escolha do parceiro, disso decorrendo a impossibilidade de procedimento competitivo no estabelecimento de parcerias em oportunidades de negócio[22]ASSIS, Luiz Eduardo Altenburg. Oportunidades de Negócio na Lei das Estatais – as parcerias e outras formas associativas entre empresas estatais e empresas privadas. Lumen Juris, Rio de … Continue reading. O já citado Acórdão nº 2.488/2018 do TCU adotou esse entendimento ao considerar hígidos e justificáveis os argumentos referentes à comunhão de filosofias empresariais e à complementaridade das necessidades como capazes de demonstrar a inviabilidade de procedimento competitivo.
Por outro lado, há quem sustente que a fundamentação baseada única e exclusivamente no conceito subjetivo de affectio societatis não é suficiente para justificar a escolha do agente econômico, por risco de afronta aos princípios da isonomia e da impessoalidade.
De qualquer forma, merece apontamento que, se for verificada a existência de uma pluralidade de potenciais parceiros, a estatal pode estabelecer um procedimento simplificado (não licitatório), a partir de um chamamento público, destinado a viabilizar a escolha.
Ademais, vale trazer dois entendimentos firmados na I Jornada de Direito Administrativo, realizada pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal:
Enunciado nº 27: A contratação para celebração de oportunidade de negócios, conforme prevista pelo art. 28, § 3º, II, e § 4º da Lei nº 13.303/2016 deverá ser avaliada de acordo com as práticas do setor de atuação da empresa estatal. A menção à inviabilidade de competição para concretização da oportunidade de negócios deve ser entendida como impossibilidade de comparação objetiva, no caso das propostas de parceria e de reestruturação societária e como desnecessidade de procedimento competitivo, quando a oportunidade puder ser ofertada a todos os interessados.
Enunciado nº 30: A ‘inviabilidade de procedimento competitivo’ prevista no art. 28, §3º, inc. II, da Lei nº 13.303/2016 não significa que, para a configuração de uma oportunidade de negócio, somente poderá haver apenas um interessado em estabelecer uma parceria com a empresa estatal. É possível que, mesmo diante de mais de um interessado, esteja configurada a inviabilidade de procedimento competitivo.
Sobre o prazo de duração de tal contrato, observa-se que a regra geral é a celebração pelo prazo de até 5 anos, nos termos do artigo 71 da Lei nº 13.303/2016, havendo, porém, a possibilidade de prolongar-se esse período caso o projeto proposto venha a integrar o plano de negócios e investimentos da empresa estatal, nos termos do inciso I do art. 71, ou, ainda, mediante a comprovação de que a pactuação por prazo superior a 5 anos é prática rotineira de mercado, como previsto no inciso II do mesmo artigo.
Extra: E como o particular pode apresentar sua solução inovadora ao Poder Público?
Embora a escolha da forma de contratação recaia aos gestores públicos, é certo que os particulares podem estabelecer legítimas comunicações com o Poder Público, de forma a colaborar com a construção de uma modelagem contratual que melhor se adeque às necessidades administrativas.
O diálogo entre a Administração e os agentes de mercado não é só possível como também encontra expressa previsão legal, conforme artigo 18, inciso V, da Lei nº 14.133/2021[23]Art. 18. A fase preparatória do processo licitatório é caracterizada pelo planejamento e deve compatibilizar-se com o plano de contratações anual de que trata o inciso VII do caput do art. 12 … Continue reading. Antes da promulgação da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, em agosto de 2020, a partir de uma proposta de enunciado apresentada por Gustavo Schiefler, foi aprovado, na I Jornada de Direito Administrativo do Conselho da Justiça Federal:
Enunciado nº 29: A Administração Pública pode promover comunicações formais com potenciais interessados durante a fase de planejamento das contratações públicas para a obtenção de informações técnicas e comerciais relevantes à definição do objeto e elaboração do projeto básico ou termo de referência, sendo que este diálogo público-privado deve ser registrado no processo administrativo e não impede o particular colaborador de participar em eventual licitação pública, ou mesmo de celebrar o respectivo contrato, tampouco lhe confere a autoria do projeto básico ou termo de referência.
Neste sentido, as empresas que tenham interesse em apresentar sua solução inovadora ao Poder Público, ou manifestar seu interesse em promover pesquisas sobre possíveis soluções, podem se valer de instrumentos como a Manifestação de Interesse Privado – MIP para estabelecer comunicações com órgãos públicos.
Conclusão
Como se observa, para além dos regimes tradicionais de contratação pública, o ordenamento jurídico brasileiro estabelece, em normas esparsas, instrumentos capazes de viabilizar a contratação de soluções inovadoras e disruptivas para o Poder Público. Em determinadas situações, a contratação se mostra possível mediante apenas um desses instrumentos e, em outras, a solução pode ser contratada por diferentes caminhos.
