Entenda a guarda compartilhada na prática
O que é a guarda compartilhada?
A guarda compartilhada é a responsabilização conjunta e a divisão igualitária das questões referentes à vida dos infantes entre os genitores, tais como o dever de sustento, criação e educação.
Essa modalidade de guarda permite que sejam amenizadas as consequências do fim da relação conjugal dos pais, possibilitando a manutenção e permanência do vínculo afetivo entre pais e filhos.
As disposições legislativas acerca da aplicação da guarda compartilhada estão dispostas na Lei nº 13.058/14, a qual alterou o Código Civil de 2002. Como regra geral, a guarda compartilhada deve ser aplicada nos casos de separação e divórcio. Somente em casos excepcionais, como a inexistência de interesse na guarda por parte de um dos genitores ou incapacidade de um dos genitores de exercer o poder familiar, é que se aplica a guarda unilateral.
Além disso, é importante ressaltar que a guarda compartilhada não se confunde com a guarda alternada, modalidade de guarda não reconhecida na legislação brasileira. Na guarda compartilhada, as responsabilidades são divididas entre os genitores, mas a moradia não segue o mesmo ciclo. Enquanto na guarda alternada, o infante reside alternadamente em dois lares, onde cada genitor realiza a guarda unilateral em seu período de custódia física com o filho.
É possível fixar a guarda compartilhada quando os pais moram em cidades diferentes?
Sim. A fixação da guarda compartilhada pode ser realizada mesmo quando os pais moram em cidades distintas, visto que essa modalidade de guarda não exige a permanência do infante em ambas as residências.
O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, já proferiu diversas decisões em que entende admissível a fixação da guarda compartilhada quando os genitores residem em cidades diferentes, uma vez que o avanço tecnológico possibilitou que os pais compartilhem as responsabilidades sobre os infantes mesmo à distância.[1]BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1878041 SP 2020/0021208-9. Relatora Ministra Nancy Andrighi – Terceira Turma. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, 25 de maio de … Continue reading
Como é definida a moradia base do infante na guarda compartilhada?
No caso supracitado, em que os genitores residem em cidades diferentes, a fixação da cidade base como moradia é escolhida visando ser aquela que melhor atende aos interesses dos filhos.
No cenário em que os pais residem na mesma cidade, o STJ entende como possível a existência de uma residência fixa, a qual deve ser decidida visando alguns fatores, tais como a localização e a disponibilidade de tempo de cada genitor, mas dando o direito de livre convivência ao outro.
Quantos dias os filhos permanecem com cada genitor?
A legislação entende que o tempo de convivência com cada genitor deve ser analisado e decidido de modo equilibrado, sempre prezando as condições de ambas as partes e o interesse do infante.
Dessa forma, o estabelecimento das atribuições entre os genitores e seus respectivos períodos de convivência são baseados na análise do juízo, a partir de uma orientação técnico-profissional realizada.
Quando a guarda é compartilhada é necessário o pagamento de pensão alimentícia?
Sim. A guarda compartilhada e a pensão alimentícia são institutos diferentes. Enquanto a primeira diz respeito a criação, convivência e educação dos infantes, a segunda abrange as necessidades fundamentais de manutenção e sobrevivência, tais como alimentação e lazer.
Nesse sentido, a concessão da guarda compartilhada não exaure o pagamento da pensão alimentícia, ou seja, não subtrai a obrigação alimentar do genitor alimentante. Nesses casos, o pagamento da pensão deve ser realizado ao genitor com quem os filhos possuem o lar de referência, sempre prezando pelo binômio possibilidade do alimentante e necessidade do alimentado.
Quais são as vantagens da guarda compartilhada?
Atualmente, a guarda compartilhada é entendida como o melhor tipo de guarda visando a minimização dos efeitos da ruptura da união dos pais, pois busca preservar o convívio e o vínculo familiar, reduzindo conflitos e sofrimentos.
Além disso, na guarda compartilhada prevalece a divisão igualitária de tarefas, decisões e responsabilidades, reduzindo a sobrecarga de apenas um dos genitores na criação e educação dos filhos.
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Referências[+]
↑1 | BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1878041 SP 2020/0021208-9. Relatora Ministra Nancy Andrighi – Terceira Turma. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, 25 de maio de 2021. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/1221611171. Acesso em: 13 set. 2022. |
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As etapas da Concorrência na Nova Lei de Licitações
A Concorrência, modalidade de licitação com previsão no art. 6º, inciso XXXVIII, art. 28, inciso II, e art. 29 da Lei nº 14.133/2021 (NLLCA), é caracterizada pela completude de seus procedimentos, sendo composta por várias etapas, e contando com diversos possíveis critérios de julgamento.
À luz da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, a modalidade Concorrência pode ser subdividida em 9 etapas, são elas: (i) Credenciamento de representantes; (ii) Apresentação das propostas; (iii) Abertura das propostas; (iv) Julgamento e classificação; (v) Modos de disputa; (vi) Negociação; (vii) Habilitação; (viii) Recursos; e (ix) Homologação.
Por tratar-se de modalidade complexa, o presente artigo abordará cada uma de suas etapas para, de forma objetiva e clara, explicar suas principais especificidades.
(i) Credenciamento de representantes:
Como a Concorrência é uma modalidade composta por diversas etapas e sessões públicas, que normalmente são realizadas em datas distintas e para diferentes propósitos (recebimento das propostas, divulgação do julgamento, habilitação, etc.), é comum que ocorra, quando da abertura do certame (1ª sessão pública), o ato de credenciamento de representantes das empresas licitantes.
Neste ato, que não possui correspondência com o procedimento auxiliar “credenciamento” (art. 79 da Nova Lei de Licitações), o representante da empresa interessada em participar da licitação comprova à Comissão de Contratação que possui poderes para agir em nome da pessoa jurídica, mediante a apresentação de documento de identificação pessoal e, a depender do caso, de procuração pública ou particular e do ato constitutivo da empresa (contrato social).
Ao agir assim, a empresa licitante poderá ser representada no certame pela pessoa credenciada, nos termos do ato que lhe outorgou poderes. Exemplificativamente, estes poderes podem compreender (e normalmente compreendem) a assinatura e a apresentação de propostas e documentos, a participação nas sessões públicas, a interposição de recursos e a negociação de preços e condições, bem como, de forma genérica, a assinatura de quaisquer documentos e a prática de todos os atos indispensáveis para a regular participação da empresa no certame.
Ainda que o credenciamento de um representante não seja um requisito obrigatório para que uma empresa interessada possa participar da licitação, é um ato extremamente importante para que a licitante consiga praticar atos de seu interesse e defender os seus direitos durante as etapas do certame.
(ii) Apresentação das propostas:
A forma com que ocorre a etapa de apresentação das propostas técnicas e de preços pode depender de como a Concorrência está sendo realizada, isto é, se no formato eletrônico ou presencial. No âmbito das licitações regidas pela Lei nº 8.666/1993, esta modalidade de licitação ocorria quase que inteiramente de forma presencial, salvo a divulgação de alguns atos e comunicações no sítio eletrônico do órgão, por e-mail ou no diário oficial.
Agora, com o advento da NLLCA, ficou nítida a opção do legislador em privilegiar os processos administrativos eletrônicos[1]Sobre a tramitação eletrônica de processos administrativos, ver: SCHIEFLER, Eduardo André Carvalho. Processo Administrativo Eletrônico. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019., ou seja, a tramitação eletrônica dos processos licitatórios. A nova lei é clara e expressa: utilizando-se do termo “preferencialmente” (art. 12, inciso VI, e art. 17, § 2º), a regra passa a ser o formato eletrônico, e a exceção se torna a forma presencial, que deve ser sempre motivada.
Prova disso é que, no art. 17, § 5º, a nova lei qualifica expressamente a forma presencial como “hipótese excepcional de licitação”, assim como determina, como regra, que “a sessão pública de apresentação de propostas deverá ser gravada em áudio e vídeo, e a gravação será juntada aos autos do processo licitatório depois de seu encerramento”..
Dessa forma, a etapa de apresentação das propostas técnicas e/ou de preços (a depender do critério de julgamento adotado na licitação) também está relacionada com a forma do processo administrativo de contratação pública, se “eletrônico” ou se “presencial”.
Quando a entrega das propostas deve ocorrer presencialmente, em sessão pública, o representante da empresa nada mais faz do que literalmente entregar o envelope contendo os documentos da proposta à Comissão, ao passo que no formato eletrônico possivelmente será exigido do licitante o cadastro prévio em um sistema que permita o envio de arquivos eletrônicos, a exemplo do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), no caso dos certames do Governo Federal regulados pela Nova Lei de Licitações.
(iii) Abertura das propostas:
No que toca à etapa de abertura das propostas, é essa ocasião que permite a comparação das propostas dos licitantes, e por sua vez o julgamento e a classificação das propostas mais vantajosas para a Administração, a depender do critério selecionado e previsto em edital.
Em algumas situações, após o recebimento e abertura das propostas, a Administração segue a uma rodada de aposição de rubricas nos conteúdos dos invólucros, pois o julgamento propriamente dito das propostas não acontecerá instantaneamente. É possível até mesmo que determinados envelopes não sejam abertos nesta ocasião, sendo que, nesses casos, as rubricas são adicionadas aos fechos dos envelopes. Em casos como esses, o resultado do julgamento das propostas é divulgado em data futura, previamente designada, em sessão pública específica para tal intento.
Isto ocorre normalmente nas hipóteses de propostas técnicas (em que o critério de julgamento é o “melhor técnica” ou “técnica e preço”), justamente porque é preciso haver tempo hábil para a análise das propostas apresentadas pelos licitantes.
Por outro lado, quando se está diante de uma Concorrência com propostas exclusivamente de preços, ou de critérios técnicos simplificados de julgamento, a abertura e o julgamento das propostas pode ocorrer no mesmo ato ou dia da entrega dos envelopes pelas empresas.
(iv) Julgamento e classificação:
Na Concorrência regida pela Lei nº 8.666/1993, os critérios de julgamento foram, por muito tempo, chamados de “tipos” de licitação, que poderiam ser: (i) o de menor preço; (ii) a de melhor técnica; (iii) a de técnica e preço; e (iv) a de maior lance ou oferta (nos casos de alienação de bens ou concessão de direito real de uso). Estes critérios estão previstos nos incisos do art. 45 da Lei nº 8.666/1993.
Na NLLCA, por sua vez, os critérios de julgamento das propostas apresentadas em sede de Concorrência podem ser diversos, a exemplo: (i) do menor preço; (ii) da melhor técnica ou conteúdo artístico; (iii) da técnica e preço; (iv) do maior retorno econômico; e (v) do maior desconto. Estas possibilidades estão previstas nos incisos do art. 6º, inciso XXXVIII, da Lei nº 14.133/2021, sendo que os os critérios (iv) maior retorno econômico e (v) maior desconto são novidades para a modalidade Concorrência.
A etapa de julgamento, assim como as demais etapas que compõem um processo licitatório, depende da modalidade adotada e, naturalmente, do critério de julgamento.
Dessa forma, como salientado acima, o julgamento das propostas pode dar-se de maneira mais objetiva nas hipóteses em que a classificação será estruturada de acordo com propostas mais vantajosas em termos exclusivamente financeiros (menor preço ou maior desconto, por exemplo).
No que diz respeito às concorrências públicas cujos critérios de julgamento envolvem a técnica, é bastante usual que tal etapa seja antecedida de uma análise por uma comissão de avaliadores (como no caso das licitações de serviços de publicidade, regidas pela Lei nº 12.232/2010), de modo que, posteriormente, uma sessão pública é agendada para a divulgação da classificação final. A propósito, de acordo com a NLLCA (art. 37), a atribuição de notas a quesitos de natureza qualitativa obrigatoriamente deve ocorrer por banca designada para tal fim, ou seja, por uma comissão de avaliadores.
É no momento do julgamento que pode haver a desclassificação de propostas que contiverem vícios insanáveis ou apresentem preços inexequíveis ou acima do orçamento estimado para a contratação, nos termos das hipóteses previstas nos incisos do art. 59 da Lei nº 14.133/2021.
Também é nesse momento que pode ocorrer um empate entre duas ou mais propostas consideradas como mais vantajosas à Administração, de acordo com o critério de julgamento adotado. Nessa situação, serão aplicados os critérios de desempate compreendidos pelo art. 60 da Lei nº 14.133/2021, que envolvem a apresentação de novas propostas, a avaliação de desempenho contratual prévio de licitantes, a análise de ações de equidade entre homens e mulheres no ambiente de trabalho e a avaliação de programas de integridade dos licitantes, dentre outros critérios.
(v) Modos de disputa:
Aqui há uma novidade importante na NLLCA: o modo de disputa em licitação que é conduzida pela modalidade Concorrência. De maneira específica, o art. 56 da Nova Lei de Licitações dispõe que a disputa na Concorrência pode ser realizada no modo aberto (lances sequenciais) ou fechado (proposta única, apresentada sem o conhecimento das demais propostas), ou mediante a combinação de ambas.
