
Implementação da Política de Sustentabilidade nos Portos: aspectos ESG e desafios regulatórios
Em janeiro de 2025, o governo federal, por meio do Ministério de Portos e Aeroportos, anunciou a nova Política de Sustentabilidade para portos, aeroportos e hidrovias. Esta iniciativa tem como objetivo fomentar práticas sustentáveis, promover a transparência e incentivar a inclusão social tanto no setor público quanto no privado. Para isso, a política integra os princípios ESG — sigla que representa as dimensões Ambiental, Social e de Governança —, os quais orientam a implementação de práticas que visam não apenas a preservação do meio ambiente, mas também a promoção de responsabilidade social e a adoção de mecanismos de gestão e controle eficientes.
Essa estratégia surge como resposta a um cenário global marcado por crises ambientais e demandas por modelos logísticos resilientes, alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU e ao Acordo de Paris. Ao incorporar critérios ESG, a política não só fortalece a competitividade do setor, mas também posiciona o Brasil como protagonista na transição para uma economia de baixo carbono. Entre as ações previstas estão a redução de emissões em operações portuárias e aeroportuárias, a modernização de hidrovias com tecnologias limpas e a criação de mecanismos de governança que garantam transparência e participação social.
Além disso, a iniciativa busca equilibrar desenvolvimento econômico e preservação ambiental, incentivando parcerias público-privadas que priorizem investimentos em infraestrutura sustentável e inclusiva. Dessa forma, o país avança em direção a um modelo logístico que integra eficiência operacional, responsabilidade climática e equidade, atendendo tanto às exigências do mercado internacional quanto às necessidades locais de comunidades impactadas por esses empreendimentos.
Fundamentos jurídicos e regulatórios: entre o nacional e o internacional
A incorporação dos princípios ESG na gestão dos portos está ancorada em um conjunto robusto de normas e diretrizes que visam promover práticas sustentáveis, éticas e transparentes no setor. Essa fundamentação se apoia em duas esferas principais: a normativa internacional e o ordenamento jurídico brasileiro, as quais se interconectam para oferecer um ambiente regulatório sólido e integrado.
Em primeiro lugar, a Política de Sustentabilidade adotada pelo governo federal reflete as diretrizes da Agenda 2030 da ONU, que orienta os países na implementação de estratégias integradas para o desenvolvimento sustentável. Nesse contexto, padrões internacionais como a Corporate Sustainability Reporting Directive (CSRD) e os European Sustainability Reporting Standards (ESRS) desempenham um papel fundamental ao estabelecer exigências rigorosas para a divulgação e verificação das informações relacionadas aos impactos ambientais, sociais e de governança das organizações. Tais padrões incentivam a criação de sistemas de gestão que garantam a integridade e a confiabilidade dos dados, proporcionando transparência e robustez na avaliação do desempenho ESG.
No plano doméstico, essa abordagem dialoga com legislações nacionais como a Lei nº 12.305/2010 (Política Nacional de Resíduos Sólidos) e o Marco Legal do Saneamento Básico (Lei nº 14.026/2020), que reforçam a gestão sustentável de recursos e infraestruturas. Essa dualidade normativa — entre padrões globais e marcos locais — reflete um esforço de adaptação a exigências multilaterais, como as metas da Organização Marítima Internacional (IMO) para redução de 50% das emissões de carbono no transporte marítimo até 2050. A adesão à Agenda 2030 consolida, ainda, o compromisso do país com indicadores mensuráveis, como a meta ODS 9 (indústria, inovação e infraestrutura sustentável) e a ODS 13 (ação contra a mudança climática), integrando-as às operações portuárias e aeroviárias.
Desse modo, a Política de Sustentabilidade para portos, aeroportos e hidrovias não apenas incorpora os três pilares — ambiental, social e de governança — como também cria um ambiente propício para o desenvolvimento de mecanismos internos de controle e auditoria, abordagem que fortalece a segurança jurídica das operações e minimiza riscos de práticas ilícitas ou desleais. Essa sinergia promove a responsabilização corporativa e incentiva as empresas a adotarem práticas que assegurem o respeito aos direitos humanos, a proteção ambiental e a transparência na gestão. Dessa forma, a fundamentação jurídica e regulatória dos princípios ESG não só estabelece um patamar de conformidade legal, mas também potencializa a competitividade do setor, atraindo investimentos e consolidando a reputação das organizações no cenário global.
Desafios na coleta, padronização e monitoramento de dados
A eficácia da Política de Sustentabilidade depende, em grande medida, da capacidade de mensurar e monitorar os resultados das ações implementadas. Nesse sentido, a coleta e padronização de dados ESG apresentam desafios complexos, que exigem não apenas a adoção de tecnologias avançadas, mas também a harmonização de critérios e metodologias entre os diversos agentes envolvidos.
A coleta de dados envolve integrar informações ambientais, sociais e de governança corporativa, provenientes de fontes heterogêneas, como sensores de emissões, relatórios de compliance e indicadores de impacto comunitário. Para garantir integridade e atualidade, são necessários sistemas tecnológicos robustos — como plataformas de IoT (Internet das Coisas) e blockchain —, capazes de rastrear dados em tempo real e evitar manipulações. A ausência de uma infraestrutura tecnológica adequada pode comprometer a confiabilidade dos dados, dificultando a avaliação real dos impactos e a tomada de decisões estratégicas.
A padronização metodológica surge como resposta à heterogeneidade dos dados. A falta de critérios uniformes — como os propostos pelo Global Reporting Initiative (GRI) ou pelo Sustainability Accounting Standards Board (SASB) — gera inconsistências que minam a comparabilidade entre organizações e períodos. A política propõe a criação de um framework nacional, alinhado a padrões internacionais, que defina métricas claras para auditorias e relatórios. Por exemplo, emissões de CO₂ devem ser calculadas com base no GHG Protocol, enquanto indicadores sociais podem seguir parâmetros da ISO 26000. Essa uniformização é vital para evitar “comparações maquiadas” e assegurar que metas como a redução de 30% das emissões até 2030 sejam mensuradas com rigor.
Já o monitoramento contínuo requer sistemas automatizados e auditorias independentes. Plataformas de big data com algoritmos preditivos podem identificar desvios em tempo real — como o aumento não planejado do consumo hídrico em terminais —, permitindo correções imediatas. Entidades como a Controladoria-Geral da União (CGU) e auditorias de terceira parte são essenciais para validar os dados, assegurando que relatórios reflitam a realidade operacional. Além disso, a política prevê revisões periódicas das metodologias, incorporando avanços como a inteligência artificial para análise de riscos climáticos, garantindo que as práticas evoluam junto com as demandas globais.
Em síntese, a eficácia da política depende de um ecossistema onde tecnologia, padrões claros e fiscalização independente se retroalimentem, transformando dados em insights acionáveis. Sem essa tríade, mesmo as melhores intenções ESG podem se perder em relatórios superficiais, distantes da transformação sustentável que o setor portuário almeja.
Fiscalização, transparência e mecanismos de responsabilização
A consolidação dos princípios ESG no setor portuário depende da implementação de mecanismos rigorosos de fiscalização e transparência, capazes de assegurar a efetividade das práticas sustentáveis e a responsabilização dos agentes. Esse arcabouço é vital não apenas para evitar o ESG-washing — prática em que empresas divulgam iniciativas socioambientais sem implementá-las efetivamente —, mas também para garantir que compromissos assumidos se traduzam em ações íntegras e contínuas.
A fiscalização ocorre por meio de instrumentos como planos de ação estruturados, auditorias externas independentes e relatórios detalhados com indicadores de desempenho. O Pacto pela Sustentabilidade, por exemplo, exige que empresas submetam seus dados a processos de verificação rigorosos, sob risco de rescisão contratual em caso de descumprimento. Essa combinação de monitoramento técnico e pressão jurídica cria um ciclo de conformidade, onde a ameaça de perda de benefícios (como acesso a financiamentos verdes) incentiva a manutenção de padrões elevados.
A transparência, por sua vez, é o alicerce da credibilidade. A divulgação regular de relatórios auditáveis e a disponibilização de dados a órgãos de controle e ao público fortalecem a confiança no sistema. Investidores e sociedade civil passam a atuar como vigilantes ativos, exigindo coerência entre discurso e prática. Essa abertura não apenas promove a responsabilização interna, mas também estimula um ambiente de negócios mais ético, onde o desempenho ESG é escrutinado em tempo real.
Já a responsabilização jurídica completa o ciclo, com sanções que variam de multas à suspensão de incentivos econômicos para casos de descumprimento. Canais de denúncia anônima e auditorias independentes ampliam a governança, enquanto a integração de critérios ESG em contratos públicos — como licitações e concessões — reforça a necessidade de compliance contínuo. Essa abordagem multifacetada não só previne fraudes, mas também constrói um ecossistema onde a sustentabilidade se torna um valor intrínseco às operações, e não uma mera estratégia de comunicação.
Desafios quanto a consolidação da fiscalização
A política prevê auditorias independentes como ferramenta central de fiscalização, mas a escassez de profissionais certificados em sustentabilidade no Brasil, limita sua efetividade. Esse gargalo é agravado pela ausência de um marco regulatório específico para ESG, o que permite interpretações ambíguas de métricas e relatórios.
Para mitigar essas lacunas, soluções inovadoras, como algoritmos de IA para análise preditiva de dados ambientais e sociais, poderiam complementar esforços humanos. No Porto de Singapura, referência global em descarbonização, o Maritime Singapore Decarbonisation Blueprint é um projeto que destaca estratégias que combinam rigor técnico e governança colaborativa. O plano estabelece metas ambiciosas, como a redução de 50% das emissões absolutas do setor marítimo até 2050 (em relação a 2005) e a neutralidade carbônica o mais cedo possível na segunda metade do século. Para isso, Singapura implementou o DigitalPORT@SG, uma plataforma integrada que monitora em tempo real emissões de CO₂, eficiência energética e uso de combustíveis alternativos, como amônia verde e hidrogênio, com dados validados por padrões internacionais como a ISO 50001. Além disso, o país asiático fortaleceu parcerias com instituições como a Global Centre for Maritime Decarbonisation (GCMD), desenvolvendo algoritmos de IA capazes de identificar discrepâncias entre relatórios corporativos e dados operacionais — mecanismo essencial para reduzir riscos de greenwashing.
A adaptação dessas ferramentas ao contexto brasileiro, no entanto, exigiria investimentos em infraestrutura digital e capacitação técnica, além de harmonização com legislações locais, como a Lei nº 12.305/2010, que já estabelece diretrizes para logística reversa e rastreabilidade de resíduos. O exemplo de Singapura evidencia que a credibilidade de políticas ESG depende não apenas de tecnologias avançadas, mas de arcabouços legais e colaborações multissetoriais que assegurem accountability — lição crucial para o Brasil, onde a ausência de normas específicas e a fragmentação regulatória ainda desafiam a integridade das iniciativas sustentáveis.
