
As principais mudanças da Lei nº 14.133/2021 nos contratos administrativos
A Lei nº 14.133/2021, a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, trouxe inúmeras inovações ao regime de contratações públicas no Brasil, aliadas à positivação em lei de diversas orientações dos órgãos de controle externo, principalmente o Tribunal de Contas da União (TCU), e procedimentos antes encontrados apenas em normas infralegais.
Em artigo anterior, que você encontra aqui, abordamos as principais regras da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos a respeito do processo licitatório. Agora, neste breve texto, você conhecerá as principais mudanças em relação à fase de execução contratual neste novo regime legal.
Neste breve texto, você irá encontrar as principais mudanças da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos relacionadas ao procedimento licitatório.
Novas regras sobre os prazos de vigência dos contratos
Pode-se afirmar que a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos buscou dar especial atenção à fase de execução dos contratos administrativos, completando lacunas e alterando regras anteriores que se mostraram pouco adequadas à dinamicidade das relações negociais modernas.
Uma grande mudança ocorreu em relação ao regime das contratações de serviços contínuos, que, sob a Lei nº 8.666/93, costumam ser celebradas em contratos de 12 meses, prorrogáveis até 60 meses e, excepcionalmente, até 72 meses. Com a Lei nº 14.133/2021, passou-se a se admitir também os contratos de fornecimentos contínuos – ou seja, contratos de longo prazo também para o fornecimento de bens, e não apenas para serviços contínuos.
A NLLCA também simplificou os prazos contratuais: para serviços e fornecimentos contínuos, ou sob regime de fornecimento com prestação de serviço contínuo, ou ainda, para o aluguel de equipamentos e utilização de programas de informática, o prazo inicial máximo é de 5 anos, prorrogáveis até 10 anos (arts. 106 e 107), não havendo necessidade de celebrar por períodos menores, com prorrogações sucessivas.
Ainda em relação a prazos de vigência, para contratos com origem em dispensa de licitação nas áreas de inovação e de transferência de tecnologia de defesa e de saúde, o prazo é de 10 anos (art. 108); para contratos que gerem receitas à Administração e contratos de eficiência (que geram economia), a sua vigência pode chegar a 35 anos (art. 110); já para o contrato que previr a operação continuada de sistemas estruturantes de tecnologia da informação, a vigência máxima poderá ser de 15 anos (art. 114).
Com efeito, para os contratos por escopo, isto é, cujo objeto não é de prestação continuada, a vigência contratual será automaticamente prorrogada quando seu objeto não for concluído no período firmado no contrato (art. 111), hipótese em que, se o atraso ocorrer por culpa do contratado, este responderá pela mora, admitida a opção pela rescisão contratual por parte da Administração. Com isso, resolve-se a antiga polêmica, presente na Lei nº 8666/93, relacionada com os casos em que há a extinção do prazo de vigência antes do término da execução contratual – situação em que, majoritariamente, considera-se que o contrato se encerrou.
Possibilidade de adoção de meios alternativos de prevenção e resolução de disputas (art. 151)
A NLLCA previu expressamente a possibilidade de que o contrato administrativo adote meios alternativos de prevenção e resolução de disputas, especificamente a conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas (popularmente conhecido como dispute board) e a arbitragem.
Além disso, em prestígio à consensualidade e, especialmente, por força do artigo 26 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), é juridicamente possível, atualmente, que eventuais controvérsias surgidas durante o contrato administrativo sejam resolvidas por meio de uma negociação seguida de acordo, para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa.
Cada meio alternativo de prevenção e resolução de disputas possui aplicabilidade e características próprias, as quais poderão ser oportunamente estudadas de forma aprofundada ao longo da jornada de aprendizado e capacitação em licitações públicas e contratos administrativos.
Possibilidade de antecipação dos efeitos do termo aditivo (art. 132)
A NLLCA inovou significativamente o regime das alterações contratuais ao prever que, em casos de justificada necessidade, a Administração poderá antecipar os efeitos do termo aditivo. Isto significa que o contratado poderá seguir as alterações contratuais determinadas ou pactuadas com a Administração antes mesmo da formalização do termo aditivo. Como limite temporal, nessas circunstâncias, estipulou-se o prazo de 30 dias para a efetiva celebração do termo aditivo.
Esta prática, embora comum no Brasil, é vedada pelo regime da Lei nº 8.666/1993 e sempre foi objeto de controvérsias (como a eventual e posterior negativa da Administração em remunerar o particular, por ter executado antes da formal alteração contratual) e responsabilizações (como sobre os gestores públicos que autorizaram verbalmente a alteração contratual, sem proceder à prévia alteração formal da avença).
Contratação integrada e semi-integrada para obras
Com o objetivo de consolidar as normas de licitações e contratação em apenas um diploma legal, a Lei nº 14.133/2021 também buscou normatizar a contratação integrada, regime de contratação inaugurado pela Lei nº 12.462/2011 (Regime Diferenciado de Contratação), e a contratação semi-integrada, advinda da Lei nº 13.303/2016 (Lei das Estatais).
A título explicativo, cabe apontar que nas contratações por empreitada, conhecido como o regime “convencional”, o contratado assume apenas a execução da obra ou serviço de engenharia, tomando por base os projetos básico executivo fornecidos pela Administração na licitação.
Nas contratações integradas, por sua vez, a licitação é feita com base no anteprojeto de engenharia, de forma que o contratado assume a responsabilidade por elaborar e desenvolver os projetos básico e executivo, definindo as soluções que serão adotadas para executar o objeto, além de todas as atividades compreendidas na execução das obras e serviços de engenharia (fornecer bens ou prestar serviços especiais e realizar montagem, teste, pré-operação e as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto).
Já nas contratações semi-integradas, o projeto básico é fornecido no instrumento convocatório da licitação, assumindo o particular a responsabilidade pelo projeto executivo e pela execução da obra ou serviço, sendo possível alterar determinados trechos do projeto básico, previamente identificados pela Administração.
Destaca-se que, nas contratações integradas e semi-integradas, o contratado assume os riscos decorrentes de fatos supervenientes à contratação associados às escolhas de soluções nos projetos por ele elaborados ou às alterações por ele sugeridas (art. 22, § 4º).
Novas regras de garantia contratual
A Lei nº 14.133/2021 passou a admitir a exigência de garantias contratuais em patamares superiores aos que eram previstos na Lei nº 8.666/1993. Agora, nas contratações de obras, serviços e fornecimentos, a garantia poderá ser de até 5% do valor inicial do contrato, autorizada a majoração desse percentual para até 10%, desde que justificada mediante análise da complexidade técnica e dos riscos envolvidos (art. 98). Já nas contratações de obras e serviços de engenharia de grande vulto (com valor estimado superior a R$ 200 milhões), poderá ser exigida a prestação de garantia, na modalidade seguro-garantia, em percentual equivalente a até 30% do valor inicial do contrato (art. 99).
A NLLCA prevê, também, a possibilidade de exigência de seguro-garantia para obras e serviços de engenharia com cláusula de retomada por parte da seguradora (art. 102), hipótese em que a seguradora deve assumir o objeto contratual e concluir, diretamente ou por subcontratação de terceiros, a execução em caso de inadimplência do contratado. Ademais, se o contratado optar pelo seguro-garantia – com ou sem a cláusula de retomada – para garantir a contratação, o edital deverá fixar prazo mínimo de 1 mês, contado da data de homologação da licitação e anterior à assinatura do contrato, para a prestação dessa garantia (art. 96, § 3º).
A inclusão da matriz de riscos nos editais de licitação e contratos
Entre as inovações do seu extenso rol de dispositivos, a Lei nº 14.133/2021 possibilita que os contratos administrativos para a aquisição de bens e contratação de serviços e obras possam prever uma matriz de alocação de riscos contratuais (art. 22 e art. 103), sendo esta uma cláusula contratual definidora de riscos e de responsabilidades entre as partes, caracterizadora do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, em termos de ônus financeiro decorrente de eventos supervenientes à contratação.
Trata-se de instrumento que favorece a eficiência e a segurança jurídica da contratação, estabelecendo, no momento da licitação, os riscos que as partes deverão suportar durante a execução. Assim, na superveniência de qualquer evento que altere as condições de execução do contrato, a matriz de riscos deve ser analisada para se verificar quem é a parte responsável por arcar com as consequências desse evento e se há direito ao reequilíbrio econômico-financeiro do contrato à outra parte.
Destaca-se que a alocação dos riscos entre as partes deve seguir parâmetros de eficiência[1]O advogado Lucas Hellmann, em Trabalho de Conclusão de Concurso de Graduação em Direito (UFSC), abordou os parâmetros metodológicos a serem observados na construção da matriz de riscos de … Continue reading e, na hipótese de materialização de um evento que não foi previsto da matriz de riscos, permanece aplicável o regime jurídico tradicional da teoria da imprevisão, arcando a Administração com as consequências de eventos caracterizados como força maior, caso fortuito ou fato do príncipe ou em decorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis (art. 124, II, d).
Embora possa ser adotada em qualquer contratação, a matriz de riscos é obrigatória para os contratos de grande vulto (acima de R$ 200 milhões) e para as contratações integradas e semi-integradas (art. 22, § 3º) e, portanto, facultativa para os demais contratos.
Novas hipóteses de causas da extinção contratual (art. 137)
A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos incluiu novas hipóteses de extinção contratual, não previstas na Lei nº 8.666/1993, quais sejam: a) atraso na obtenção da licença ambiental, ou impossibilidade de obtê-la, ou alteração substancial do anteprojeto que dela resultar, ainda que obtida no prazo previsto; b) atraso na liberação das áreas sujeitas a desapropriação, a desocupação ou a servidão administrativa, ou impossibilidade de liberação dessas áreas; e c) não cumprimento das obrigações relativas à reserva de cargos prevista em lei, bem como em outras normas específicas, para pessoa com deficiência, para reabilitado da Previdência Social ou para aprendiz.
Tais hipóteses somam-se às outras seis previstas no caput do artigo 137, quando a causa para a rescisão contratual é atribuível ao contratado ou por interesse público, e àquelas estabelecidas no parágrafo segundo do mesmo artigo 137, quando a rescisão contratual passa a ser um direito do particular face a alguma conduta atribuível ao órgão contratante – neste tema, destaca-se a possibilidade de suspensão ou extinção do contrato por iniciativa do particular na hipótese de inadimplência da Administração por mais de 2 meses (art. 137, IV, e § 3º, II).
Já o artigo 147 da Lei nº 14.133/2021 prevê a declaração de nulidade do contrato em decorrência de alguma irregularidade constatada no procedimento licitatório ou na execução contratual. Tal previsão já era encontrada na Lei nº 8.666/1993, no entanto, a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos inovou ao prever que a declaração de nulidade só deve ocorrer caso não seja possível o saneamento da irregularidade constatada e, mesmo em caso de vício insanável, deve ser precedida de uma criteriosa análise sobre diversos aspectos elencados exemplificativamente nos incisos do caput do artigo 147:
- impactos econômicos e financeiros e decorrentes do atraso na fruição dos benefícios do objeto do contrato;
- riscos sociais, ambientais e à segurança da população local decorrentes do atraso na fruição dos benefícios do objeto do contrato;
- motivação social e ambiental do contrato;
- custo da deterioração ou da perda das parcelas executadas;
- despesa necessária à preservação das instalações e dos serviços já executados;
- despesa inerente à desmobilização e ao posterior retorno às atividades;
- medidas efetivamente adotadas pelo titular do órgão ou entidade para o saneamento dos indícios de irregularidades apontados;
- custo total e estágio de execução física e financeira dos contratos, dos convênios, das obras ou das parcelas envolvidas;
- fechamento de postos de trabalho diretos e indiretos em razão da paralisação;
- custo para realização de nova licitação ou celebração de novo contrato;
- custo de oportunidade do capital durante o período de paralisação.
Possibilidade de estabelecer remuneração variável (art. 144)
Na contratação de obras, fornecimentos e serviços, inclusive de engenharia, poderá ser estabelecida remuneração variável vinculada ao desempenho do contratado, com base em metas, padrões de qualidade, critérios de sustentabilidade ambiental e prazos de entrega definidos no edital de licitação e no contrato. Quando o objeto do contrato visar à implantação de processo de racionalização de despesas, o pagamento poderá ser ajustado em base percentual sobre o valor economizado (art. 144, § 1º).