O modo aberto é a “hipótese em que os licitantes apresentarão suas propostas por meio de lances públicos e sucessivos, crescentes ou decrescentes”, enquanto o modo fechado é a “hipótese em que as propostas permanecerão em sigilo até a data e hora designadas para sua divulgação”.
De acordo com a NLLCA, e diferentemente do que ocorre na Lei nº 8.666/1993, os critérios de julgamento de “menor preço” e de “maior desconto” não podem ser realizados a partir do modo de disputa fechado. Ou seja, vedou-se o uso do modo de disputa fechado (apresentação sigilosa de proposta única, a ser aberta e comparada com as demais propostas) quando o critério de julgamento estiver unicamente vinculado a uma questão de preço. Por outro lado, e provavelmente em razão de uma pretendida simplificação do procedimento, a disputa aberta (lances sequenciais) é vedada nas hipóteses em que o julgamento se dará por meio do critério de julgamento técnica e preço.
(vi) Negociação:
Uma vez definida a proposta vencedora, o órgão licitante poderá negociar por condições mais vantajosas à Administração com o primeiro colocado. Em caso de impasse na negociação, será adotado procedimento idêntico e sucessivo com os demais licitantes classificados.
Nas Concorrências Públicas regidas pela Lei nº 8.666/1993, a etapa de negociação pode ocorrer, por exemplo, no âmbito das licitações cujo critério de julgamento é o de “melhor técnica”, nos termos do seu art. 46, § 1º. Embora não haja disposição expressa pela Lei nº 8.666/1993, a etapa de negociação também é admitida em outras modalidades de licitação, entendimento sustentado pelo Acórdão nº 1401/2014, da 2ª Câmara do Tribunal de Contas da União (TCU).
Por outro lado, a negociação conforme as regras da NLLCA (art. 61) não depende do critério de julgamento, sendo inviável apenas nos casos em que o valor a ser pago é predefinido no edital. Mais do que isso, a Lei nº 14.133/2021 também estabelece que a competência para realizar a negociação é do agente de contratação ou da comissão de contratação, na forma de regulamento. Também consigna, em prol da publicidade e da formalidade dos processos administrativos, que o resultado da negociação será divulgado e anexado aos autos do processo licitatório (art. 61, § 2º).
A bem da verdade, na prática, as negociações em licitação costumam acontecer mediante simples barganha por parte da Administração, que questiona se o particular está disposto a diminuir o preço de sua proposta, mas sem resultar em alterações nas especificações do objeto a ser executado. Essas alterações, se acontecerem, devem necessariamente melhorar a economicidade da contratação, sob a perspectiva pública, ou então aumentar os encargos do particular, mas nunca diminuí-los (por exemplo, seria possível obter em negociação uma redução de preços ou um prazo menor de entrega de um produto à Administração, mas não seria possível conceder ao particular um prazo superior).
(vii) Habilitação:
A etapa de habilitação, de acordo com o art. 62 da Nova Lei de Licitações, é “a fase da licitação em que se verifica o conjunto de informações e documentos necessários e suficientes para demonstrar a capacidade do licitante de realizar o objeto da licitação”.
A habilitação é categorizada em “jurídica”, “técnica”, “fiscal, social e trabalhista” e “econômico-financeira”, cada qual com sua relevância para o processo de contratação pública e com critérios próprios de avaliação, conforme o edital.
No que se refere ao momento em que ocorre a etapa de habilitação das licitantes, a Nova Lei de Licitações proporcionou uma alteração substancial em comparação com o regime da Lei nº 8.666/1993: a inversão das fases de habilitação e de julgamento das propostas.
Até o advento da Lei nº 14.133/2021, que aproximou o rito procedimental da concorrência pública e do pregão, ambas as modalidades possuíam ritos distintos, em especial no que toca ao momento de averiguação da habilitação dos licitantes.
Enquanto no rito da Concorrência (estipulado pela Lei nº 8.666/1993) a etapa de habilitação ocorre no início do processo licitatório, de sorte que apenas os licitantes devidamente habilitados podem apresentar propostas, no rito do Pregão apenas se verifica o atendimento aos critérios de habilitação das licitantes cujas propostas não foram desclassificadas – sendo que, em alguns casos, analisa-se a habilitação apenas da primeira colocada (conforme permitido pelo art. 63, inciso II, da Lei nº 14.133/2021).
A Nova Lei de Licitações, contudo, formalizou a comentada “inversão de fases” como padrão do rito procedimental das licitações públicas no seu novo regime de contratações. O art. 29 da Lei nº 14.133/2021 determina que tanto a concorrência pública como o pregão seguirão o rito procedimental comum previsto no art. 17, o qual prevê que a etapa de habilitação ocorrerá, via de regra, depois do julgamento das propostas.
Esta alteração é vista como uma forma de tornar o procedimento mais célere, pois, como regra, “será exigida a apresentação dos documentos de habilitação apenas pelo licitante vencedor”, conforme preceitua o inciso II do artigo 63. Ainda assim, é uma regra passível de flexibilização, se comprovado que a antecipação da fase de habilitação é positiva, nos termos do § 1º do art. 17 da NLLCA.
(viii) Recursos:
Outra novidade advinda da nova lei diz respeito à fase recursal una, razão pela qual não mais poderão ser interpostos recursos ao final de cada fase, como é o padrão da Lei nº 8.666/1993. Nesse sentido, caso o licitante de uma concorrência pública tenha o interesse de interpor recurso contra o julgamento da sua proposta técnica, por exemplo, será preciso aguardar as demais etapas, inclusive de habilitação, para interpor o recurso ao final do certame.
Isso é o que está disposto no teor do art. 165 da Lei nº 14.133/2021, que prevê um prazo de 3 (três) dias úteis para a interposição de recurso contra o julgamento das propostas ou o ato de habilitação ou inabilitação de licitante, dentre outras hipóteses (para situações não previstas no art. 165, inciso I, é cabível o pedido de reconsideração, nos termos do inciso II).
Independentemente de o licitante ter interposto recurso (inciso I) ou apresentado pedido de reconsideração (inciso II), o art. 168 da Lei nº 14.133/2021 garante o efeito suspensivo do ato ou da decisão recorrida, até que a autoridade competente por apreciar os argumentos do licitante profira decisão.
Destaca-se, contudo, que a ventilada fase recursal una diz respeito apenas a estas duas hipóteses recursais, nos termos do § 1º do art. 165 da Lei nº 14.133/2021. Em ambos os casos, como dito, os licitantes não poderão interpor o recurso imediatamente, mas deverão manifestar imediatamente a intenção de recorrer, sob pena de preclusão (tal como ocorre com o pregão no regime anterior ao advento da Nova Lei de Licitações). O prazo recursal se iniciará após a etapa de habilitação ou, na hipótese de inversão de fases, depois do julgamento das propostas.
De acordo com o § 2º do art. 165 da nova lei, o recurso deve ser dirigido à autoridade que praticou o ato ou proferiu a decisão impugnada, a qual terá a oportunidade de se retratar do seu posicionamento em até 3 (três) dias úteis. Caso haja a reconsideração, a autoridade deverá encaminhar o recurso com a sua motivação para o seu superior hierárquico, o qual terá até 10 (dez) dias úteis para apreciar o recurso.
(ix) Homologação:
Por fim, quanto ao momento de homologação do certame, tal procedimento está previsto no art. 71, inciso IV, da Lei nº 14.133/2021, segundo o qual, após o encerramento das fases de julgamento, de habilitação e recursal, a autoridade competente poderá adjudicar o objeto e homologar a licitação.
Vale observar que o certame somente poderá ser adjudicado e homologado caso a autoridade administrativa não verifique a existência de irregularidades que exijam o retorno dos autos para saneamento (art. 71, inciso I), não revogue a licitação por motivo de conveniência e oportunidade, baseado em fato superveniente (inciso II), ou não identifique uma ilegalidade insanável e anule o certame (inciso III). Em quaisquer desses casos, a autoridade deverá motivar o seu posicionamento.
Você possui alguma outra dúvida ou sugestão em relação ao tema? Entre em contato conosco por meio do e-mail contato@schiefler.adv.br, para que um dos nossos advogados especialistas na área de Licitações Públicas possa lhe atender.
Referências[+]
↑1 | Sobre a tramitação eletrônica de processos administrativos, ver: SCHIEFLER, Eduardo André Carvalho. Processo Administrativo Eletrônico. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. |
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Pregão: o que você precisa saber sobre essa modalidade de licitação?
Desde que instituído, o pregão revolucionou o ambiente de negócios entre particulares e o Estado brasileiro, sendo hoje a modalidade de licitação que mais movimenta recursos públicos, segundo dados disponibilizados no Portal de Compras do Governo Federal.
Diante da importância do tema, o presente artigo tem o intuito de sintetizar as principais informações sobre o pregão, tratando dos seus aspectos gerais, da legislação aplicada, do conceito de bens e serviços comuns, da obrigatoriedade desta modalidade e, em especial, das mudanças promovidas pela Lei nº 14.133/2021, a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (NLLCA).
Aspectos gerais
Criado em maio de 2000 e consolidado pela Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, o pregão surgiu como uma modalidade de licitação para aquisição de bens e serviços comuns.
Exterior ao rol do art. 22 da Lei nº 8.666/1993, esta modalidade visava à facilitação do procedimento licitatório pela Administração Pública no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Poucos anos depois, em 31 de maio de 2005, o Decreto nº 5.450 disciplinou a forma eletrônica do pregão, dando início a uma verdadeira revolução operacional nas contratações públicas de bens e serviços comuns. Atualmente, o pregão eletrônico é regulamentado pelo Decreto nº 10.024/2019.
Em linhas gerais, a modalidade trouxe relevante aprimoramento dos procedimentos licitatórios, traduzindo-se especialmente em maior simplificação e celeridade nas contratações públicas. Em pouco tempo o pregão tornou-se a modalidade de licitação mais utilizada em todos os âmbitos da Administração Pública.
Hoje em dia, as contratações precedidas de pregão consubstanciam, proporcionalmente, o maior valor de contratações no país. Segundo dados disponibilizados no Painel de Compras do Governo Federal, no período compreendido entre janeiro de 2018 e julho de 2022, os contratos administrativos celebrados a partir de pregão movimentaram R$ 691.069.053.295,25, valor que representa aproximadamente 81% da verba total destinada às contratações públicas no período.[1]Fonte: http://paineldecompras.economia.gov.br/processos-compra. Acesso em: 8 ago. 2022.
Após quase vinte anos, a experiência mostrou-se amplamente exitosa, tendo sido uma das fontes de inspiração da Lei nº 14.133/2021.
Legislação aplicável
Atualmente, o pregão é regido tanto pela Lei nº 10.520/2002 quanto pela Lei nº 14.133/2021, a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (NLLCA). Ao realizar a licitação, o órgão deverá indicar no Edital o diploma legal que o certame obedecerá.
Em termos infralegais, no âmbito federal, o pregão é regulado pelo Decreto nº 3.555/2000, na modalidade presencial, e pelo já citado Decreto nº 10.024/2019, na sua modalidade eletrônica. Nos âmbitos estaduais e municipais, é comum que o respectivo ente federativo tenha sua própria regulamentação.
Inovando em relação ao regime da Lei nº 8.666/1993, a Lei nº 14.133/2021 previu o pregão e passou a discipliná-lo integralmente no seu texto. No entanto, as regras estabelecidas pela NLLCA somente passarão a reger a modalidade de modo exclusivo após a revogação da Lei nº 10.520/2002, o que deverá ocorrer em abril de 2023, conforme a regra de transição do art. 193 da referida Lei nº 14.133/2021.
A Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016), por sua vez, indica a adoção preferencial da modalidade pregão para a aquisição de bens e serviços comuns, remetendo ao procedimento da Lei nº 10.520/2002 e, agora, da Lei nº 14.133/2021.
Embora a Lei nº 8.666/1993 não trate expressamente da modalidade pregão, é preciso mencionar que a Lei nº 10.520/2002 reconhece a aplicação subsidiária deste regime normativo ao pregão.
Bens e serviços comuns
Para compreender a modalidade pregão, faz-se necessário entender o conceito de bens e serviços comuns. Isso porque, como já mencionado, o pregão é a modalidade de licitação destinada à aquisição de bens e serviços comuns (artigo 1º da Lei nº 10.520/2002 e artigo 6º, inciso XLI, da Lei nº 14.133).
A fim de ilustrar este conceito, os exemplos mais frequentes de bens comuns são canetas, lápis, borrachas, café, açúcar, cadeiras, veículos, ar-condicionado; já serviços comuns seriam serviços como manutenção de veículos, colocação de piso, serviços terceirizados, pintura de paredes, etc.
A Lei 10.520/2002 trouxe um conceito de bens e serviços comuns que foi repetido na Lei nº 14.133/2021, conforme se pode ler a seguir:
Lei n. 10.520/2002
Art. 1º Para aquisição de bens e serviços comuns, poderá ser adotada a licitação na modalidade de pregão, que será regida por esta Lei.