Incentivos e benefícios para empresas que adotam as práticas ESG
A adoção de práticas ESG transcende a promoção da sustentabilidade ambiental e social, consolidando-se como um diferencial estratégico e competitivo para empresas. Esse movimento é impulsionado pelo interesse crescente de governos, instituições financeiras e investidores, que têm ampliado incentivos — como linhas de financiamento verde e benefícios fiscais — para estimular a adesão voluntária a esses princípios.
Um dos principais atrativos para as empresas é o acesso a linhas de crédito diferenciadas. Instituições como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Banco Mundial estabeleceram condições privilegiadas para projetos com comprovado impacto socioambiental, incluindo taxas de juros reduzidas, prazos alongados e desburocratização no acesso a recursos. No setor portuário, esse modelo viabiliza a transição energética e a modernização de infraestruturas, como a substituição de maquinários poluentes por alternativas limpas.
A emissão de títulos sustentáveis (green bonds, sustainability-linked bonds) também ganha relevância, permitindo captar recursos com custos mais competitivos, desde que vinculados a metas ESG mensuráveis. Esses instrumentos têm sido utilizados, por exemplo, para financiar a descarbonização de terminais portuários e a implantação de hidrovias de baixo impacto. Além disso, a Política de Sustentabilidade prevê vantagens em licitações públicas: empresas com práticas ESG comprovadas destacam-se em processos concorrenciais, já que órgãos governamentais priorizam parceiros alinhados a critérios como transparência, inclusão e gestão responsável.
Para além dos benefícios financeiros e reputacionais, a integração de ESG promove eficiência operacional. Tecnologias como sistemas de gestão energética inteligentes e otimização logística reduzem o consumo de recursos naturais, a geração de resíduos e as emissões de poluentes — fatores que, além de cumprirem exigências ambientais, tornam as operações mais enxutas e economicamente sustentáveis no longo prazo. Assim, o ESG deixa de ser um custo adicional para se tornar um vetor de inovação e resiliência, fortalecendo a competitividade em mercados cada vez mais exigentes.
O Porto de Santos, maior complexo portuário da América Latina, tem consolidado sua posição como referência em sustentabilidade por meio de iniciativas alinhadas aos princípios ESG, detalhadas em documentos estratégicos, como o Plano de Negócios 2024. Em termos de financiamento, o Plano de Negócios 2024 prevê que 30% dos investimentos sejam direcionados a projetos sustentáveis, com recursos provenientes do BNDES e de instituições financeiras privadas. A adesão ao Pacto Global da ONU reforçou o compromisso do porto com indicadores mensuráveis, como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 9 (indústria, inovação e infraestrutura) e 14 (vida na água), integrando-os às operações diárias.
O Manifesto ESG do Porto de Santos, lançado em 2023, ampliou sua abrangência com a adesão de mais de 40 empresas e instituições, incluindo terminais privados, órgãos ambientais e universidades. Entre as metas para 2025, destacam-se a obtenção da certificação ISO 14001 para todos os terminais portuários, a redução de 20% no consumo hídrico por meio de sistemas de reutilização de água e a promoção de programas de inclusão social, como capacitação profissional para comunidades do entorno em colaboração com o SENAI e o Instituto Ecofaxina.
A integração de práticas ESG no setor portuário revela-se não apenas uma resposta às demandas globais por sustentabilidade, mas uma estratégia inteligente para alinhar competitividade, inovação e responsabilidade socioambiental. A combinação de incentivos financeiros (linhas de crédito verde, títulos sustentáveis) e vantagens competitivas (preferência em licitações) cria um ciclo virtuoso, no quais empresas são estimuladas a adotar tecnologias limpas e práticas inclusivas, reduzindo custos e ampliando eficiência. O sucesso dessa abordagem, contudo, depende da colaboração multissetorial, como demonstra o Manifesto ESG do Porto de Santos, que envolve mais de 40 entidades em metas audaciosas.
O futuro da sustentabilidade no setor portuário
A adoção de práticas ESG no setor não é apenas uma tendência passageira, mas uma transformação estrutural que deve se consolidar nas próximas décadas. Com o avanço das regulamentações e a crescente demanda por transparência e responsabilidade socioambiental, espera-se que o setor se adapte a padrões ainda mais rigorosos e que novas oportunidades sejam criadas para empresas comprometidas com a sustentabilidade.
A legislação ambiental e de governança tende a se tornar mais detalhada e exigente, impondo obrigações mais rigorosas para monitoramento, mitigação de impactos ambientais e governança corporativa. O Brasil já possui uma estrutura regulatória em evolução, e a expectativa é que novas diretrizes sejam implementadas, alinhadas às recomendações internacionais, como o Acordo de Paris e as metas da ONU para a Agenda 2030. Esse avanço regulatório pode incluir a obrigatoriedade de relatórios ESG auditados, metas mais ambiciosas para redução de emissões de carbono e sanções mais severas para empresas que descumprirem as normas ambientais. Nesse cenário, as organizações que se anteciparem às mudanças terão maior vantagem competitiva e menor risco de sofrer penalizações ou restrições operacionais.
A implementação de sistemas de monitoramento ambiental em tempo real, por exemplo, permitirá que portos tenham controle preciso sobre emissões de poluentes, consumo energético e qualidade da água. Além disso, o uso de energia renovável, como painéis solares e turbinas eólicas, tende a se expandir para reduzir a dependência de fontes fósseis. A pressão por práticas sustentáveis não vem apenas de governos e reguladores, mas também do próprio mercado. Empresas globais e investidores institucionais estão cada vez mais exigindo cadeias de suprimentos limpas e sustentáveis, o que força o setor portuário a se adaptar rapidamente. Operadores logísticos e terminais que não cumprirem requisitos ESG podem enfrentar restrições comerciais ou perder contratos estratégicos para concorrentes mais bem alinhados com as exigências internacionais.
Além disso, consumidores finais estão cada vez mais atentos à sustentabilidade dos produtos e serviços que consomem. Isso significa que portos que adotam práticas ESG poderão se tornar hubs estratégicos para o comércio internacional, atraindo empresas que buscam reduzir sua pegada ambiental e social. Governos e entidades multilaterais podem desempenhar um papel essencial ao fomentar políticas de incentivo, parcerias público-privadas e programas de inovação focados em ESG. Nesse contexto, o Brasil tem potencial para se tornar uma referência global em portos sustentáveis, aproveitando sua posição estratégica no comércio internacional e sua riqueza em fontes de energia renovável.
Considerações finais
O fortalecimento das práticas ESG no setor portuário representa não apenas um desafio, mas uma oportunidade estratégica para o Brasil se posicionar como líder em sustentabilidade no comércio global. A Política de Sustentabilidade para portos, aeroportos e hidrovias demonstra que há um compromisso crescente com a implementação de práticas responsáveis, mas sua efetividade exige mais que diretrizes — demanda um ecossistema robusto, onde fiscalização ágil, engajamento corporativo genuíno e evolução regulatória atuem em sinergia.
Dessa forma, a integração dos princípios ESG à gestão portuária será essencial para garantir resiliência econômica, competitividade internacional e um impacto positivo na sociedade e no meio ambiente. O futuro do setor portuário brasileiro depende de um mindset que enxergue a sustentabilidade não como custo, mas como alavanca de competitividade. Aos que adotarem essa visão, restarão não apenas benefícios financeiros e institucionais, mas um legado de liderança em uma economia global que exige, cada vez mais, equilíbrio entre produtividade e planeta.
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Proposta mais vantajosa: critérios de julgamento na Lei nº 14.133/21
A Lei nº 14.133/2021 (NLLCA) alterou os procedimentos de contratação pública, especialmente na etapa de julgamento das propostas. A sistematização dos critérios de julgamento ampliou as possibilidades de adoção de soluções inovadoras e contratações orientadas por resultados.
A ideia de “vantajosidade” deixou de estar atrelada exclusivamente ao menor preço e passou a incorporar elementos como qualidade técnica, retorno econômico, desempenho futuro, entre outros, a depender do critério eleito. A nova legislação busca conciliar eficiência e flexibilidade nas contratações, sem abrir mão da transparência e da competitividade. Neste artigo, aprofunda-se a análise dos critérios de julgamento que viabilizam a escolha da proposta mais vantajosa.
Para uma visão geral sobre as mudanças trazidas pela NLLCA, recomenda-se a leitura do artigo: “O que mudou com a nova lei de licitações e contratos administrativos (Lei nº 14.133/2021): as novas regras de licitação.”
Critérios de julgamento na nova Lei de Licitações
A Lei nº 14.133/2021 estabelece seis critérios possíveis de julgamento das propostas (art. 33, incisos I a VI), os quais devem estar expressamente previstos no edital da licitação. São eles: (i) menor preço; (ii) maior desconto; (iii) melhor técnica ou conteúdo artístico; (iv) técnica e preço; (v) maior lance ou oferta; e (vi) maior retorno econômico.
Cada critério define a forma pela qual a comissão de licitação selecionará a proposta vencedora. Uma vez fixado no edital o critério a ser adotado, o julgamento deve restringir-se a ele, em observância aos princípios da vinculação ao instrumento convocatório e do julgamento objetivo.
Menor Preço
Trata-se do critério mais tradicional e amplamente utilizado. Nesse caso, será considerada vencedora a proposta de menor valor global, desde que atenda integralmente às exigências do edital e não seja considerada inexequível.
Para aprofundar o tema da viabilidade das propostas, acesse: “Obrigatoriedade de diligência prévia na desclassificação de propostas inexequíveis, conforme a Lei 14.133/2021”.
Esse critério é especialmente indicado para a aquisição de bens e serviços comuns, com ampla concorrência e objetos padronizados, nos quais o custo seja o principal parâmetro de escolha.
Uma inovação relevante trazida pela nova legislação é a possibilidade de considerar o custo do ciclo de vida no cálculo do menor preço (art. 34, § 1º), permitindo que, além do valor de aquisição, sejam incluídos custos futuros, como manutenção, insumos, depreciação e impactos ambientais, desde que objetivamente mensuráveis.
Em síntese, o critério de menor preço busca a eficiência econômica imediata, garantindo que, atendidos os padrões mínimos de qualidade, vença quem cobrar menos.
Maior Desconto
O critério de maior desconto, embora também tenha como finalidade a obtenção do menor dispêndio para a Administração, aplica-se a situações em que o órgão público adota um preço de referência ou uma tabela previamente fixada, e os licitantes concorrem oferecendo percentuais de desconto sobre esse valor.
Será vencedora a proposta que apresentar o maior percentual de abatimento, observados os padrões de qualidade definidos no edital (art. 34). Em casos em que o objeto envolve itens com preços e quantidades determináveis, a utilização desse critério mostra-se particularmente interessante.
Melhor Técnica ou Conteúdo Artístico
Privilegia-se, nesse critério, exclusivamente os aspectos qualitativos da proposta, sendo indicado para contratações de natureza predominantemente intelectual, criativa ou inovadora, como serviços técnicos especializados, projetos culturais e concursos artísticos.
Nesses casos, seleciona-se a proposta de maior mérito técnico, sendo o valor previamente fixado ou definido por outro critério, sem competição de preços. Um ponto a se destacar é que a Nova Lei exige que a equipe técnica indicada na proposta esteja efetivamente envolvida na execução do contrato (art. 38), reforçando o compromisso com a qualidade ofertada.