Novas regras relacionadas à implantação de programas de integridade
A NLLCA estabelece a obrigatoriedade de implantação de programa de integridade (compliance) pelo licitante vencedor em serviços e fornecimentos de grande vulto (acima de R$ 200 milhões), em até seis meses da celebração do contrato (art. 25, § 4º). Além disso, a existência de um programa de integridade é o quarto critério de desempate entre propostas na fase de julgamento da licitação (art. 60, IV) e deve ser considerada, como atenuante, na dosimetria da pena quando da aplicação de sanções administrativas (art. 155, § 1º, V).
Maior flexibilidade para as Atas de Registro de Preços
Por fim, no que tange ao Sistema de Registro de Preços, a NLLCA trouxe a possibilidade de prorrogação da ata de registro de preços por mais 1 ano após o seu aniversário (art. 84), além de prever expressamente a possibilidade da adesão à ata de registro de preços (o “carona”) (art. 82, VIII) e da sua utilização para para a contratação de bens e serviços, inclusive de obras e serviços de engenharia (art. 82, § 5º).
Conclusão
Como se observa, são diversas as mudanças e inovações trazidas pela Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos e, assim, as empresas e profissionais que desejam entrar e/ou se manter no mercado de licitações públicas devem, necessariamente, buscar atualização sobre este novo e importante diploma legal. Acompanhe nosso site para ter acesso a mais conteúdo sobre licitações e, se tiver alguma dúvida, não deixe de contatar um dos nossos advogados especialistas na área.
Referências[+]
↑1 | O advogado Lucas Hellmann, em Trabalho de Conclusão de Concurso de Graduação em Direito (UFSC), abordou os parâmetros metodológicos a serem observados na construção da matriz de riscos de contratos administrativos regidos pela Lei nº 14.133/2021. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/228676. |
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Compreenda a lógica de um edital de licitação e de seus anexos
Quando se fala no tema licitação pública, um dos documentos mais importantes é, sem dúvida, o edital. O edital de licitação nada mais é do que o instrumento no qual a Administração irá formalizar as condições e exigências licitatórias para a contratação de um determinado produto ou contratação de serviços. Não por outra razão, o edital é conhecido como o documento em que estão registradas “as regras do jogo“.
O edital, caso tenha sido adequadamente redigido, definirá de forma clara o objeto que será licitado, qual será a documentação e experiência mínima exigida dos licitantes, além das condições contratuais aplicáveis ao fornecedor do produto ou do serviço a ser adquirido.
Nessa linha, podem ser listados como propósitos de um edital:
- Dar publicidade oficial à pretensão da Administração e convocar os potenciais interessados;
- Identificar plenamente o escopo do contrato pretendido, de forma vinculante às partes (ou seja, as regras do edital devem refletir exatamente o que será exigido durante o contrato por ambos os contratantes);
- Informar todos os detalhes sobre o procedimento competitivo a ser realizado, incluindo desde o cronograma para as diferentes etapas do certame, as instruções sobre a proposta a ser apresentada e sobre os documentos exigidos para fins de habilitação, além das informações sobre o critério de julgamento das propostas e a fase de recursos;
Assim, por mais que seja óbvio, vale dizer que é indispensável que os profissionais que lidam com processos licitatórios leiam o edital com bastante atenção, compreendendo o significado e a importância de cada uma das previsões ali postas.
Vejamos adiante quais são as informações centrais de um edital e os seus principais pontos de atenção, que devem ser observados por aqueles que trabalham com o tema.
Objeto do edital de licitação
Geralmente presente já nas primeiras páginas do edital, o objeto da licitação é o item que servirá para indicar, exatamente, o que a Administração Pública deseja comprar e/ou contratar. A partir dessa informação, portanto, o potencial licitante poderá aferir se existe compatibilidade com suas atividades comerciais e, posteriormente, em havendo, se possui condições de fornecer aquele produto e/ou serviço. Em resumo, o objeto nada mais é do que uma descrição, de modo conciso, daquilo que a administração deseja contratar.
Vale registrar que a descrição do objeto da licitação, presente no início do edital, costuma ser bem sintética, o que significa que, eventualmente, será insuficiente para se compreender de forma adequada a pretensão da Administração. Na prática, esta descrição inicial serve como primeira informação, sendo indispensável que a análise seja complementada pela descrição que está em anexo ao edital, especificamente no termo de referência ou projeto básico – como se verá mais adiante.
Um exemplo da importância de uma análise completa e atenta do objeto de um edital pode ser retirado de um cenário em que uma Prefeitura, a título de ilustração, deseja comprar uma série de micro-ônibus que serão utilizados para o transporte escolar dos alunos e professores vinculados ao sistema municipal..
Num primeiro momento, o gestor de uma empresa especializada na fabricação de micro-ônibus pode constatar que possui atividade mercantil condizente com o objeto da licitação, e que possui interesse em fornecer à Administração. No entanto, por políticas ambientais e de sustentabilidade do Município, tecnicamente justificadas, a prefeitura especificou no objeto do edital que esses veículos devem ser movidos a energia elétrica ou, no mínimo, devem ser híbridos. Assim, se a empresa deste empreendedor só produz micro-ônibus movidos a óleo diesel ou a gasolina, ela não estará apta a participar do certame. Daí a importância de que o objeto seja analisado em sua completude, já que em um caso como esse, embora aparentemente, em um primeiro momento, sua empresa cumpra com as exigências do Edital, em uma análise mais detalhada do objeto constata-se que não.
De qualquer forma, é importante que ao analisar o objeto de um edital o profissional já esteja atento se aquele objeto, apesar de bem definido e delimitado, não está descrito de uma forma que direcione o certame para uma marca ou um fornecedor específico – exceto, é claro, nos casos tecnicamente justificáveis. É fundamental que o texto do objeto não obste a ampla concorrência e a equidade de oportunidade aos fornecedores/licitantes interessados e aptos ao certame.
Inclusive, caso o licitante verifique que o objeto direciona injustificadamente o certame para um fornecedor específico, ele pode requerer a impugnação do edital (ou adotar outras medidas perante órgãos de controle ou o Judiciário) e, assim, buscar com que seja lançado um novo instrumento convocatório, agora em um processo adequado para a ampla concorrência de interessados.
Os documentos de habilitação
De forma geral, a exigência de documentação de habilitação de empresas licitantes é a forma utilizada pela Administração Pública para garantir que determinado licitante que virá a ser contratado terá aptidão para celebrar um contrato administrativo.
Assim, no que tange à empresa licitante, a análise dos documentos de habilitação necessários para a participação em determinado processo licitatório mostra-se de extrema importância, visto que os documentos podem ser muitos e, caso não organizados com antecedência, podem levar com que a empresa não consiga obtê-los até a data final para entrega.
A habilitação, em regra, podendo mudar de um edital para outro, é formada pela exigência dos seguintes requisitos e documentos:
Habilitação Jurídica
Os documentos exigidos para a habilitação irão envolver a comprovação da existência, da capacidade de contratar e do funcionamento formal e regular da empresa. Geralmente, os documentos que são exigidos para a habilitação jurídica são: ato Constitutivo (contrato social, estatuto social ou requerimento de empresário); todas as alterações ou consolidação do Ato Constitutivo; procuração dos respectivos representantes nas licitações; documentos dos sócios; documentos do Representante Legal; etc.
Regularidade fiscal e trabalhista
Os documentos exigidos para a comprovação da regularidade fiscal e trabalhista são aqueles que irão servir para demonstrar que a empresa não possui dívidas tributárias e/ou trabalhistas, seja na esfera municipal, estadual ou federal. Exemplos de documentos que podem ser exigidos para a habilitação fiscal e trabalhista são: Comprovante de Inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica; Inscrição Estadual; Inscrição Municipal; Certidão negativa de débitos Federais; Certidão negativa de débitos Estaduais; Certidão negativa de débitos Municipais; Certidão negativa de débitos Trabalhista; Certidão negativa de débitos do FGTS; Certidão negativa de débitos do INSS; etc.
Qualificação técnica
Tratam-se dos requisitos profissionais da empresa, que demonstram a capacidade que a empresa tem de fornecer o produto ou realizar o serviço. Por exemplo, se é uma empresa de engenharia, deve demonstrar que continuamente realiza serviços desse tipo. Um atestado de algum contratante anterior demonstrando que a empresa já realizou serviços similares, de maneira adequada, é um dos meios para comprovação da qualificação técnica. Além disso, outros documentos que podem servir para comprovar a qualificação técnica da empresa são, além do Atestado de Capacidade Técnica Profissional e de Atestado de Capacidade Técnica Operacional, documentos que comprovem inscrição em entidade profissional competente ou Registro em órgão regulamentador.
Qualificação econômico-financeira
Neste item a empresa deve demonstrar que terá capacidade financeira e econômica para cumprir o contrato caso seja a vencedora. É na qualificação econômico-financeira que será demonstrada a adequada saúde financeira da empresa, visando dar segurança à Administração Pública contratante. Exemplos de documentos que podem ser exigidos pelo Edital para comprovar a qualificação econômico-financeira são: Balanço patrimonial; Índices Contábeis; Capital social ou patrimônio líquido; Certidão negativa de Falência; entre outros.
Outros documentos e/ou declarações
Além dos listados acima, podem ser exigidos, a depender do Edital, outros documentos e/ou declarações, tais como: Declaração de que não emprega menores de 18 anos em trabalho noturno, perigoso ou insalubre, nem emprega menores de 16 anos, exceto maiores de 14 anos na condição de aprendiz; Declaração de enquadramento na categoria de ME/EPP; Declaração de Inexistência de Fatos Impeditivos à participação na licitação; entre outras.
De qualquer forma, é bastante importante que a empresa esteja atenta aos “prazos de validade” dos documentos e/ou os “prazos de validade” impostos pelo edital. Grande parte dos documentos listados acima possuem uma data de vencimento e, aqueles que não possuem, geralmente tem essa data estipulada automaticamente pelo próprio instrumento convocatório (por exemplo, 180 dias após a emissão do documento). No mais, grande parte desses documentos fiscais e trabalhistas podem ser extraídos a partir dos portais eletrônicos oficiais do governo.
A questão dos prazos
Um outro ponto que deve ser muito bem observado por aqueles que manejam editais de licitações públicas são os prazos ali dispostos.
A averiguação dos prazos é extremamente importante, essencialmente, por duas razões: primeiramente, porque determina até quando a empresa licitante deverá apresentar todos documentos de habilitação, sua proposta, bem como a data de realização da sessão(ões) pública(s) do certame; em segundo lugar, a verificação dos prazos também é essencial para que se saiba a data final para a realização de pedidos de esclarecimentos e/ou pedido de impugnação ao edital, bem como as datas para que se apresentem recursos aos resultados do certame.
Nesse aspecto, ainda é extremamente importante que se verifique que muitas vezes esses procedimentos e formas para impugnação, pedidos de esclarecimentos ou, até mesmo, recursos, variam de um processo licitatório para outro, seja na forma de protocolo (eletrônico e/ou físico), na contagem dos prazos (em dias úteis ou corridos), dentre outros aspectos formais.
Daí a importância de que cada edital (e seus consequentes prazos) sejam analisados com muito cuidado e de maneira individualizada, garantindo-se assim que todas as informações foram bem compreendidas e que a empresa conseguirá cumprir com todas as exigências e prazos do instrumento convocatório.
Os anexos dos editais de licitação
Em conjunto com o instrumento convocatório (ou seja, em conjunto com o edital), mais especificamente após o seu final, serão anexados documentos complementares cuja função é complementar as informações da licitação. Entre esses anexos, a depender da licitação, estarão documentos como o termo de referência ou o projeto básico, o projeto executivo, a minuta do contrato, os modelos de declarações, o modelo de proposta comercial, dentre outros.
Dentre os documentos aqui listados, destacamos as características principais daqueles que aparecem com mais frequência nos processos licitatórios.
Projeto Básico e/ou Termo de Referência
Embora a legislação denomine “projeto básico” o documento que define as características essenciais do objeto contratual, este mesmo documento, na prática, é frequentemente denominado “termo de referência”, sobretudo quando não se está diante de uma obra ou serviço de engenharia. Assim, para efeitos didáticos deste Módulo, podem ser considerados sinônimos.
O projeto básico ou o termo de referência representam o documento que traduz a essência da contratação. Isso porque é no termo de referência ou no projeto básico que estarão os detalhes e as condições da contratação que será realizada pela Administração Pública.
