As aulas integraram o curso "O que muda com a Nova Lei de Licitações", da Zênite Informação, em que foram abordadas diversas questões práticas sobre a esperada Nova Lei de Licitações.
Nesta terça-feira (2/3/2021), o advogado Gustavo Schiefler abordou diversas questões práticas sobre a esperada Nova Lei de Licitações, cujo Projeto de Lei está em vias de ser encaminhado para a sanção do Presidente da República.
As aulas integraram o curso “O que muda com a Nova Lei de Licitações”, da Zênite Informação. Em dois turnos, Gustavo Schiefler apresentou, a aproximadamente 600 participantes, as principais diferenças existentes nas etapas da licitação, incluindo questões sobre as modalidades, o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), a publicidade do edital, os prazos mínimos, os critérios de julgamento e os modos de disputa da projetada Nova Lei de Licitações.
Read MoreDa leitura da IN nº 73/2020, que revogou integralmente a Instrução Normativa nº 5 de 2014, sua antecessora, percebe-se que ela trouxe alterações com o objetivo de modernizar o procedimento de pesquisa de preços e torná-lo mais detalhado.
Eduardo André Carvalho Schiefler[1]
Eduardo Prudente Vargas da Silva[2]
No dia 6 de agosto, foi publicado no Diário Oficial da União a Instrução Normativa nº 73/2020[3], da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, que dispõe sobre o procedimento administrativo de pesquisa de preços para a aquisição de bens e contratação de serviços em geral, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
Da leitura da IN nº 73/2020, que revogou integralmente a Instrução Normativa nº 5 de 2014, sua antecessora, é possível perceber que ela trouxe alterações com o objetivo de modernizar o procedimento de pesquisa de preços e torná-lo mais detalhado. Resumidamente, a IN 73/2020 traz algumas mudanças bastante objetivas:
1- A aferição da vantajosidade das adesões às atas de registro de preços deverá ser realizada de acordo com o disposto na IN 73/2020 (cf. § 3º do artigo 1º).
2- Quando executarem recursos da União decorrentes de transferências voluntárias, os órgãos e entidades da administração pública estadual, distrital ou municipal, direta ou indireta, deverão realizar a pesquisa de preços de acordo com as disposições da IN 73/2020, (§ 2º do artigo 1º). Registra-se que, antes, não havia vinculação quanto à aplicação da IN 5/2014 para estes órgãos e entidades, embora ela fosse constantemente adotada como referência. Com a novidade da IN 73/2020, estes órgãos e entidades se encontram vinculados à normativa, ou seja, obrigados a observar as suas disposições nas hipóteses em que estiverem utilizando recursos federais decorrentes de transferências voluntárias.
3- Trouxe definições claras para “preço estimado”, “preço máximo” e “sobrepreço”, facilitando o entendimento com o objetivo de evitar discrepâncias quando da aplicação dos referidos conceitos (art. 2º).
Além disso, considerando que a fase de pesquisa de preço é uma fase interna de suma importância para o processo de contratação pública, a IN 73/2020 traz em seu artigo 3º uma formalidade maior: instituiu-se a obrigatoriedade de a pesquisa de preços ser materializada em documento que contenha informações mínimas, como (i) a identificação do responsável pela cotação, (ii) a descrição das fontes utilizadas, (iii) a série de preços coletados, (iv) o método adotado para se definir o valor estimado e (v) as justificativas para a metodologia adotada, em especial para a desconsideração de valores inexequíveis, inconsistentes (novo termo incorporado pela IN) e excessivamente elevados, se aplicável.
Em seu artigo 4º, a IN 73/2020 dispõe como critério de pesquisa a observação, sempre que possível, das condições comerciais praticadas pelos fornecedores, o que inclui os prazos e locais de entrega, a instalação e montagem do bem ou prestação do serviço, as formas de pagamento, o frete e as garantias exigidas, assim como marcas e modelos, quando for o caso.
Já em seu artigo 5º, a IN 73/2020 elencou os parâmetros de pesquisa que devem ser observados, os quais podem ser empregados de forma combinada ou não: (i) Painel de Preços, (ii) aquisições e contratações similares de outros entes públicos, (iii) dados de pesquisa publicada em mídia ou site especializados, ou de domínio amplo, e (iv) pesquisa direta com fornecedores. Da mesma forma que a sua antecessora, a IN 73/2020 determina que se deve priorizar os parâmetros estabelecidos nos incisos I e II – o que reafirma a jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU)[4].