Esse critério reforça a ideia de que a proposta mais vantajosa nem sempre é a mais barata, mas sim a que oferece o melhor resultado técnico quando a situação assim exige.
Técnica e Preço
Esse critério busca o equilíbrio entre qualidade técnica e custo. Os dois elementos são avaliados segundo pesos previamente definidos no edital, resultando em uma nota final que determinará a proposta vencedora.
É o critério mais indicado para contratações complexas, como consultorias, projetos de engenharia, serviços de TI ou publicidade, nas quais a técnica e o preço devem caminhar juntos. No caso específico das licitações de publicidade, esse critério é comumente adotado, conforme explicamos no artigo “O que é diferente em uma licitação de publicidade?”.
Nesses casos, a Administração quer evitar tanto pagar barato por um serviço de baixa qualidade quanto gastar demais por um ganho técnico marginal. Assim, define um peso para a qualidade e outro para o preço, buscando a melhor relação custo-benefício.
Maior Lance ou Oferta
Utilizado em alienações de bens e concessões onerosas de direitos, esse critério busca maximizar a receita da Administração. Aplica-se, por exemplo, à alienação de bens públicos ou à concessão de direito real de uso.
Nessa hipótese, a proposta mais vantajosa é aquela que oferecer o maior valor financeiro à Administração, funcionando como o espelho do critério de menor preço, mas sob a perspectiva do Poder Público como alienante. O parâmetro é simples: vence quem pagar mais.
Maior Retorno Econômico
O critério de maior retorno econômico avalia o desempenho ao longo da execução contratual. Ao adotá-lo, a Administração incentiva as empresas a serem criativas e eficientes na busca de economia: ganha quem consegue entregar mais resultado com menos recurso (art. 39, § 3º).
Em síntese, o critério de maior retorno econômico expande o conceito de vantajosidade para além do momento da licitação, projetando-o durante a execução contratual – a proposta mais vantajosa é aquela que, ao final, deixa a Administração mais “no azul” em termos financeiros.
Esse critério nasceu de experiências como o Regime Diferenciado de Contratações (RDC) e também é comum em contratos de performance e parcerias público-privadas onde o pagamento do parceiro privado depende de desempenho, se quiser entender mais, leia: “As principais leis sobre licitação pública e contratos administrativos”.
Considerações Finais
A Lei nº 14.133/2021 consolidou uma variedade de critérios de julgamento para que a Administração Pública possa escolher, em cada licitação, a forma mais adequada de identificar a proposta mais vantajosa. Não existe um critério “melhor” em absoluto – cada um atende a situações e objetivos distintos.
O ponto-chave é que a escolha do critério deve ser feita de forma planejada na fase interna da licitação, alinhando o tipo de critério à natureza do objeto e às prioridades da contratação. Por exemplo, se o objetivo é puramente economizar recursos numa compra comum, o menor preço tende a ser indicado; se o objeto exige alta qualidade técnica ou criatividade, a melhor técnica pode ser a escolha certa; para equilibrar qualidade e custo, técnica e preço; em vendas de bens, o maior lance; e assim por diante.
Em conclusão, a seleção da proposta mais vantajosa possui nos critérios de julgamento uma via de seis caminhos possíveis para a sua concretização. Cada licitação pública deve explicitar qual caminho seguirá, cabendo à Administração a responsabilidade de escolher bem e aos licitantes a tarefa de adequar-se às regras do jogo. Com isso, espera-se que as contratações públicas alcancem resultados mais eficientes, seja economizando recursos, obtendo melhor qualidade ou garantindo retornos maiores.
Para compreender como esses critérios são aplicados na prática, recomendamos a leitura do artigo: “As etapas da Concorrência na Nova Lei de Licitações”, que detalha a dinâmica da modalidade concorrência.
Em caso de dúvidas ou para aprofundar aspectos específicos, entre em contato através do nosso e-mail contato@schiefler.adv.br, que um dos nossos advogados especialistas na área poderá lhe atender.
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É possível a remoção de um servidor entre universidades públicas distintas?
A remoção é uma das principais formas de mudança de lotação de um servidor público, a partir do deslocamento da unidade em que este exerce suas funções. Pode ser motivada pela Administração, por pedido do servidor ou por exercício de direito subjetivo adquirido em hipóteses específicas — nos casos de acompanhamento de cônjuge, por motivo de saúde de cônjuge ou dependente, ou por aprovação em processo seletivo com mais interessados do que vagas disponíveis.
Para entender melhor as hipóteses de remoção, recomendamos a leitura do artigo do escritório: “Entenda como funciona a remoção de servidor público e quais são os seus direitos”.
Uma dúvida recorrente sobre o tema diz respeito à possibilidade de remoção entre universidades federais distintas, especialmente diante do requisito previsto no art. 36 da Lei nº 8.112/1990, que exige a permanência no mesmo quadro funcional. Afinal, universidades federais possuem quadros unificados ou autônomos?
Interpretação do STJ: quadro funcional unificado
Embora a autonomia universitária possa levar à conclusão de que cada instituição teria um quadro funcional próprio, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui entendimento consolidado no sentido de que, para fins de remoção, os cargos de professores das universidades federais devem ser considerados como pertencentes a um único quadro funcional vinculado ao Ministério da Educação (MEC), como se destaca do julgado abaixo:
AGRAVO REGIMENTAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDORA PÚBLICA FEDERAL. REMOÇÃO. ART. 36, § ÚNICO, DA LEI 8.112/90. PROFESSORA DE UNIVERSIDADE FEDERAL. DIREITO DE SER REMOVIDA À OUTRA UNIVERSIDADE FEDERAL […] 1. O cargo de professora de Universidade Federal pode e deve ser interpretado, ainda que unicamente para fins de aplicação do art. 36, § 2º, da Lei no 8.112/90, como pertencente a um quadro de professores federais, vinculado ao Ministério da Educação. 2. Por outro lado, se fosse impedida a remoção da Professora por se tratarem as Universidades de autarquias autônomas, a norma do art. 36, § 2º, da Lei no 8.112/90 restaria inócua para diversos servidores federais que estivessem vinculados a algum órgão federal sem correspondência em outra localidade. Tome-se por conta, ainda, que o cargo de professora de Universidade Federal, certamente pode ser exercido em qualquer Universidade Federal do País. 3. É de se observar que, ainda que não se queira dar a referida interpretação à norma, o art. 226 da Constituição Federal determina a proteção à família, artigo este que interpretado em consonância com as demais normas federais aplicáveis à hipótese, demonstra ser irrazoável que se impeça uma servidora pública federal, concursada, ocupante de cargo existente em diversas cidades brasileiras, de acompanhar seu cônjuge […]
STJ, AgRg no AgRg no REsp 206.716/AM, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 15/03/2007.
Na prática, isso significa que a remoção entre diferentes universidades federais é legalmente possível, inclusive nos casos de acompanhamento de cônjuge ou por interesse da Administração.
Aplicação aos Institutos Federais
Esse entendimento também se aplica, por isonomia, aos professores dos Institutos Federais de Educação (carreira EBTT – Ensino Básico, Técnico e Tecnológico), que integram a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, vinculada igualmente ao MEC (artigo 1º, I, Lei nº 11.892/2008).
Portanto, ainda que se trate de autarquias com gestão autônoma, não há divisão de quadros para fins de remoção de servidores. O STJ é claro ao afirmar que qualquer interpretação contrária esvaziaria a eficácia do direito previsto no art. 36 da Lei nº 8.112/1990.
Acompanhamento de cônjuge e jurisprudência atualizada
Nos casos de remoção para acompanhamento de cônjuge, a jurisprudência também tem evoluído no sentido de proteger o direito à convivência familiar, mesmo sem exigência de coabitação prévia, conforme destacado no artigo “STJ decide que coabitação é irrelevante para reconhecimento do direito de remoção para acompanhamento de cônjuge”.
Como garantir a efetivação do direito
É importante destacar que, mesmo havendo respaldo legal e jurisprudencial, é comum que instituições públicas neguem pedidos de remoção com base em entendimentos equivocados. Por isso, contar com o apoio de um advogado especializado é essencial para:
- Redigir um requerimento administrativo claro, completo e fundamentado;
- Atuar em eventual judicialização, caso o direito não seja reconhecido pela Administração Pública.
A atuação do Escritório Schiefler Advocacia na defesa dos direitos de servidores públicos
O Schiefler Advocacia destaca-se por sua atuação especializada em Direito Administrativo, com sólida experiência na defesa dos direitos de servidores públicos federais, incluindo casos de remoção, redistribuição, licenças e demais temas funcionais. Nosso escritório já assessorou servidores em diversas situações envolvendo o exercício do direito à remoção por interesse da Administração ou por motivo de acompanhamento de cônjuge, com atuação tanto na via administrativa quanto judicial.
Com equipe jurídica reconhecida pelas edições 2023, 2024 e 2025 da Análise Advocacia entre os escritórios mais admirados do país na categoria de Direito Administrativo, o Schiefler Advocacia reúne excelência técnica, experiência prática e profundo conhecimento da jurisprudência atualizada. Nossa atuação é marcada pela busca de soluções jurídicas seguras, preventivas e eficientes para servidores públicos de todo o país. Estamos à disposição para orientações e esclarecimentos sobre o tema.
O Escritório Schiefler Advocacia já publicou outros textos que aprofundam questões correlatas à remoção de servidores. Recomendamos a leitura de:
- Servidor Público cujo cônjuge foi deslocado possui direito à licença.
- 3 fatos importantes sobre a remoção para acompanhamento de cônjuge.
- Servidor público federal e o acompanhamento de cônjuge.
- A remoção de professor entre Universidades Federais distintas.

O que é o Compliance e por que sua empresa deve se preocupar com isso?
No cenário corporativo atual, a palavra “compliance” tem ganhado cada vez mais destaque. Mas afinal, o que significa esse termo e por que ele é tão importante para as empresas? Neste artigo, vamos explorar o conceito de compliance, sua relevância no ambiente empresarial e os benefícios de adotar um programa estruturado nessa área.
O que é Compliance?
O termo compliance, de origem anglo-saxônica, não possui uma tradução exata para o português, o que justifica sua permanência na língua inglesa no uso cotidiano no Brasil. Derivado do verbo to comply, o conceito remete à ideia de conformidade e é amplamente utilizado por organizações para estabelecer diretrizes voltadas à prevenção, detecção e correção de práticas ilegais, antiéticas ou incompatíveis com os valores institucionais.
A Importância do Compliance para as Empresas
A integridade corporativa desempenha papel central no fortalecimento da confiança entre empresas, consumidores e demais stakeholders, deixando de ser um conceito abstrato para consolidar-se como um elemento estratégico fundamental na construção de um ambiente de negócios mais ético, transparente e sustentável.
A implementação de um programa de compliance é essencial para empresas de todos os portes e segmentos. Em primeiro lugar, o compliance ajuda a empresa a evitar multas, sanções administrativas e danos à reputação ao garantir o cumprimento rigoroso das leis e regulamentos aplicáveis, reduzindo significativamente os riscos legais e financeiros. Em segundo lugar, um programa de compliance eficaz promove uma cultura empresarial baseada na ética e na integridade, fortalecendo a confiança da sociedade na instituição.