Não por outra razão, a presença de um termo de referência ou de um projeto básico, como anexo ao edital, é obrigatória para a licitação pública. Segundo a lei, este documento deve ser elaborado a partir de estudos técnicos preliminares (ETP), que reúnam os elementos necessários, e com precisão adequada, para caracterizar o objeto, bem como as demais condições da licitação e da contratação.
De forma geral, estará presente no termo de referência ou projeto básico as seguintes informações: (i) Indicação do objeto; (ii) Justificativa (motivação) da contratação; (iii) Especificação do objeto; (iv) Requisitos necessários; (v) Critérios de aceitabilidade da proposta; (vi) Critérios de aceitabilidade do objeto (recebimento do objeto); (vii) Estimativa do valor da contratação e dotação orçamentária e financeira para a despesa, exceto em caso de aposição de sigilo sobre este orçamento; (viii) Condições de execução (métodos, estratégias e prazos de execução e garantia); (ix) Obrigações das partes envolvidas (contratada e contratante); (x) Gestão do contrato; (xi) Fiscalização do contrato; (xii) Condições de pagamento; (xiii) Vigência do contrato; (xiv) Sanções contratuais; (xv) Orçamento detalhado estimado em planilha com preço unitário e valor global; e (xvi) Cronograma físico-financeiro (se for o caso).
Nessa linha, é importante que os profissionais que atuam com licitações e contratos administrativos fiquem atentos que o projeto básico ou termo de referência, ao tratar da especificação do objeto, não pode ser tão sucinto, de forma a suprimir informações ou detalhes que influenciam no valor da proposta, mas nem excessivo, de modo a conter exigências desnecessárias, que direcionem ou afetem a competitividade do certame. Inclusive, como já adiantado acima, caso se identifique que as especificações do objeto direcionam indevidamente a licitação ou prejudicam a competitividade, o potencial licitante deve, após adequada análise, considerar a possibilidade de impugnar o edital, seja administrativamente ou perante outros órgãos competentes.
Portanto, o que se pode concluir é que a análise do termo de Referência ou projeto básico deve ser feita de maneira minuciosa, garantindo-se dessa forma que todas as especificações desses documentos serão bem compreendidas.
Minuta do Contrato e Modelos de Declarações
Outros documentos que podem aparecer como anexos a um edital de licitação são a minuta do contrato e alguns modelos de declarações, que devem ser assinadas pelos licitantes e anexadas junto aos documentos que comprovam a habilitação da empresa.
No que se refere à minuta do contrato, trata-se de uma reprodução do contrato que será assinado pelo licitante que se sagrar vencedor do certame. Trata-se de um documento a ser necessariamente analisado pela empresa, especialmente porque nele estão reproduzidas as obrigações, os deveres e os direitos do futuro contratado e da Administração Pública.
Já no que se refere aos modelos de declarações, eles são, como o próprio nome já indica, modelos de minutas textuais, que, a depender da orientação dada pelo edital, devem ser preenchidas e assinadas pelos licitantes e anexados juntos aos documentos da proposta ou da habilitação. Geralmente, como visto, são declarações de que não emprega menores de 18 anos em trabalho noturno, perigoso ou insalubre, nem emprega menores de 16 anos, exceto maiores de 14 anos na condição de aprendiz; declaração de enquadramento na categoria de ME/EPP; declaração de Inexistência de Fatos Impeditivos à participação na licitação; entre outras.
Considerações finais
Desse modo, o que fica bem delimitado de todo o cenário desenhado acima é que o profissional que trabalha com processos licitatórios deve dedicar tempo à leitura e compreensão desses documentos, direcionando sua atenção principalmente às regras de conduta e participação do processo licitatório, bem como aos prazos e sanções que surgem em razão do descumprimentos das regras deste instrumento convocatório (tema que será mais bem explorado mais adiante neste Programa).
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As comunicações entre o mercado e a Administração na etapa preparatória da contratação pública
As comunicações realizadas entre a Administração Pública e particulares durante a etapa preparatória de uma contratação pública representam um fenômeno equivalente a um tabu no Brasil.
Desconfia-se que a prática é reprovável, seja sob uma perspectiva moral ou legal. Desconfia-se que a prática é proibida, que é imprópria, que é sinônima de direcionamento ilícito de licitação pública. A justificativa para essa percepção é o fato de que, historicamente, muitos escândalos de corrupção descobertos foram estruturados, justamente, a partir de comunicações informais e extraprocessuais, que direcionavam as contratações a determinados particulares, em conluio com gestores públicos.
A verdade, no entanto, é que esses diálogos público-privados ocorrem cotidianamente e são indispensáveis, legítimos e essenciais para o bom desempenho das atividades administrativas e para o sucesso dos processos de contratação pública.
A grande questão é que essas comunicações não podem acontecer de qualquer forma. A preocupação, portanto, é com a forma, ou seja, como essas comunicações devem acontecer, e não se podem acontecer.
1. A Nova Lei de Licitações institucionalizou as comunicações entre o mercado e a Administração Pública
A novidade é que a Lei nº 14.133/2021 institucionalizou diversos institutos de diálogo público-privado durante o processo administrativo contratual, inclusive o levantamento de mercado, como estratégia para se conhecer os produtos disponíveis durante o planejamento da contratação, e a tradicional e diariamente realizada pesquisa de preços com fornecedores.
É preciso deixar claro que as comunicações com o mercado existem porque é natural que os agentes públicos precisem trocar informações com os particulares, seja para conhecer os interesses coincidentes e contrapostos, os riscos, as ofertas e as demandas disponíveis, seja para oferecer ou discutir alguma oportunidade negocial.
Essas comunicações são inevitáveis e serão essenciais sempre quando houver a necessidade de se descobrir uma solução para a administração pública sobre a qual os agentes públicos não possuem o suficiente conhecimento técnico, ou então quando se busca a contratação de uma solução inédita ou personalizada, ou ainda, quando a administração pública busca de forma proativa os potenciais fornecedores para um determinado contrato administrativo.
Nesses casos, o diálogo público-privado é condição para que a solução seja identificada e estruturada. Caso essa comunicação inexista, a administração pública correrá o risco até mesmo de paralisia e ineficiência, pois, incapaz de desenvolver as soluções autonomamente, não poderá satisfazer adequadamente as suas necessidades.
Dentre todos os elementos documentais indicados pela Lei nº 14.133/2021 como integrantes da instrução processual de uma licitação pública, enfatiza-se que houve a consagração de que o planejamento de um procedimento licitatório pode envolver um prévio levantamento de mercado (art. 18, §1º, V, da Lei nº 14.133/2021).
Ou seja, a Lei nº 14.133/2021 reconhece expressamente algo que, apesar de óbvio, costuma ser motivo de muita insegurança: a Administração Pública necessita obter informações de mercado durante o planejamento de suas contratações, para o que deverá empreender diálogos público-privados com potenciais fornecedores, em levantamento de mercado.
2. O reconhecimento da legitimidade dos diálogos público-privados durante a etapa preparatória da licitação
Para quem trabalha com licitação pública, é relevante saber também que, ao menos desde o ano de 2020, a comunidade jurídica brasileira dedicada ao direito administrativo reconhece que essas comunicações entre a Administração Pública e o mercado são legítimas.
Em agosto de 2020, a partir de uma proposta de enunciado apresentada por Gustavo Schiefler, foi aprovado, na I Jornada de Direito Administrativo do Conselho da Justiça Federal, vinculado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), o seguinte enunciado:
Enunciado nº 29 – I Jornada de Direito Administrativo (CJF/STJ)
A Administração Pública pode promover comunicações formais com potenciais interessados durante a fase de planejamento das contratações públicas para a obtenção de informações técnicas e comerciais relevantes à definição do objeto e elaboração do projeto básico ou termo de referência, sendo que este diálogo público- privado deve ser registrado no processo administrativo e não impede o particular colaborador de participar em eventual licitação pública, ou mesmo de celebrar o respectivo contrato, tampouco lhe confere a autoria do projeto básico ou termo de referência. |
Este enunciado antecipou a regra que pode ser extraída, agora, a partir da previsão na NLLCA, segundo a qual levantamento de mercado é uma etapa inerente ao Estudo Técnico Preliminar (ETP), realizado durante a preparação de uma contratação pública. Isso traz uma proteção adicional aos agentes econômicos que, de boa-fé, contribuem formalmente com o levantamento de mercado realizado para a instrução do processo de contratação pública.
Em projetos contratuais mais complexos, a Administração Pública deve considerar a realização de um procedimento de manifestação de interesse (PMI), também previsto na Lei nº 14.133/2021 (art. 81). Por intermédio do PMI, a participação dos diferentes interessados no projeto de contratação pública acontecerá de forma organizada e regulamentada, sendo que, neste caso, a contribuição dos particulares poderá acontecer de modo mais intenso, incluindo até mesmo as minutas do edital, do termo de referência ou projeto básico e demais documentos.
3. Na prática, como devem ocorrer os diálogos público-privados?
Na prática, se você é um empreendedor, isto significa que:
- Desde que ocorra formalmente, não é proibido se comunicar com a Administração Pública, antes de uma licitação pública, com o intuito comercial, ou seja, em atividade de prospecção, para apresentar informações técnicas sobre os produtos e serviços oferecidos por sua empresa;
- Esses diálogos público-privados devem ser realizados preferencialmente a partir de meios institucionais de comunicação, a exemplo da troca de e-mails com endereços eletrônicos institucionais (fulano@nomedaempresa.com.br e fulano@nomedoorgaopublico.com.br, por exemplo). A orientação é válida tanto para os remetentes como para os destinatários;
- As comunicações devem ser claras, objetivas e completas. Um observador externo, caso leia as comunicações, deve conseguir compreender adequadamente o contexto em que este diálogo está acontecendo. Não é momento para apelidos, demonstração de intimidade, piadas, tampouco é adequado adotar presunções de que o interlocutor sabe do que se está falando;
- Durante as licitações públicas, as comunicações devem ocorrer exclusivamente com a comissão de licitação ou pregoeiro;
Na prática, se você é um agente público, isto significa que:
- É permitido entrar em contato com empresas atuantes na área de interesse para se realizar um levantamento de mercado, a fim de que as alternativas disponíveis para a contratação sejam conhecidas antecipadamente, ainda durante o processo decisório sobre qual será o objeto do futuro contrato;
- Para a melhor instrução do processo e para que sejam legítimas, essas comunicações devem ser registradas e depositadas integralmente no respectivo processo administrativo. Isto também significa que, sempre que possível, os diálogos público-privados devem ocorrer por escrito e que a oralidade (conversas por telefone, reuniões presenciais ou por videoconferência), se não puder ser registrada (gravação, por exemplo), deve ser evitada. Se isto não for possível, ao menos deve existir uma ata ou registro de que tal comunicação ocorreu e qual foi o seu teor;
4. Lembrete final: a cautela a ser adotada em qualquer diálogo público-privado
O exercício de controle sobre a administração pública depende de que os atos administrativos sejam revestidos de forma, para que possam ser resgatados e analisados posteriormente, se necessário. E, como se sabe, a formalização sequencial e encadeada de atos administrativos compõe o processo administrativo: o instrumento em que são registradas as manifestações da administração pública e dos particulares interessados até que seja alcançada uma determinada conclusão.
O processo administrativo é o meio natural de atuação da administração pública, sendo nele registrada toda a memória administrativa. É o necessário instrumento por meio do qual se realiza o controle e se promove publicidade e participação.
A orientação é de que, quando as comunicações ocorrerem por escrito, seja promovida a juntada integral de cópia dessas interlocuções no competente processo administrativo; quando ocorrerem oralmente, que seja reduzido a termo as informações essenciais sobre a comunicação, como a identificação dos interlocutores, o conteúdo das informações intercambiadas, a data e horário em que o diálogo se sucedeu e os meios de comunicação utilizados – sem prejuízo de uma formalização mais fidedigna ao conteúdo das comunicações, por meio do registro integral das comunicações, mediante gravação sonora ou audiovisual[1] O conteúdo deste tópico foi redigido com inspiração em excertos da tese de doutorado de Gustavo Schiefler, publicada pela Editora Lumen Juris, sob o título de Diálogos Público-Privados (2018)..
Uma comunicação fluida e legítima entre agentes públicos e particulares pode ser determinante para o sucesso de uma contratação pública. Como visto, isto pode ocorrer desde a etapa preparatória da licitação pública. Acompanhe nosso site para ter acesso a mais conteúdo sobre licitações e, se tiver alguma dúvida ou solicitação, entre em contato neste link e um dos nossos advogados especialistas na área irá lhe atender.