De toda forma, a IN 73/2020 trouxe novidades também nesse quesito, conforme se verifica da tabela abaixo:
Especificamente quanto à pesquisa direta junto aos fornecedores, vale ressaltar que a IN nº 73/2020, em seu artigo 5º, § 2º, prescreve como deverá ocorrer o procedimento de pesquisa, exigindo (i) a solicitação formal de cotação contenha o prazo de resposta conferido ao fornecedor, compatível com a complexidade do objeto; (ii) a obtenção de propostas formais que contenham no mínimo: a descrição do objeto, valor unitário e total, o CPF ou CNPJ do proponente, o endereço e telefone de contato e a data de emissão da proposta; e (iii) o registro, nos autos da contratação, da relação de fornecedores que foram consultados e não enviaram propostas. Em comparação com a IN 5/2014, observa-se que esta restringia-se somente à exigência de um procedimento formal, sem detalhar como deveria ocorrer.
Veja-se que, por se tratar de um momento delicado para a administração pública, a pesquisa direta com fornecedores sofreu alterações no sentido de tornar mais clara as exigências de formalização e o rigor dos diálogos público-privados[5] (administração-fornecedores), de forma a exigir formalidades indispensáveis à lisura do procedimento. Ao que tudo indica, o intuito dessa formalização não visa a impedir ou burocratizar as relações comunicacionais, mas aumentar o nível de segurança para a administração e às próprias partes envolvidas (agentes público e econômico).
Outra importante novidade trazida é que, diferentemente do artigo 4º da IN 5/2014, a IN 73/2020 não proíbe, ao menos expressamente, a obtenção de estimativa de preços em sítios de leilão ou de intermediação de vendas, de forma que, em tese, pode-se proceder à realização de pesquisa de preços em marketplaces. Trata-se de inovação que caminha ao lado do que foi anunciado recentemente pelo Ministério da Economia: que o governo federal estuda implantar uma nova plataforma de comércio eletrônico nas compras públicas[6].
Ademais, o artigo 7º da IN 73/2020 discorreu sobre a necessidade de instrução dos processos administrativos de inexigibilidade de licitação, os quais deverão conter a devida justificativa de que o preço ofertado à administração é condizente com o praticado pelo mercado, em especial por meio de (i) documentos fiscais ou contratos de objetos idênticos[7], comercializados pela futura contratada, emitidos no período de até 1 (um) ano anterior à data da autorização da inexigibilidade pela autoridade competente; e de (ii) tabelas de preços vigentes divulgadas pela futura contratada em sites especializados ou de domínio amplo, contendo data e hora de acesso.
Trata-se de parâmetros exemplificativos, tendo em vista que o § 1º do artigo 7º dispõe que “Poderão ser utilizados outros critérios ou métodos, desde que devidamente justificados nos autos pelo gestor responsável e aprovados pela autoridade competente.”.
Está aí mais uma prova de que a IN 73/2020 surgiu também para conferir mais formalidade ao procedimento de pesquisa de preços, prezando pelo registro e formalização dos procedimentos nos autos do processo administrativo – o que, evidentemente, confere mais transparência ao processo de contratação pública e, inclusive, maior segurança ao gestor, que poderá, caso necessário, comprovar as boas práticas adotadas e evidenciar a sua atuação de boa-fé.
Frise-se que, caso a futura contratada não tenha comercializado o objeto em momento anterior, a justificativa de preço poderá ser realizada por meio de objetos de mesma natureza (objetos similares). E mais: a IN 73/2020 esclarece que esse procedimento, previsto no caput às hipóteses de inexigibilidade, também se aplica, no que couber, às hipóteses de dispensa de licitação, em especial as previstas nos incisos III, IV, XV, XVI e XVII do artigo 24 da Lei nº 8.666/1993 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos)[8].
A IN 73/2020 deixa claro, também, que, se a justificativa de preços indicar a possibilidade de competição no mercado, a inexigibilidade não poderá ser realizada pela administração. Nesse ponto, vale fazer um registro: a pluralidade de prestadores de serviços ou fornecedores nem sempre corresponde à viabilidade de competição, havendo exceções como as previstas no artigo 25, incisos II e III da Lei nº 8.666/1993[9].