As empresas e profissionais que desejam entrar e/ou se manter no mercado de licitações públicas devem buscar atualização sobre o tema e, em especial, o novo regime de licitações e contratos iniciado com a Lei nº 14.133/2021. Acompanhe nosso site para ter acesso a mais conteúdo sobre licitações e contratos administrativos e, se tiver alguma dúvida, entre em contato e um dos nossos advogados especialistas na área irá lhe atender.
Artigo atualizado em 6 de outubro de 2022.
Referências[+]
↑1 | CENTRO PARA A QUARTA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL. Guia de Contratações Públicas de Inteligência Artificial. [S.L.]: Centro Para A Quarta Revolução Industrial, 2022. p. 31. Disponível em: https://ideiagov.sp.gov.br/guia-de-contratacoes-publicas-de-inteligencia-artificial/. Acesso em: 25 jul. 2022 |
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↑2 | Art. 57. A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos:
II – à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada a sessenta meses; |
↑3 | Art. 108. A Administração poderá celebrar contratos com prazo de até 10 (dez) anos nas hipóteses previstas nas alíneas “f” e “g” do inciso IV e nos incisos V, VI, XII e XVI do caput do art. 75 desta Lei. |
↑4 | CENTRO PARA A QUARTA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL. Guia de Contratações Públicas de Inteligência Artificial. [S.L.]: Centro Para A Quarta Revolução Industrial, 2022. p. 31. Disponível em: https://ideiagov.sp.gov.br/guia-de-contratacoes-publicas-de-inteligencia-artificial/. Acesso em: 25 jul. 2022. |
↑5 | Art. 20. Os órgãos e entidades da administração pública, em matéria de interesse público, poderão contratar diretamente ICT, entidades de direito privado sem fins lucrativos ou empresas, isoladamente ou em consórcios, voltadas para atividades de pesquisa e de reconhecida capacitação tecnológica no setor, visando à realização de atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação que envolvam risco tecnológico, para solução de problema técnico específico ou obtenção de produto, serviço ou processo inovador. |
↑6 | CENTRO PARA A QUARTA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL. Guia de Contratações Públicas de Inteligência Artificial. [S.L.]: Centro Para A Quarta Revolução Industrial, 2022. p. 30. Disponível em: https://ideiagov.sp.gov.br/guia-de-contratacoes-publicas-de-inteligencia-artificial/. Acesso em: 25 jul. 2022. |
↑7 | TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Encomenda Tecnológica (ETEC). Brasília: Tribunal de Contas da União, 2020. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/encomenda-tecnologica-etec.htm. Acesso em: 25 jul. 2022. |
↑8 | BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO. Guia de Alternativas Jurídicas e Boas Práticas para Compras de Inovação no Brasil. Washington, D.C: Banco Interamericano de Desenvolvimento, 2022. p. 58. Disponível em: https://publications.iadb.org/pt/contratacoes-de-inovacao-guia-de-alternativas-juridicas-e-de-boas-praticas-para-contratacoes-de. Acesso em: 25. jul. 2022. |
↑9 | SCHIEFLER, Gustavo Henrique Carvalho Schiefler. A contratação direta de Encomenda Tecnológica: quando há risco tecnológico, instrumento jurídico permite o investimento público em inovação sem a necessidade de fazer licitação .In: PICCOLI, Ademir (org.). Contratação de Inovação na Justiça: com os avanços do Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação. São Paulo: Vidaria Livros, 2020. |
↑10 | § 4º O fornecimento, em escala ou não, do produto ou processo inovador resultante das atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação encomendadas na forma do caput poderá ser contratado mediante dispensa de licitação, inclusive com o próprio desenvolvedor da encomenda, observado o disposto em regulamento específico. |
↑11 | Art. 24. É dispensável a licitação:
XXXI – nas contratações visando ao cumprimento do disposto nos arts. 3º, 4º, 5º e 20 da Lei no 10.973, de 2 de dezembro de 2004, observados os princípios gerais de contratação dela constantes. |
↑12 | Art. 75. É dispensável a licitação:
V – para contratação com vistas ao cumprimento do disposto nos arts. 3º, 3º-A, 4º, 5º e 20 da Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004, observados os princípios gerais de contratação constantes da referida Lei; |
↑13 | TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Encomenda Tecnológica (ETEC). Brasília: Tribunal de Contas da União, 2020, p. 8. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/encomenda-tecnologica-etec.htm. Acesso em: 25 jul. 2022. |
↑14 | Art. 31. O fornecimento, em escala ou não, do produto, do serviço ou do processo inovador resultante das atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação encomendadas na forma estabelecida neste Decreto poderá ser contratado com dispensa de licitação, inclusive com o próprio desenvolvedor da encomenda.