Referências[+]
↑1 | O conteúdo deste tópico foi redigido com inspiração em excertos da tese de doutorado de Gustavo Schiefler, publicada pela Editora Lumen Juris, sob o título de Diálogos Público-Privados (2018). |
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O que mudou com a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021): as novas regras de licitação
Em 1º de abril de 2021 foi sancionada a Lei nº 14.133, que instituiu a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (NLLCA), substituindo e unificando a matéria tratada em diversas leis editadas nas últimas três décadas sobre contratação pelo Poder Público, sendo aplicada à Administração Pública direta, autárquica e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios – excetuando-se, portanto, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as suas subsidiárias, regidas pela Lei nº 13.303/2016.
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Modelagens mais comuns de licitação pública: o pregão, a concorrência e a ausência de modalidade licitatória nas empresas estatais.
Embora as licitações sejam uma prática comum da Administração Pública, o seu entendimento desperta ainda muitas dúvidas para aqueles que se aproximam desse ramo de atuação. Com uma diversidade de modalidades, critérios, condições e regras específicas, é esperado que surjam inseguranças sobre a compreensão do que é o mais comum em licitações. Este texto visa a esclarecer justamente isso: quais são as modalidades mais comuns de licitação? Quais as principais características? Quais as informações básicas que o “iniciante” precisa saber?
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Contratar com o Poder Público é uma boa opção para startups?
Se você acredita que a sua startup é capaz de oferecer soluções que podem interessar ao Poder Público, mas não tem certeza se vale a pena ingressar nesse mercado, esse texto é para você!
O universo das contratações públicas muitas vezes é sub-explorado por empresas que, apesar de terem muito potencial para crescer nesse meio, não o conhecem o suficiente para terem a segurança de estar fazendo um bom investimento. Neste texto explicaremos de forma simples e didática os motivos pelos quais contratar com o Poder Público pode ser uma ótima opção para startups dos mais diversos ramos.
Mercado Público: uma janela de oportunidades
Antes de mais nada, é importante destacar a fatia de mercado que as contratações públicas representam no Brasil. Por motivos diversos, como, por exemplo, a opção constitucional de atribuir diversas funções sociais ao Estado brasileiro, fato é que a Administração Pública não tem condições econômicas e estruturais de prestar sozinha todos os serviços que lhe foram atribuídos.
Isso acaba levando os entes públicos em geral a contratarem particulares para ajudar a suprir essas demandas, por meio da realização de procedimentos licitatórios ou, em alguns casos, mediante dispensa ou inexigibilidade.
Justamente por isso, as compras públicas acabam representando um percentual significativo do Produto Interno Bruto (PIB) do país, sendo estimado que correspondam, nas últimas duas décadas, a uma média de aproximadamente 12% do PIB brasileiro.
Devido a esse cenário de potenciais contratações com valores expressivos, diversas empresas têm adentrado no mercado de vendas públicas, aproveitando a oportunidade de crescimento que esses contratos podem proporcionar. Um exemplo dessa crescente migração para o mercado das contratações públicas foi a primeira contratação de edtechs via Marco Legal das Startups, para atuar na área da educação pública.
Primeira contratação de edtechs via Marco Legal das Startups
As edtechs, startups voltadas ao desenvolvimento de soluções tecnológicas para o setor da educação, representam o maior segmento de startups no Brasil. No ano de 2022, pela primeira vez, secretarias municipais de educação utilizaram o recente Marco Legal das Startups (Lei Complementar nº 182 de 2021) para viabilizar a contratação de edtechs com o objetivo de implementar melhorias no ensino público, por meio de soluções tecnológicas.
Os sete municípios envolvidos na iniciativa são Guaramiranga/CE, Bonito/PE, Cabrobó/PE, Domingos Mourão/PI, Igarassu/PE, Santa Maria/RS e Volta Redonda/RJ, todos participantes do Programa Impulsionar. As edtechs Jovens Gênios, Aprimora, Eduqo e Portabilis foram selecionadas, assim, a partir de uma avaliação que foi além da simples análise de custo, utilizando-se, também, critérios como a capacidade da solução em responder ao desafio proposto e a experiência do usuário para definir quais startups seriam efetivamente contratadas pelos municípios.
Além da implementação da solução contratada, as edtechs selecionadas pelo Programa Impulsionar também passarão por um processo de aprendizado, contando com um suporte especializado de consultoria jurídica para apoiá-las em processos de compras públicas, bem como participarão de uma aceleração conduzida pelo Quintessa, que realizará um diagnóstico e oferecerá suporte individual com foco no aprimoramento das soluções e do seu modelo de B2G (Business to Government).
É fato que o ensino básico público brasileiro sofre com uma carência estrutural histórica, assim a contratação das referidas edtechs responde à urgente necessidade de adoção de novas estratégias em favor da melhoria da qualidade deste serviço público. Contudo a necessidade de implementação de soluções inovadoras para a melhoria dos serviços públicos, em especial aqueles de cunho social, transcende a seara de atuação das edtechs, representando um mercado em potencial para startups dos mais diversos segmentos.
Com a recente entrada em vigor do Marco Legal das startups, o gestor público passou a poder buscar soluções com base no maior potencial de enfrentamento do déficit do serviço em questão, não mais estando atrelado, unicamente, ao critério de menor preço. Assim, apesar da iniciativa conduzida pelo Programa Impulsionar ter foco na contratação de edtechs via Marco Legal das Startups, essa legislação não se aplica tão somente a esse setor, de modo que as contratações de startups diversas pela Administração Pública devem se intensificar nos próximos anos.
Marco Legal das Startups: uma oportunidade para contratações inovadoras
O Marco Legal das Startups, em vigor desde agosto de 2021, trouxe maior flexibilidade para o processo de contratação das startups pelo Poder Público. Responsável por criar um ambiente regulatório mais amigável ao empreendedorismo inovador, a Lei Complementar nº 182 de 2021 contribuiu para conferir maior segurança jurídica para as startups, proporcionando um estímulo à busca por novos negócios.
De um modo geral, a principal contribuição do Marco Legal sob a perspectiva das contratações públicas foi a instituição de um microssistema próprio para as licitações e contratos administrativos firmados com startups. Esse contrato “especial”, intitulado Contrato Público para Solução Inovadora (CPSI), tem como objetivo materializar o incentivo à inovação e a busca por soluções inovadoras para os problemas públicos.
Para viabilizar o CPSI, instituiu-se um regime licitatório um pouco diferenciado do regime comum, uma vez que, diferente do que ocorre em uma licitação “padrão”, o Marco Legal das startups possibilita que os editais das licitações que tem como objeto a contratação de solução para um problema público possam indicar somente qual é o problema que deve ser solucionado, de modo que os particulares que forem participar da licitação é que serão responsáveis por indicar qual a potencial solução e qual a técnica a ser utilizada.
Consequentemente, a Administração estará diante de propostas desenvolvidas com vistas à inovação e que apresentam variadas formas de suprir as necessidades do Poder Público.
Além disso, como ventilado anteriormente, o critério de seleção das propostas se afasta da “regra geral” dos procedimentos licitatórios, pois no procedimento simplificado voltado às startups não se avalia somente o requisito do preço de forma objetiva, fazendo parte da análise da proposta também outros critérios, como, por exemplo, o grau de desenvolvimento da tecnologia, a viabilidade econômica da proposta ou a demonstração do custo e benefício em relação às demais soluções propostas, dentre outros.
Por fim, outra vantagem trazida pelo Marco Legal das Startups foi a possibilidade de celebração direta (ou seja, sem licitação) de um contrato para o fornecimento da solução resultante do CPSI. Isso porque, uma vez vencedora do certame, a startup assinará o CPSI com prazo de vigência de até 12 meses, sendo possível prorrogar esse período por mais 12 meses, desde que o valor total não ultrapasse R$ 1,6 milhões. Encerrado esse prazo, o Poder Público poderá contratar a startup que desenvolveu a solução para o problema, sem novo procedimento licitatório, por mais 24 meses, podendo prorrogar esse período por mais 24 meses, respeitado o limite de R$ 8 milhões.
Conclusão
Por meio deste artigo, buscamos destacar quão vastas são as possibilidades de contratação entre o Poder Público e startups, demonstrando tratar-se de um mercado muito promissor e lucrativo, que representa 12% do PIB e que anseia, cada dia mais, serviços que startups podem oferecer, bem como os recém aprovados incentivos e facilidades que favorecem este setor do mercado. Como se viu, o ecossistema brasileiro de startups tem sido gradativamente fomentado e incentivado por políticas públicas e leis próprias para o crescimento do setor.
É importante destacar, contudo, que a participação em licitações requer preparo e atenção. As contratações administrativas são reguladas por diversas normas e requisitos, tanto para a Administração Pública quanto para os potenciais fornecedores. Contar com o apoio de uma assistência jurídica especializada em contratações públicas pode fazer toda a diferença para a adequada compreensão das regras e procedimentos licitatórios, organização dos documentos e potencial contratação.
Ficou interessado ou possui alguma dúvida sobre o tema? Entre em contato por meio do nosso e-mail contato@schiefler.adv.br, que um dos nossos advogados especialistas em licitações públicas e contratos poderá atendê-lo(a).
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Entendendo o processo licitatório: as etapas do certame
Entre as diversas alterações trazidas pela Lei nº 14.133/2021 (a chamada Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos – NLLCA), uma das mudanças mais significativas diz respeito às etapas dos procedimentos licitatórios.
Afastando-se consideravelmente da sua antecessora, a conhecida Lei nº 8.666/93, a NLLCA trouxe uma sequência de fases muito similar à adotada pela Lei do Pregão (Lei nº 10.520/02), em especial devido à inversão das fases de habilitação e de julgamento das propostas, com o objetivo de simplificar e conferir agilidade ao procedimento licitatório.
Em linhas gerais, o rito da licitação pública se estrutura por meio das seguintes etapas, prevista no artigo 17 da Lei nº 14.133/2021:
Fase preparatória
A fase preparatória, também chamada fase interna da licitação, contempla inicialmente a identificação de uma necessidade pública que, embora não possa ser resolvida de forma adequada e diretamente pela própria Administração, pode ser satisfeita por meio da contratação de um particular. Uma vez identificada essa necessidade, ainda na fase preparatória, tem-se o planejamento sobre a contratação em si, em termos de melhor solução, incluindo a forma de seleção do particular a ser contratado e o objeto da contratação propriamente dito.
É nessa fase que serão desenvolvidos o Estudo Técnico Preliminar (ETP), o Projeto Básico ou Termo de Referência, além do edital convocatório. Ou seja, é a etapa em que se realizam os de estudos técnicos contendo a justificativa e as condições para a contratação, sempre a partir da requisição originária para a contratação necessária para resolver um problema da Administração.
Na Lei nº 14.133/2021 foi conferido um destaque inédito a essa fase, em especial por meio do artigo 18, que traz uma espécie de “manual de instruções” para o planejamento da licitação pública, representando uma evolução em relação à Lei nº 8.666/93, que possuía pouquíssimos artigos tratando sobre esse tema.
Divulgação do edital
Uma vez encerrada a instrução do processo licitatório durante a fase preparatória, na qual é realizado o controle prévio de legalidade e a análise da regularidade da contratação pela assessoria jurídica da Administração, a autoridade competente determina a divulgação do edital da licitação.
Essa divulgação deve seguir o disposto no artigo 54 da Lei nº 14.133/2021, atentando-se para a necessidade de que a publicidade do edital seja realizada mediante divulgação no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), além de ser publicado extrato do edital no Diário Oficial da União, do Estado, do Distrito Federal ou do Município, bem como em jornal diário de grande circulação.
Apresentação de propostas
Os particulares interessados na licitação devem apresentar suas propostas durante o período designado no edital.
Na maioria dos casos, o ambiente onde ocorre a apresentação das propostas dos licitantes é eletrônico, ou seja, a proposta é apresentada por meio de uma plataforma eletrônica (como o Comprasnet ou o e-Licitações).
Basicamente, o licitante precisa estar previamente credenciado no sistema em que acontecerá o certame. Para isso, é comum que o interessado tenha de apresentar documentos habilitatórios mínimos, que permitam a criação de um login e de uma senha. A partir dessas credenciais, o licitante apresentará a sua proposta no sistema, em concorrência direta com outros eventuais participantes.
No caso de licitações presenciais, a apresentação das propostas acontece por meio da apresentação, à Administração, envelopes lacrados contendo esses documentos mínimos, que serão apresentados em uma data especificamente designada para isso.