Parágrafo único. Consideram-se bens e serviços comuns, para os fins e efeitos deste artigo, aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado.
Lei nº 14.133/2021
Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se:
XIII – bens e serviços comuns: aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade podem ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais de mercado;
Por conseguinte, bens e serviços comuns são conceitos definidos em função de duas características, quais sejam:
i) padrões de desempenho e qualidade que podem ser objetivamente definidos em edital; e
ii) especificações usuais no mercado, por meio das quais o objeto pode ser descrito.
Sendo assim, para a definição de “bens e serviços comuns” não é relevante o valor do bem e serviço a ser adquirido, podendo ser de qualquer valor, uma vez que a lei não define valores mínimos ou máximos. Tampouco é relevante a complexidade envolvida nos bens e serviços, desde que seja possível descrevê-los na sua padronização e estejam disponíveis no mercado.[2]Conforme Acórdão 2172/2008 Plenário do TCU, citado em: BRASIL. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Licitações e contratos: orientações e jurisprudência do TCU. 4.ed. Brasília: TCU, … Continue reading
Vale ressaltar, ainda, que a Lei nº 14.133/2021 faculta à Administração Pública a utilização da modalidade pregão para “serviços comuns de engenharia” (art. 29, parágrafo único, da Lei nº 14.133/2021).[3]Art. 6º, XXI – […] a) serviço comum de engenharia: todo serviço de engenharia que tem por objeto ações, objetivamente padronizáveis em termos de desempenho e qualidade, de … Continue reading Ou seja, ao lado de bens e serviços comuns, a Lei nº 14.133/2021 adiciona a definição de “serviço comum de engenharia”, para o qual a modalidade pregão é facultada – enquanto que para bens e serviços comuns, o pregão é obrigatório.
Obrigatoriedade do Pregão
Atualmente, tanto o Decreto nº 10.024/2019 quanto a Lei nº 14.133/2021 determinam a obrigatoriedade do pregão.
Mais especificamente, o Decreto nº 10.024/2019, que disciplina a matéria no âmbito da administração pública federal, determina que a utilização da modalidade pregão na forma eletrônica é obrigatória (art. 1º, §1º), sendo a forma presencial admitida apenas excepcionalmente, mediante prévia justificativa da autoridade competente, devendo ser comprovada a inviabilidade técnica ou a desvantagem para a administração na realização da forma eletrônica (art. 1º, §4º). Essa regra atinge também os demais entes federativos quando da aquisição de bens e serviços comuns por meio de recursos da União decorrentes de transferências voluntárias (como convênios e contratos de repasse, conforme art. 1º, §3º).[4]Leia-se o teor do art. 1º do Decreto nº 10.024/2019: Art. 1º […] 1º A utilização da modalidade de pregão, na forma eletrônica, pelos órgãos da administração pública federal … Continue reading
A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, por sua vez, tornou obrigatória a modalidade do pregão para toda a Administração Pública – não apenas União, mas também Estados, Distrito Federal e Municípios – conforme o seu âmbito de abrangência. Assim, dispôs a NLLCA:
Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se:
[…]XLI – pregão: modalidade de licitação obrigatória para aquisição de bens e serviços comuns, cujo critério de julgamento poderá ser o de menor preço ou o de maior desconto;
Também na NLLCA, o pregão deve ocorrer preferencialmente sob a forma eletrônica, sendo excepcionalmente admitida a forma presencial, desde que motivada (conforme a previsão geral, no art. 17, §2º, da NLLCA).
Diferenças procedimentais da Nova Lei de Licitações em relação à Lei nº 10.520/2002
Como já se pôde antever, a NLLCA faz deferência à modalidade do pregão e à experiência adquirida no antigo sistema de licitações e contratos administrativos, tendo absorvido as principais características provenientes da Lei nº 10.520/2002 e do Decreto nº 10.024/2019 – normas essas que regulamentavam esta modalidade de licitação no regime que será derrogado.
A demonstrar esta deferência, os exemplos de semelhança são vários, dos quais se pode citar, notadamente, a precedência da fase de julgamento sobre a habilitação e a preferência da condução do certame por apenas uma pessoa (agente de contratação), sendo permitida a designação de uma equipe de apoio.
A NLLCA determina ainda, por exemplo, no seu art. 29, que o pregão e a concorrência seguem o rito procedimental comum, previsto no art. 17, devendo a primeira modalidade ser adotada sempre que o objeto possuir padrões de desempenho e qualidade que possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais de mercado. Igualmente, a nova lei estabelece que o pregão não se aplica às contratações de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual e de obras e serviços de engenharia, exceto os serviços comuns de engenharia (art. 29, parágrafo único, da NLLCA).
Por outro lado, são poucas as diferenças procedimentais trazidas pela NLLCA para a modalidade pregão, em relação à legislação anterior. Vejamos, então, algumas dessas inovações.
A primeira delas diz respeito à adjudicação, que não aparece literalmente como uma etapa na NLLCA (art. 17), à diferença do que ocorre no Decreto nº 10.024/19 (art. 6º, VIII). Embora o ato de adjudicar não seja citado pela nova lei como uma etapa, a adjudicação – ou seja, a atribuição do objeto licitado – deverá ocorrer no mesmo ato da homologação, a ser feito pela autoridade superior, independente se houver ou não recurso (art. 71, IV, NLLCA).
Essa alteração elimina a distinção feita pelo Decreto nº 10.024/19 entre a adjudicação feita pelo pregoeiro, quando não há recurso (art. 17, IX), e a adjudicação feita pela autoridade superior, quando houver recurso (art. 13, V). Pela NLLCA, a adjudicação não existe mais como uma etapa formal, ocorrendo apenas materialmente quando da homologação pela autoridade superior (art. 71, IV, NLLCA).
A NLLCA alterou, também, o prazo mínimo para a apresentação das propostas. Enquanto a Lei nº 10.520/02 determina o prazo não inferior a 8 dias úteis para a apresentação das propostas, contado a partir da publicação do aviso (art. 4º, V, Lei nº 10.520/02), a NLLCA determina o prazo de 8 dias úteis para a aquisição de bens e 10 dias úteis para a aquisição de serviços comuns e de obras e serviços comuns de engenharia, ambos os prazos contados a partir da data de divulgação do edital de licitação (art. 55, I, a, e II, a, da Lei nº 14.133/21). Sendo assim, a NLLCA cria prazos diferentes para a apresentação de propostas para bens (8 dias úteis) e serviços (10 dias úteis) a serem licitados por pregão.
Outra modificação diz respeito à fase de julgamento da proposta, após a disputa de lances e antes da habilitação, na qual passa a ser expressamente possível, desde que previsto em edital, a análise de conformidade do bem ou serviço ofertado pelo licitante provisoriamente vencedor, mediante homologação de amostra, exame de conformidade, prova de conceito e outros testes.
O intuito, com isso, é antecipar a comprovação da aderência da melhor proposta às especificações definidas no termo de referência ou no projeto básico (art. 17, § 3º, da NLLCA), prática que já ocorre licitamente no âmbito de vigência da Lei nº 10.520/2002, mas agora passa a ser expressamente permitida.
Por fim, merece menção, também, a previsão insculpida no art 31, § 1º, da NLLCA, que, tratando da necessidade de contratação de leiloeiro pela Administração, determina expressamente a adoção de credenciamento ou de licitação na modalidade pregão. Optando-se pelo pregão, a Administração deve adotar o critério de julgamento de maior desconto para as comissões a serem cobradas, utilizando como parâmetro máximo os percentuais definidos na lei que regula a profissão de leiloeiro, e observados os valores dos bens a serem leiloados.
Essas são, portanto, algumas das alterações procedimentais trazidas pela NLLCA em relação à legislação anterior do pregão (Lei nº 10.520/02 e Decreto nº 10.024/19). Ainda existem dúvidas se haverá ou não regulamentação, por decreto, do procedimento do pregão conforme a NLLCA. É muito provável que sim. De todo modo, as premissas e as diretrizes foram fixadas pelo novo diploma e encontram-se vigentes e aptas para utilização por todos os níveis da Administração Pública.
Considerações finais
Desde a sua instituição, o pregão revolucionou o ambiente de negócios com o Poder Público, sendo hoje a modalidade de licitação que proporcionalmente mais movimenta recursos públicos, segundo dados disponibilizados no Portal de Compras do Governo Federal.
Diante da importância do tema, buscou-se sintetizar as principais informações sobre o pregão, elencando seus aspectos gerais, a legislação aplicada, tratando do conceito de bens e serviços comuns, e explicando a sua obrigatoriedade.
Nada obstante, tendo a mudança paradigmática promovida pela Lei nº 14.133/2021, a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, buscou-se apresentar como o pregão foi impactado pelo novo regime normativo, ressaltando-se a dimensão das suas semelhanças e os principais pontos de contraste.
Embora seja um procedimento simplificado, a participação em licitações na modalidade pregão pode gerar dúvidas e dificuldades até mesmo para os licitantes mais experientes, sem mencionar as hipóteses em que o recurso administrativo ou a judicialização fazem-se necessários. Nestes casos, o melhor caminho será sempre buscar o auxílio de profissionais da advocacia capacitados e que podem oferecer soluções para as suas demandas.
Referências[+]
↑1 | Fonte: http://paineldecompras.economia.gov.br/processos-compra. Acesso em: 8 ago. 2022. |
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↑2 | Conforme Acórdão 2172/2008 Plenário do TCU, citado em: BRASIL. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Licitações e contratos: orientações e jurisprudência do TCU. 4.ed. Brasília: TCU, Secretaria-Geral da Presidência. Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2010, p. 47. |
↑3 | Art. 6º, XXI – […] a) serviço comum de engenharia: todo serviço de engenharia que tem por objeto ações, objetivamente padronizáveis em termos de desempenho e qualidade, de manutenção, de adequação e de adaptação de bens móveis e imóveis, com preservação das características originais dos bens; |
↑4 | Leia-se o teor do art. 1º do Decreto nº 10.024/2019: Art. 1º […]
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Abandono afetivo: entenda o que diz a lei
O que é abandono afetivo?
Na atualidade, as relações familiares passaram a ser conceituadas em torno da afetividade. Sendo assim, a atuação dos pais dentro da formação e do desenvolvimento psicossocial, físico e moral deve unir o processo educativo através do estreitamento dos laços afetivos.
Nesse sentido, o abandono afetivo consiste na omissão paterna/materna ao dever legal de guarda, educação e sustento, bem como a negligência a assistência emocional e afetiva aos filhos. Além disso, o abandono afetivo pode ser praticado em um contexto inverso, na situação em que os filhos possuem atitudes negligentes para com os pais idosos, ausentando-se das responsabilidades de cuidado, tal como previsto no art. 229 da Constituição Federal[1]Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade., nomeado de abandono afetivo inverso.
O que a lei diz sobre o abandono afetivo
Em princípio, é necessário destacar que não existe legislação específica acerca do abandono afetivo, entretanto, é possível observar a existência de novos projetos de lei que discutem sobre o abandono afetivo, dentre outras disposições legais dentro do Código Civil de 2002, da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente diante da temática.
Por meio da Lei nº 8.069/90, a qual instituiu o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), estabelece em seu art. 4º como dever da família assegurar a efetivação dos direitos referentes aos elementos intrínsecos a vida e a dignidade humana da criança e do adolescente.[2]Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à … Continue reading
Além disso, explícita nos artigos 7º e 19º, como direito fundamental da criança e do adolescente o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência, assegurando a criação e educação destes no âmbito familiar.
A Constituição Federal de 1988 também aborda sobre o tema, quando reafirma o dever que:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
No mesmo sentido, o art. 1634 do Código Civil de 2002 estabelece quais são os deveres dos pais em relação aos filhos, bem como o exercício do poder familiar.
Consequências do abandono afetivo
A presença dos pais durante a infanto juventude é comprovadamente essencial para o desenvolvimento saudável, produzindo consequências que se estendem a vida adulta. A falta de afetividade na infância produz danos irreparáveis, comprometendo sua concepção neurológica e, consequentemente, influenciando nas condutas praticadas.
Dentre as inúmeras consequências provocadas pelo abandono afetivo, podem ser destacadas:
(i) A falta de referência maternal e/ou paternal;
(ii) O sentimento de rejeição, acarretado através da omissão ou negligência parental;
(iii) Uma menor associação das condutas praticadas aos valores e princípios durante a formação ética e intelectual do infante.
Quais medidas legais podem ser tomadas?
No Código Civil, o art. 1638 prevê que o aquele que deixar o filho em situação de abandono afetivo perderá, por ato judicial, o poder familiar. Dessa forma, aqueles que descumprirem com os seus deveres inerentes à criação dos filhos, estarão sujeitos a perder o poder familiar, ou seja, serão retiradas as prerrogativas de autoridade relacionadas aos filhos.