Além disso, com controles internos robustos e monitoramento constante, o compliance atua como uma barreira contra práticas fraudulentas ou corruptas, identificando e prevenindo condutas ilegais ou antiéticas antes que causem danos à organização. Por fim, ao mapear riscos operacionais, financeiros e reputacionais, o compliance permite que a empresa implemente estratégias para mitigá-los, evitando prejuízos significativos.
A adoção de um programa de compliance não é apenas uma medida preventiva, mas também uma estratégia que agrega valor à empresa, melhorando sua reputação e competitividade no mercado. Empresas que investem em compliance demonstram compromisso com a legalidade e a ética, aspectos fundamentais para a sustentabilidade e o sucesso a longo prazo.
Empresas que implementam um sistema robusto de integridade também passam a se destacar em licitações públicas, especialmente em estados e municípios onde a legislação exige a adoção de programa de compliance como pré-requisito. Para saber mais sobre essa exigência, acesse: “Programa de Integridade: quando ele é obrigatório?”
Em artigo publicado no site do escritório, mostramos os benefícios concretos do compliance para o Poder Público, evidenciando que essa cultura também impacta positivamente as contratações governamentais, reforçando o papel dos programas de integridade na construção de uma gestão pública mais eficiente e íntegra.
Como Implementar um Programa de Compliance
A implementação de um programa de compliance eficaz exige planejamento estratégico e comprometimento da alta gestão. O primeiro passo é o mapeamento de riscos, no qual a empresa identifica os principais desafios e vulnerabilidades em suas operações para priorizar ações preventivas. Em seguida, é essencial a criação de um Código de Conduta claro e acessível, que estabeleça normas e diretrizes para orientar o comportamento dos colaboradores, reforçando os valores e princípios da organização.
Além disso, a adoção de controles internos robustos é fundamental para evitar fraudes e irregularidades, garantindo a conformidade com normas e regulamentos aplicáveis. A comunicação eficaz também desempenha um papel crucial, assegurando que todos os funcionários compreendam as políticas adotadas e participem de treinamentos regulares que promovam uma cultura organizacional baseada na ética e transparência.
Outro elemento essencial é a disponibilização de um canal de denúncias seguro e confidencial, permitindo que colaboradores e terceiros reportem violações ou suspeitas de irregularidades sem medo de represálias. O monitoramento contínuo também deve fazer parte da estratégia, com auditorias periódicas para avaliar a eficácia do programa de compliance, identificar falhas e promover melhorias constantes.
Por fim, a due diligence deve ser aplicada na relação com fornecedores e parceiros, garantindo que compartilhem os mesmos padrões éticos e legais da empresa, minimizando riscos e fortalecendo a integridade corporativa. A implementação de um programa de compliance bem estruturado não apenas protege a organização contra sanções e prejuízos, mas também agrega valor, reforçando sua reputação e credibilidade no mercado.
Conclusão
O compliance deixou de ser apenas uma obrigação legal para se tornar uma estratégia indispensável no mundo corporativo moderno. Além de evitar sanções legais, ele promove uma cultura ética, melhora a reputação da empresa no mercado e contribui para sua sustentabilidade a longo prazo.
Se sua empresa ainda não implementou uma estrutura de compliance, este é o momento ideal para começar.
A atuação do Escritório Schiefler Advocacia em programas de integridade
O Schiefler Advocacia destaca-se por sua atuação especializada em Direito Administrativo, com experiência sólida na estruturação e revisão de programas de integridade, tanto no setor público quanto no privado. Nosso escritório assessora empresas de todos os portes na implementação de políticas de compliance personalizadas, que atendem às exigências legais e contribuem para a construção de uma cultura organizacional ética e transparente.
A equipe do Schiefler Advocacia foi reconhecida pelas edições 2023, 2024 e 2025 da Análise Advocacia entre os escritórios mais admirados do Brasil na categoria de Direito Administrativo. Com sólida formação acadêmica e foco prático, oferecemos consultoria preventiva, treinamentos corporativos, elaboração de códigos de conduta e suporte jurídico em auditorias e processos de apuração.
Estamos à disposição para ajudar sua empresa a crescer com segurança jurídica, integridade e reputação consolidada.
Se você deseja saber mais sobre como implementar práticas eficazes de compliance na sua instituição, entre em contato. Estamos prontos para ajudar sua empresa a crescer com segurança jurídica e integridade!
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O que sua empresa precisa saber sobre o Plano de Integridade e Combate à Corrupção 2025-2027
Em 13 de dezembro de 2024, a Controladoria-Geral da União (CGU) lançou o Plano de Integridade e Combate à Corrupção 2025-2027, um marco importante nas políticas brasileiras de integridade e prevenção da corrupção. Esse Plano reforça o compromisso do país com a transparência, governança e ética nas relações entre o Estado e o setor privado, especialmente em licitações públicas e contratos governamentais.
Estruturado em cinco eixos temáticos, o Plano aborda diretamente as interações entre Estado e setor privado, promovendo boas práticas empresariais e o desenvolvimento de uma governança corporativa alinhada à pauta ESG (ambiental, social e de governança).
A corrupção como desafio global e a resposta brasileira
A corrupção é um fenômeno global, com custos anuais estimados entre 1 e 3 trilhões de dólares, segundo a Transparência Internacional. No Brasil, apesar dos avanços normativos como a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) e a nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021), ainda existem desafios significativos no combate à corrupção.
O Plano 2025-2027 surge como resposta governamental robusta, buscando transformar normas em práticas efetivas, com especial atenção ao fortalecimento dos programas de integridade no setor privado.
Eixo Temático 2: Integridade nas relações Estado-setor privado
Este eixo promove a integridade nas relações entre setor público e privado, abordando diretamente os riscos de corrupção e conflito de interesses. Suas diretrizes incluem:
- Aprimorar processos regulatórios, reduzindo arbitrariedades e aumentando a segurança jurídica;
- Fortalecer a integridade nas parcerias entre órgãos reguladores e entidades privadas;
- Incentivar ações concretas de prevenção à corrupção;
- Estimular a adoção voluntária de práticas éticas e sustentáveis no setor privado.
Essas medidas visam criar um ambiente de negócios mais seguro, transparente e alinhado às melhores práticas internacionais.
Para uma compreensão mais aprofundada sobre a obrigatoriedade dos programas de integridade, recomendamos a leitura do artigo “Programa de Integridade: quando ele é obrigatório?”.
Implicações para as empresas do setor privado
As empresas devem estar atentas às implicações do Plano, já que a adoção de programas de compliance e ESG passa a ser uma exigência cada vez mais frequente nas contratações públicas. A implementação efetiva dessas iniciativas fortalece não apenas a conformidade regulatória, mas também a reputação corporativa.
Um programa robusto de integridade inclui:
- Código de ética e conduta;
- Um órgão responsável pela gestão do programa de compliance;
- Monitoramento constante e auditorias internas;
- Capacitação contínua das equipes;
- Transparência nas ações empresariais.
A integração dessas práticas contribui significativamente para minimizar riscos jurídicos e reforçar a posição ética das organizações no mercado.
Para entender como o compliance beneficia também a administração pública, veja o artigo “Os benefícios do compliance para o poder público”.
O Programa Selo Verde Brasil
Uma iniciativa prática nesse contexto é o Programa Selo Verde Brasil, que certifica produtos e serviços sustentáveis, combatendo práticas como o greenwashing. O selo, instituído pelo Decreto nº 12.063/2024, visa promover práticas empresariais sustentáveis, estimular o consumo consciente e fortalecer a competitividade brasileira com critérios técnicos e objetivos claros.
Considerações finais
O Plano de Integridade e Combate à Corrupção 2025-2027 marca um avanço significativo no fortalecimento da governança pública e privada no Brasil. Empresas que se anteciparem, estruturando programas sólidos de compliance e ESG, estarão mais bem preparadas para responder às demandas regulatórias, além de consolidarem sua reputação ética e sustentável.
A implementação eficaz dependerá do engajamento coordenado das instituições públicas, empresas e sociedade civil, fortalecendo uma cultura duradoura de integridade no país.
*Para uma análise mais técnica e aprofundada sobre o Plano de Integridade e Combate à Corrupção 2025-2027, consulte o artigo completo publicado no Portal Investidura: “Compliance, ESG e o Plano de Integridade e Combate à Corrupção 2025-2027: uma análise jurídica e prática para o setor privado”.
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Por que e como transformar uma Sociedade Limitada em uma Sociedade Anônima?
1. Introdução
O ordenamento jurídico brasileiro traz diversos tipos societários para compor o mercado empresarial. A Sociedade Empresária de Responsabilidade Limitada (LTDA.) e a Sociedade Anônima (S.A.) são amplamente utilizadas no mercado empresarial brasileiro, tendo estratégias constitutivas diferentes, ou seja, o motivo pelo qual se constitui uma ou outra segue uma lógica específica.
Nesse sentido, é possível realizar a transformação de uma Sociedade Limitada (LTDA.) em Sociedade Anônima (S.A.) por motivação estratégica, como, por exemplo, o aumento do capital social e do número de sócios, a obtenção de financiamentos mais robustos, a reestruturação interna para atrair potenciais investidores externos ou até mesmo a preparação para potencial futuro lançamento de valores mobiliários na bolsa de valores.
2. Diferenças entre Sociedade Limitada e Sociedade Anônima
Primeiramente, é importante a compreensão das diferenças entre os dois tipos societários, considerando o seu real impacto na atividade econômica exercida.
A Sociedade de Responsabilidade Limitada é regida pelo Código Civil de 2002 (artigos 1.052 a 1.087) e de maneira supletiva pelas normas das sociedades simples, além de poder seguir os dispositivos das Lei das Sociedades Anônimas, de forma supletiva, se assim estipulado no seu contrato social, e possui estrutura jurídica menos complexa e mais flexível.
Nesse sentido, tem-se que o ato constitutivo para uma Sociedade Limitada é o contrato social, e o capital social estabelecido neste divide-se em quotas, as quais representam a participação de cada sócio no empreendimento. Portanto, cada sócio possui responsabilidade limitada à sua participação societária, desde que o capital social esteja integralizado, respondendo todos eles solidariamente pela integralização, caso algum sócio deixe de transferir as quantias prometidas no ato da constituição da sociedade ou do aumento de capital.
Além disso, por sua estrutura de quotas, a entrada de novos sócios em uma LTDA. pode ser mais complexa, dependendo da alteração do contrato social e da aprovação dos sócios, sujeitando-se ao que estiver disciplinado no ato constitutivo (regra geral, na omissão, a entrada de terceiros ao quadro societário depende da não oposição por 25% do capital social – artigo 1.057 do CC/02). Por isso e pelo fato de o Código Civil pouco disciplinar sobre direito dos sócios minoritários, as LTDAs. são menos atrativas para investidores profissionais.