Torna-se evidente, portanto, a finalidade e a importância de do procedimento de pesquisa de preços. Isto é, para além da orçamentação dos preços a serem pagos pela administração, o procedimento de pesquisa também se presta para verificar se o processo de contratação pública deve ser levado a cabo por meio de licitação ou de contratação direta. Assim, entende-se que andou bem a IN 73/2020 ao prever expressamente essa vedação à inexigibilidade de licitação quando da verificação da viabilidade de competição.
Por fim, em suas disposições finais (artigo 10), a IN 73/2020 prevê que o preço máximo a ser praticado na contratação poderá assumir valor distinto do preço estimado na pesquisa de preços feita, mas desde que haja justificativa para o acréscimo ou subtração de percentual e que sejam observadas a atratividade do mercado e a mitigação de risco de sobrepreço, sendo vedada a adoção de qualquer critério estatístico ou matemático que incida a maior sobre os preços máximos.
Em linhas gerais, portanto, a IN 73/2020 surgiu para aprimorar o procedimento de pesquisa de preços no âmbito do Poder Executivo Federal, conferindo mais formalidade a essa fase tão essencial ao processo de contratação pública, cuja existência de falhas, não raramente, é responsável por gerar inúmeros problemas posteriores à administração pública e aos contratados.
[1] Advogado no escritório Schiefler Advocacia. Mestrando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Integrante do Grupo de Estudos em Direito Público (GEDIP/UFSC). Integrante do Grupo de Pesquisa em Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial (DRIA.UnB). Autor do livro “Processo Administrativo Eletrônico” (2019) e de artigos acadêmicos, especialmente na área de Direito Administrativo e Tecnologia.
[2] Estagiário no escritório Schiefler Advocacia. Graduando em Direito pela Rede de Ensino Doctum. Integrante da Associação Internacional de Advogados e Estudantes LawTalks.
[3] Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/instrucao-normativa-n-73-de-5-de-agosto-de-2020-270711836. Acesso em 10 ago. 2020.
[4] A pesquisa de preços para elaboração do orçamento estimativo da licitação não pode ter como único foco propostas solicitadas a fornecedores. Ela deve priorizar os parâmetros disponíveis no Painel de Preços do Portal de Compras do Governo Federal e as contratações similares realizadas por entes públicos, em observância à IN-SLTI 5/2014. (Boletim de Jurisprudência nº 213 de 23/04/2018 – Acórdão 718/2018, Plenário. Relator Ministro André de Carvalho, julgado em 04/04/2018)
[5] Sobre os diálogos público-privados, recomenda-se a leitura da obra Diálogos público-privados, de Gustavo Henrique Carvalho Schiefler: SCHIEFLER, Gustavo Henrique Carvalho. Diálogos público-privados. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.
[6] Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/noticias/2020/julho/governo-debate-com-sociedade-implantacao-de-marketplace-para-compras-publicas. Acesso em 10 ago. 2020.
[7] Como se verá adiante, a justificativa de preço poderá ser realizada mediante objetos de mesma natureza, ou seja, similares (e não idênticos), nas hipóteses em que a futura contratada não tenha comercializado previamente o objeto.
[8] Art. 24. É dispensável a licitação: […]
III – nos casos de guerra ou grave perturbação da ordem;
IV – nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos; […]
XV – para a aquisição ou restauração de obras de arte e objetos históricos, de autenticidade certificada, desde que compatíveis ou inerentes às finalidades do órgão ou entidade.
XVI – para a impressão dos diários oficiais, de formulários padronizados de uso da administração, e de edições técnicas oficiais, bem como para prestação de serviços de informática a pessoa jurídica de direito público interno, por órgãos ou entidades que integrem a Administração Pública, criados para esse fim específico;
XVII – para a aquisição de componentes ou peças de origem nacional ou estrangeira, necessários à manutenção de equipamentos durante o período de garantia técnica, junto ao fornecedor original desses equipamentos, quando tal condição de exclusividade for indispensável para a vigência da garantia;
[9] Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: […]
II – para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;
III – para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.