Antes do julgamento propriamente dito, é feita uma análise das propostas apresentadas, sendo possível a desclassificação de eventuais participantes nesta etapa, em caso de desconformidade com o edital que não possa ser sanada.
Após a apresentação das propostas, a Administração deve classificar os licitantes segundo os critérios objetivos previstos pelo edital.
Neste momento, a depender do modo de disputa, poderá ocorrer uma sessão competitiva em tempo real. Como será visto em detalhes mais adiante, o modo de disputa poderá ser:
- Aberto, e, nesse caso, os licitantes poderão apresentar novas propostas de preços por meio de lances públicos e sucessivos, crescentes ou decrescentes;
- Fechado, hipótese em que as propostas apresentadas permanecerão em sigilo até a data e hora designadas para sua divulgação; ou,
- É possível, ainda, a utilização conjunta dos dois modos de disputa.
Julgamento das propostas
Uma vez classificadas as propostas apresentadas pelos licitantes, estas serão julgadas pela comissão licitante ou pelo pregoeiro, momento no qual serão desclassificados os licitantes que apresentarem propostas com vícios ou desconformidades insanáveis, que não obedecerem às especificações técnicas previstas no edital, que apresentarem preços inexequíveis ou permanecerem acima do orçamento estimado para a contratação, ou, ainda, que não tiverem sua exequibilidade demonstrada, quando exigido pela Administração.
Caso os vícios encontrados sejam sanáveis, a Administração deverá possibilitar ao licitante a correção desse vício, abrindo diligência para tal, como, por exemplo, um erro de cálculo do valor da proposta, em que os preços unitários estão corretos, mas a soma está incorreta. Além disso, se o preço for considerado inexequível – ou seja, não se revelar capaz de possibilitar ao licitante uma retribuição financeira compatível em relação aos encargos que terá de assumir contratualmente –, este licitante terá a oportunidade de comprovar que o preço em questão é exequível.
A etapa de julgamento das propostas pode acontecer de diferentes maneiras, a depender do critério de julgamento do certame. Por exemplo, se o critério adotado for menor preço ou maior desconto, o julgamento se dará por meio da simples comparação dos valores apresentados. Se o critério for técnica e preço, por outro lado, deverá ser considerada a maior pontuação obtida a partir da ponderação das notas atribuídas aos aspectos de técnica e de preço da proposta, de tal modo que haverá avaliação das propostas técnicas, e, em seguida, as propostas de preço apresentadas pelos licitantes, na proporção máxima de 70% (setenta por cento) de valoração para a proposta técnica.
Além disso, tanto no julgamento por técnica e preço, quanto no julgamento por melhor técnica, são verificadas a capacidade e experiência do licitante, comprovadas por meio da apresentação de atestados de obras, produtos ou serviços previamente realizados, sendo que as notas serão atribuídas por banca designada para essa finalidade, de acordo com as orientações e limites definidos em edital.
Por fim, especificamente nos casos de julgamento por melhor técnica ou conteúdo artístico, serão consideradas exclusivamente as propostas técnicas ou artísticas apresentadas pelos licitantes.
Negociação
Outra previsão trazida pela Lei nº 14.133/2021 diz respeito à possibilidade de a Administração, assim que esteja definido o resultado do julgamento, negociar condições mais vantajosas com o primeiro colocado, sendo esta etapa de negociação facultada pela lei. Essa negociação poderá ser feita com os demais licitantes, segundo a ordem de classificação inicialmente estabelecida, quando o primeiro colocado, mesmo após a negociação, for desclassificado em razão de sua proposta ter permanecido acima do preço máximo definido pelo órgão licitante (artigo 61, § 1º).
Habilitação
Depois do julgamento das propostas, tem-se a etapa de habilitação do licitante mais bem classificado, com o objetivo de apurar se este cumpre todos os requisitos necessários para tal habilitação.
Nesse momento, será verificado o conjunto de informações e documentos que comprovam a idoneidade e a capacidade do licitante de realizar o objeto da licitação, dividindo-se em:
- Capacidade jurídica;
- Capacidade técnica;
- Capacidade fiscal, social e trabalhista; e
- Capacidade econômico-financeira.
Se, após a análise desses documentos, concluir-se que o licitante não atende às exigências do edital, os demais licitantes serão chamados, sucessivamente, de acordo com a ordem de classificação das propostas apresentadas.
Fase recursal
Após a etapa de habilitação dos licitantes, tem-se uma fase recursal única, na qual serão impugnadas todas as eventuais irregularidades ocorridas nas demais fases da licitação. A existência de uma fase recursal única é, também, uma das grandes novidades trazidas pela Lei nº 14.133/2021, assemelhando-se novamente ao sistema licitatório da Lei do Pregão. Essa alteração teve por objetivo corrigir uma das maiores deficiências da Lei nº 8.666/93, que previa uma fase recursal após cada uma das etapas do certame, o que acabava gerando diversos atrasos e ineficiência na condução dos procedimentos licitatórios.
Homologação
Encerradas as fases de julgamento e habilitação, esgotados os recursos administrativos e estando o processo licitatório livre de quaisquer irregularidades, a autoridade superior homologará a licitação.
Observa-se que, com a Lei nº 14.133/2021, a fase de adjudicação, anteriormente prevista pela Lei nº 8.666/93 como uma etapa autônoma, acabou sendo absorvida pela etapa de homologação (artigo 71, inciso IV da NLLCA), de tal modo que da fase recursal passa-se direto à homologação do resultado final. Essa alteração teve como objetivo, também, simplificar o processo licitatório e conferir celeridade a ele.
Principais mudanças com a Nova Lei
Como mencionado anteriormente, uma das maiores alterações da NLLCA foi a inversão das fases de habilitação e de apresentação de propostas. Segundo a nova sistemática proposta, o órgão licitante inicialmente prepara a licitação, na sequência divulga o edital e, na data designada, recebe as propostas. Após, haverá o julgamento das propostas apresentadas, seguido da verificação da habilitação dos licitantes, e só depois serão abertos os prazos para interposição de recursos.
O fato de a habilitação ocorrer em momento posterior ao do julgamento das propostas simplifica o procedimento licitatório, pois economiza tempo precioso da Administração, que não precisará analisar os documentos de habilitação das licitantes que não apresentarem propostas minimamente exequíveis e compatíveis com o disposto no edital. É possível, porém, inverter as etapas de habilitação e julgamento das propostas, retornando ao cenário da Lei nº 8.666/93, desde que essa inversão seja feita por ato motivado, que deixe claros os benefícios decorrentes da inversão, e que haja previsão expressa no edital de licitação, conforme estabelece o artigo 17, § 1º da Lei nº 14.133/2021.
O quadro-resumo abaixo traz, de forma esquematizada, a atual estruturação das etapas de um certame licitatório:

As 7 fases do processo licitatório
Por isso, ao participar de licitações e firmar contratos com a Administração Pública, é recomendável contar com o auxílio de uma assessoria especializada em todas as etapas da licitação.
Você tem alguma dúvida ou sugestão em relação ao tema? Entre em contato conosco por meio do e-mail contato@schiefler.adv.br, para que um dos nossos advogados especialistas em licitações públicas possa lhe atender.
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As principais leis sobre licitação pública e contratos administrativos: navegando entre diferentes normas
O regime jurídico das licitações públicas e contratos administrativos, no Brasil, é composto por inúmeras normas. Nesse aspecto, um ponto que sempre causa certo receio para quem trabalha com licitações públicas e contratos administrativos, sem dúvida, diz respeito à necessidade de conhecer múltiplas normas legais, já que não existe um código normativo unificado regulamentando as licitações e contratações públicas.
Assim, este tópico apresenta uma introdução às principais normas legais relacionadas com o tema, em conjunto com suas características e âmbitos de aplicação.
Constituição Federal
No ponto mais alto do ordenamento jurídico nacional, como lei fundamental do Brasil, servindo de parâmetro de validade a todas as demais espécies normativas, encontra-se a Constituição Federal.
A Constituição, por sua vez, como já adiantado anteriormente, prevê em seu artigo 37, inciso XXI, como regra, a obrigatoriedade de realização de procedimento licitatório:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[…]
XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
Esse dispositivo serve como verdadeiro norte para a matéria. Merece, em verdade, um destaque especial, pois possui grande riqueza em seu conteúdo, estabelecendo diretrizes essenciais sobre o regime jurídico das contratações públicas brasileiras.
Como devemos compreender e interpretar adequadamente o artigo 37, inciso XXI da Constituição Federal?
A primeira oração do inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal (“ressalvados os casos especificados na legislação, […]”) traz, já de início, uma regra de exceção bastante importante: a de que a legislação pode estipular casos excepcionais em que o processo de licitação pública não será obrigatório. É o que ocorre no caso de dispensa de licitação – quando o valor do objeto a ser contratado é considerado baixo, por exemplo – e de inexigibilidade de licitação – quando só há um fornecedor que pode entregar o produto desejado, por exemplo – previstos na Lei Federal nº 8.666/1993 e na Lei Federal nº 14.133/2021.
Seguindo no texto constitucional, lê-se que “[…] as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública […]”. Aqui, fica estabelecido o processo de licitação pública como a regra geral para que o Estado contrate com o particular, qualquer que seja a finalidade e o objeto do contrato, exceto para os casos de ressalva previstos em lei.
A imposição ao Estado, e por ele próprio, de que o processo de licitação pública seja a regra para a contratação com particular não se limita, porém, a este requisito, já que a sequência da redação é a de que este processo deve ocorrer assegurando-se “[…] igualdade de condições a todos os concorrentes […]”. A garantia aqui resguardada é a de que haverá igualdade de tratamento para os licitantes, o que também é denominado como a necessária isonomia entre os licitantes.
Ademais, no que diz respeito ao contrato administrativo a ser firmado com a vitória no processo de licitação, o texto constitucional impõe que sejam mantidas as condições efetivas da proposta e a existência de cláusulas que estabeleçam à Administração Pública as obrigações de pagamento ao particular. Trata-se do conhecido direito ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato. É que, se, para o Estado o objetivo final da contratação pública é cumprir as suas atribuições dirigistas, em prol do bem-estar social dos cidadãos, para o particular contratado o objetivo final é atender o contrato e auferir lucro, sem que seja prejudicado por eventos imprevisíveis ou inevitáveis, ou mesmo por fato causado pela Administração.
Por fim, a redação final do inciso XXI do artigo 37 da Constituição prevê que o processo de licitação pública “[…] somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”. Esta disposição prevê o que se entende por dever de proporcionalidade, a saber: a Administração só pode exigir requisitos mínimos de participação no processo de licitação pública, que sejam estritamente necessários à execução do objeto do contrato a ser celebrado, sob pena de invalidade do certame. Esse dispositivo, então, orienta o conteúdo das demais normas jurídicas sobre a matéria.
O inciso XXVII do artigo 22 da Constituição Federal e a questão da competência para legislar sobre licitações e contratos administrativos
Faz-se válido abordar também o inciso XXVII do artigo 22 da Constituição Federal, cuja previsão é a seguinte:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
[…]
XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III;
Ou seja, a União é o ente federado com maior amplitude de competência legislativa sobre licitações públicas e contratos administrativos. Em outras palavras, a regra é de que os Estados, Distrito Federal e municípios não poderão legislar sobre normas gerais de licitações e contratos administrativos; poderão, por sua vez, legislar sobre normas especiais.
Apesar de não existir consenso sobre o que seriam exatamente “normas gerais”, em contraposição às “normas especiais”, existem alguns núcleos de concordância sobre o tema, como aquelas normas gerais previstas na Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 8.666/93 e 14.133/21) que tratam de: (i) modalidades e tipos de licitação; (ii) hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação. Desse modo, um município não poderá, por exemplo, produzir uma lei que venha a introduzir uma nova modalidade de dispensa do procedimento licitatório, sob pena de inconstitucionalidade.
Outras previsões: O artigo 173, §1º, inciso III e a necessidade de lei específica para regular o procedimento licitatório das empresas estatais e o artigo 175 e o dever de prestação de serviços públicos por parte do Estado
Ainda da Constituição Federal, outra previsão que merece atenção é a do artigo 173, §1º, inciso III. Este dispositivo prevê a necessidade de lei específica para regular o procedimento licitatório das empresas estatais:
Art. 173. […] § 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:
[…] III – licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública;
Essa lei já existe: trata-se da Lei nº 13.303/2016, a qual será estudada mais adiante.