Já a Sociedade Anônima, tanto de capital aberto quanto fechado, é regida por Lei específica (Lei n° 6.404/76), que define requisitos de governança mais complexos rígidos e formais, em espécie societária originariamente voltada para a captação de investimento externo. No que se refere à abrangência desta captação, as Sociedades Anônimas podem ser divididas em duas categorias: capital aberto, quando opera na bolsa de valores ou no mercado de balcão, ou capital fechado, quando não oferta valores mobiliários ao público em geral.
Em relação ao ato constitutivo, o Estatuto Social traz vida à S.A. e nele divide-se o capital social em ações, que podem ser ordinárias ou preferenciais (trazendo vantagem ao acionista, como, por exemplo, prioridade na distribuição de dividendos, em troca da retirada do direito de voto). Ademais, diferentemente do que ocorre na LTDA., na Sociedade Anônima, os acionistas têm responsabilidade limitada ao preço de emissão das ações que adquiriram. A responsabilidade de cada acionista termina no ato da compra das ações, sem possibilidade de responsabilização solidária caso algum(ns) do(s) acionista(s) não integralize(m) os valores prometidos.
Sobre a possibilidade de novos acionistas e investidores, as Sociedades Anônimas de capital fechado, mesmo sem acesso ao mercado de capitais (bolsa de valores e mercado de balcão), ainda oferecem maior facilidade para atraí-los. Novos acionistas podem ser incluídos mediante a compra de ações sem a necessidade de uma alteração estatutária, tornando o processo mais ágil.
Além disso, a Sociedade Anônima é espécie empresarial cujo vínculo societário se forma por razões exclusivamente comerciais, importando muito pouco “quem” é o acionista. Assim, diferente das Limitadas, a livre circulação de ações é considerada premissa essencial e só pode ser restringida se seguidas determinadas regras, e apenas se a S/A for de capital fechado (artigo 36 da Lei nº 6.404/76).
Outra diferença reside na impossibilidade (segundo entendimento majoritário) de, nas Sociedades Anônimas, realizar a exclusão de sócio minoritário. Diferente do Código Civil, a Lei nº 6.404/76 não prevê a possibilidade de a maioria do capital social expulsar um acionista, ainda que ele esteja atrapalhando o desenvolvimento da empresa ou descumprindo suas obrigações sociais (ressalvado em caso de remissão em S.A de capital aberto). O máximo que se pode fazer é, por meio de assembleia geral, suspender direitos do acionista até que a obrigação seja cumprida (artigo 120 da Lei nº 6.404/76).
Também é de se destacar que, enquanto nas LTDAs. a forma de distribuição ou retenção de lucros é assunto a ser livremente estipulado no contrato social, nas S.A. o assunto é mais delicado, visto que a Lei nº 6.404/76: (i) não prevê a possibilidade de distribuição desproporcional de lucros (a participação no capital social deve refletir o mesmo percentual de dividendos); e (ii) exige que o Estatuto Social preveja distribuição mínima de lucros sob pena de, na omissão, se ver obrigada a distribuir ao menos 50% do lucro líquido, salvo concordância unânime de todos os acionistas na S.A. de capital fechado (artigo 202 da Lei nº 6.404/76).
Por fim, uma importante mudança operacional que ocorre quando uma LTDA. vira S.A é a forma de convocação e realização de assembleia geral. Diferente das limitadas, os acionistas das S.A. não podem se reunir em simples reunião (convocada na forma livremente estipulada no contrato social), mas devem, obrigatoriamente, realizar assembleia geral convocada na forma do artigo 124 da Lei nº 6.404/76, vedada a substituição por documento escrito.
3. Principais aspectos e impactos da transformação:
Compreendendo as principais diferenças entre os dois tipos societários, é necessário observar os impactos da transformação de uma sociedade limitada em uma sociedade anônima de capital fechado.
A priori, compreende-se que a transformação implica na mudança de regime jurídico, trazendo alterações significativas principalmente em relação à governança corporativa, transparência e prestação de contas. Assim, devem ser observados os seguintes pontos anteriormente à transformação:
- Capital Social e Ações: A transformação exige a adaptação do capital social existente para a forma de ações, o que implica na emissão e distribuição dessas ações entre os sócios que participavam da sociedade limitada.
- Estrutura de Governança: Uma das principais mudanças ao se adotar o regime de sociedade anônima é a necessidade de uma estrutura de governança mais robusta, com um conselho de administração (caso a empresa opte por instituí-lo), um conselho fiscal (ainda que não permanentemente operante) e uma diretoria.
- Relacionamento com acionistas minoritários: Nas LTDAs., qualquer sócio pode exigir a apresentação de livros e balanços empresariais. Nas S.A., esse direito é restringido ao âmbito judicial, desde que haja justo receio de fraudes (artigo 105 da Lei nº 6.404/76). Em compensação, os sócios minoritários das S.A. (até mesmo os que detêm apenas 5-10% do capital) recebem uma série de outros direitos não previstos nas LTDAs., como: exigir a adoção de voto múltiplo em assembleia de eleição do conselho e ajuizar ação de responsabilização do administrador ainda que contra a vontade da maioria do capital social.
- Responsabilidade de administradores e controlador: Diferente do que ocorre no Código Civil, a Lei nº 6.404/76 disciplina de forma minuciosa os deveres dos administradores e controladores das S.A. Se alguma norma for violada, caracterizando-se abuso do poder de controle ou má-administração, os acionistas minoritários terão maior segurança jurídica para responsabilizar o culpado, mesmo que contra a vontade do acionista majoritário.
- Aspectos Tributários: A transição para uma S.A. gera implicações fiscais e tributárias, podendo ser vantajoso em alguns casos, devido à possibilidade de melhores condições de captação de recursos e incentivos fiscais, mas desvantajosas em outros, em razão da complexidade do tipo societário, uma vez que demanda planejamento tributário específico e realizado por profissionais especializados para a diminuição da carga fiscal. Um ponto de extrema relevância é a escolha do regime tributário, uma vez que as LTDAs. possuem maior flexibilidade, podendo optar pelo Simples Nacional, Lucro Presumido ou o Lucro real, a depender do faturamento da sociedade, enquanto que ao se transformarem em Sociedades anônimas, as exigências se tornam mais rigorosas, prevalecendo o regime do Lucro Real, o qual exige um maior controle contábil, já que reflete o lucro líquido da sociedade.
- Forma de escrituração contábil: A Lei nº 6.404/76 trata de forma bastante minuciosa o regime fiscal das S.A., que é diferente do regime previsto no Código Civil. Algumas minúcias devem ser adequadas quando ocorre a transformação, como, por exemplo, a mudança do regime contábil “de caixa” para “de competência”, além da elaboração de outros documentos não exigíveis nas LTDAs.
Realizada a consideração e ponderação dos impactos da alteração do tipo societário e entendendo os sócios que a transformação é a melhor estratégia para a vida da sociedade, é necessário a realização de uma reunião ou assembleia geral de sócios para a aprovação da operação, cujo quórum é de unanimidade (artigo 1.114 do Código Civil). Após a aprovação, registra-se a alteração na Junta Comercial, atualizando os atos constitutivos da empresa, que passará a ser regida por um Estatuto Social.
Para isso, é essencial que os sócios: (i) convoquem regularmente a reunião/assembleia, (ii) estejam todos de acordo com a matéria, de forma unânime, (iii) estejam cientes de todas as implicações jurídicas, visto que as S.A. são tipos societários muito mais complexos do que as LTDAs., e isso trará consequências para o dia-a-dia da administração da sociedade, (iv) já tenham uma minuta de Estatuto Social elaborada, e (v) tenham definido como será realizada a administração da sociedade, a fim de elaborar as atas de eleição da diretoria e, sendo o caso, dos conselhos de administração e fiscal (e demais cargos estatutários).
4. Conclusão
Em conclusão, entende-se que a transformação de uma sociedade limitada em uma sociedade anônima de capital fechado é uma decisão estratégica que pode impulsionar o crescimento da empresa. No entanto, essa decisão exige um planejamento minucioso, incluindo uma análise das mudanças administrativas, das exigências legais e do impacto financeiro. Com uma estrutura de S.A., a sociedade poderá contar com uma base mais sólida para atrair investidores e enfrentar os desafios do mercado com maior capacidade competitiva, desde que ela esteja jurídica, contábil e financeiramente madura para tal.
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A melhor forma de usar as Sociedades em Conta de Participação (SCP)
1. O QUE É UMA SCP (SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO)?
Se você atua no meio empresarial, é muito provável que já tenha ouvido falar das SCPs. Algum investidor pode ter pedido para sua empresa constituir uma SCP, ou algum empresário pode ter pedido que você integralizasse bens ou valores em uma SCP. Mas afinal, o que é isso? Tem problema colocar o seu dinheiro em uma SCP? É uma operação segura?
São perguntas que responderemos ao longo deste texto.
O termo SCP é uma sigla para “Sociedade em Conta de Participação”, uma espécie de “sociedade” despersonalizada criada pelo Código Civil brasileiro em seus artigos 991 a 996. Apesar do nome “sociedade”, na prática, as SCPs não são verdadeiras sociedades (ou seja, não são uma “empresa”, como comumente falamos), mas uma espécie de contrato de investimento.
Ao constituir uma SCP, os contratantes delimitam, no contrato social, quais serão os sócios que atuarão ostensivamente em nome da SCP e quais serão os sócios que apenas contribuirão de forma financeira com a SCP. Os primeiros são chamados de “sócios ostensivos”, e respondem ilimitadamente e exclusivamente pelas obrigações assumidas pela SCP (não há separação patrimonial), enquanto os demais são chamados “sócios participantes” ou “sócios ocultos”, que participam dos resultados (se existirem) sem assumir qualquer obrigação perante terceiros (artigo 991 do Código Civil).
Apesar do nome “sócio oculto”, não há qualquer ilegalidade (pelo contrário, as SCPs estão previstas em Lei), visto que a ocultação ocorre apenas perante terceiros, e não perante as autoridades públicas.
Ou seja, nas SCPs, um grupo de sócios “toca” o negócio, enquanto os outros apenas injetam capital e acompanham o desenvolvimento da operação, sem ter que tratar com terceiros, fornecedores, credores, devedores, etc. da SCP, atos que são de exclusiva competência do “sócio ostensivo”. Aliás, os “sócios participantes” estão até mesmo vedados de participar ostensivamente das operações e, se tomarem parte nos negócios do sócio ostensivo, passarão a com ele responder solidariamente pelas obrigações da SCP (artigo 993, parágrafo único, do Código Civil).
Em síntese, significa dizer que o sócio ostensivo executa o objeto social, assumindo inteira responsabilidade pelo negócio, enquanto o sócio participante assume obrigações única e exclusivamente perante o sócio ostensivo, obrigação esta consubstanciada no dever de integralizar (aportar) valores na SCP.
2. PARA QUE SERVE UMA SCP E EM QUE CASOS ADOTÁ-LA?
Pelo contexto legal das SCPs, é possível dizer que essas “sociedades” servem ao empresário que quer realizar determinado projeto e precisa de investidores (capital), mas não quer formar sociedade com eles (ou admitir a entrada de tais investidores em sociedade já constituída). Em outras palavras, por qualquer motivo que seja, (i) não quer manter um vínculo duradouro com os investidores, (ii) não quer manter um vínculo público com determinado investidor, (iii) não quer compartilhar lucros e resultados de toda a empresa com os investidores, mas apenas de negócio(s) específico(s) e determinado(s) e (iv) não quer que os investidores conduzam a operação investida (geralmente porque só ele detém o conhecimento técnico para executar o objeto social).