Read MorePara além da participação do Gustavo como especialista, tanto ele como o advogado Eduardo Schiefler propuseram enunciados que foram selecionados para debate nas comissões de trabalho.
Está ocorrendo nesta semana a I Jornada de Direito Administrativo, promovido pelo Conselho da Justiça Federal, que tem por objetivo a produção e discussão de enunciados que visam à delineação interpretativa sobre o Direito Administrativo, a fim de adequá-la às inovações legislativas, doutrinárias e jurisprudenciais. A Jornada está sendo coordenada pela Min. Assusete Magalhães (STJ), Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto (TSE), Prof. Cesar Augusto Guimarães Pereira e pelo Juiz Federal Daniel Marchionatti Barbosa.
Amanhã (quinta-feira), acontecerão os debates nas comissões temáticas e o advogado Gustavo Schiefler participará como especialista convidado da comissão “Licitações, Contratos Administrativos, Concessões e Parcerias Público-Privadas“, coordenada pelo Desembargador Federal João Batista Moreira e pelos Profs. Eduardo Jordão e Joel de Menezes Niebuhr.
Para além da participação do Gustavo como especialista, tanto ele como o advogado Eduardo Schiefler propuseram enunciados que foram selecionados para debate nas comissões de trabalho.
Por essa razão, o advogado Eduardo Schiefler participará da comissão “Regime jurídico administrativo, Poderes da administração, Ato administrativo, Discricionariedade, Agentes públicos e Bens públicos“, coordenada pelo Ministro Benedito Gonçalves (STJ) e pelos Profs. Fabricio Macedo Motta e Juliana Bonacorsi de Palma.
Os enunciados aprovados nas comissões temáticas serão levados à reunião plenária para aprovação, que acontecerá no dia 7 de agosto (sexta-feira).
Gustavo Schiefler – Advogado. Doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre e graduado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Educação Executiva pela Harvard Law School (Program on Negotiation). Pesquisador Visitante no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht, em Hamburgo (Alemanha).
Eduardo Schiefler – Advogado no escritório Schiefler Advocacia. Mestrando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Integrante do Grupo de Estudos em Direito Público (GEDIP/UFSC). Integrante do Grupo de Pesquisa em Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial (DRIA.UnB). Autor do livro “Processo Administrativo Eletrônico” (2019) e de artigos acadêmicos, especialmente na área de Direito Administrativo e Tecnologia.
Read MoreO Tribunal de Contas do Distrito Federal acatou argumentos da Representação oferecida e confirmou que a ausência de motivação na reavaliação da pontuação atribuída às propostas técnicas dos licitantes, por ter havido diferença superior a 20% da pontuação máxima permitida entre as notas concedidas pelos avaliadores, configura uma irregularidade e justifica a suspensão cautelar do certame.
O Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) suspendeu cautelarmente, no fim de maio, licitação de serviços de publicidade lançada por empresa estatal do Distrito Federal, pois vislumbrou indícios de irregularidade na pontuação atribuída às propostas técnicas dos licitantes[1].
Especificamente, o TCDF acatou argumentos da Representação oferecida e confirmou que a ausência de motivação na reavaliação da pontuação atribuída às propostas técnicas dos licitantes, por ter havido diferença superior a 20% da pontuação máxima permitida entre as notas concedidas pelos avaliadores, configura uma irregularidade e justifica a suspensão cautelar do certame. Segundo a decisão, confirmada por unanimidade pelo Plenário da Corte de Contas, “não houve manifestação técnica quanto aos casos de pontuação cuja diferença fosse superior a 20%, caracterizando a existência da fumaça do bom direito na representação tratada nos autos, frente, principalmente, à previsão legal constante do art. 6º, inc. VII, da Lei nº 12.232/2010”.
Para entender melhor o caso analisado pelo TCDF, é importante levar em conta que, com a publicação da Lei Federal nº 12.232/2010, as licitações para a contratação de agências de propaganda receberam um regulamento especial, motivo pelo qual a Lei Federal nº 8666/1993 passou a ser aplicada apenas subsidiariamente nesses casos. O motivo da existência de uma lei especial, com evidente procedimento mais rigoroso para o julgamento das pontuações técnicas, se deve ao fato de que as licitações para serviços de publicidade são naturalmente mais suscetíveis a direcionamentos e favorecimentos indevidos, sobretudo em razão da natureza do julgamento das propostas técnicas.