Além disso, através do entendimento do IBDFAM e da jurisprudência recente, admite-se que os filhos sejam compensados por danos morais psicológicos causados pelas condutas negligentes praticadas pelos genitores. Após identificado o abandono afetivo e evidenciada a negligência dos pais em relação aos filhos, a ação deverá ser proposta a fim de obter a condenação e a consequente compensação.
Em fevereiro de 2022, a 3ª Turma do STJ determinou a indenização por danos morais de R$ 30 mil, de um pai à sua filha, em razão do abandono afetivo e as declaradas consequências físicas e psicológicas vivenciadas. A ministra Nancy Andrighi considera que os traumas e prejuízos emocionais decorrentes da parentalidade exercida de modo irresponsável podem ser quantificados e qualificados como qualquer outra espécie de reparação moral indenizável.
Por fim, o Judiciário tem reconhecido a possibilidade da supressão do sobrenome paterno/materno em casos de abandono afetivo. O Recurso Especial julgado pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (RESP 1.304.718-SP1) deu provimento à retirada do sobrenome paterno, em razão do abandono afetivo e material. Nesse sentido, o Ministro relator argumenta que o nome é um elemento individualizador da personalidade e, portanto, promove a dignidade da pessoa humana.
Em conclusão
Assim, é possível destacar que o abandono afetivo caracteriza-se não somente pela omissão nos deveres de cuidado, mas também pela negligência emocional e afetiva. Tal prática não deve ser confundida com a alienação parental, outro fenômeno familiar recorrente.
Por fim, em razão das consequências irreparáveis do abandono afetivo, existem duas medidas legalmente possíveis a serem adotadas: a supressão do sobrenome do genitor responsável pelo abandono e ação judicial indenizatória contra o genitor. Em ambos os casos, é recomendável o auxílio de um especialista em Direito de Família.
Referências[+]
↑1 | Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. |
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↑2 | Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. |
Os credores de empresa em recuperação judicial se vinculam a cláusula arbitral entre acionistas?
EXISTE RISCO REAL DE SE TORNAR CREDOR DE EMPRESA EM RECUPERAÇÃO?
Você já parou para pensar quão diversas são as relações que podem tornar uma pessoa credora de uma empresa? Não só apenas os negócios intra-empresariais de fornecimento de produtos e serviços geram obrigações com débitos, mas também as situações mais cotidianas possíveis, como: consumeristas (tanto para recebimento do objeto comprado, como para cobrar os direitos por seus vícios), trabalhistas, de investimentos (debenturistas) e até mesmo de responsabilidade civil (por danos causados).
Todas as relações acima descritas geram uma obrigação (crédito) em favor do sujeito e em desfavor da empresa, devendo o prejudicado, a depender do caso, cobrá-lo extrajudicialmente. Mas pode acontecer de, neste meio tempo, a companhia, percebendo que está prestes a entrar em crise financeira interna, solicitar a abertura de procedimento de recuperação judicial.
E o que acontecerá com os créditos que os sujeitos detinham? Neste caso, cada credor deverá se habilitar na recuperação judicial através da apresentação de sua dívida ao administrador judicial[1]Art. 7º, §1º da Lei nº 11.101/2005 prescreve que: “§ 1º Publicado o edital previsto no art. 52, § 1º, ou no parágrafo único do art. 99 desta Lei, os credores terão o prazo de 15 (quinze) … Continue reading e, a depender do valor de seus haveres, se tornará quotista de uma parte da dívida global, podendo usar seu poder de voto na assembleia-geral de credores (AGC) para aprovação/negação do plano de recuperação judicial.
Neste plano, a empresa geralmente apresentará todas as suas estratégias para sair da crise econômica, podendo se utilizar das mais diversas atitudes previstas no rol do artigo 50 da Lei de Recuperação e Falência, como a concessão de novos prazos para pagamento das dívidas, venda de bens, aumento de capital social, fusão e incorporação, dentre diversos outros. Sendo credor, será aqui o momento de se manifestar e exercer o seu direito de voto, respeitado o valor proporcional de seu crédito (Art. 38) e de sua classe (Art. 41).
Aprovado o plano, estarão vinculados todos os credores, bem como a sociedade e seus acionistas, ao respeito integral do que foi deliberado.
E SE HOUVER CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ARBITRAL NO ESTATUTO SOCIAL
Não é incomum que, em estatutos de companhias de capital aberto (sociedades anônimas, por ação negociável em bolsa), exista cláusula compromissória arbitral que remeta às discussões do quadro de acionistas para uma câmara privada de solução de conflitos (arbitragem)[2]DE ARAÚJO, Gilvandro Vasconcelos Coelho; DE ARAÚJO, Rodrigo Vasconcelos Coelho. Arbitragem e Recuperação Judicial – A convivência harmônica em litígio societário à luz do Conflito de … Continue reading, principalmente quando se trata de assuntos mais sensíveis como a emissão de bônus de subscrição, debêntures, reforma do estatuto e deliberação sobre fusão e aquisições, todas estas atitudes de competência privativa da assembleia-geral de acionistas (Art. 122 da Lei das S.A.).
E essas cláusulas não só são ferramentas para se afastar da morosidade judiciária e garantir um julgamento mais técnico, como são, em alguns segmentos da Bolsa de valores do Brasil (B3), dispositivos obrigatórios para participação nos balcões Novo Mercado, Bovespa Mais, Bovespa Mais Nível 2 e Nível 2, só havendo facultatividade nas listagens Nível 1 e Básico. A depender do investidor-alvo, porte e tempo de mercado, a presença da cláusula compromissória será imprescindível para o crescimento saudável da empresa.
Mas como o leitor pode perceber, diversas das previsões do Art. 122 da Lei das S.A. são, também, meios de reerguimento da empresa presentes no plano de recuperação (Art. 50 da Lei de Falência), o que pode causar conflito entre os acionistas e os credores.
Havendo discordância de um acionista, por exemplo, quanto ao aumento ou ao modo de subscrição do capital social previsto no plano de recuperação judicial, à qual jurisdição caberá a resolução do conflito: ao juiz da recuperação ou ao árbitro?
Foi exatamente isso que teve de resolver o Superior Tribunal de Justiça no Conflito de Competência nº 157.099-RJ, do Rio de Janeiro[3]BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, S2 – Segunda Seção. Conflito de Competência nº 157.099-RJ. Suscitante: Oi S.A. em recuperação judicial. Suscitado: Juízo de Direito da 7ª vara … Continue reading. No julgado, ficou decidido que, havendo previsão, no plano de recuperação, de aumento de capital social sem que tal deliberação tivesse passado por anterior assembleia-geral de acionistas, a competência para dirimir a contenda é do árbitro, pois:
A questão submetida ao juízo arbitral diz respeito à análise da higidez da formação da vontade da devedora quanto a disposições expressas no plano de soerguimento. As deliberações da assembleia de credores – apesar de sua soberania – estão sujeitas aos requisitos de validade dos atos jurídicos em geral.
No fim das contas, o que essa decisão fez foi vincular todos os credores da empresa à cláusula arbitral do qual sequer participaram da criação, haja vista que, para votarem plano de recuperação eficaz, estarão submetidos à espera e aceitação de algumas medidas pela assembleia-geral de acionistas.
A SUBVERSÃO DE VALORES CAUSADA PELA DECISÃO
O que se busca com a recuperação judicial é exatamente o reerguimento da empresa, evitando que todos os seus credores, colaboradores, trabalhadores e clientes se vejam submetidos à futura execução universal (falência), em que seus créditos, com quase toda certeza, não serão pagos integralmente pela devedora. É um passo a ser tomado para que a devedora não se torne inadimplente, ou seja, é uma verdadeira ferramenta de proteção ao crédito.
A interpretação da recuperação judicial, em consonância com a mentalidade trazida pelo Código de Processo Civil de 2015, deve estar voltada à tutela adequada dos interesses do credor em detrimento da superproteção ao direito de propriedade do devedor (antiga visão do CPC de 1973)[4]ZANETI JR, Hermes. O processo de execução no Código de Processo Civil brasileiro de 2015 e o direito fundamental à tutela do crédito. In: O processo civil entre a técnica processual e a tutela … Continue reading. Isso porque, instalada a recuperação, faz-se prova de que, talvez, os interesses da companhia devedora não tenham sido administrados da melhor forma, devendo ser aberta a decisão dos rumos da sociedade para a assembleia-geral de credores (e não só dos acionistas).
É inegável que, em condições normais, a cláusula arbitral é totalmente possível de ser pactuada entre os acionistas, acontece que, instaurado processo de recuperação, a validade do plano não estará vinculada apenas à vontade dos acionistas, mas também à de todas as classes de credores. A feitura do plano transcende a aplicação da arbitragem intrassocietária, pois adiciona sujeitos que a ela nunca foram ligados.
Perceba-se que, enquanto adimplente, os credores não têm direito a interferir na gestão patrimonial da empresa, mas, havendo risco de insolvência, ganham acesso de influência no gerenciamento da devedora. Tanto é assim que a Lei da Recuperação e Falência os divide em classes e lhes dá direito de voto para aprovação do plano.
A decisão do STJ, se transportada para todas as demais modalidades previstas simultaneamente no Art. 50 da Lei de Recuperação e Falência e no Art. 122 da Lei das S.A., poderá fazer com que um plano de recuperação aprovado pelos credores perca toda a sua eficiência por discordância dos acionistas, subvertendo os valores presentes no Art. 47 da Lei n.º 11.101/05, ou seja, fazendo prevalecer a vontade da devedora (acionistas, muitas vezes até minoritários) em prejuízo dos credores.
Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Os acionistas que desejarem obstar o plano de recuperação aprovado pelos credores e homologado pelo juiz ainda deverão ter em mente que o Art. 61, § 1º, da LRF permite ao julgador que, percebendo que a empresa está descumprindo as obrigações assumidas, convole (transforme) o reerguimento societário em falência. Se comprovado que o inadimplemento se deu por culpa ou dolo dos acionistas dissidentes, a massa falida poderá buscar a reparação civil pelo prejuízo causado por tais investidores.
Sendo o juiz da recuperação o juízo competente para as matérias relativas ao plano de soerguimento, deveria ser deste órgão a atribuição para exame da legalidade e da adequação das estratégias de superação da crise apresentado pela empresa e aprovado pelos credores[5]BASILIO, Ana Tereza; ALÓ, Nicole. Reflexões sobre conflito de competência entre o juízo da recuperação judicial e juízo arbitral, a respeito de disposição do plano de recuperação judicial, … Continue reading. Nada impede, entretanto, que a jurisdição arbitral seja respeitada durante a elaboração do plano (para controvérsias surgidas antes de sua votação pela AGC) ou nas recuperações extrajudiciais.
A instauração de arbitragem, nos casos que já estão judicializados, retira a voz dos credores e da própria pessoa jurídica (verdadeiros prejudicados) e dá demasiada importância aos interesses lucrativos dos acionistas enquanto a empresa caminha para a autodestruição.
Essa mentalidade é tão forte que, na própria Lei da Recuperação e Falência, existe a previsão de que, havendo afastamento do devedor, é de atribuição da assembleia-geral de credores a votação para nomeação do novo gestor judicial, bem como, havendo previsão no plano, da consideração sobre novo administrador em caso de afastamento do anterior, mesmo que o Art. 122, II, da Lei nº 6.404/76 atribua à assembleia-geral de acionistas a deliberação sobre a eleição/destituição de administradores da companhia (quando a sociedade não está em crise).
Sendo assim, dada a importância da cláusula arbitral (até mesmo pela sua obrigatoriedade em alguns casos), é imprescindível o estudo e conhecimento de seus efeitos. Seja você empresário, administrador, investidor ou credor da empresa, previna-se quanto aos problemas que poderão surgir dessa disposição contratual que, com a recente decisão do STJ, poderá ser usada como forte ferramenta de defesa dos puros interesses dos acionistas, e não do soerguimento da sociedade.