O contrário também é verdadeiro para o caso do investidor que (i) não quer tornar público que está investindo em determinado negócio ou em determinada sociedade, (ii) não quer assumir os riscos de toda a sociedade investida, mas só de determinado negócio, e (iii) não tem expertise alguma no negócio investido e, por isso, não quer/pode assumir qualquer interlocução com terceiros (fornecedores, credores, devedores, etc.).
Geralmente, é muito comum adotar a estruturação de SCPs em operações imobiliárias, em que a incorporadora (construtora do empreendimento) atua como sócia ostensiva e assume todas as obrigações referentes às obras, enquanto os sócios participantes apenas aportam valores e, como contraprestação, recebem unidades autônomas ou dividendos da operação.
As SCPs também são muito usadas no mercado de investimentos, em que uma empresa especializada busca investidores qualificados para, com a monta angariada, realizar o aporte em operação específica. Por exemplo: uma sociedade de investimentos agrupa 100 investidores, cada um aportando 1 milhão de reais na SCP e, com os 100 milhões adquiridos pela conta de participação, investe em um negócio e divide os rendimentos entre os 100 participantes.
No ramo hoteleiro a estruturação de projetos por meio de SCPs também é comum. Nesse caso, proprietários de um bem imóvel que pode ser utilizado como hotel constituem uma SCP com uma rede hoteleira. Os proprietários atuam como sócios participantes, por meio da cessão de uso do imóvel, ao passo que a rede hoteleira atua como sócia ostensiva, gerenciando o hotel (contrata funcionários, gerencia as reservas, cuida da operacionalização do hotel etc.). As receitas são posteriormente distribuídas entre os sócios participantes e a sócia ostensiva, nos termos do contrato de SCP.
No geral, a SCP pode ser utilizada (e é recomendável) em qualquer investimento em que o sócio ostensivo deseja assumir os riscos, recebendo uma contraprestação por isso (geralmente uma taxa de administração), e os sócios participantes não desejam se expor tanto, seja por vontade própria, seja por vontade do sócio ostensivo. E veja que não há qualquer irregularidade na ocultação dos sócios participantes, pois trata-se de mera divisão de riscos realizada entre as partes que é, inclusive, incentivada pelo direito (tanto que a SCP está expressamente prevista no Código Civil).
3. CONSTITUIR UMA SCP OU ADOTAR OUTRAS ESTRATÉGIAS?
A SCP não é uma estratégia “melhor” ou “pior” do que outras. Ela pode se encaixar, ou não, no que pretende alcançar o empreendedor. Às vezes, é melhor constituir uma sociedade de propósito específico, um consórcio ou até mesmo celebrar um simples contrato de investimento. Abaixo, vamos apresentar as diferenças para que o leitor possa compreender as vantagens e desvantagens desta modelagem comercial.
a. Constituir uma SCP ou um Consórcio?
Tanto a SCP como o consórcio não possuem personalidade jurídica. No entanto, os consórcios precisam ter seus atos constitutivos registrados nas juntas comerciais (artigo 279, parágrafo único, da Lei nº 6.404/1976), o que permite que quaisquer terceiros tenham acesso ao contrato firmado pelas partes e, logicamente, à identidade de todas elas. Na SCP, esse registro não é necessário, impossibilitando que terceiros não autorizados pelo sócio ostensivo tenham acesso ao contrato da SCP.
Além disso, geralmente os contratos de consórcio definem a necessidade de que todas as sociedades participantes partilhem obrigações assumidas com terceiros (divisão de atribuições entre os consorciados para atingir o fim comum). Nas SCPs, isso é expressamente vedado, cabendo unicamente ao sócio ostensivo a prática de atos perante terceiros (aos sócios participantes cabe apenas o aporte de recursos).
b. Constituir uma SCP ou uma SPE?
Uma SPE (sociedade de propósito específico) é uma sociedade constituída em alguma das formas permitidas em Lei (geralmente uma sociedade limitada – LTDA.) tendo como única diferença o fato de que a sua criação foi realizada para um objetivo específico que, após alcançado, atrairá a extinção da pessoa jurídica.
Sendo ente jurídico personalizado (diferente das SCPs), o registro de seus atos constitutivos (contrato ou estatuto social) deverá ser realizado em cartório ou junta comercial (a depender de deter a SPE caráter simples ou empresarial), o que fará com que qualquer pessoa possa identificar os sócios da SPE, mesmo contra a vontade deles. Como dito, na SCP este registro é dispensável, impossibilitando que terceiros tenham acesso aos dados dos sócios participantes.
c. Constituir uma SCP ou uma limitada (LTDA.)?
Os pontos acima indicados para a SPE se aplicam integralmente para as sociedades empresárias limitadas (LTDA.). Ou seja: nas sociedades de responsabilidade limitada é obrigatório o registro do contrato social na junta comercial, tornando público a qualquer interessado as informações referentes aos seus sócios. Nas SCPs este registro não é devido, o que permite a “ocultação” dos sócios participantes.
De toda forma, como contraponto, a constituição de LTDA. permite que a responsabilidade de todos os sócios esteja limitada ao aporte a ser realizado no capital social. Na SCP, por sua vez, a responsabilidade da(s) sócia(s) ostensiva(s) é ilimitada, tanto perante terceiros quanto perante os sócios participantes.
Outro ponto relevante é que, sendo sócio de uma sociedade limitada, os sócios participam da distribuição de lucros de toda a empresa, bem como tomam parte (votam) em reuniões e assembleias referentes a toda a operação empresarial. Nas SCPs isso não ocorre, pois os sócios participantes não participam do quadro social da sócia ostensiva e, logo, só possuem direitos de recebimento de dividendos gerados pela própria SCP e de votarem em matérias relativas exclusivamente à SCP.
Tantos nas SCPs, SPEs, quanto nas LTDAs., é possível estipular que a duração da associação das partes se dará por tempo determinado ou indeterminado.
d. Constituir uma SCP ou fundar uma S/A?
Nas sociedades anônimas (S/As) também é necessário realizar o registro dos atos constitutivos nas juntas comerciais, mas nestes casos o quadro de sócios não é facilmente acessível para terceiros. Isso porque o registro da relação de acionistas das S/A é feito por meio de livro de registro de ações nominativas ou nos livros da instituição financeira depositária das ações.
A dificuldade de acesso, no entanto, não impede que terceiros tomem conhecimento dos dados de alguns acionistas de forma indireta. Ainda que não haja registro expresso de sócios na junta (de forma pública), o interessado ainda pode acessar as atas de assembleias gerais e verificar os dados de alguns dos acionistas que estavam presentes ou que votaram nos conclaves.
Ou seja, apesar de a S/A criar certo obstáculo para a descoberta dos acionistas, se este for o único objetivo do empreendedor, a SCP é mais eficiente.
Assim como nas LTDAs., todos os acionistas são sócios da S/A e participam da distribuição de lucros e das assembleias de temas referentes à toda a atividade empresarial desenvolvida pela S/A. Nas SCPs, as participações em lucros e em deliberações estarão limitadas às operações da SCP (o sócio participante não se imiscui na gestão interna da sócia ostensiva).
e. Constituir uma SCP ou firmar contrato de investimento?
A grande diferença prática de uma SCP para um contrato de investimento é a facilidade prática da SCP para alguns casos: se houver uma grande quantidade de investidores, é mais fácil firmar um contrato padrão com todos eles, de uma só vez (ou seja, uma SCP). Se forem poucos os investidores, ou se as condições negociais com cada um deles for bastante divergente, é mais simples firmar um contrato de investimento com cada um.
4. COMO CONSTITUIR UMA SCP?
Qualquer pessoa capaz pode ser sócia ostensiva ou sócia participante de uma SCP. Assim, podem atuar como operadores ostensivos do negócio tanto pessoas naturais quanto jurídicas (uma sociedade LTDA. ou S/A pode constituir uma SCP). Da mesma forma, podem investir em uma SCP tanto pessoas naturais quanto jurídicas (uma sociedade LTDA. ou S/A pode aportar valores em uma SCP).
Para criar uma SCP, é preciso celebrar um contrato. Neste contrato, dentre outros temas acessórios, serão reguladas as atribuições do sócio ostensivo, a forma de participação dos sócios ostensivos e participantes (percentual detido por cada um, modo de pagamento, valor do aporte, contraprestação, etc.), o objeto a ser explorado pela SCP, a formação e gestão da conta de participação (conta bancária em que serão concentrados os valores captados pela SCP) e a forma de extinção da SCP, quando esgotado o seu objetivo.
Como dito ao longo do texto, este contrato não precisa ser registrado na junta ou no cartório, mas é importante que todas as partes detenham uma cópia, permitindo que seja possível comprovar documentalmente a existência da SCP entre eles. Ainda assim, o sócio ostensivo precisa realizar o registro da SCP na Receita Federal para fins fiscais, obtendo um CNPJ para ela (mas isso não fará com que os sócios participantes sejam expostos).
Acha que a constituição de uma SCP é a melhor modelagem societária para o seu negócio? Estamos aqui para te ajudar, entre em contato!
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Coabitação prévia não é requisito de licença ou remoção para acompanhamento de cônjuge
Para o servidor público, a necessidade de deslocamento geográfico decorrente de uma mudança de lotação, seja de ofício pela Administração ou seja seja a pedido, é uma possibilidade vinculada à carreira. Esse cenário profissional, no entanto, pode trazer impactos relevantes na vida privada do servidor, principalmente no que se refere à estruturação de seu núcleo familiar. Para compatibilizar esse aspecto da vida profissional com a previsão constitucional de proteção à família, o ordenamento jurídico prevê hipóteses que configuram o acompanhamento do servidor por seu cônjuge como um direito subjetivo, seja por meio do instituto da remoção, seja por meio da licença para exercício provisório, ambas com previsão na Lei nº 8.112/1990, respectivamente, nos arts. 36, III e art. 84.
A configuração desse direito subjetivo depende da aferição dos critérios definidos taxativamente em lei, sendo eles, para a remoção: (i) haver um casal de funcionários públicos; (ii) um deles se deslocar para outro ponto do Brasil, a interesse da Administração; e (iii) existir compatibilidade de funções no cargo a ser exercido. Para a concessão de licença provisória para acompanhamento de cônjuge, os requisitos são os mesmos; apenas não é necessário que o deslocamento ocorra no interesse da Administração.
Dessa forma, estando preenchidos os três requisitos descritos, e apenas eles, é obrigatório o reconhecimento do direito do requerente para acompanhar seu cônjuge. É o que reforça a jurisprudência do STJ sobre o instituto da remoção, previsto no art. 36, III da Lei 8.112/90:
Tem-se, pois, que, a teor do art. 36 da Lei 8.112/90, nas hipóteses dos incisos I e II do art. 36 da Lei 8.112/90, a concessão de remoção é ato discricionário da Administração, ao passo que, nos casos enquadrados no inciso III, o instituto passa a ser direito subjetivo do Servidor, de modo que, uma vez preenchidos os requisitos, a Administração tem o dever jurídico de promover o deslocamento horizontal do Servidor dentro do mesmo quadro de pessoal.