No mais, outro dispositivo constitucional a ser citado é o artigo 175, segundo o qual “Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”. Esse dispositivo, em resumo, indica o dever do Estado brasileiro de prestar serviços públicos, seja de forma direta ou indireta. Se indireta, por meio de concessão ou permissão, mas, nesse caso, sempre por intermédio de licitação.
Diretrizes da Constituição Federal sobre o tema das licitações públicas:
Portanto, para além das regras materiais previstas no inciso XXI do artigo 37, verifica-se que a Constituição Federal estabeleceu as seguintes diretrizes no que tange ao tema das licitações públicas:
(i) é competência privativa da União estabelecer normas gerais em matéria de licitação e contratação pública;
(ii) traz, como regra geral, a obrigatoriedade da licitação para todos os órgãos da administração pública, direta e indireta, nas três esferas de governo;
(iii) traz a obrigatoriedade da licitação também para as empresas públicas e sociedades de economia mista, e respectivas subsidiárias, devendo fazê-lo, entretanto, segundo procedimento estabelecido em regulamento próprio;
(iv) traz a obrigatoriedade do Estado ao prestar serviços públicos de forma indireta, seja por meio de concessão ou permissão, de obrigatoriamente promover processo licitatório.
Lei Geral das Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 8.666/93 e Lei nº 14.133/2021)
A Lei nº 8.666/93 trata das normas gerais de licitação e contratos administrativos. De modo geral, ela é a norma que regulamenta o artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, instituindo normas para licitações e contratos da Administração Pública e dando outras providências.
Esta lei predispõe, já em seu primeiro artigo, que se trata de uma lei que “estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. É como explica Joel de Menezes Niebuhr:
Essa Lei compreende cento e vinte e seis artigos, a maior parte deles fragmentada em vários parágrafos, incisos e alíneas, cujos teores constituem emaranhado de normas que praticamente exaurem a disciplina da licitação pública e do contrato administrativo, pretendendo uniformizar a matéria […]
Nesse aspecto, a Lei nº 8666/93 (em processo de substituição pela Lei nº 14.133/2021), ao estabelecer normas gerais sobre licitações e contratos administrativos no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, aborda o uso de processos licitatórios para a realização de: obras; serviços, inclusive de publicidade (disciplinado complementarmente por lei específica, a Lei nº 12.232/10); compras; alienações; locações; concessões e permissões (disciplinadas por leis específicas, as leis nº 8.987/95 e Lei nº 9.074/95).
No mais, é importante destacar que o artigo 1º da Lei 8.666/93 apresenta não apenas o objeto geral da Lei de Licitações e Contratos, mas também os sujeitos que estão submetidos a essa normativa. Dispõe que se subordinam ao seu regime: (i) os órgãos da administração direta; (ii) os fundos especiais; (iii) as autarquias; (iv) as fundações públicas; (v) as empresas públicas; (vi) as sociedades de economia mistas; e (vii) as demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municipais.
Além disso, podem ser citados como alguns dos principais artigos e previsões da Lei nº 8666/93, e seus correspondentes na Lei nº 14.133/2021, os seguintes:
- O art. 21 determina como deve ser feita a publicação do edital do processo licitatório, incluindo os prazos (correspondente ao art. 53 da Lei nº 14.133/2021);
- O art. 22 que apresenta as cinco modalidades principais de licitação e seus conceito, sendo elas: concorrência; tomada de preços; convite; concurso; leilão. Na Lei nº 14.133/2021, as modalidades estão previstas no artigo 28 e são as seguintes: concorrência, pregão, convite, leilão e o diálogo competitivo;
- O art. 23 apresenta os limites de valores para contratação em cada uma das modalidades de licitação (não há correspondente na Lei nº 14.133/2021);
- O art. 24 determina as 35 hipóteses em que a licitação é dispensável, ou seja, em que é permitido que um poder público realize uma contratação direta (correspondente ao art. 75 da Lei nº 14.133/2021);
- O art. 25 determina as três hipóteses em que a licitação é inexigível, ou seja, em que não pode ser exigido que o poder público conduza um processo licitatório para a contratação. Isso acontece quando a competição entre empresas ou profissionais é inviável (correspondente ao art. 74 da Lei nº 14.133/2021);
- O art. 27 estabelece os requisitos de documentação para que uma empresa se habilite a participar de licitações (correspondente ao art. 62 da Lei nº 14.133/2021);
- O art. 32 esclarece como devem ser apresentados os documentos para a habilitação (correspondente ao art. 70 da Lei nº 14.133/2021);
- O art. 43 apresenta os procedimentos formais que devem ser seguidos para julgar as propostas recebidas dos licitantes, os participantes da licitação (correspondente ao art. 43 da Lei nº 14.133/2021);
- O art. 55 determina as cláusulas necessárias no contrato fechado com a empresa que vencer a licitação (correspondente ao art. 92 da Lei nº 14.133/2021);
De toda forma, como já adiantado, a Lei nº 8.666/93 só permanecerá em vigência até abril de 2023, quando será substituída, definitivamente, pela Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, a Lei nº 14.133/2021.
Durante esse período, ambas as leis podem ser utilizadas, como prevê o artigo 191 da Lei nº 14.133/2021:
Art. 191. Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 193, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso.
Parágrafo único. Na hipótese do caput deste artigo, se a Administração optar por licitar de acordo com as leis citadas no inciso II do caput do art. 193 desta Lei, o contrato respectivo será regido pelas regras nelas previstas durante toda a sua vigência.
Desde o dia primeiro de abril de 2021, com a publicação da Lei Federal nº 14.133, a atenção dos atuantes em Direito Público tem-se voltado para discutir o regramento e entender de que forma ele impactará a sistemática das contratações públicas. Tal preocupação, aliás, é de extrema pertinência, haja vista a amplitude da NLLCA, que, ao prescrever a revogação (a acontecer em dois anos) e ocupar o espaço das Leis nº 8.666/1993 (antiga Lei de Licitações e de Contratos Administrativos), nº 10.520/2002 (Lei do Pregão) e nº 12.462/2011 (Lei do Regime Diferenciado de Contratações Públicas), torna-se a grande referência normativa em matéria de contratações públicas.
Vamos tratar, mais adiante, de modo específico, sobre o perfil e as principais características da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos.
Lei do Pregão (Lei nº 10.520/02) e Decretos nº 3.555/00 (regulamenta o Pregão Presencial) e nº 10.024/2019 (regulamenta o Pregão Eletrônico)
A Lei nº 10.520, de 2002, também chamada de Lei do Pregão, indica uma modalidade de licitação que é bastante utilizada na atualidade, sendo esta destinada para a aquisição de bens e serviços comuns – uma licitação para a obtenção de material de escritório, por exemplo, seria considerado como bem de interesse comum. Trata-se de mais uma lei que se encontra em processo de substituição, que será revogada em abril de 2023.
O pregão possui rito simplificado para a licitação e, historicamente, sob a perspectiva estatística, é a modalidade mais utilizada no Brasil.
Um ponto importante a ser salientado é que esta modalidade não se aplica em determinadas situações, que dizem respeito a objetos incomuns, sendo que, como maior exemplo, encontram-se as obras de engenharia, que não podem ser contratadas por meio de pregão.
Ao contrário da Lei nº 8.666/93 e da Lei nº 14.133/21, trata-se de uma lei bastante sucinta e objetiva. Nesse aspecto, e justamente por não prever todas as situações possíveis em seus 13 artigos, tem-se o artigo 9 da Lei nº 10.520/02, o qual determina que se aplicam, subsidiariamente, para a modalidade pregão, as normas da Lei nº 8.666/93.
Na prática, contudo, o que é mais relevante para a aplicação do pregão está em seu decreto regulamentador. No âmbito federal, essas regras encontram-se dispostas no
Decreto Federal nº 10.024/2019, que regulamenta a licitação na modalidade do pregão eletrônico. Há também o Decreto nº 3.555/2000, que regulamenta o pregão presencial em âmbito federal, embora esta seja uma prática em avançado estágio de desuso, sobretudo quando se trata de licitações do Governo Federal.
A característica essencial da modalidade do pregão é a possibilidade de oferta de lances em tempo real, sejam eles verbais ou eletrônicos, por parte dos licitantes. No caso do pregão, o critério de julgamento busca sempre avaliar apenas o preço (menor preço ou maior desconto). Ou seja, não há que se falar, no caso de pregão, sobre a atribuição de notas a propostas técnicas.
Outras características peculiares estão no fato de existir apenas uma fase recursal, na qual podem ser questionados atos praticados ao longo do certame, e que o certame é conduzido pelo pregoeiro, e não por uma comissão de licitação.
Como dito, a modalidade Pregão, prevista na Lei nº 10.520/2002, passará a ser definitivamente disciplinada pela Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/21) junto das demais modalidades.
O Pregão passa a ser definido pela Lei nº 14.133/2021, no seu inciso XLI do artigo 6º, como a “modalidade de licitação obrigatória para aquisição de bens e serviços comuns, cujo critério de julgamento poderá ser o de menor preço ou o de maior desconto”.
Assim, a partir da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, o Pregão passa a ser obrigatório para a contratação de todo e qualquer bem ou serviço comum.
Por fim, no que se refere ao procedimento desta modalidade, segue-se o rito previsto no artigo 17 da Lei nº 14.133/2021, bastante semelhante ao rito previsto na Lei nº 10.520/2002 (Lei do Pregão), qual seja:
Art. 17. O processo de licitação observará as seguintes fases, em sequência:
I – preparatória;
II – de divulgação do edital de licitação;
III – de apresentação de propostas e lances, quando for o caso;
IV – de julgamento;
V – de habilitação;
VI – recursal;
VII – de homologação.
O que se percebe é que o rito procedimental previsto na Lei nº 10.520/2002 (Lei do Pregão) acabou por inspirar e influenciar o rito licitatório na Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, de modo que a ordem sequencial de etapas do pregão passou a ser adotado como regra nas licitações em geral, inclusive em outras modalidades.
Estatuto Jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias (Lei nº 13.303/2016)
Atualmente, a expressão “empresas estatais” é utilizada na doutrina para se referir de modo geral a qualquer uma das entidades empresariais regidas pela Lei nº 13.303/2016. São as empresas públicas e as sociedades de economia mista e suas subsidiárias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União ou seja de prestação de serviços públicos.
São exemplos de empresas estatais: Banco do Brasil, Petrobras, Eletrobras, BNDES, Caixa Econômica Federal, Embrapa, Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô), Sabesp, etc.
Não é por outra razão que a Lei nº 13.303/2016 é a chamada de Lei das Estatais e, desde a sua promulgação, tem regido, na condição de estatuto especial, as licitações e os contratos administrativos realizados por essas entidades.
Em outras palavras, a Lei nº 13.303/2016 foi criada com a finalidade de definir regras mais claras e rígidas para essas empresas no que diz respeito a compras, licitações e nomeação de diretores, presidentes e membros do conselho de administração. Dessa forma, o seu intuito maior é evitar episódios de corrupção, sobrepreço e qualquer tipo de interferência política indevida em instituições dessa natureza, garantindo relações mais transparentes entre elas e seus fornecedores.
Inclusive, em virtude do contexto acima, a Lei das Estatais mescla institutos de direito privado e de direito público, criando mecanismos de transparência e governança que devem ser observados, o que inclui: (i) regras para divulgação de informações; (ii) práticas de gestão de risco; (iii) códigos de conduta; (iv) orientações para fiscalização do Estado e da sociedade; (v) constituição e funcionamento de conselhos; e, é claro, (vi) normas de licitações e contratos. As regras de licitações e contratos estão previstas entre os artigos 28 a 84 da lei nº 13.303/2016.
Uma das principais exigências da Lei nº 13.303/2016 é a de que seja produzido, por cada empresa estatal, um regulamento interno prevendo os procedimentos para a realização de licitações e formalização de contratos administrativos.
Serviços de publicidade prestados por intermédio de agências de propaganda (Lei nº 12.232/2010)
A contratação de agências de propaganda pela Administração Pública, originalmente, era realizada pela Lei nº 8.666/93. Contudo, esta legislação apresentava regras e procedimentos que não permitiam, eficientemente, a escolha da melhor proposta para prestação de serviços por agências de publicidade, já que a ferramenta e diferencial neste mercado é a criatividade dos profissionais, característica capaz de ser valorada apenas subjetivamente.
Surgiu então a Lei nº 12.232/2010, que criou regras próprias para a contratação de agências de propaganda.
As principais características diferenciadoras nas licitações para a contratação de agência de propaganda estão relacionadas com a forma de apresentação e julgamento das propostas dos participantes.