Parágrafo único. O contrato de encomenda tecnológica poderá prever opção de compra dos produtos, dos serviços ou dos processos resultantes da encomenda. Art. 32. Quando o contrato de encomenda tecnológica estabelecer a previsão de fornecimento em escala do produto, do serviço ou do processo inovador, as partes poderão celebrar contrato, com dispensa de licitação, precedido da elaboração de planejamento do fornecimento, acompanhado de termo de referência com as especificações do objeto encomendado e de informações sobre: I – a justificativa econômica da contratação; II – a demanda do órgão ou da entidade; III – os métodos objetivos de mensuração do desempenho dos produtos, dos serviços ou dos processos inovadores; e IV – quando houver, as exigências de certificações emitidas por instituições públicas ou privadas credenciadas. |
↑15 | § 4º O fornecimento, em escala ou não, do produto ou processo inovador resultante das atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação encomendadas na forma do caput poderá ser contratado mediante dispensa de licitação, inclusive com o próprio desenvolvedor da encomenda, observado o disposto em regulamento específico. |
↑16 | CENTRO PARA A QUARTA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL. Guia de Contratações Públicas de Inteligência Artificial. [S.L.]: Centro Para A Quarta Revolução Industrial, 2022. p. 31. Disponível em: https://ideiagov.sp.gov.br/guia-de-contratacoes-publicas-de-inteligencia-artificial/. Acesso em: 25 jul. 2022. |
↑17 | § 3º A remuneração da contratada deverá ser feita de acordo com um dos seguintes critérios:
I – preço fixo; II – preço fixo mais remuneração variável de incentivo; III – reembolso de custos sem remuneração adicional; IV – reembolso de custos mais remuneração variável de incentivo; ou V – reembolso de custos mais remuneração fixa de incentivo. |
↑18 | § 4º Nas hipóteses em que houver risco tecnológico, os pagamentos serão efetuados proporcionalmente aos trabalhos executados, de acordo com o cronograma físico-financeiro aprovado, observado o critério de remuneração previsto contratualmente.
§ 5º Com exceção das remunerações variáveis de incentivo vinculadas ao cumprimento das metas contratuais, a administração pública deverá efetuar o pagamento conforme o critério adotado, ainda que os resultados almejados não sejam atingidos em decorrência do risco tecnológico, sem prejuízo da rescisão antecipada do contrato caso seja comprovada a inviabilidade técnica ou econômica da solução. § 6º Na hipótese de a execução do objeto ser dividida em etapas, o pagamento relativo a cada etapa poderá adotar critérios distintos de remuneração. § 7º Os pagamentos serão feitos após a execução dos trabalhos, e, a fim de garantir os meios financeiros para que a contratada implemente a etapa inicial do projeto, a administração pública deverá prever em edital o pagamento antecipado de uma parcela do preço anteriormente ao início da execução do objeto, mediante justificativa expressa. § 8º Na hipótese prevista no § 7º deste artigo, a administração pública certificar-se-á da execução da etapa inicial e, se houver inexecução injustificada, exigirá a devolução do valor antecipado ou efetuará as glosas necessárias nos pagamentos subsequentes, se houver. |
↑19 | Art. 106. A Administração poderá celebrar contratos com prazo de até 5 (cinco) anos nas hipóteses de serviços e fornecimentos contínuos, observadas as seguintes diretrizes:
I – a autoridade competente do órgão ou entidade contratante deverá atestar a maior vantagem econômica vislumbrada em razão da contratação plurianual; II – a Administração deverá atestar, no início da contratação e de cada exercício, a existência de créditos orçamentários vinculados à contratação e a vantagem em sua manutenção; III – a Administração terá a opção de extinguir o contrato, sem ônus, quando não dispuser de créditos orçamentários para sua continuidade ou quando entender que o contrato não mais lhe oferece vantagem. § 1º A extinção mencionada no inciso III do caput deste artigo ocorrerá apenas na próxima data de aniversário do contrato e não poderá ocorrer em prazo inferior a 2 (dois) meses, contado da referida data. § 2º Aplica-se o disposto neste artigo ao aluguel de equipamentos e à utilização de programas de informática. Art. 107. Os contratos de serviços e fornecimentos contínuos poderão ser prorrogados sucessivamente, respeitada a vigência máxima decenal, desde que haja previsão em edital e que a autoridade competente ateste que as condições e os preços permanecem vantajosos para a Administração, permitida a negociação com o contratado ou a extinção contratual sem ônus para qualquer das partes. |
↑20 | Capítulo I – Das Licitações. |
↑21 | BRITO, Thiago da Cunha. As parcerias decorrentes de oportunidades de negócio na Lei das Estatais. Disponível em: https://thiagocbrito.jusbrasil.com.br/artigos/872967173/as-parcerias-decorrentes-de-oportunidades-de-negocio-na-lei-das-estatais. |
↑22 | ASSIS, Luiz Eduardo Altenburg. Oportunidades de Negócio na Lei das Estatais – as parcerias e outras formas associativas entre empresas estatais e empresas privadas. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2019, p. 279. |
↑23 | Art. 18. A fase preparatória do processo licitatório é caracterizada pelo planejamento e deve compatibilizar-se com o plano de contratações anual de que trata o inciso VII do caput do art. 12 desta Lei, sempre que elaborado, e com as leis orçamentárias, bem como abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir na contratação, compreendidos:
V – levantamento de mercado, que consiste na análise das alternativas possíveis, e justificativa técnica e econômica da escolha do tipo de solução a contratar; |