(Superior Tribunal de Justiça, Mandado de Segurança 22.283/DF, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira seção, julgado em 10/08/2016).
Ou seja: é vedado que a Administração crie novos requisitos circunstanciais durante o procedimento de análise do requerimento administrativo, já que, sendo a concessão do acompanhamento um ato administrativo vinculado, não há margem de discricionariedade para alegação de critérios de conveniência e oportunidade pelo ente público.
Nesse sentido, não constituindo um dos requisitos legais, a coabitação do casal de funcionários públicos é irrelevante para o reconhecimento do direito de remoção para acompanhamento, como decidido pela 1ª Turma do STJ.
Essa não é uma decisão isolada: há um entendimento jurisprudencial consolidado pelo STJ nessa matéria quanto à desnecessidade de coabitação prévia entre os servidores, tanto para remoção, quanto para licença provisória, como se observa dos julgados:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. REMOÇÃO PARA ACOMPANHAMENTO DE CÔNJUGE. ARTIGO 36, PARÁGRAFO ÚNICO, III, “A”, LEI 8.112/90. DESLOCAMENTO DE CÔNJUGE SERVIDOR PÚBLICO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. COABITAÇÃO ENTRE OS CÔNJUGES. REQUISITO DISPENSÁVEL. APELAÇÃO DESPROVIDA. […] Consoante precedentes do E.STJ e do E.TRF da 3ª Região, para a concessão da remoção de servidor para acompanhamento de cônjuge, basta que o deslocamento do cônjuge se dê no interesse da administração, não estando sujeita à discricionariedade da Administração Pública e não constituindo óbice se o deslocamento do cônjuge foi originado de pedido, ao participar de concurso de remoção interna. 3. Precedentes do STJ no sentido de que o deferimento do direito à remoção do servidor público, prevista no inciso III do art. 36 da Lei n. 8.112/1990, não impõe como requisito indispensável que os cônjuges residam juntos. 4. A situação fático-jurídica delineada encontra-se albergada pelo dispositivo invocado para garantir a remoção requerida, nos termos do art. 36, III, “a”, Lei 8.112/90.
(REsp 1.824.511, Rel. Min. OG FERNANDES, DJe 07/10/2019)
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. LICENÇA PARA ACOMPANHAMENTO DE CÔNJUGE COM EXERCÍCIO PROVISÓRIO REMUNERADO. ART. 84, § 2º, DA LEI 8.112/1990. DIREITO SUBJETIVO DO SERVIDOR. DESLOCAMENTO CÔNJUGE- SERVIDOR. COABITAÇÃO. DESNECESSIDADE. 1. O Tribunal a quo deu provimento à Apelação da ora recorrida para reformar a sentença que deferira à ora recorrente licença para acompanhar cônjuge com exercício provisório remunerado, nos termos do art. 84, § 2º, da Lei 8.112/1190. A Corte Regional entendeu que não fora atendido o requisito da coabitação. 2. O acórdão recorrido destoa do entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema que interpreta a licença remunerada prevista no art. 84, § 2º, da Lei 8.112/1990 como direito subjetivo do servidor, bastando para a lotação provisória a comprovação do deslocamento do cônjuge-servidor. Não há exigência de coabitação e tampouco importa se a mudança de exercício do cargo público se deu a pedido ou de ofício pela Administração, excetuando-se os casos decorrentes da aprovação em concurso público (provimento originário). Precedentes: REsp 1.778.188/MS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 4/2/2019; AgInt no REsp 1.660.771/RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 26/3/2018 e AgInt no REsp 1.565.070/MS, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 13/3/2017. 3. Recurso Especial provido.
(STJ – REsp: 1788296 RN 2018/0324673-3, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 17/09/2019, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/10/2019).
Há sólida jurisprudência e previsão legal quanto à garantia desse direito, que permite a compatibilização das demandas da esfera profissional com as necessidades de estruturação familiar. Por isso, em caso de obstaculização desse direito de aferição objetiva, o auxílio de um advogado especialista na área é essencial para zelar pela efetivação dessa garantia de fundamento constitucional.
Para entender mais sobre os institutos da remoção e da licença para acompanhamento de cônjuge, sugere-se a leitura dos artigos: 3 fatos importantes sobre a remoção para acompanhamento de cônjuge e Servidor público cujo cônjuge foi deslocado possui direito à licença.
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O Momento Adequado para a Elaboração da Intenção de Registro de Preço (IRP) sob a Lei nº 14.133/2021
1. Introdução
O Sistema de Registro de Preços (SRP) é um procedimento especial de licitação previsto na Lei nº 14.133/2021, destinado ao registro formal de preços relativos à prestação de serviços, obras ou aquisição de bens para contratações futuras. A correta aplicação deste sistema exige a observância de diversas etapas processuais, sendo uma delas a Intenção de Registro de Preço (IRP), disciplinada pelo art. 86 da referida lei.
Este artigo tem por objetivo esclarecer o momento processual adequado para a elaboração da IRP no âmbito da administração pública, especificamente para profissionais da área jurídica que atuam em processos licitatórios. A dúvida central reside em determinar se a IRP deve ser elaborada pelas unidades demandantes juntamente com o levantamento de quantitativos ou pela unidade responsável pelas licitações após a elaboração do Estudo Técnico Preliminar (ETP) e do Termo de Referência (TR).
A adequada compreensão e aplicação dos procedimentos estabelecidos na nova legislação são cruciais para garantir a legalidade, a eficiência e a transparência nos processos de contratação pública.
2. O Sistema de Registro de Preços (SRP) e suas Etapas sob a Lei nº 14.133/2021
O Sistema de Registro de Preços (SRP), conforme a Lei nº 14.133/2021, é um conjunto de procedimentos para realização de licitação na modalidade pregão ou concorrência para registro formal de preços relativos a bens e serviços, a serem contratados no futuro. A operacionalização do SRP envolve diversas fases, que, em geral, seguem uma sequência lógica para garantir a efetividade e a legalidade do processo. Embora a lei não detalhe exaustivamente cada etapa, é possível delinear um fluxo típico com base na legislação e em exemplos práticos.
Inicialmente, as diversas unidades ou órgãos da administração pública identificam suas necessidades de bens ou serviços e realizam o levantamento dos quantitativos estimados para suas demandas futuras. No caso em questão, esta etapa é conduzida pelas unidades que solicitam os quantitativos para registro de preço.
Em seguida, a unidade responsável pela condução do processo licitatório consolida essas informações e inicia a fase de planejamento da contratação. Esta fase compreende a elaboração do Estudo Técnico Preliminar (ETP), que visa demonstrar a necessidade da contratação, definir o objeto, analisar as alternativas existentes e justificar a escolha da solução mais adequada.
Posteriormente, é elaborado o Termo de Referência (TR), documento que detalha as especificações técnicas do objeto a ser contratado, os requisitos de habilitação, os critérios de julgamento, as obrigações das partes e as condições de execução contratual.
A Intenção de Registro de Preço (IRP) surge como uma etapa crucial na fase preparatória da licitação para registro de preços. Após a definição do objeto e das especificações no TR, o processo avança para a publicação do edital de licitação, a realização do certame (pregão ou concorrência), a seleção dos fornecedores e a assinatura da Ata de Registro de Preços (ARP).
A ARP formaliza os preços registrados e as condições para futuras contratações pelos órgãos participantes e, em alguns casos, por órgãos não participantes, denominados “caronas”. Compreender a colocação exata da IRP nesse fluxo é fundamental para a questão levantada.
3. Entendendo a Intenção de Registro de Preço (IRP) – Artigo 86 da Lei nº 14.133/2021
O artigo 86 da Lei nº 14.133/2021 dedica-se especificamente à Intenção de Registro de Preço (IRP), estabelecendo um procedimento público a ser observado na fase preparatória do processo licitatório para registro de preços. O caput do artigo dispõe que o órgão ou entidade gerenciadora deverá realizar este procedimento, com o objetivo de possibilitar, pelo prazo mínimo de 8 (oito) dias úteis, a participação de outros órgãos ou entidades na respectiva ata de registro de preços e determinar a estimativa total das quantidades da contratação.
A finalidade primordial da IRP é, portanto, agregar as demandas de diferentes órgãos públicos para um mesmo objeto, buscando alcançar economia de escala e condições mais vantajosas na contratação. Ao tornar pública a intenção de realizar um registro de preços, a Administração oferece a oportunidade para que outras entidades que possuam a mesma necessidade manifestem seu interesse em participar da futura ata. Isso permite que a licitação seja dimensionada de forma mais precisa, considerando o volume total a ser contratado, o que pode influenciar positivamente os preços ofertados pelos licitantes.
Além de promover a economia de escala, a IRP também contribui para a transparência do processo de planejamento da contratação, permitindo que outros órgãos e a sociedade em geral tenham conhecimento das intenções da Administração. A divulgação da IRP possibilita, ainda, que os órgãos interessados avaliem se o objeto da licitação atende às suas necessidades e, eventualmente, sugiram a inclusão de novos itens ou especificações.
É importante notar que o § 1º do art. 86 prevê a dispensa da IRP quando o órgão ou entidade gerenciadora for o único contratante. Contudo, mesmo nessa situação, a Administração deve avaliar a possibilidade de padronização do objeto para atender a outros órgãos, justificando a decisão de não realizar a IRP caso opte por essa dispensa. Exemplos práticos de IRP demonstram a aplicação deste dispositivo legal, citando o art. 86 e detalhando o objeto da intenção de registro de preços.
4. Analisando o Momento Processual para a IRP
A questão central para o consulente é definir se a IRP deve ocorrer antes ou depois da elaboração do Termo de Referência (TR). A análise do art. 86 da Lei nº 14.133/2021, em conjunto com as melhores práticas e a lógica do processo de contratação, sugere que a IRP deve ser elaborada e divulgada após a elaboração do TR.
A própria finalidade da IRP, de possibilitar a participação de outros órgãos, pressupõe que o objeto da contratação esteja suficientemente definido para que esses órgãos possam avaliar seu interesse.
O Termo de Referência é o documento que contém a descrição detalhada do objeto, com suas especificações técnicas, quantitativos estimados e demais condições da contratação. Sem essas informações essenciais, os outros órgãos não teriam elementos para decidir se desejam participar do registro de preços e quais seriam suas demandas específicas.
Um fluxo de instrução para pregão por SRP demonstra que a elaboração do Termo de Referência ocorre em uma etapa anterior à inclusão e divulgação da IRP. Nesta representação, o TR é elaborado em uma fase anterior, enquanto a IRP é incluída e divulgada posteriormente. Este sequenciamento é lógico, pois a IRP se refere ao objeto detalhado no TR. De forma similar, os exemplos de Intenção de Registro de Preços mencionam o Termo de Referência como o documento que contém as especificações, condições e quantitativos do objeto da licitação.