Em linhas gerais, cada licitante propõe à Administração um plano de comunicação publicitária, o qual contém uma campanha desenvolvida a partir de um desafio publicitário comum a todos os participantes.
Este plano de comunicação publicitária, em conjunto com informações técnicas sobre os próprios licitantes, é julgado por uma subcomissão técnica especializada, formada a partir de um sorteio para a escolha de profissionais isentos, listados pela Administração, com formação em comunicação, publicidade ou marketing ou que atuem em uma dessas áreas.
A Lei trata de enumerar diversos procedimentos para garantir a objetividade necessária às decisões da subcomissão técnica, tais como a anonimização e a padronização das formas de apresentação das propostas técnicas (especificamente, do plano de comunicação publicitária), permitindo o conhecimento do autor apenas depois da revelação das avaliações.
Regime Diferenciado de Contratação Pública (RDC) (Lei nº 12.462/11)
A Lei nº 12.462/11 instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC). Este regime foi concebido para as licitações destinadas à Copa do Mundo de Futebol de 2014 e às Olimpíadas de 2016. Posteriormente, seu uso foi ampliado para as ações integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) (Lei nº 12.745/12), além de licitações e contratos de obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde (Lei nº 12.745/12), entre outras previsões.
De modo geral, o regime foi instituído com a finalidade de suprir uma série de defasagens da Lei nº 8.666/93, acentuadas em um momento no qual o Brasil necessitava realizar obras voluptuosas e que dependiam de um regime licitatório menos burocrático, mais célere, moderno e eficiente, que se adequasse ao cenário das obras que precisavam ser realizadas pelo país.
Este regime jurídico deixará de existir a partir de abril de 2023, em razão da Lei nº 14.133/21. De todo modo, houve a absorção, pela NLLCA, de parcela significativa das inovações trazidas pela RDC.
Lei Complementar nº 123/06
A Lei Complementar nº 123/06 trata do Estatuto da Microempresa e empresa de pequeno porte. Esta lei é relevante no que toca às contratações públicas porque estabelece as regras gerais de tratamento diferenciado e preferencial para microempresas e empresas de pequeno porte (MEs e EPPs) nas licitações.
Em síntese, os principais benefícios e vantagens das MEs e EPPs nas contratações públicas brasileiras são os seguintes:
- Critério de desempate favorável às MEs e EPPs, quando em disputa com outras empresas (artigos 44 e 45);
- Existência de licitações em que somente MEs e EPPs podem participar, com itens de contratação cujo valor é de até R$ 80 mil (art. 48, I);
- Possibilidade de que haja exigência de que o contratado pela Administração Pública subcontrate MEs ou EPPs (art. 48, II);
- Existência de cotas reservadas a MEs e EPPs, em montante de até 25% do quantitativo, em licitações de bens de natureza divisível (art. 48, III)
- Possibilidade de privilegiar a contratação de MEs e EPPs sediadas local ou regionalmente, inclusive mediante o pagamento de preços superiores aos praticados por outras empresas (até 10% do melhor preço válido encontrado) (art. 48, §2º)
- Exigência de comprovação de regularidade fiscal e trabalhista das microempresas apenas por ocasião da assinatura do contrato (Arts. 42 e 43)
As previsões contidas nesta lei configuram o tratamento diferenciado que o Estado brasileiro dedica às MEs e EPPs, o que objetiva fomentar o desenvolvimento nacional sustentável, a partir de uma política de incentivos.
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Estatísticas do mercado público: as contratações diretas são exceção ou regra?
O inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal prescreve a regra geral de que, ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, os serviços, as compras e as alienações serão contratados mediante processo de licitação pública.
Em outras palavras, isto significa que, se não houver uma exceção prevista em lei, a Administração Pública deve realizar uma licitação pública se quiser contratar alguém.
O grande ponto sobre este assunto é que, na prática, essas exceções do plano jurídico representam uma parcela muito significativa das contratações públicas. E isto é muito relevante para a compreensão do universo das licitações e dos contratos administrativos, já que, para atuar neste mercado, é indispensável conhecer o que, de fato, acontece no cotidiano da Administração Pública. Veja, ao longo deste texto, a análise detalhada das principais estatísticas do mercado público.
Os dados do Painel de Compras Públicas
Em estatística que pode até parecer contraintuitiva, extraída de dados das compras públicas entre 2016 e 2020, verifica-se que 71,25% dos contratos celebrados pelo Governo Federal decorreram de processos de contratação pública em que não houve licitação. Do total de contratações celebradas pelo Governo Federal, 59,18% foram fundamentadas em hipóteses de dispensa de licitação e 12,07% em hipóteses de inexigibilidade de licitação pública. Aproveitando a oportunidade para conhecer as modelagens estatisticamente mais comuns no universo das contratações públicas, note-se que, das 258.023 licitações realizadas, no período, pelo Governo Federal, 252.692 licitações foram realizadas pela modalidade do pregão eletrônico. Isto significa que o pregão eletrônico foi responsável por 97,93% das licitações públicas realizadas no período.
Essas estatísticas foram bem analisadas por Eduardo Schiefler, em sua dissertação de mestrado (UnB). Veja-se:
“No período de 2016 a 2020, dos 897.538 processos de compras divulgados no Governo Federal, 531.198 ocorreram por dispensa de licitação e 108.317 por inexigibilidade de licitação, o que corresponde a aproximadamente 71,25% do total de processos. Por sua vez, o restante das compras (28,75%) foi realizado mediante licitação, sendo 252.692 por pregão, 3.134 por tomada de preços, 1.492 por concorrência, 570 por convite, 84 por concurso e 51 por concorrência internacional.
Em valores financeiros despendidos, a ordem de prevalência das modalidades sofre alteração, de sorte que: (i) o pregão representa o principal destinatário dos valores destinados aos processos de compras, atingindo o montante que supera R$ 630 bilhões; em seguida, têm-se (ii) a dispensa de licitação e a inexigibilidade de licitação, as quais representam aproximada e respectivamente R$ 82 bilhões e R$ 78 bilhões; por sua vez, (iii) as demais modalidades de licitação alcançam aproximadamente R$ 10,5 bilhões (concorrência), R$ 1,8 bilhão (tomada de preços), R$ 280 milhões (concorrência internacional), R$ 58 milhões (convite) e R$ 6,6 milhões (concurso). Ademais, observa-se do Painel de Compras que, do total de processos de compras divulgados, a contratação de serviços corresponde a 40,1%, enquanto a de materiais representa 59,9%.
Com o intuito de consolidar as informações que ora foram apresentadas, elaborou-se a seguinte tabela:
Dados disponibilizados no Painel de Compras Públicas, referentes às contratações do Governo Federal entre 2016 e 2020: | |
Valor total estimado | R$ 805.639.740.474,61 |
Valor destinado às ME/EPP | Mais de R$ 460 bilhões |
Quantidade de ME/EPP contratadas | 101.247 |
Quantidade total de processos de compras | 897.538 |
Representação percentual da contratação de materiais em relação à quantidade total de processos de compras | Aproximadamente 59,9% |
Representação percentual da contratação de serviços em relação à quantidade total de processos de compras | Aproximadamente 40,1% |
Quantidade, valores e representação percentual de dispensas de licitação em relação à quantidade total de processos de compras | 531.198 |
Aproximadamente R$ 82 bilhões | |
Aproximadamente 59,18% | |
Quantidade, valores e representação percentual de inexigibilidades de licitação em relação à quantidade total de processos de compras | 108.317 |
Aproximadamente R$ 78 bilhões | |
Aproximadamente 12,07% | |
Representação percentual das contratações diretas (dispensas e inexigibilidades) em relação à quantidade total de processos de compras | Aproximadamente 71,25% |
Quantidade, valores e representação percentual de pregões (presenciais ou eletrônicos) em relação à quantidade total de processos de compras | 252.692 |
Mais de R$ 630 bilhões | |
Aproximadamente 28,15% | |
Quantidade, valores e representação percentual de tomada de preços em relação à quantidade total de processos de compras | 3.134 |
Aproximadamente R$ 1,8 bilhão | |
Aproximadamente 0,35% | |
Quantidade, valores e representação percentual de concorrências em relação à quantidade total de processos de compras | 1.492 |
Aproximadamente R$ 10,5 bilhões | |
Aproximadamente 0,17% | |
Quantidade, valores e representação percentual de convites em relação à quantidade total de processos de compras | 570 |
Aproximadamente R$ 58 milhões | |
Aproximadamente 0,06% | |
Quantidade, valores e representação percentual de concursos em relação à quantidade total de processos de compras | 84 |
Aproximadamente R$ 6,6 milhões | |
Aproximadamente 0,01% | |
Quantidade, valores e representação percentual de concorrências internacionais em relação à quantidade total de processos de compras | 51 |
Aproximadamente R$ 280 milhões | |
Aproximadamente 0,006% |
Tabela 2 – Painel de Compras Públicas do Governo Federal (2016 e 2020)
Como se verifica, na prática, quantitativamente o que deveria ser a exceção (contratação direta de bens e serviços), conforme a legislação constitucional e infraconstitucional, acaba se tornando a regra nos processos de compras públicas, ao passo que a regra (contratação mediante processo licitatório) é empreendida em menos ocasiões. Uma possível justificativa para a ocorrência dessa inversão na realidade administrativa, em termos quantitativos, pode estar presente no fato de ser permitido, diretamente e sem licitação, comprar bens e contratar obras e serviços até um determinado valor, por dispensa de licitação, nos termos da Lei nº 8.666/1993 (artigo 24, I e II), assim como em situações de emergência ou de calamidade pública (artigo 24, IV).
Por outro lado, dentre as modalidades de licitação, exalta-se a contratação por pregão, cuja sistemática de competição foi, em larga escala, incorporada pela Nova Lei de Licitações, de sorte que, sob a sua égide, também passará a ser a regra para as demais modalidades de licitação. A propósito dos pregões, que podem ser empreendidos nas formas presencial ou eletrônica, é importante mencionar uma informação que detém especial pertinência a este trabalho, qual seja, a obrigatoriedade imposta pelo Decreto nº 10.024, de 20 de setembro de 2019, editado pelo Governo Federal, de que os pregões sejam realizados no formato eletrônico, em detrimento do presencial.”
A partir destes dados, pode-se compreender melhor as estatísticas do mercado de contratações públicas.
Compreendendo as Estatísticas do Mercado de Contratações Públicas
Como toda estatística, é importante compreendê-la para além dos números propriamente expostos. Note-se, primeiramente, que uma parcela significativa da estatística se refere à quantidade de contratações, o que não se confunde com o volume financeiro das contratações. Quando se analisa o volume financeiro das contratações, o resultado é distinto.
Daí se verifica que, na prática, a maioria dos contratos administrativos, em termos de quantidade de contratos, são avenças de baixo valor econômico, o que leva à conclusão que a maioria dessas contratações se fundamenta na hipótese de dispensa de licitação em razão do valor. Este cenário tende a se perpetuar com a Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021), uma vez que os limites para as contratações por dispensa em razão do valor foram significativamente aumentados.
Portanto, sob a perspectiva dos negócios empresariais, é fato que existe um imenso mercado público em que as empresas são contratadas sem licitação pública. A depender da precificação do produto ou serviço a ser vendido à Administração, o empreendedor precisará dominar muito mais as normas aplicáveis às contratações diretas, sobretudo a dispensa de licitação, do que as regras de licitação propriamente dita.
Ainda que não sejam as mais pujantes sob a perspectiva financeira, as contratações por dispensa de licitação em razão do valor do contrato representam uma parcela muito significativa das contratações públicas brasileiras e, tomando por base o que ocorre no Governo Federal, a maioria em termos quantitativos de contratações.
E a inexigibilidade de licitação?
Note-se, a partir das estatísticas oficiais, que o mercado das contratações diretas por inexigibilidade de licitação também é muito expressivo: aproximadamente R$ 78 bilhões/ano e mais de 12% dos contratos firmados.
Portanto, há também muito espaço para empreendedores que adotam uma modelagem negocial geradora de produtos ou serviços exclusivos, que não podem ser adquiridos livremente no mercado, por inexistirem concorrentes, ou que oferecem serviços técnicos profissionais especializados, com o objetivo de resolver problemas singulares, especiais, extraordinários.
As estatísticas ora apresentadas foram estruturadas em termos relativos ao próprio mercado de contratações públicas, ou seja, a relação de proporcionalidade é interna ao próprio mercado.