A preocupação acentuada com a etapa de julgamento das propostas técnicas para contratações desse objeto está expressa na justificativa da proposta legislativa que gerou a Lei Federal nº 12.232/2010. Leia-se o seguinte excerto da exposição de motivos do PL nº 3305/2008:
Tem a nossa experiência recente nos mostrado que a ausência de um tratamento normativo específico para essa matéria possibilita que, nesse campo, grandes arbitrariedades ocorram em todo o país. Empresas de publicidade contratadas com óbvio favorecimento, com base em critérios de julgamento subjetivos, contratos que encobrem a possibilidade de novos ajustes imorais com terceiros, pagamentos indevidos, desvios de verbas públicas destinadas à publicidade com fins patrimoniais privados ou para custeio de campanhas eleitorais são apenas alguns exemplos de transgressões que compõem um cenário já bem conhecido nos dias em que vivemos. [2]
Entre as exigências específicas da Lei Federal nº 12.232/2010, encontra-se a obrigação de a subcomissão técnica (aquela que julga as propostas técnicas dos licitantes) reavaliar a pontuação atribuída a um quesito sempre que a diferença entre a maior e a menor pontuação for superior a 20% da pontuação máxima deste quesito. Como visto, a reavaliação da pontuação fica a cargo de uma subcomissão técnica, prevista no § 1º do artigo 10 da Lei, e deve ser realizada em conformidade com os critérios objetivos estabelecidos no edital de licitação. Confira-se o dispositivo:
Art. 6º A elaboração do instrumento convocatório das licitações previstas nesta Lei obedecerá às exigências do art. 40 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, com exceção das previstas nos incisos I e II do seu § 2º, e às seguintes:
[…]
VII – a subcomissão técnica prevista no § 1º do art. 10 desta Lei reavaliará a pontuação atribuída a um quesito sempre que a diferença entre a maior e a menor pontuação for superior a 20% (vinte por cento) da pontuação máxima do quesito, com o fim de restabelecer o equilíbrio das pontuações atribuídas, de conformidade com os critérios objetivos postos no instrumento convocatório.
Nessas hipóteses, dever-se-á igualmente observar o inciso VI do § 4º do artigo 11 da Lei Federal nº 12.232/2010, que prevê o envio das planilhas com as pontuações e a justificativa escrita das razões que as fundamentaram em cada caso à comissão permanente ou especial de licitação. Esta é considerada uma condição essencial do julgamento nas licitações de serviços de publicidade, uma vez que a ausência de motivação para as pontuações pode impedir o controle sobre o seu mérito, facilitando eventuais direcionamentos.
Desse modo, as razões das pontuações devem ser registradas por escrito pela subcomissão técnica e encaminhadas à comissão permanente ou especial, quer incida na hipótese regulada pelo inciso VII do artigo 6º, quer não. Veja-se como a exigência de manifestação escrita é expressa na Lei nº 12.232/2010:
Art. 11. Os invólucros com as propostas técnicas e de preços serão entregues à comissão permanente ou especial na data, local e horário determinados no instrumento convocatório. […]
§ 4º O processamento e o julgamento da licitação obedecerão ao seguinte procedimento: […]
V – análise individualizada e julgamento dos quesitos referentes às informações de que trata o art. 8º desta Lei, desclassificando-se as que desatenderem quaisquer das exigências legais ou estabelecidas no instrumento convocatório;
VI – elaboração de ata de julgamento dos quesitos mencionados no inciso V deste artigo e encaminhamento à comissão permanente ou especial, juntamente com as propostas, as planilhas com as pontuações e a justificativa escrita das razões que as fundamentaram em cada caso.
Ou seja, a subcomissão técnica precisa justificar expressamente os motivos que justificam a atribuição da nota, sob pena de violar diversas regras que regem a atividade administrativa e que permeiam todos os processos de contratação pública, em especial os deveres de motivação dos atos administrativos e do tratamento isonômico, além dos princípios da publicidade e da impessoalidade.