Isso reforça a ideia de que o TR deve preceder a IRP, fornecendo a base para que outros órgãos possam manifestar seu interesse.
Embora a lei estabeleça que a IRP ocorre na “fase preparatória”, essa fase compreende diversas atividades, e a sequência lógica das informações necessárias para cada etapa indica que a definição detalhada do objeto no TR é um pré-requisito para que a IRP cumpra seu propósito de agregar demandas de outros órgãos.
A comunicação interna para a IRP deve conter o termo de referência ou o projeto básico da contratação, conforme orientação encontrada. Isso permite que as demais unidades avaliem a possibilidade de participar e, eventualmente, façam sugestões para a inclusão de novos itens. Portanto, a elaboração do TR fornece a base informacional necessária para a emissão da IRP.
5. Papéis e Responsabilidades: Unidades Demandantes e Unidade de Licitações
No contexto da consulta, as unidades demandantes são responsáveis por identificar suas necessidades e fornecer os quantitativos iniciais dos bens ou serviços que pretendem contratar. Essa demanda inicial é o ponto de partida para o processo de registro de preços. A unidade responsável pelas licitações, por sua vez, atua como o órgão gerenciador do SRP, sendo responsável por conduzir o processo licitatório em todas as suas etapas, incluindo a elaboração do ETP e do TR.
A elaboração da Intenção de Registro de Preço (IRP) também recai sobre a responsabilidade da unidade responsável pelas licitações, na qualidade de órgão gerenciador. É esta unidade que, após consolidar as demandas e detalhar o objeto da contratação no Termo de Referência, emite a IRP para dar publicidade à intenção de realizar o registro de preços e convidar outros órgãos a participarem.
Embora a responsabilidade pela elaboração e emissão da IRP seja da unidade de licitações, as unidades demandantes podem ter um papel importante no fornecimento de informações detalhadas sobre suas necessidades, que serão incorporadas ao ETP e ao TR.
Além disso, após a publicação da IRP, as unidades que desejarem participar formalmente do registro de preços deverão manifestar seu interesse, possivelmente encaminhando informações adicionais, como seus próprios Estudos Técnicos Preliminares, para justificar sua participação e detalhar suas demandas específicas. A colaboração entre as unidades demandantes e a unidade de licitações é, portanto, essencial para o sucesso do Sistema de Registro de Preços.
A natureza do objeto da licitação ou as normas internas da entidade administrativa podem, em alguns casos, influenciar o nível de envolvimento de cada unidade, mas a responsabilidade central pela condução do processo e pela elaboração da IRP permanece geralmente com a unidade responsável pelas licitações.
6. Orientações de Órgãos de Controle
O Tribunal de Contas da União (TCU) e os Tribunais de Contas Estaduais exercem um papel fundamental na fiscalização dos processos de licitação e contratação pública, incluindo o Sistema de Registro de Preços.
O TCU enfatiza que a Intenção de Registro de Preços (IRP) deve ser realizada na fase preparatória do processo licitatório para fins de registro de preços. O objetivo é possibilitar a participação de outros órgãos e determinar a estimativa total de quantidades da contratação. Essa orientação reforça a ideia de que a IRP é um procedimento antecedente à publicação do edital e à realização do certame.
Além disso, o TCU orienta que, antes de iniciarem um processo licitatório ou contratação direta, os órgãos da Administração Pública federal devem consultar as IRPs em andamento e deliberar sobre a conveniência de sua participação (Decreto 11.462/2023, art. 10).
Essa recomendação sublinha a importância da IRP como um instrumento de planejamento e de agregação de demandas no âmbito da administração pública. Embora essa orientação seja direcionada à esfera federal, o princípio de buscar a participação em registros de preços existentes antes de iniciar um novo processo pode ser aplicado em outras esferas.
A consulta ao Decreto nº 11.462/2023, que regulamenta o SRP no âmbito federal sob a nova lei de licitações, pode fornecer diretrizes mais detalhadas sobre o processo e o momento da IRP, que podem ser aplicáveis ou servir de referência para as práticas em outras esferas administrativas.
7. Conclusão e Recomendações
Com base na análise do art. 86 da Lei nº 14.133/2021, nas orientações do TCU, nas melhores práticas observadas e na lógica do processo de contratação por Sistema de Registro de Preços, conclui-se que a Intenção de Registro de Preço (IRP) deve ser elaborada e divulgada pela unidade responsável pelas licitações após a elaboração do Estudo Técnico Preliminar (ETP) e, principalmente, do Termo de Referência (TR).
Recomenda-se que o fluxo processual siga a seguinte ordem:
- As unidades demandantes identificam suas necessidades e levantam os quantitativos.
- A unidade responsável pelas licitações consolida as demandas e elabora o Estudo Técnico Preliminar (ETP).
- A unidade responsável pelas licitações, com base no ETP, desenvolve o Termo de Referência (TR), detalhando o objeto da contratação.
- A unidade responsável pelas licitações elabora e divulga a Intenção de Registro de Preço (IRP), referenciando o TR e convidando outros órgãos a manifestarem seu interesse em participar.
- Os órgãos interessados manifestam seu interesse, possivelmente apresentando seus próprios ETPs e a Manifestação de Intenção de Registro de Preço (MIRP).
- A unidade responsável pelas licitações prossegue com o processo licitatório (pregão ou concorrência) para registro de preços, considerando as demandas agregadas.
Esta sequência garante que a IRP contenha informações suficientes sobre o objeto da contratação para que outros órgãos possam avaliar seu interesse em participar, cumprindo o objetivo previsto no art. 86 da Lei nº 14.133/2021. A responsabilidade pela elaboração da IRP recai sobre a unidade responsável pelas licitações, enquanto as unidades demandantes contribuem com as informações iniciais e podem manifestar seu interesse em participar após a divulgação da IRP. Recomenda-se, ainda, a consulta ao Decreto nº 11.462/2023 para obter detalhes adicionais sobre a regulamentação do SRP sob a nova lei de licitações.
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Programa Empresa Pró-Ética 2025-2026: integridade como diferencial competitivo
A Controladoria-Geral da União (CGU) publicou o regulamento do Programa Empresa Pró-Ética 2025-2026, iniciativa que reconhece empresas que adotam medidas efetivas de prevenção à corrupção, responsabilidade socioambiental e respeito aos direitos humanos. Conduzido pelo principal órgão de controle interno do país, o programa possui reconhecimento nacional e internacional e se consolidou como uma das maiores referências em boas práticas de compliance empresarial.
O programa evolui em sua nova edição ao incorporar temas ligados à agenda ESG, como sustentabilidade, diversidade e direitos humanos — ampliando sua abordagem sobre o que significa, hoje, ter um programa de integridade robusto e eficaz.
Por que participar?
Ser reconhecida como Empresa Pró-Ética traz um importante diferencial reputacional. A empresa aprovada entra para a lista oficial da CGU e pode utilizar a marca “Empresa Pró-Ética” em seus materiais institucionais, reforçando sua imagem perante clientes, parceiros, investidores e o poder público. Em licitações e contratações governamentais, esse reconhecimento funciona como um indicativo de confiabilidade e maturidade institucional, aumentando a competitividade da empresa e sua atratividade no mercado.
Além do reconhecimento oficial, o processo de candidatura também oferece benefícios importantes para empresas que ainda não atingem a pontuação necessária. A estruturação dos formulários exige revisão crítica do programa de integridade e mobilização de diversas áreas internas. Empresas que atingem uma pontuação mínima na avaliação técnica costumam receber um retorno detalhado da CGU sobre pontos fortes e oportunidades de melhoria — um feedback técnico que frequentemente impulsiona aprimoramentos relevantes.
Regulamento 2025-2026: panorama das regras e critérios
A nova edição do programa apresenta regras mais robustas, com foco na ampliação temática e no rigor técnico da avaliação. Veja os principais pontos:
- Período de inscrição: de 5 de maio a 5 de junho de 2025, exclusivamente pela plataforma SAMPI.
- Adesão prévia obrigatória ao Pacto Brasil pela Integridade: é necessário obter ao menos 70% de conformidade na autoavaliação promovida pela CGU, além de ser signatária do Pacto Empresarial pela Integridade do Instituto Ethos.
- Avaliação em 10 áreas temáticas, entre elas: liderança e comprometimento da alta direção; estrutura de compliance; políticas internas; gestão de riscos; controles internos e auditoria; comunicação e treinamentos; due diligence de terceiros; canal de denúncias; medidas disciplinares e remediação; e responsabilidade socioambiental. Ao todo, o regulamento inclui 28 questões ligadas a ESG integradas nesses eixos.
- Pontuação mínima para aprovação: para ser reconhecida como Empresa Pró-Ética, a empresa deve:
- Obter pontuação total igual ou superior a 70 pontos (de um total de 100);
- Alcançar, no mínimo, 45% da pontuação em cada uma das 10 áreas avaliadas.
- Etapas do processo: a empresa deve preencher dois formulários (Perfil e Conformidade), anexando os documentos comprobatórios. Em seguida, passa por uma triagem de admissibilidade e avaliação técnica. Os casos aprovados são deliberados por um comitê multissetorial vinculado à CGU.
- Critérios de admissibilidade:
- Não estar inscrita nos cadastros CEIS (Cadastro de Empresas Inidôneas e Suspensas), CNEP (Cadastro Nacional de Empresas Punidas) ou na “lista suja” do trabalho escravo;
- Não estar respondendo a processo administrativo de responsabilização por corrupção (Lei 12.846/2013), nem ter sido condenada nos últimos 5 anos;
- Não estar sob monitoramento decorrente de acordo de leniência, nem em processo de negociação de leniência;
- Estar em situação regular nos âmbitos fiscal (Receita Federal/PGFN), trabalhista (FGTS, Justiça do Trabalho) e ambiental (Ibama).
Uma nova abordagem para a integridade corporativa
O Pró-Ética 2025-2026 marca uma inflexão importante na definição do que se entende por integridade empresarial. Ao incorporar temas como diversidade, direitos humanos e sustentabilidade, o programa amplia seu escopo de forma alinhada às tendências internacionais — tornando-se não apenas um referencial técnico, mas também um catalisador da cultura ética dentro das empresas.
O processo de candidatura exige a articulação entre múltiplas áreas — jurídico, RH, financeiro, compliance — e, independentemente do resultado final, promove uma visão integrada e estratégica sobre governança, riscos e responsabilidade institucional.
Como o escritório Schiefler Advocacia pode apoiar sua empresa
O escritório Schiefler Advocacia possui sólida experiência na estruturação, revisão e fortalecimento de programas de integridade, com foco em empresas que mantêm relações com o setor público. Oferecemos assessoria completa para a participação no Pró-Ética: da adesão ao Pacto Brasil à análise dos critérios do regulamento, passando pela revisão documental e orientação estratégica em cada etapa do processo.
Se sua empresa busca destacar-se pelo compromisso com a ética, a sustentabilidade e a integridade, estamos prontos para caminhar ao seu lado nessa jornada.
📌 Saiba mais:
Programa de integridade: quando ele é obrigatório?