Mas qual é o tamanho deste mercado? Para compreender a dimensão do mercado de contratações públicas, não perca o próximo texto desta série de artigos acerca de licitações públicas e de contratos administrativos.
SCHIEFLER, Eduardo André Carvalho. Controle das Compras Públicas, Inovação Tecnológica e Inteligência Artificial: o paradigma da administração pública digital e os sistemas inteligentes na Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 2021. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade de Brasília – UnB, Brasília, 2021, p. 29-30.
As informações foram extraídas do Painel de Compras Públicas no mês de abril de 2021, de sorte que eventuais alterações podem ter ocorrido por conta de possíveis correções empreendidas pelo Governo Federal em momento posterior.
Os valores referentes às modalidades de licitação, que são determinadas de acordo com os seus limites (artigo 23 da Lei nº 8.666/1993), foram atualizados pelo Decreto nº 9.412/2018; consequentemente, as contratações diretas por dispensa de licitação, com base no artigo 24, I e II, da Lei nº 8.666/1993, foram majorados para R$ 33.000,00 (obras e serviços de engenharia) e para R$ 17.600,00 (compras e serviços que não configuram de engenharia). Com a Nova Lei de Licitações, estes limites foram majorados ainda mais, para R$ 100.000,00 (obras e serviços de engenharia ou de serviços de manutenção de veículos automotores) e para R$ 50.000,00 (outros serviços e compras), conforme o seu artigo 75, I e II, assim como o § 1º do mesmo dispositivo legal.
Por exemplo, nos processos licitatórios fundamentados na Nova Lei de Licitações, foi absorvida a característica dos pregões de inverter as fases de julgamento das propostas e de análise da habilitação dos licitantes, de acordo com o artigo 17, IV e V, da nova lei.
Decreto Federal nº 10.024/2019: Art. 1º […] § 1º A utilização da modalidade de pregão, na forma eletrônica, pelos órgãos da administração pública federal direta, pelas autarquias, pelas fundações e pelos fundos especiais é obrigatória.
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Estatísticas do mercado público: as compras públicas representam 12% do PIB
Ninguém duvida que o mercado das compras públicas é relevante e toma grandes proporções no Brasil. A questão é saber qual o seu tamanho exato e, mais importante que isso, como mensurá-lo?
Antes de adentrar-se às nuances deste tema propriamente dito, é importante lembrar que, historicamente, as contratações públicas podem ser vistas como instrumentos potenciais de indução de práticas e comportamentos nos âmbitos administrativo e particular, tendo em vista a sua importância e as suas características quantitativas, qualitativas e financeiras.
É dizer, não raramente as contratações públicas são utilizadas legitimamente não apenas como uma forma de satisfazer as necessidades primárias dos cidadãos e da própria administração, mas também como uma ferramenta política para induzir determinado comportamento no poder público ou na sociedade civil, com vistas a desenvolver algum setor ou promover alguma mudança em sua estrutura e em seu modo de agir.
Considerando também essa função instrumental, não seria absurdo afirmar que praticamente toda e qualquer atividade da Administração Pública envolve, em determinado momento e em maior ou menor grau, a contratação de bens e serviços (seja mediante licitação, seja por contratação direta).
E como, no Brasil, as funções administrativas avançam sobre as mais variadas áreas sociais, por opção constitucional e legal, a consequência da atuação do poder público não poderia ser outra: as compras públicas representam um percentual significativo do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
O Estado brasileiro é o maior comprador atuante em nosso mercado:
Existem dúvidas sobre como mensurar o percentual do PIB correspondente às contratações públicas, já que não existe apenas uma metodologia de calcular tal indicador econômico nem consenso sobre quais contratos devem ser levados em consideração no cálculo a ser realizado. Há uma dificuldade inerente ao processo de definição sobre o volume de contratações públicas e o seu impacto na economia.
A despeito disso, é possível, de fato, ter uma noção aproximada sobre o percentual do PIB representado pelas compras públicas no Brasil. Estudos técnicos foram realizados e conferem certa segurança ao afirmarem que as compras públicas representaram, nas duas primeiras décadas do século XXI, uma média de aproximadamente 12% do PIB brasileiro.
É o que se verifica, primeiramente, no estudo realizado por Cássio Garcia Ribeiro e Edmundo Inácio Júnior, pesquisadores visitantes do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea, que desenvolveram uma metodologia para mensurar o mercado brasileiro de compras públicas entre 2006 e 2017. Os dados obtidos por tal metodologia resultaram nesta seguinte tabela:
Verifica-se que, entre os anos de 2006 e 2017, o volume médio anual das compras governamentais do Brasil (abrangendo a União, os Estados e os Municípios) foi de 12,5% do PIB, representando uma média anual de R$ 499,5 bilhões. A União tem participação majoritária neste quantitativo, o que demonstra a sua relevância sobre parcela substancial do PIB brasileiro, o qual, tanto em termos absolutos como em termos proporcionais, torna evidente a influência das contratações públicas na economia do País.
Como destacado anteriormente, os números percentuais e absolutos alcançados para representar as compras públicas no PIB brasileiro dependem da metodologia utilizada. Como toda pesquisa científica, adotam-se premissas que justificam a conclusão dentro das possibilidades criadas pelas métricas e pelos dados que foram selecionados, de sorte que verificações similares ou distintas sobre o mesmo tema podem coexistir e ser igualmente válidas.
Especificamente sobre a mensuração das compras públicas, Denis Audet explica que existem poucos estudos de quantificação do tamanho do mercado de compras públicas, sendo que os seus resultados não são, necessariamente, comparáveis, uma vez que diferentes conceitos podem ter sido adotados, ocasionando conclusões distintas. Como exemplo, cita-se a afirmação feita, em avaliação produzida pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE sobre o Sistema de Integridade da Administração Pública Federal Brasileira, de que as compras públicas têm uma proeminência como instrumento político e, no âmbito dos países membros da OCDE, representam entre 4% a 14% do PIB, enquanto no Brasil as estimativas mais conservadoras indicam que o valor giraria em torno de 8,7% do PIB.
Independentemente disso, é importante observar que a média alcançada pelo primeiro estudo indicado acima, de 12% do PIB brasileiro, está compatível com o que ocorre nos países membros da OCDE, de modo que é seguro utilizar este número percentual como representativo das compras públicas.
Para corroborar ainda mais tal posicionamento, cita-se um segundo estudo, também proveniente do Ipea, mas que desta vez envolveu um número maior de pesquisadores. Além dos dois já citados (Cássio Garcia Ribeiro e Edmundo Inácio Júnior), juntaram-se a eles Vera Thorstensen, Luís Felipe Giesteira, Antonio Pedro Rima de Oliveira Faria e Ignácio Tavares de Araújo Júnior. Com pequenas alterações nos números absolutos, as médias percentuais do PIB representadas pelas compras públicas permaneceram praticamente inalteradas em relação ao primeiro estudo.
Este estudo analisou as compras públicas entre 2002 e 2019 e concluiu que, neste período, a média das compras públicas foi de 12,0% do PIB brasileiro, tendo igualmente a União uma posição majoritária nos quantitativos:
Observa-se da tabela que, em termos de números absolutos, o auge das contratações públicas ocorreu entre os anos de 2012 e 2014, alcançando o montante de R$ 994 bilhões neste último. Por sua vez, em termos proporcionais, o seu auge aconteceu em 2010, quando as compras públicas representaram incríveis 13,5% do PIB brasileiro.
Ainda, nota-se que neste período (2002-2019) as compras da União representaram em termos proporcionais (percentual do PIB) uma média anual de mais de 50% de todas as compras públicas brasileiras (6,6% do PIB), abrangendo nesta comparação os Estados e os Municípios. Os Estados, por sua vez, contrataram o equivalente a 2,2% do PIB nestes anos, enquanto os mais de 5.500 Municípios atingiram uma média de 3,1% do PIB.
Volume de Compras das estatais brasileiras: Petrobras e Eletrobras:
Além do que foi exposto acima, outras análises foram realizadas no âmbito do mesmo estudo, conforme se verifica da tabela abaixo, na qual se observaram as compras governamentais da União, destacando especialmente aquelas empreendidas pelo Grupo Petrobras e pelo Grupo Eletrobras, duas empresas estatais brasileiras que possuem especial relevância:
Da leitura dos dados que culminaram no desenvolvimento da tabela acima, o estudo apontou: (i) o protagonismo da administração indireta diante da administração direta; (ii) o protagonismo da Petrobras, que contribui com mais da metade do mercado de compras do Governo Federal; (iii) a existência de dois ciclos, sendo o primeiro de expansão do mercado de compras da União até 2012 e o segundo a partir de 2015, em que há uma tendência mais significativa de queda no volume das compras.
Especificamente em relação ao Grupo Petrobras, destacou-se que, em relação ao mercado de compras da União, no primeiro ciclo identificado, as aquisições da empresa estatal “mais do que duplicaram em uma década, saltando de R$ 147 bilhões para R$ 349,95 bilhões, entre 2002 e 2012. Aliás, o auge da participação relativa da estatal brasileira ocorreu em 2012, ano em que suas compras atingiram 5,2% do PIB do país. Naquele ano, suas aquisições constituíram aproximadamente 66% do total das compras do governo federal.”. Já no que toca ao segundo ciclo, “há uma queda pronunciada nas aquisições de bens e serviços realizadas pela petroleira brasileira de R$ 370 bilhões (ou 5,2% do PIB, em 2012) para R$ 180 bilhões (ou 2,6% do PIB, em 2016). Se na primeira fase os indicadores da Petrobras foram animadores, isso não se pode dizer da segunda. A crise enfrentada pela estatal brasileira desde o período 2014-2015 e a queda do preço do petróleo ajudam a entender a redução dos gastos da Petrobras com compras de bens e serviços.”.
Já em relação ao Grupo Eletrobras, observou-se que é responsável por efetuar, autonomamente, compras em volume anual bastante similar a toda a administração direta federal ou à administração indireta federal. Assim como a Petrobras, o volume contratado pela Eletrobras é substancial e representa dezenas de bilhões de reais anualmente. Somadas, entre os anos de 2002 e 2019, as compras destas duas empresas estatais representaram em termos proporcionais uma média de 70% das compras públicas da União (4,66% do PIB brasileiro em relação aos 6,6% representados pelas compras da União).
Conclusão:
Nesse sentido, muito embora a mensuração do volume das compras públicas e a sua representação em percentual do PIB sejam atividades complexas a serem empreendidas, a grande questão incontroversa é que o mercado de compras públicas é, na realidade brasileira, um setor extremamente ativo e pujante.
Este mercado se relaciona com praticamente todas as funções da administração pública, bem como envolve quase um trilhão de reais anualmente, havendo, inclusive, alguns núcleos de maior notoriedade, a exemplo do Governo Federal e, mais especificamente, das grandes empresas estatais, como a Petrobras e a Eletrobras.
Para saber mais sobre a temática de contratações públicas e licitações, continue acompanhando nosso conteúdo, inscreva-se em nosso newsletter e baixe gratuitamente o e-book Guia das modalidades de licitação: atualizado de acordo com a nova Lei nº 14.133/2021.
Cf. COSTA, Caio César de Medeiros; TERRA, Antônio Carlos Paim. Compras públicas: para além da economicidade. Brasília: Enap, 2019. p. 5.
RIBEIRO, Cássio Garcia; JÚNIOR, Edmundo Inácio. O Mercado de Compras Governamentais Brasileiro (2006-2017): mensuração e análise. Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Brasília: Ipea, 2019. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/9315/1/td_2476.pdf. Acesso em: 20 fev. 2022.
AUDET, Denis. Government Procurement: a Synthesis Report. OECD Journal on Budgeting. Vol. 2, n. 3. OECD 2002. p. 152-153. Disponível em: https://read.oecd-ilibrary.org/governance/government-procurement-a-synthesis-report_budget-v2-art18-en. Acesso em: 22 fev. 2022.
OCDE. Avaliação da OCDE Sobre o Sistema de Integridade da Administração Pública Federal Brasileira: Gerenciando Riscos por uma Administração Pública Íntegra. 2011. p. 37. Disponível em: https://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/articulacao-internacional/convencao-da-ocde/arquivos/avaliacaointegridadebrasileiraocde.pdf. Acesso em: 20 fev. 2022.
THORSTENSEN, Vera; et al. Brasil na OCDE: Compras Públicas. Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Brasília: Ipea, 2021. Disponível em: https://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/47061/1/S2100424_pt.pdf. Acesso em: 20 fev. 2022.
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