É preciso que os licitantes saibam os motivos que levaram à pontuação dos quesitos quando da análise da sua proposta técnica, caso contrário serão impedidos de, se necessário, exercer o seu direito constitucional de defesa. Neste sentido, encontra-se a jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU), segundo a qual “a ausência de justificativa escrita acerca das pontuações e das razões que as fundamentam em cada caso, nos procedimentos licitatórios para oferta de serviços de publicidade, afronta o que dispõe o art. 11, § 4º, inciso IV, da Lei 12.232/2010”[3].
Acontece que, não obstante a clareza das determinações legais, nem sempre a subcomissão técnica registra por escrito a justificativa das razões que basearam a avaliação ou a reavaliação de determinada pontuação, descumprindo assim o inciso VII do artigo 6º e/ou o inciso VI do § 4º do artigo 11 da Lei Federal nº 12.232/2010. No caso noticiado, pela violação do inciso VII do artigo 6º da referida lei, como salientado, o Tribunal confirmou a necessidade de realizar a sobredita reavaliação e, por unanimidade, dada a ausência de tal procedimento, suspendeu cautelarmente o certame.
A decisão noticiada confirma a competência legítima dos Tribunais de Contas em intervir cautelarmente para evitar irregularidade no curso da licitação pública, assim como o entendimento de que, nas licitações submetidas à Lei Federal nº 12.232/2020, configura ilegalidade a ausência de reavaliação da pontuação concedida a um quesito de um determinado licitante, quando a diferença entre a maior e a menor pontuação, atribuída pelos integrantes da subcomissão técnica, for superior a 20% da pontuação máxima do quesito.
[1] TCDF – Decisão nº 1798/2020, Plenário. Relator: Antônio Renato Alves Rainha. Data de Julgamento: 27/05/2020.
[2] Projeto de Lei nº 3305/2008, Câmara dos Deputados. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=391688 Acesso em 29 jun. 2020.
[3] TCU – Acórdão nº 2813/2017, Plenário. Relator: AROLDO CEDRAZ, Data de Julgamento: 06/12/2017.
Read MoreMesmo no caso de reconhecimento de vício que impeça o Congresso Nacional de apreciar o seu mérito, isso deve ser feito sempre de forma colegiada, e nunca por meio da atuação individualizada do Presidente do Congresso Nacional.
Eduardo de Carvalho Rêgo[1]
Matheus Lopes Dezan[2]
No último dia 12 de junho, o Presidente do Congresso Nacional, Senador Davi Alcolumbre, devolveu à Presidência da República a Medida Provisória n° 979/2020, que conferiu ao Ministro da Educação a prerrogativa de nomear livremente, em caráter pro tempore, os Reitores de instituições do Sistema Federal de Ensino, pelo período em que durar a pandemia da Covid-19. A MP em questão relativizou a norma anteriormente em vigor, que limitava a escolha, a ser sempre realizada pelo Presidente da República, aos nomes constantes em listas tríplices elaboradas pelos colegiados máximos de cada instituição.
Ao justificar a sua decisão, o Senador Alcolumbre publicou mensagem na rede social twitter, destacando que o texto da MP nº 979/2020 violaria os princípios constitucionais da autonomia e da gestão democrática das universidades (art. 207 da Constituição Federal), de modo que não mereceria ser processado pelo Congresso Nacional mediante o rito previsto no art. 62, CF.
De fato, o texto enviado pela Presidência da República possuía problemas no que se refere à democracia universitária. Porém, a devolução de medidas provisórias à Presidência da República não está contemplada no aludido art. 62. Ao contrário, a Constituição é explícita no sentido de conferir eficácia ao ato normativo editado monocraticamente pelo Presidente da República desde a sua origem, exceto se não forem convertidos em lei no devido prazo e desde que o Congresso Nacional edite decreto legislativo disciplinando as relações jurídicas deles decorrentes (§ 3º c/c § 11 do art. 62 da CF).
Há ainda uma outra possibilidade de “rejeição” preliminar de medidas provisórias, isto é, sem a análise do seu mérito. O § 5º do art. 62 determina que “A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais”. Tal regra deve ser lida em conjunto com a previsão constante no § 9º do mesmo art. 62: “Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional”.
A regulamentação de tais dispositivos está contemplada na Resolução nº 01/2002, do Congresso Nacional, que “Dispõe sobre a apreciação, pelo Congresso Nacional, das Medidas Provisórias a que se refere o art. 62 da Constituição Federal, e dá outras providências”.
