PROBLEMAS MAIS COMUNS QUE LEVAM À INABILITAÇÃO DE LICITANTES
I. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A análise de documentação de concorrentes pode definir a vitória de uma licitante, pois a partir dela é possível que se encontrem vícios que levem à inabilitação de outras licitantes ou à desclassificação de suas propostas. Portanto, é crucial que empresas que costumam participar de certames estejam atentas às principais hipóteses de inabilitação ou de desclassificação de propostas e às discussões jurídicas ligadas aos temas.
Este artigo apresentará as hipóteses mais comuns de inabilitação de licitantes.
De início, vale esclarecer a diferença entre a inabilitação de licitantes e a desclassificação de propostas.
A inabilitação diz respeito à própria pessoa da licitante, ou seja, características econômicas, financeiras, técnicas e/ou jurídicas que fazem com que a licitante não possa participar de determinado certame. Por seu turno, a desclassificação diz respeito à proposta apresentada pela licitante, ou seja, em que pese habilitada a participar da licitação, a proposta ofertada é inadequada em relação aos critérios previstos em lei ou no edital.
II. PROBLEMAS MAIS COMUNS QUE LEVAM À INABILITAÇÃO DE LICITANTES
Os problemas mais comuns que levam à inabilitação de licitantes dizem respeito (i) à ausência de demonstração de qualificação técnica; (ii) à existência de irregularidades fiscais; (iii) à ausência de comprovação de capacidade econômico-financeira; e (iv) a erro na habilitação jurídica.
II.1) Inabilitação de licitantes por ausência de demonstração de qualificação técnica
A qualificação técnica é dividida em “qualificação técnico-profissional” e “qualificação técnico-operacional”. A inabilitação de licitantes pela não demonstração de qualificação técnica decorre, na maioria dos casos, de insuficiência de atestados de capacidade técnica (ACTs). Esse tipo de habilitação é mais restrito em licitações voltadas à contratação de obras e serviços de engenharia, sobretudo porque nesses casos não poderá ser aplicada a exceção que permite a substituição dos documentos tradicionais de qualificação técnico-profissional e de qualificação técnico-operacional por “outra prova de que o profissional ou a empresa possui conhecimento técnico e experiência prática na execução de serviço de características semelhantes” (artigo 67, §3º, da Lei nº 14.133/21).
Abaixo serão apresentadas algumas regras e posicionamentos jurisprudenciais referentes à inabilitação de licitantes por ausência de demonstração de qualificação técnica.
Primeiro: em regra, será possível que licitantes somem os seus atestados para fins de comprovação da qualificação técnico-operacional [Acórdão 2291/2021. RA 000.910/2011-2. Relator Bruno Dantas. Data da sessão 22/09/2021]. A vedação ao somatório somente será possível caso a natureza e a complexidade técnica da obra ou do serviço mostrem indispensáveis tal restrição [Acórdão 1095. Representação 000.056/2018-9. Relator Augusto Nardes. Data da sessão 16/05/2018]. Exemplo de licitação com maior complexidade, que permitiria a vedação ao somatório de atestados, seria o caso de terceirização de mão de obra.
Segundo: não é possível que licitantes comprovem a sua qualificação técnico-operacional por meio da simples apresentação de notas fiscais referentes a prestação de serviços anteriores [TJ-RJ – MS: 00018871920208190000, Relator: Des(a). FABIO DUTRA, Data de Julgamento: 11/05/2021, PRIMEIRA C MARA CÍVEL, Data de Publicação: 15/10/2021].
Terceiro: em licitações de engenharia, não será possível que licitantes sejam inabilitadas tecnicamente pelo simples fato de a obra executada anteriormente ser de valor inferior, salvo se este requisito estiver expressamente previsto em edital [TJ-RS – AC: 50390797220198210001 RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, Data de Julgamento: 22/04/2021, Vigésima Primeira Câmara Cível, Data de Publicação: 03/05/2021].
Quarto: em regra não será possível a transferência do acervo técnico da pessoa física (colaboradores) para a pessoa jurídica (licitante). Por exemplo, uma licitante não poderá se valer do acervo técnico de seus engenheiros para comprovar a sua capacidade técnico operacional. Isso porque a capacidade técnico operacional não se confunde com a capacidade técnico profissional de licitantes [TJ-SP – AC: 10003200720208260075 SP 1000320-07.2020.8.26.0075, Relator: José Maria Câmara Junior, Data de Julgamento: 16/03/2021, 8ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 16/03/2021].
Quinto: nos casos de contratação sob o regime de empreitada integral, nos quais haja previsão de subcontratação de parte relevante do objeto licitado, é permitido que a Administração exija apenas a comprovação de capacidade técnica da empresa que vier a ser subcontratada [Acórdão 2021/2020. Relatório de Auditoria 015.490/2019-0. Relatora Anna Arraes. Data da Sessão 05/08/2020].
II.2) Inabilitação de licitantes por irregularidades fiscais
Em licitações, os interessados devem comprovar regularidade perante a Fazenda federal, estadual e/ou municipal do domicílio ou da sede da licitante. A comprovação de regularidade fiscal também pode se tornar um grande empecilho aos licitantes que possuem débitos com o fisco e, portanto, não podem emitir as certidões negativas de débitos.