Referências[+]
↑1 | Art. 7º, §1º da Lei nº 11.101/2005 prescreve que: “§ 1º Publicado o edital previsto no art. 52, § 1º, ou no parágrafo único do art. 99 desta Lei, os credores terão o prazo de 15 (quinze) dias para apresentar ao administrador judicial suas habilitações ou suas divergências quanto aos créditos relacionados.” |
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↑2 | DE ARAÚJO, Gilvandro Vasconcelos Coelho; DE ARAÚJO, Rodrigo Vasconcelos Coelho. Arbitragem e Recuperação Judicial – A convivência harmônica em litígio societário à luz do Conflito de Competência nº 157.099/RJ. In: DIDIER JR. Fredie: Processo Civil Empresarial e o Superior Tribunal de Justiça. – São Paulo: Editora Juspodivm, 2021. p. 33. |
↑3 | BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, S2 – Segunda Seção. Conflito de Competência nº 157.099-RJ. Suscitante: Oi S.A. em recuperação judicial. Suscitado: Juízo de Direito da 7ª vara empresarial do Rio de Janeiro; Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro; Juízo Arbitral da Câmara de Arbitragem do Mercado de São Paulo – SP. Relatora p/ Acórdão: Min. Nancy Andrighi. Brasília, 10 de outubro de 2018. DJe 30/10/2018. |
↑4 | ZANETI JR, Hermes. O processo de execução no Código de Processo Civil brasileiro de 2015 e o direito fundamental à tutela do crédito. In: O processo civil entre a técnica processual e a tutela dos direitos: estudos em homenagem a Luiz Guilherme Marinoni. Coord: Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidieiro. Org: Rogéria Dotti. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. p. 591. |
↑5 | BASILIO, Ana Tereza; ALÓ, Nicole. Reflexões sobre conflito de competência entre o juízo da recuperação judicial e juízo arbitral, a respeito de disposição do plano de recuperação judicial, no âmbito do julgamento do CC nº 157.099/RJ. In: DIDIER JR. Fredie: Processo Civil Empresarial e o Superior Tribunal de Justiça. – São Paulo: Editora Juspodivm, 2021. p. 25. |
STF estabelece limites à retroatividade da Nova Lei de Improbidade Administrativa
No dia 18 deste mês de agosto, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento do Tema 1.199 de Repercussão Geral (ARE 843.989), em que se tratava da (im)possibilidade de aplicação retroativa da Lei nº 14.230/2021, que promoveu alterações substanciais na Lei nº 8.429/1992, a Lei de Improbidade Administrativa.
Em linhas gerais, a questão posta era se os agentes acusados e/ou condenados pela prática de atos ímprobos anteriores à promulgação da Lei nº 14.230/2021 poderiam ser beneficiados pelo novo regime legal, especialmente pelas disposições sobre (i) a necessidade do elemento subjetivo – dolo – para configuração de todas as espécies de improbidade administrativa, inclusive aquela descrita no artigo 10 da Lei; e (ii) os novos prazos de prescrição geral e intercorrente?
Por maioria e seguindo o voto do Relator, Ministro Alexandre de Moraes, o STF adotou uma postura intermediária, estabelecendo limites à retroatividade da Nova Lei de Improbidade. Nessa linha, fixou-se a seguinte tese:
1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se – nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA – a presença do elemento subjetivo – DOLO;
2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes;
3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente;
4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.
Em síntese, definiu-se que a Lei 14.230/2021 (i) retroage para beneficiar agentes acusados pela prática de ato ímprobo culposo, isto é, sem a presença do elemento subjetivo – dolo –, desde que a respectiva ação de improbidade não tenha transitado em julgado; (ii) não retroage para beneficiar agentes acusados pela prática de ato ímprobo com os novos prazos prescricionais. Assim, delimitou-se a retroatividade às ações em curso que tratem de ato de improbidade praticado sem dolo.
A Nova Lei de Improbidade Administrativa e o contexto da discussão enfrentada pelo STF
O leading case do Tema 1.119 do STF foi o Agravo em Recurso Extraordinário 843.979/PR, que versava sobre uma ação proposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contra uma servidora contratada e acusada pela prática de ato de improbidade administrativa na modalidade culposa, mais especificamente por ter atuado de modo negligente em processos judiciais envolvendo o INSS.
No caso, a ação havia sido proposta antes de 2021 e, portanto, antes da Lei nº 14.230/2021, circunstância que ensejou a apreciação da (ir)retroatividade desta Lei pelo Supremo Tribunal Federal, tema este que já vinha sendo pauta de inúmeros debates no cenário jurídico nacional.
Promulgada em 25 de outubro de 2021, a Lei nº 14.230 alterou substancialmente a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, a Lei de Improbidade Administrativa. Dentre as alterações legislativas, alguns dispositivos tornaram-se mais benéficos aos agentes acusados ou condenados pela prática de atos ímprobos em relação à antiga redação legislativa, dos quais vale destacar os parágrafos 1º, 2º e 3º do artigo 1º da Nova Lei de Improbidade Administrativa, que tratam da necessidade da comprovação do elemento subjetivo dolo, e o caput e § 4º do artigo 23, que versam sobre o novo regime de prescrição nas modalidades geral e intercorrente.
No que diz respeito ao dolo, vale registrar que, antes da reforma legislativa, tinha-se a possibilidade de que determinadas condutas fossem enquadradas como improbidade administrativa mesmo sem que o agente não tivesse a vontade de praticar ato ilícito ou a consciência de que sua conduta poderia ser enquadrada como tal. Nesses casos, bastaria que ele agisse com culpa, ou seja, de modo negligente, imperito ou imprudente, modalidade que se convencionou chamar de improbidade administrativa culposa – expressamente prevista no artigo 10 da antiga redação legislativa.
Diante disso, o que fez a Nova Lei de Improbidade Administrativa foi extinguir a modalidade de improbidade culposa, da forma foi taxativamente estabelecido no § 1º do art. 1º, e no caput dos artigos 9º, 10 e 11 da Lei. Indo além, a nova redação determinou o conceito de dolo como “vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente” (§ 1º do art. 1º), e afastou a possibilidade de responsabilização por improbidade nos casos em que a conduta se consubstancia em “mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem a comprovação de ato doloso com fim ilícito” (§ 2º do art. 1º).
Quanto ao novo regime de prescrição geral e intercorrente, as modificações promovidas pela Nova Lei de Improbidade Administrativa foram no sentido de aumentar o prazo prescricional – geral – para propositura da ação, que antes de 5 (cinco) anos e agora passou a ser de 8 (oito) anos, e de criar uma modalidade de prescrição intercorrente, cujo prazo é de 4 (quatro) anos.
Em linhas gerais, a lógica para contagem do prazo prescricional funciona da seguinte forma: tem-se um prazo geral de 8 anos contados da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia que cessou a permanência (caput do art. 23); contudo, no caso de ocorrer alguma das hipóteses de interrupção previstas no § 4º do art. 23, este prazo se reinicia na modalidade intercorrente, que é de 4 anos (§ 5º do art. 23). São hipóteses de interrupção do prazo previstas no § 4º do art. 23: o ajuizamento da ação de improbidade, a publicação de sentença ou de acórdão de cunho condenatório.
Diante dessas modificações legislativas, surgiu o debate sobre a possibilidade de extensão dos efeitos da Nova Lei para fatos anteriores a sua promulgação, notadamente para beneficiar agentes acusados ou condenados por improbidade administrativa. O principal fundamento jurídico nesse sentido decorre diretamente da Constituição Federal, nomeadamente do princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica (art. 5º, inciso XL).
A saber, muito embora o microssistema punitivo das improbidades administrativas não se enquadre no campo do Direito Penal, mas do Direito Administrativo Sancionador, e que, portanto, a Lei nº 14.230/2021 não possa ser considerada lei penal mais benéfica em uma interpretação exclusivamente literal do texto constitucional, é consenso doutrinário que esses espectros do poder punitivo estatal – penal e administrativo sancionador – se equiparam para fins de efetividade das garantias constitucionais reservadas aos acusados pela prática de condutas ilícitas.
Assim, sustentava-se a necessidade de extensão dos efeitos da Lei nº 14.230/2021 para todos os atos de improbidade anteriores à sua promulgação. Por outro lado, com base sobretudo na previsão constitucional de que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (art. 5º, inciso XXXVI), formatou-se posição adversa, que defendia a irretroatividade da lei sancionador mais benéfica em matéria de improbidade administrativa.
Ao final, após quatro dias de sessão, a maioria do Plenário do Supremo Tribunal Federal acompanhou o voto do Relator, Ministro Alexandre de Moraes, que apresentou uma posição intermediária, que delimita a retroatividade do novo regime legal às ações em curso e que versem sobre ato de improbidade praticado sem o elemento subjetivo dolo. Assim, para ações transitadas em julgado ou para aquelas que poderiam ser beneficiadas com o novo regime de prescrição geral e intercorrente, os efeitos da Lei nº 14.230/2021 não retroagem.
A importância deste julgamento se verifica na existência de 1.147 ações suspensas que estavam aguardando a posição do STF. No atual contexto, considerando a tese fixada, para definir se os agentes acusados pela prática de ato de improbidade poderão ser afetados com o novo regime legislativo, cumpre verificar, caso a caso, se é o caso de incidência da hipótese de retroatividade, é dizer, se a respectiva ação versa sobre ato de improbidade praticado sem o elemento subjetivo solo e se ainda não houve o trânsito em julgado da decisão condenatória.
As posições adotadas por cada ministro no julgamento
Como se pôde antever, o Tema 1.199 levado ao plenário do STF diz respeito à retroatividade das disposições sobre o elemento subjetivo dolo; e o novo regime de prescrição geral e intercorrente. Além disso, no exame da matéria, os ministros traçaram uma distinção na modulação dos efeitos da (ir)retroatividade para ações em curso e ações transitadas em julgado.
Em nenhuma das abordagens, a votação do plenário da Corte Superior foi unânime. Nos quadros abaixo, ilustra-se a posição adotada por cada ministro:
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA SEM DOLO COM CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO | |
A Nova Lei não retroage | Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Luiz Fux (6 votos). |
A Nova Lei retroage | Nunes Marques, Dias Toffoli e Gilmar Mendes, André Mendonça, Ricardo Lewandowski (3 votos). |
A Nova Lei retroage mediante de ação rescisória | André Mendonça, Ricardo Lewandowski (2 votos). |
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA SEM DOLO em ações sem trânsito em julgado | |
A Nova Lei não retroage | Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Cármen Lúcia (4 votos). |
A Nova Lei retroage | Alexandre de Moraes, André Mendonça, Nunes Marques, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luiz Fux (7 votos). |
PRESCRIÇÃO GERAL | |
A Nova Lei não retroage | Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Luiz Fux (6 votos). |
A Nova Lei retroage | Nunes Marques, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes (4 votos). |
Posição intermediária[1]Nas palavras do Ministro André Mendonça, “o novo prazo de prescrição geral tem aplicação imediata, inclusive aos processos em curso e aos fatos ainda não processados, devendo ser computado, … Continue reading | André Mendonça (1 voto). |
PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE | |
A Nova Lei não retroage | Alexandre de Moraes, André Mendonça, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luiz Fux (9 votos). |
A Nova Lei retroage | Nunes Marques, Dias Toffoli (2 votos). |
Referências[+]
↑1 | Nas palavras do Ministro André Mendonça, “o novo prazo de prescrição geral tem aplicação imediata, inclusive aos processos em curso e aos fatos ainda não processados, devendo ser computado, contudo, o decurso do tempo já transcorrido durante a vigência da norma anterior, estando o novo prazo limitado ao tempo restante do lustro pretérito, quando mais reduzido em relação ao novo regramento.” |
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Como funciona a etapa preparatória de uma licitação pública: definição dos aspectos da contratação
Diferente do que se imagina, as contratações públicas não têm início com a publicação do Edital. O processo licitatório é um procedimento extenso e dividido em fases, que tem início com a chamada etapa preparatória da contratação pública.
Esta etapa preparatória é destinada a identificar a existência de interesse público na contratação pretendida e a planejar as futuras etapas da contratação.
Depois de elaborados os estudos prévios que justificam e fundamentam a necessidade de contratação pública, a Administração também deve definir aspectos práticos do processo licitatório (caso a seleção do particular não ocorra diretamente, por dispensa ou inexigibilidade de licitação pública). São eles: o edital do certame, a modalidade licitatória, a motivação das condições exigidas no edital e a motivação sobre o momento da divulgação do orçamento da licitação (art. 18, V, VIII, IX e XI da Lei 14.133/2021).
A seguir serão apresentadas as regras e novidades trazidas pela Nova Lei de Licitações a respeito dos aspectos práticos definidos na fase preparatória da licitação pública, além de outros instrumentos de preparação disponíveis à administração pública.
Definição dos aspectos da licitação
A elaboração do edital (art. 18, V) é parte essencial do planejamento do processo licitatório. É este instrumento que regulamentará todo o procedimento após encerrada a fase preparatória da licitação e ao qual estarão vinculados tanto os licitantes quanto a própria Administração. Para tanto, o edital da licitação deve conter (art. 25):
- o objeto da licitação;
- as regras relativas à convocação;
- regras relativas ao julgamento;
- regras relativas à habilitação;
- regras relativas aos recursos e às penalidades da licitação;
- regras relativas à fiscalização e à gestão do contrato;
- regras relativas à entrega do objeto;
- regras relativas às condições de pagamento.
Além de prever todas as regras que orientarão a licitação, a etapa de elaboração do Edital na fase preparatória também deve apresentar a motivação circunstanciada das condições do edital (art. 18, IX). Ou seja, devem ser justificadas as exigências do edital, como, por exemplo, requisitos de qualificação técnica, regras de pontuação e julgamento das propostas e regras para participação de consórcios.