No art. 2º, a Resolução determina que, após a publicação de medida provisória, a primeira providência a ser tomada pelo Presidente da Mesa do Congresso Nacional é a designação de comissão mista para emitir parecer sobre ela. E, no art. 8º, resta claro que, preliminarmente ao exame de mérito da MP (do qual trata o § 5º do art. 62 da CF), os Plenários do Senado e da Câmara dos Deputados deverão empreender análise sobre “o atendimento ou não dos pressupostos constitucionais de relevância e urgência de Medida Provisória ou de sua inadequação financeira ou orçamentária […] para, ato contínuo, se for o caso, deliberar sobre o mérito”.
Ou seja: mesmo no caso de rejeição preliminar de medida provisória, isto é, do reconhecimento de vício que impeça o Congresso Nacional de apreciar o seu mérito, isso deve ser feito sempre de forma colegiada, e nunca por meio da atuação individualizada do Presidente do Congresso Nacional.
No caso da devolução da Medida Provisória nº 979/2020, não houve rejeição preliminar (portanto, sem análise de mérito) por parte dos Plenários do Senado e da Câmara dos Deputados. Houve, ao contrário, uma iniciativa pessoal do Presidente do Congresso Nacional e com base em análise de mérito, já que ficou assentado por ele a ofensa ao art. 207 da Constituição Federal.
Ao fundamentar a devolução, o Presidente do Congresso Nacional fez alusão ao art. 48, II e XI, do Regimento Interno do Senado, que assim dispõem:
Art. 48. Ao Presidente compete:
[…]
II – velar pelo respeito às prerrogativas do Senado e às imunidades dos Senadores;
[…]
XI – impugnar as proposições que lhe pareçam contrárias à Constituição, às leis, ou a este Regimento, ressalvado ao autor recurso para o Plenário, que decidirá após audiência da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania;
Com fulcro nos mesmos dispositivos, o expediente da devolução de Medida Provisória já havia sido utilizado por outros Presidentes do Congresso Nacional. O Senador José Ignácio Ferreira devolveu a MP nº 33/1989, que dispensava servidores e que extinguia cargos públicos, ao Presidente José Sarney. A justificativa utilizada pelo Presidente do Congresso Nacional foi a de que a normatização da matéria em comento era de competência exclusiva do chefe do Poder Executivo, de modo a não incidir o mandamento constitucional de apreciação pelo Poder Legislativo.
Na sequência, o Senador Garibaldi Alves Filho devolveu à Presidência da República a MP n° 446/2008, que “Dispõe sobre a certificação das entidades beneficentes de assistência social, regula os procedimentos de isenção de contribuição para a seguridade social, e dá outras providências”. Na ocasião, o Senador alegou que era inconstitucional a MP por não atender aos requisitos fundamentais de relevância e de urgência.
Mais recentemente, o Senador Renan Calheiros devolveu a MP n° 669/2015 à Presidente Dilma Rousseff. Sua motivação foi um suposto abuso, por parte do Poder Executivo, de edição de medidas provisórias sem relevância e urgência. Conforme deixou salientado em manifestação posterior, a edição de MPs deve ser medida excepcional e de uso comedido.
No ano passado, mais precisamente em junho de 2019, o próprio Senador Alcolumbre já havia devolvido ao Presidente da República parte da MP nº 886/2019, também com base nos incisos II e XI do art. 48 do Regimento Interno do Senado.
Embora engenhosa, a interpretação adotada pelo atual Presidente do Congresso Nacional, sobretudo no que se refere ao inciso XI do art. 48 do Regimento Interno do Senado, parece colidir frontalmente com a Constituição Federal, por duas razões: (i) trata as medidas provisórias como meras proposições legislativas; e (ii) cria a extravagante possibilidade de um controle abstrato de constitucionalidade simplificado e não previsto na Constituição Federal.
No que diz respeito à primeira razão, convém destacar que as medidas provisórias são instrumentos com força de lei postos à disposição do Presidente da República para tratar de matérias relevantes e urgentes, que não podem aguardar o desenrolar do processo legislativo ordinário. Em certo sentido, a edição de medidas provisórias é uma prerrogativa do Presidente da República, que, em casos excepcionais, exerce temporariamente a função legislativa no lugar do Congresso Nacional.