A situação pode se tornar mais complicada em casos de emissões de certidões negativas junto aos municípios. Isso porque cada ente municipal possui uma forma específica de realizar a emissão de certidões. Nesses casos, não raro a emissão de certidão negativa de dívidas ativas é feita com a respectiva procuradoria municipal, ao passo que a certidão negativa de débitos não inscritos em dívida ativa, com as respectivas secretarias de fazenda municipal.
Abaixo são apresentados alguns exemplos de discussões jurisprudenciais sobre a temática.
Primeiro: ainda que previsto em edital, não será juridicamente viável a exigência de apresentação de declarações de regularidade fiscal de estabelecimentos matriz e filial, em atenção ao disposto no artigo 127, inciso II, do CTN [TJ-SP – AI: 20283494720218260000 SP 2028349-47.2021.8.26.0000, Relator: Décio Notarangeli, Data de Julgamento: 05/05/2021, 9ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 05/05/2021].
Segundo: os documentos referentes à comprovação de regularidade fiscal e trabalhista das microempresas e das empresas de pequeno porte somente serão exigidos apenas para efeito de assinatura do contrato, em atenção ao disposto no artigo 42 da Lei Complementar nº 123/2006 [TJ-MG – AI: 10000220194401001 MG, Relator: Júlio Cezar Guttierrez, Data de Julgamento: 19/04/2022, Câmaras Cíveis / 6ª C MARA CÍVEL, Data de Publicação: 27/04/2022].
Terceiro: Em decorrência das dificuldades inerentes à emissão de certidões de regularidade fiscal, não é incomum que surjam situações de razoável dúvida sobre o cumprimento da obrigação editalícia pelas licitantes. Portanto, se existirem elementos que permitam concluir pela regularidade fiscal, a despeito da documentação apresentada pela licitante, a Administração Pública deve diligenciar para esclarecer a situação [TRF-4 – REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL: 50080578920184047000 PR 5008057-89.2018.4.04.7000, Relator: MARGA INGE BARTH TESSLER, Data de Julgamento: 21/05/2019, TERCEIRA TURMA].
II.3) Inabilitação de licitantes por ausência de comprovação de capacidade econômico-financeira
Ainda que em menor medida do que nas duas hipóteses apresentadas nos subtópicos anteriores, a ausência de comprovação de capacidade econômico-financeira pode se tornar um empecilho à habilitação de licitantes, sobretudo em certames de maior complexidade, como por exemplo, nos quais haja a possibilidade de participação de licitantes em consórcio.
Abaixo são apresentados alguns exemplos de discussões jurisprudenciais sobre a temática.
Primeiro: a Administração Pública tem o dever de justificar os índices contábeis exigidos pelo edital convocatório. Inclusive, a Súmula nº 289/2016 do TCU contém a seguinte previsão: “A exigência de índices contábeis de capacidade financeira, a exemplo dos de liquidez, deve estar justificada no processo da licitação, conter parâmetros atualizados de mercado e atender às características do objeto licitado, sendo vedado o uso de índice cuja fórmula inclua rentabilidade ou lucratividade”.
Segundo: na participação em licitação por meio de consórcio de empresas, será permitido o somatório dos índices econômico-financeiros, na proporção da respectiva participação [TJ-SP – Remessa Necessária Cível: 10291331320208260053 SP 1029133-13.2020.8.26.0053, Relator: Maria Olívia Alves, Data de Julgamento: 16/03/2021, 6ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 16/03/2021].
II.4) Inabilitação por erro na habilitação jurídica de licitante
A inabilitação por erro na habilitação jurídica de licitante é a menos comum das quatro hipóteses mencionadas neste breve artigo, justamente porque a maior parte de erros relacionados à habilitação jurídica são meramente formais. A propósito, sobre a inabilitação por erro em habilitação jurídica de licitantes, a Administração Pública deve se atentar à possibilidade de saneamento de meros erros formais [TJ-PR – AI: 00385103220218160000 Maringá 0038510-32.2021.8.16.0000 (Acórdão), Relator: Regina Helena Afonso de Oliveira Portes, Data de Julgamento: 28/11/2021, 4ª Câmara Cível].
Primeiro: é necessário haver compatibilidade entre as atividades previstas no contrato social/estatuto social da licitante e o objeto do certame [Acórdão 503/2021. Representação 029.273/2020-0. Relator Augusto Sherman. Data da sessão 10/03/2021].
Segundo: O ato administrativo que analisa a habilitação jurídica de licitantes não poderá ser fundamentado em formalismo exacerbado. Como exemplos de vedação ao formalismo exacerbado na análise de habilitação jurídica, mencionam-se (i) a impossibilidade de inabilitação de licitantes por divergência entre assinaturas na proposta e no contrato social [Acórdão 5181/2021. Relatório de Auditoria 029.366/2011-9. Relator Walton Alencar Rodrigues. Data da sessão 28/08/2021]; (ii) a impossibilidade de inabilitação de licitantes pela não autenticação do contrato social [TJ-MT 00509037920138110041 MT, Relator: YALE SABO MENDES, Data de Julgamento: 05/07/2021, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 20/07/2021] e (iii) a impossibilidade de inabilitação de licitantes pela apresentação de documentos sem firma reconhecida [TJ-SP – Remessa Necessária Cível: 10022072320208260270 SP 1002207-23.2020.8.26.0270, Relator: Vera Angrisani, Data de Julgamento: 15/01/2021, 2ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 15/01/2021].
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