Também nesta fase deve ser definida a modalidade de licitação, o critério de julgamento e o modo de disputa que serão adotados na etapa de seleção da proposta vencedora. Indo além, a Lei também exige que seja demonstrada a adequação e eficiência dos parâmetros escolhidos para a seleção da melhor proposta. Conforme a NLLCA, a Administração Pública pode optar pelos seguintes parâmetros:
Além das modalidades de licitação elencadas, a Administração ainda pode se valer dos procedimentos auxiliares: credenciamento, pré-qualificação, procedimento de manifestação de interesse, sistema de registro de preços e registro cadastral (art. 28, § 1º, e art. 78).
E, ainda, é necessário definir o momento de divulgação do orçamento da licitação. A princípio, a NLLCA assegura a publicidade dos atos praticados no processo licitatório (art. 13), incluindo o orçamento da contratação pública. Contudo, o artigo 24 da mesma lei traz exceção, nos seguintes termos:
Art. 24. Desde que justificado, o orçamento estimado da contratação poderá ter caráter sigiloso, sem prejuízo da divulgação do detalhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias para a elaboração das propostas, e, nesse caso:
I – o sigilo não prevalecerá para os órgãos de controle interno e externo;
Parágrafo único. Na hipótese de licitação em que for adotado o critério de julgamento por maior desconto, o preço estimado ou o máximo aceitável constará do edital da licitação.
Desta forma, a Administração possui discricionariedade para definir se o orçamento da contratação pública será ou não sigiloso, desde que justifique a opção adotada (art. 18, XI).
Definição dos aspectos contratuais
Ainda na fase preparatória, além das regras para a etapa de seleção da melhor proposta, a Administração Pública também deve definir as regras para a execução do contrato administrativo. Nesse sentido, deve ser estabelecido, além de outras particularidades do caso concreto, as seguintes condições:
- de execução e pagamento (art. 18, III);
- das garantias exigidas e ofertadas (art. 18, III);
- das condições de recebimento (art. 18, III); e
- o regime de fornecimento de bens de prestação de serviços ou de execução de obras e serviços de engenharia (art. 18, VII)
A definição dos referidos parâmetros será registrada na minuta contratual, que deve ser anexada ao edital do certame (art. 18, VI) e divulgada em sítio eletrônico oficial (art. 25, § 3º).
Análise de riscos
Buscando a otimização das chances de sucesso nos projetos e ganho de eficiência nas contratações públicas, o gerenciamento de riscos ganhou destaque na Lei nº 14.133/2021. Em seu artigo 18, inciso X, essa lei determina que na fase preparatória de todas as licitações deve haver a análise dos riscos que possam comprometer o sucesso da licitação e a boa execução contratual, com apoio na ideia de accountability pública[1]De acordo com o Referencial Básico de Gestão de Riscos do TCU, accountability pública é a “obrigação que têm as pessoas, físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, às quais se tenha … Continue reading.
A análise ou avaliação de riscos (risk assessment) e a implementação de medidas para diminuir a probabilidade e os impactos dos riscos negativos (ameaças) ou aumentar a probabilidade e o impacto dos riscos positivos (oportunidades) integram a ideia de gerenciamento de riscos (risk management) de todo o sistema de contratação dos órgãos públicos. Trata-se, essencialmente, de uma atividade de planejamento, que permite à Administração identificar e tratar os riscos nas licitações e nos contratos.
Com efeito, a análise de riscos fornece insumos tanto para que a Administração possa melhorar, construir, gerir e fiscalizar a licitação, assim como para construir a matriz de riscos do contrato, sendo esta uma cláusula contratual que distribui riscos e responsabilidades, em relação ao objeto da contratação, entre a Administração e o futuro contratado.
Neste ponto, é válido o destaque de que a análise de riscos de que trata o artigo 18, inciso X, não se confunde com a matriz de riscos[2]NIEBUHR, Joel de Menezes. Fase preparatória das licitações. In: NIEBUHR, Joel de Menezes (Coord.). Nova lei de licitações e contratos administrativos. 2. ed. Curitiba: Zênite, 2021. p. 80-95.. A análise está em um plano mais amplo e envolve todos os riscos da licitação e da contratação, sendo uma atividade de planejamento e gerenciamento da organização (órgão ou entidade) e dos projetos. A matriz de riscos é um documento/cláusula contratual, decorrente da análise de riscos que distribui riscos apenas do contrato e define o seu equilíbrio econômico-financeiro inicial.
Para exemplificar essa distinção, imagine-se que na etapa de análise de riscos, a Administração verifique, entre outros, estes três riscos:
- risco de que empresas de um determinado ramo com número reduzido de agentes econômicos (players) atuem em conjunto (conluio) para frustrar a competição;
- risco de que ocorra perda de informações em razão de diversas substituições do fiscal do contrato em longo da execução contratual; e
- risco de furto dos materiais da obra durante a execução contratual.
Neste cenário hipotético, o primeiro risco levará a Administração a elaborar regras no instrumento convocatório para coibir atos colusivos contra a licitação pelos futuros licitantes. O segundo risco fará a Administração estabelecer diretrizes internas para que os fiscais do contrato documentem adequadamente as ocorrências durante a execução contratual, evitando a perda de informações. Já o terceiro risco levará a Administração a fixar, na matriz de riscos do contrato, quem será a parte (contratante ou contratada) responsável por garantir a segurança dos materiais da obra, e se haverá direito ao reequilíbrio contratual na ocorrência de furtos[3]O critério de eficiência na alocação de riscos, de acordo com o advogado Lucas Hellmann, do escritório Schiefler Advocacia, tem como primeiro parâmetro alocar o risco “à parte que tem … Continue reading. Veja-se que todos os riscos foram levantados na fase de análise de riscos, mas somente o terceiro é um risco contratual a ser previsto na matriz de riscos do contrato.
Por fim, destaca-se que, embora a análise de riscos seja obrigatória para todas as contratações, a elaboração da matriz de riscos é obrigatória apenas para os contratos estimados de grande vulto (acima de R$ 200 milhões) e para as contratações integradas e semi-integradas (art. 22, § 3º) sendo, portanto, facultativa para os demais contratos. Esse instrumento será detidamente analisado posteriormente.
Audiência e consulta pública
Na fase de planejamento a Administração poderá convocar audiência pública, presencial ou a distância, sobre a licitação que pretende realizar, com disponibilização prévia de informações pertinentes, inclusive de estudo técnico preliminar e elementos do edital de licitação, e com possibilidade de manifestação de todos os interessados.
De igual modo, a Administração também poderá submeter a licitação a prévia consulta pública, mediante a disponibilização de seus elementos a todos os interessados, que poderão formular sugestões, por escrito, no prazo fixado.
O traço distintivo entre a audiência pública e a consulta pública é que, na primeira, os participantes podem se manifestar oralmente em relação ao processo licitatório, enquanto que, na segunda, as manifestações ocorrem por escrito e de modo assíncrono. De acordo com a Nova Lei de Licitações, nenhuma das duas formas de interação entre a Administração e os particulares é obrigatória.
Análise jurídica e publicidade da contratação
A fase de planejamento tem encerramento com o encaminhamento do processo ao órgão de assessoramento jurídico da Administração, que realizará controle prévio de legalidade mediante análise jurídica da contratação (art. 53), seja para as licitações assim como para as contratações diretas, acordos, termos de cooperação, convênios, ajustes, adesões a atas de registro de preços, outros instrumentos congêneres e de seus termos aditivos (art. 53, § 4º).
Essa análise jurídica é dispensada apenas nas hipóteses previamente definidas pela autoridade jurídica máxima competente, que deverá considerar o baixo valor, a baixa complexidade da contratação, a entrega imediata do bem ou a utilização de minutas de editais e instrumentos contratuais padronizados pelo órgão de assessoramento jurídico (art. 53, § 5º).
Por fim, encerrada a instrução do processo sob os aspectos técnico e jurídico, é feita a publicidade do edital de licitação, em seu inteiro teor e com todos os seus anexos, no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), conforme determina o artigo 54 da NLLCA. Além da publicação do edital no PNCP, sendo facultada a publicação no site oficial do órgão ou entidade, é obrigatória a publicação de extrato do edital no Diário Oficial da União, do Estado, do Distrito Federal ou do Município, ou, no caso de consórcio público, do ente de maior nível entre eles, bem como em jornal diário de grande circulação (art. 54, § 1º).
Catálogo eletrônico de padronização
Uma inovação trazida pela Nova Lei de Licitação e Contratos Administrativos é a previsão de criação do catálogo eletrônico de padronização de compras, serviços e obras pelos órgãos do Poder Público, instrumento que deverá ser utilizado em licitações cujo critério de julgamento seja o de menor preço ou o de maior desconto e conterá a documentação e os procedimentos próprios da fase interna de licitações, assim como as especificações dos respectivos objetos (art. 19, § 1º). A não utilização do catálogo só é permitida quando devidamente justificada (art. 19, § 2º).
Desta forma, se forem utilizadas as informações do catálogo para subsidiar a licitação, a Administração é dispensada de produzir nova documentação na fase de preparação da licitação. A existência e o efetivo uso de um catálogo eletrônico de padronização leva potencial disruptivo em relação à sistemática anterior, uma vez que a pretensão é que toda a fase de preparatória da licitação seja, no que for possível, padronizada, diminuindo significativamente os esforços casuísticos de planejamento.
Ponto de atenção é que, embora o artigo 19, § 1º, da NLLCA genericamente afirme que o catálogo conterá “toda a documentação e os procedimentos próprios da fase interna de licitações”, é indispensável que a Administração descreva detalhadamente, em todos os processos de contratação (com ou sem a utilização do Catálogo), a necessidade da contratação, considerado o problema a ser resolvido sob a perspectiva do interesse público (elemento integrante do estudo técnico preliminar), uma vez que essa é uma informação própria de cada caso e processo.
No âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, o catálogo eletrônico de padronização de compras, serviços e obras é regulamentado pela Portaria SEGES/ME nº 938/2022.
Plano de contratações anual
De acordo com o caput do artigo 18 da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, a fase preparatória do processo licitatório é caracterizada pelo planejamento e deve compatibilizar-se com o plano de contratações anual (PAC), sempre que elaborado[4]Instrumento cuja origem remonta à Instrução Normativa nº 1/2018 (já revogada), da Secretaria de Gestão do extinto Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, posteriormente … Continue reading.
Na Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, o plano de contratações anual foi incorporado em seu artigo 12, inciso VII, mas é o artigo 5º do Decreto Federal nº 10.947/2022 – diploma que regulamenta o instrumento no âmbito federal – que melhor aponta os objetivos do PAC. São eles:
- racionalizar as contratações das unidades administrativas de sua competência, por meio da promoção de contratações centralizadas e compartilhadas, a fim de obter economia de escala, padronização de produtos e serviços e redução de custos processuais;
- garantir o alinhamento com o planejamento estratégico, o plano diretor de logística sustentável e outros instrumentos de governança existentes;
- subsidiar a elaboração das leis orçamentárias;
- evitar o fracionamento de despesas; e
- sinalizar intenções ao mercado fornecedor, de forma a aumentar o diálogo potencial com o mercado e incrementar a competitividade.
Assim, o plano de contratações anual se afigura como um instrumento que busca concretizar, a um só tempo, diversos princípios das licitações e contratos públicos, como o do planejamento, da eficiência, da transparência, da segurança jurídica, da eficácia, da competitividade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, todos encartados no artigo 5º da Lei nº 14.133/2021.
Neste sentido, ainda que o artigo 12, inciso VII, da NLLCA afirme que “a partir de documentos de formalização de demandas, os órgãos responsáveis pelo planejamento de cada ente federativo poderão, na forma de regulamento, elaborar plano de contratações anual”, a elaboração do plano se trata “de um ‘poder-dever’, na medida em que prestigia toda a principiologia afeta às contratações públicas, compreendendo mecanismo estratégico importante para a eficiência administrativa”[5]Consultoria Zênite. Plano de Contratações Anual: mecanismo estratégico das contratações públicas, agora regulamentado pelo Decreto nº 10.947/2022. Curitiba: 2022. Disponível em: … Continue reading, como pontua a Consultoria Zênite.
Ademais, de acordo com o mesmo inciso VII do artigo 12 da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, cabe aos entes federativos regulamentarem o plano de contratações anual, de acordo com as características e peculiaridades locais.
Na esfera federal, essa regulamentação foi feita pelo supramencionado Decreto Federal nº 10.947/2022, que estabelece requisitos, diretrizes e regras para a elaboração do PAC, com destaque para a obrigatoriedade da elaboração do plano no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, inclusive para as contratações diretas e com recursos oriundos de empréstimos e doações (art. 6º, I e II), excetuando-se as contratações elencadas no art. 7º; e a fixação de uma data limite para a realização do plano (até a primeira quinzena de maio de cada exercício, em relação às contratações pretendidas para o exercício subsequente).
Conclusão
Conhecer a etapa preparatória de uma licitação é essencial para qualquer licitante que busque ingressar no mercado de vendas públicas com segurança e garantir o sucesso do negócio.