Por ser assim, é equivocado interpretar as medidas provisórias como meras proposições legislativas, eis que estas não possuem força de lei. A medida provisória, como dito, é lei para todos os efeitos, somente podendo ser rejeitada nas hipóteses previstas no art. 62 da Constituição Federal. E, ainda assim, há hipóteses em que a sua rejeição não significa a sua invalidade desde a origem, nos termos do § 11 do art. 62 da CF: “Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas”.
Quanto à segunda razão, que decorre do equívoco interpretativo acima mencionado, destaca-se a possível usurpação do exercício do controle abstrato de constitucionalidade, cuja competência, na hipótese, seria exclusivamente do Supremo Tribunal Federal.
Como dito, as medidas provisórias editadas pelo Presidente da República possuem força de lei (art. 62, caput, CF). Sendo assim, o método adequado para a sua impugnação é a ação direta de inconstitucionalidade, prevista no art. 102, I, a, da Constituição Federal: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe processar e julgar, originariamente, a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal”.
Na prática, ao devolver a MP nº 979/2020 à Presidência da República, o Presidente do Congresso Nacional encampou nova modalidade de controle abstrato de constitucionalidade, não judicial (eis que exercida pelo Parlamento), simplificada (uma vez que veiculada por meio de ato declaratório com apenas um parágrafo) e monocrática (assinada pelo Presidente da Mesa do Congresso Nacional).
E, uma vez que o Presidente da República optou por revogar o ato normativo após a sua devolução pelo Presidente do Congresso Nacional, retirou-se do Supremo Tribunal Federal a última palavra sobre a interpretação constitucional da MP nº 979/2020, o que seria de direito.
Agora, dado que o tema foi aparentemente superado, paira no ar a sensação de que tudo foi resolvido no âmbito da política e não necessariamente no âmbito do Direito. Dadas as inconstitucionalidades presentes no texto da MP nº 979/2020, perdeu-se a oportunidade de ver o Supremo Tribunal Federal fixar o entendimento sobre a autonomia e a gestão democrática das universidades, no exercício de sua competência constitucional de guarda da Constituição.
No fim das contas, não deixa de ser irônico que, com vistas ao combate de um ato notoriamente antidemocrático e inconstitucional, o Presidente do Congresso Nacional tenha atuado por meio de expediente eivado dos mesmos vícios, isto é, igualmente antidemocrático e inconstitucional.
[1] Eduardo de Carvalho Rêgo – Advogado. Coordenador das Unidades de Direito Constitucional e de Direito Eleitoral no Escritório Schiefler Advocacia (www.schiefler.adv.br). Doutor em Direito, Política e Sociedade e Mestre em Teoria, História e Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Especialista em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL); Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).
[2] Matheus Lopes Dezan – Estagiário de Direito no Escritório Schiefler Advocacia (www.schiefler.adv.br). Bacharelando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Membro do “Laboratório de Políticas Públicas e Internet” (LAPIN). Membro do Grupo de Pesquisa “Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial” (DRIA). Membro do Grupo de Pesquisa “Bioethik: estudos em bioética” (UFES).
Read MoreEduardo apresentou um projeto de pesquisa dedicado a estudar a relação entre o Direito Administrativo e as novas tecnologias, inclusive a inteligência artificial.
Neste primeiro semestre de 2019, o advogado Eduardo Schiefler ingressou no curso de Mestrado da Universidade de Brasília (UnB), período em que será orientado pelo professor Dr. Fabiano Hartmann, coordenador do Grupo de Pesquisa em Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial (DR.IA UnB).
Eduardo apresentou um projeto de pesquisa dedicado a estudar a relação entre o Direito Administrativo e as novas tecnologias, inclusive a inteligência artificial. Dentre mais de 90 candidatos para a sua área, o advogado foi aprovado em 1º lugar na fase da Prova Dissertativa, em 1º lugar na fase de Análise de Projetos e, após a fase de entrevistas, terminou o processo seletivo classificado em 2º lugar.
Parabéns, Eduardo, que esse seja um período de grande aprendizado. A equipe do escritório Schiefler Advocacia lhe deseja muito sucesso!
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