O conhecimento das diretrizes planejadas pelo poder público garantem também a organização e o planejamento da empresa licitante para atender ao futuro contrato administrativo, além de permitir a verificação da legalidade do processo licitatório.
Acompanhe nosso site para ter acesso a mais conteúdo sobre licitações e contratos administrativos e, se tiver alguma dúvida, entre em contato com um dos nossos advogados especialistas em licitações públicas.
Referências[+]
↑1 | De acordo com o Referencial Básico de Gestão de Riscos do TCU, accountability pública é a “obrigação que têm as pessoas, físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, às quais se tenha confiado recursos públicos, de assumir as responsabilidades de ordem fiscal, gerencial e programática que lhes foram conferidas, e de informar a sociedade e a quem lhes delegou essas responsabilidades sobre o cumprimento de objetivos e metas e o desempenho alcançado na gestão dos recursos públicos. É, ainda, obrigação imposta a uma pessoa ou entidade auditada de demonstrar que administrou ou controlou os recursos que lhe foram confiados em conformidade com os termos segundo os quais eles lhe foram entregues” (BRASIL. Tribunal de Contas da União. Referencial básico de gestão de riscos. Brasília: Tribunal de Contas da União, 2018). |
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↑2 | NIEBUHR, Joel de Menezes. Fase preparatória das licitações. In: NIEBUHR, Joel de Menezes (Coord.). Nova lei de licitações e contratos administrativos. 2. ed. Curitiba: Zênite, 2021. p. 80-95. |
↑3 | O critério de eficiência na alocação de riscos, de acordo com o advogado Lucas Hellmann, do escritório Schiefler Advocacia, tem como primeiro parâmetro alocar o risco “à parte que tem capacidade de, a um menor custo, prevenir a ocorrência do evento indesejado ou de promover o evento desejável ou, ainda, de controlar as consequências da sua materialização”. Sendo assim, no caso de furtos em obras, esse risco deve ser, via de regra, alocado ao particular, pois “é a parte que, a custo mais baixo, pode implementar medidas para evitar a ocorrência desses eventos” (HELLMANN, Lucas. A alocação eficiente de riscos contratuais conforme a Lei nº 14.133/2021: por um método de repartição de responsabilidades com a manutenção do equilíbrio econômico financeiro dos contratos administrativos. 2021. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2021. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/228676. Acesso em 21 mar. 2022). |
↑4 | Instrumento cuja origem remonta à Instrução Normativa nº 1/2018 (já revogada), da Secretaria de Gestão do extinto Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, posteriormente substituída pela Instrução Normativa nº 1/2019, da Secretaria de Gestão do Ministério da Economia. |
↑5 | Consultoria Zênite. Plano de Contratações Anual: mecanismo estratégico das contratações públicas, agora regulamentado pelo Decreto nº 10.947/2022. Curitiba: 2022. Disponível em: https://zenite.blog.br/plano-de-contratacoes-anual-mecanismo-estrategico-das-contratacoes-publicas-agora-regulamentado-pelo-decreto-no-10-947-2022/. Acesso em: 21 mar. 2022. |
STF afasta a cobrança do imposto de renda sobre a pensão alimentícia
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por maioria de votos (8 a 3), no dia 03 de junho de 2022, afastar a incidência do Imposto de Renda (IR) sobre as pensões alimentícias após o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5422.
Direito de Família: pensão alimentícia e obrigação alimentar
A pensão alimentícia constitui parte dos direitos e garantias individuais, de inviolabilidade do direito à vida e à integridade, visto que os alimentos – conceito que engloba outras necessidades do alimentado (moradia, alimentação, lazer, educação, saúde, etc) – são essenciais para a sobrevivência e manutenção da vida humana digna e, portanto, devem ser observados como o mínimo existencial.
Em regra, a fonte da obrigação alimentar são os laços de parentalidade daqueles que se constituem enquanto família, regulado através do binômio necessidade-possibilidade (as necessidades do alimentando e as possibilidades do alimentante), atentando-se sempre ao princípio da proporcionalidade[1]DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 14ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2021..
Sobre a decisão
Até a decisão do STF, a mãe ou o pai que recebia a pensão alimentícia em favor do filho deveria somá-la à sua própria renda para que o imposto de renda incidisse sobre o valor total.
Sob o fundamento de que a renda já era tributada quando o alimentante pagava o imposto de renda, o IBDFAM ajuizou a referida medida cautelar requerendo o reconhecimento da inconstitucionalidade da tributação dos alimentos (bitributação) e, consequentemente, a suspensão dos seus efeitos (art. 3º, §1º, da Lei 7.713/1988 e arts. 5º e 54 do Decreto 3.000/1999).[2]https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=9882021&prcID=4893325&ad=s
Dos votos
Em seu voto, o ministro Dias Toffoli, afirmou que a pensão alimentícia não representa acréscimo patrimonial, não devendo, portanto, integrar a base de cálculo do imposto de renda. O Relator também reconheceu a existência da bitributação camuflada na Lei 7.713/1988, uma vez que seriam submetidos à tributação do Imposto de Renda os títulos de recebimento de renda e os de proventos pelo alimentante.
O relator foi acompanhado na decisão pelos ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, André Mendonça, Luiz Fux, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski.
Os ministros Gilmar Mendes[3]https://ibdfam.org.br/assets/img/upload/files/votogilmarmendes.pdf, Nunes Marques e Edson Fachin, apresentaram voto divergente, afirmando que o mais coerente seria manter a tributação da pensão alimentícia com base no cálculo realizado de acordo com a tabela progressiva do IR (Imposto de Renda).
Após o julgamento, o que muda?
Trata-se de uma decisão de cunho social bastante relevante. Agora, com a recente decisão, quem recebe pensão alimentícia poderá usufruir da totalidade dos rendimentos, impactando, significativamente, na manutenção da renda. Além disso, aqueles que anteriormente contribuíram com o pagamento de tributos sobre a pensão alimentícia podem ter acesso aos valores indevidos.
Referências[+]
Como funciona a etapa preparatória de uma licitação pública: estudos preliminares
A licitação é o processo administrativo típico por meio do qual a Administração Pública seleciona o particular com quem celebrará um contrato administrativo. Por meio deste contrato, a Administração Pública obriga-se a adquirir ou vender um bem, ou a receber a prestação de um serviço, ou então a promover a delegação de uma atividade de utilidade pública. Trata-se de um processo complexo e dividido em fases, que tem início com a fase preparatória.
A fase preparatória é caracterizada pelo planejamento da contratação pretendida pelo órgão ou entidade pública. É a pedra fundamental de qualquer processo licitatório (ou processo de contratação direta, que ocorre por meio de dispensa ou inexigibilidade de licitação) e a maior responsável pelo sucesso do futuro contrato. Afinal de contas, é durante o planejamento da licitação pública que são levantadas e definidas as informações técnicas e financeiras essenciais para que a execução contratual ocorra conforme o esperado.
Inclusive, uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 2019[1]BRASIL. Tribunal de Contas da União. Auditoria Operacional Sobre Obras Paralisadas. Brasília: Tribunal de Contas da União, 2018. Disponível em: … Continue reading, a partir de um levantamento de mais de 38 mil contratos de obras públicas financiadas com recursos federais, verificou-se que o Brasil possuía mais de 14 mil obras paralisadas ou inacabadas, o que representava cerca de 37,5% de todas as obras contratadas e ainda não concluídas. O mesmo estudo apontou que 47% das paralisações (dentre os contratos do Programa de Aceleração do Crescimento) foram motivadas por problemas técnicos, e 10% por problemas financeiros. Ou seja, mais da metade das obras estava paralisada diretamente em razão de deficiências no planejamento (técnico e/ou financeiro) das contratações.
Tais dados demonstram a importância da fase preparatória das contratações públicas e os grandes impactos negativos que um planejamento deficitário gera à própria Administração, assim como aos contratados e, principalmente, à sociedade, que paga por um produto, serviço ou obra que não é entregue adequadamente.
A Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitação e Contratos Administrativos) parte desse diagnóstico e, diferentemente da Lei nº 8.666/1993, dá grande atenção à fase preparatória da licitação, elevando a etapa de planejamento ao patamar de princípio jurídico (embora se qualifique, em verdade, como uma diretriz) e estabelecendo procedimentos mínimos que devem ser realizados pelos gestores públicos, notadamente a partir do seu artigo 18.
Neste texto, veremos os principais aspectos e os estudos preliminares exigidos na fase preparatória da licitação de acordo com a Nova Lei de Licitação e Contratos Administrativos.
ESTUDO TÉCNICO PRELIMINAR
Um processo de contratação pública, seja ele com ou sem uma licitação, tem sua origem quando a Administração identifica uma necessidade, interna (em relação à infraestrutura do órgão/entidade) ou externa (em relação aos cidadãos e à comunidade), e constata que possivelmente deverá firmar um contrato com algum particular para suprir essa necessidade.
Para descobrir a melhor solução técnica e jurídica para suprir essa necessidade verificada, a Administração precisa analisá-la e detalhá–la pormenorizadamente, o que é feito com o estudo técnico preliminar (ETP). Este documento se destina à investigação e ao levantamento de informações sobre a melhor solução contratual para o caso concreto, podendo levar a uma conclusão positiva ou negativa sobre a contratação.
O estudo técnico preliminar é, portanto, o ponto de partida da contratação, sendo conceituado pelo artigo 6º, XX, da NLLCA como o “documento constitutivo da primeira etapa do planejamento de uma contratação que caracteriza o interesse público envolvido e a sua melhor solução e dá base ao anteprojeto, ao termo de referência ou ao projeto básico a serem elaborados caso se conclua pela viabilidade da contratação”. Contudo, é no artigo 18 da mesma lei em que estão regulamentadas as suas características e conteúdo.
O objetivo do ETP é formalizar, em documento integrante e obrigatório do processo licitatório, as conclusões obtidas na fase de planejamento da licitação. O documento deve conter o problema identificado pela Administração pública que se pretende resolver com a licitação e a possível solução que se deseja alcançar com a contração pública. Estes insumos permitem avaliar a viabilidade técnica e econômica da contratação com maior concretude.
Conforme o parágrafo 1º do artigo 18, para que se atinja o objetivo desejado, o estudo técnico preliminar deve conter:
- descrição da necessidade da contratação, considerado o problema a ser resolvido sob a perspectiva do interesse público;
- demonstração da previsão da contratação no plano de contratações anual – instrumento que será melhor analisado a seguir -, sempre que elaborado, de modo a indicar o seu alinhamento com o planejamento da Administração;
- requisitos da contratação;
- estimativas das quantidades para a contratação, acompanhadas das memórias de cálculo e dos documentos que lhes dão suporte, que considerem interdependências com outras contratações, de modo a possibilitar economia de escala;
- levantamento de mercado, que consiste na análise das alternativas possíveis, e justificativa técnica e econômica da escolha do tipo de solução a contratar;
- estimativa do valor da contratação, acompanhada dos preços unitários referenciais, das memórias de cálculo e dos documentos que lhe dão suporte, que poderão constar de anexo classificado, se a Administração optar por preservar o seu sigilo até a conclusão da licitação;
- descrição da solução como um todo, inclusive das exigências relacionadas à manutenção e à assistência técnica, quando for o caso;
- justificativas para o parcelamento ou não da contratação;
- demonstrativo dos resultados pretendidos em termos de economicidade e de melhor aproveitamento dos recursos humanos, materiais e financeiros disponíveis;
- providências a serem adotadas pela Administração previamente à celebração do contrato, inclusive quanto à capacitação de servidores ou de empregados para fiscalização e gestão contratual;
- contratações correlatas e/ou interdependentes;
- descrição de possíveis impactos ambientais e respectivas medidas mitigadoras, incluídos requisitos de baixo consumo de energia e de outros recursos, bem como logística reversa para desfazimento e reciclagem de bens e refugos, quando aplicável;
- posicionamento conclusivo sobre a adequação da contratação para o atendimento da necessidade a que se destina.
O ideal é que a Administração busque elaborar o estudo técnico preliminar com o maior nível de detalhamento possível. Contudo, dos requisitos elencados acima, são obrigatórios: a descrição da necessidade de contratação, as estimativas de quantidades a serem contratadas, a estimativa de valor da contratação, a justificativa para parcelamento ou não do valor total e o posicionamento conclusivo sobre a adequação da contratação para o atendimento da necessidade (alíneas ‘a’, ‘d’, ‘f’, ‘h’ e ‘m’), conforme previsto pelo artigo 18, § 2º, devendo a Administração justificar a impossibilidade de explicitar as demais informações.
De forma adicional, a Instrução Normativa SEGES nº 58/2022[2]Disponível em: … Continue reading regulamenta a elaboração do ETP em nível federal e traz esclarecimentos sobre o disposto na Nova Lei de Licitações.
Em outras palavras, o ETP é o documento em que a Administração realiza uma investigação sobre as diferentes alternativas disponíveis para a contratação, sendo que, ao final, elegerá uma delas, a qual servirá como base para a elaboração do termo de referência, anteprojeto, projeto básico e/ou projeto executivo, conforme o caso. Além disso, o estudo técnico preliminar é o documento que servirá como base para a elaboração do anteprojeto, do termo de referência e/ou do projeto básico.
TERMO DE REFERÊNCIA, ANTEPROJETO, PROJETO BÁSICO E PROJETO EXECUTIVO
Ainda na fase de planejamento, a partir do estudo técnico preliminar (ETP), a Administração deve definir exatamente qual o objeto a ser contratado para atender as necessidades encontradas. Isto será detalhado no termo de referência, anteprojeto, projeto básico e/ou projeto executivo. A definição de qual(is) documento(s) será(ão) elaborado(s) depende da natureza do objeto a ser licitado.
Para a contratação de bens e serviços, o termo de referência é o documento necessário, cujo conteúdo deve abarcar, no mínimo, os seguintes elementos (art. 6, XXIII):
- definição do objeto, incluídos sua natureza, os quantitativos, o prazo do contrato e, se for o caso, a possibilidade de sua prorrogação;
- fundamentação da contratação, que consiste na referência aos estudos técnicos preliminares correspondentes ou, quando não for possível divulgar esses estudos, no extrato das partes que não contiverem informações sigilosas;
- descrição da solução como um todo, considerado todo o ciclo de vida do objeto;
- requisitos da contratação;
- modelo de execução do objeto, que consiste na definição de como o contrato deverá produzir os resultados pretendidos desde o seu início até o seu encerramento;
- modelo de gestão do contrato, que descreve como a execução do objeto será acompanhada e fiscalizada pelo órgão ou entidade;
- critérios de medição e de pagamento;
- forma e critérios de seleção do fornecedor;
- estimativas do valor da contratação, acompanhadas dos preços unitários referenciais, das memórias de cálculo e dos documentos que lhe dão suporte, com os parâmetros utilizados para a obtenção dos preços e para os respectivos cálculos, que devem constar de documento separado e classificado;
- adequação orçamentária.
Em se tratando de aquisição de bens, a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos estabelece que os itens de consumo adquiridos para suprir as demandas das estruturas da Administração Pública deverão ser de qualidade comum, isto é, não superior à necessária para cumprir as finalidades às quais se destinam, vedada a aquisição de artigos de luxo (art. 20). A definição do que são os “artigos de luxo” é delegada aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de cada ente federativo, por meio de regulamento próprio – no âmbito do Poder Executivo Federal, a regulamentação é feita pelo Decreto nº 10.818/2021.
Ademais, buscando dar concretude ao princípio do desenvolvimento nacional sustentável, o artigo 26 da NLLCA autoriza a Administração a estabelecer margem de preferência para bens manufaturados e serviços nacionais que atendam a normas técnicas brasileiras (ou para bens manufaturados e serviços originários de Estados Partes do Mercado Comum do Sul – Mercosul, desde que haja reciprocidade com o país de origem) e bens reciclados, recicláveis ou biodegradáveis, conforme regulamento. Tal margem de preferência poderá ser de até 10% sobre o preço dos bens e serviços que não se enquadrem nessa qualidade (art. 26, § 1º, II) e de até 20% se os bens manufaturados nacionais e serviços nacionais forem resultantes de desenvolvimento e inovação tecnológica no País, definidos conforme regulamento do Poder Executivo federal (art. 26, § 2º).
Vale destacar, contudo, que, embora a fixação de margens de preferência em relação à procedência dos objetos já fosse prevista na Lei nº 8.666/1993, a sua adoção é bastante rara nas licitações, sobretudo porque implica a possibilidade de contratação mais custosa aos órgãos e entidades.
Já para a contratação de obras e serviços de engenharia, a NLCCA prevê que o processo de contratação deve ser instruído, alternativa ou cumulativamente, pelos projetos básico e executivo e pelo anteprojeto. A necessidade de elaboração de cada documento dependerá do regime de execução eleito pela Administração.
O projeto básico é o documento que apresenta o conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para definir e dimensionar a(s) obra(s) ou o(s) serviço(s) objeto(s) da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares. Seu objetivo é assegurar a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento e possibilitar a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução. Tal documento deve conter, no mínimo, os seguintes elementos (art. 6º, XXV):
- levantamentos topográficos e cadastrais, sondagens e ensaios geotécnicos, ensaios e análises laboratoriais, estudos socioambientais e demais dados e levantamentos necessários para execução da solução escolhida;
- soluções técnicas globais e localizadas, suficientemente detalhadas, de forma a evitar, por ocasião da elaboração do projeto executivo e da realização das obras e montagem, a necessidade de reformulações ou variantes quanto à qualidade, ao preço e ao prazo inicialmente definidos;
- identificação dos tipos de serviços a executar e dos materiais e equipamentos a incorporar à obra, bem como das suas especificações, de modo a assegurar os melhores resultados para o empreendimento e a segurança executiva na utilização do objeto, para os fins a que se destina, considerados os riscos e os perigos identificáveis, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução;
- informações que possibilitem o estudo e a definição de métodos construtivos, de instalações provisórias e de condições organizacionais para a obra, sem frustrar o caráter competitivo para a sua execução;
- subsídios para montagem do plano de licitação e gestão da obra, compreendidos a sua programação, a estratégia de suprimentos, as normas de fiscalização e outros dados necessários em cada caso;
- orçamento detalhado do custo global da obra, fundamentado em quantitativos de serviços e fornecimentos propriamente avaliados, não sendo obrigatório para os regimes de execução integrada e semi-integrada, e obrigatório para os demais.
Com base em todas as informações coletadas nos estudos e no projeto básico, é elaborado o projeto executivo, compreendido como o conjunto de elementos necessários e suficientes à execução completa da obra, com o detalhamento das soluções previstas no projeto básico, a identificação de serviços, de materiais e de equipamentos a serem incorporados à obra, bem como suas especificações técnicas, de acordo com as normas técnicas pertinentes (art. 6º, XXVI).
Contudo, que a elaboração dos projetos básico e executivo pode ser dispensada ou transferida da Administração ao particular futuro contratado, a depender da natureza do objeto e do regime de execução contratual eleito. Isso porque, se no estudo técnico preliminar for constatado que a necessidade pode ser atendida pela contratação de obras e serviços comuns de engenharia[3]De acordo com a alínea “a” do inciso XXI do artigo 6º da NLLCA, serviço comum de engenharia é “todo serviço de engenharia que tem por objeto ações, objetivamente padronizáveis em termos … Continue reading, a especificação do objeto poderá ser realizada apenas em termo de referência ou em projeto básico, dispensada a descrição detalhada da solução no ETP ou a elaboração de outros projetos – e desde que seja demonstrada a inexistência de prejuízo para a aferição dos padrões de desempenho e qualidade almejados (art. 18, § 3º).
Além disso, se for adotado o regime de execução semi-integrada, a Administração também é dispensada de elaborar o projeto executivo, o qual ficará à cargo do futuro contratado – sendo permitida a alteração de determinados pontos do projeto básico, previamente identificados pela Administração.
Por outro lado, se o regime adotado for o de execução integrada, ambos os projetos básico e executivo serão de responsabilidade do futuro contratado. Neste caso, a Administração deve disponibilizar o anteprojeto, que é, de acordo com a definição trazida pelo artigo 6º, inciso XXIV, a peça técnica com todos os subsídios necessários à elaboração do projeto básico, devendo conter, no mínimo, os seguintes elementos:
- demonstração e justificativa do programa de necessidades, avaliação de demanda do público-alvo, motivação técnico-econômico-social do empreendimento, visão global dos investimentos e definições relacionadas ao nível de serviço desejado;
- condições de solidez, de segurança e de durabilidade;
- prazo de entrega;
- estética do projeto arquitetônico, traçado geométrico e/ou projeto da área de influência, quando cabível;
- parâmetros de adequação ao interesse público, de economia na utilização, de facilidade na execução, de impacto ambiental e de acessibilidade;
- proposta de concepção da obra ou do serviço de engenharia;
- projetos anteriores ou estudos preliminares que embasaram a concepção proposta;
- levantamento topográfico e cadastral;
- pareceres de sondagem;
- memorial descritivo dos elementos da edificação, dos componentes construtivos e dos materiais de construção, de forma a estabelecer padrões mínimos para a contratação.
Destaca-se, por fim, que nas contratações integradas e semi-integradas, os riscos decorrentes de fatos supervenientes à contratação associados à escolha da solução de projeto pelo contratado deverão ser alocados como de sua responsabilidade na matriz de riscos (art. 22, § 4º).
Ou seja, na contratação semi-integrada, o contratado é responsável pelas soluções técnicas que ele mesmo definiu no projeto executivo, ficando a Administração responsável, via de regra, pelas soluções definidas no projeto básico. Já na contratação integrada, o particular é responsável pelas soluções dos projetos básico e executivo, restando a Administração responsável pelos riscos decorrentes das soluções por ela fixadas no anteprojeto. A lógica aqui é que “a parte que elabora o projeto e define as soluções a serem adotadas deve arcar com os riscos associados, pois ela é, em primeira análise, a parte capaz de evitar esses riscos, elaborando adequadamente os estudos técnicos”[4]HELLMANN, Lucas. A alocação eficiente de riscos contratuais conforme a Lei nº 14.133/2021: por um método de repartição de responsabilidades com a manutenção do equilíbrio econômico … Continue reading.
CONCLUSÃO
Dando diretrizes práticas ao planejamento da licitação, a Lei nº 14.133/2021 prevê com maior riqueza de detalhes que a lei anterior (Lei nº 8.666/1993) a fase preparatória da licitação, trazendo definições e regramentos específicos para os diversos tipos de estudos preparatórios para a contratação pública.
As referidas etapas preparatórias são de extrema importância não apenas para a Administração Pública, mas também para as empresas que pretendem realizar contratos administrativos. A adequação com as diretrizes planejadas pelo poder público e o conhecimento integral do planejamento da contratação são fatores essenciais para o sucesso do negócio.
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Referências[+]
↑1 | BRASIL. Tribunal de Contas da União. Auditoria Operacional Sobre Obras Paralisadas. Brasília: Tribunal de Contas da União, 2018. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/biblioteca-digital/auditoria-operacional-sobre-obras-paralisadas.htm. Acesso em: 9 mar. 2022. |
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↑2 | Disponível em: https://www.gov.br/compras/pt-br/acesso-a-informacao/legislacao/instrucoes-normativas/instrucao-normativa-seges-no-58-de-8-de-agosto-de-2022#:~:text=AGOSTO%20DE%202022-,INSTRU%C3%87%C3%83O%20NORMATIVA%20SEGES%20N%C2%BA%2058%2C%20DE%208%20DE%20AGOSTO%20DE,sobre%20o%20Sistema%20ETP%20digital |
↑3 | De acordo com a alínea “a” do inciso XXI do artigo 6º da NLLCA, serviço comum de engenharia é “todo serviço de engenharia que tem por objeto ações, objetivamente padronizáveis em termos de desempenho e qualidade, de manutenção, de adequação e de adaptação de bens móveis e imóveis, com preservação das características originais dos bens”. |
↑4 | HELLMANN, Lucas. A alocação eficiente de riscos contratuais conforme a Lei nº 14.133/2021: por um método de repartição de responsabilidades com a manutenção do equilíbrio econômico financeiro dos contratos administrativos. 2021. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2021. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/228676. Acesso em: 21 mar. 2022. |
Em uma votação apertada (3x2), os ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluíram nesta terça-feira (8/6) o julgamento sobre a possibilidade da implantação de embriões do casal após a morte de um dos cônjuges.
Em uma votação apertada (3×2), os ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluíram nesta terça-feira (8/6) o julgamento sobre a possibilidade da implantação de embriões do casal após a morte de um dos cônjuges.
Em maio deste ano, o ministro relator, Marco Buzzi, votou no sentido de permitir a implantação, uma vez que, no seu entendimento, era incontroverso que o falecido nutria o desejo de ter filhos com a sua esposa.
Para o ministro Buzzi, a realização de inseminação artificial não serviria para outro fim.
Contudo, após pedido de vista, o ministro Luis Felipe Salomão abriu divergência. Em voto vencedor divergente, o ministro não autorizou a realização da implantação do material biológico, uma vez que inexistia manifestação expressa sobre a destinação dos embriões em caso de falecimento.
Para o ministro, nos casos em que a expressão de autodeterminação significar projeção de efeitos para além da vida da pessoa, com repercussões existenciais e patrimoniais, é imprescindível a autorização prévia e inequívoca do falecido para que se permita à viúva realizar a fertilização. Ou seja, para a implantação post mortem não basta a mera presunção da vontade do falecido, mas a sua autorização expressa.
Os ministros Antonio Carlos Ferreira e Raul Araújo acompanharam o voto divergente.
Fonte: https://ibdfam.org.br/noticias/8564/Viúva+não+tem+direito+a+implantar+embriões+sem+autorização+prévia+do+marido%2C+decide+STJ
REsp: 1918421
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