
Tendências jurisprudenciais da responsabilidade civil de sócios: Encerramento irregular de sociedade empresária
No presente texto, discutiremos um pouco mais sobre uma das hipóteses que causam a responsabilização civil de sócios (talvez uma das mais comuns): o encerramento irregular da empresa. Anteriormente, tratamos sobre o caso dos sócios remissos e dos sócios que integralizam o capital social de forma irregular, bem como da responsabilização em caso de distribuição de lucros ilícitos ou fictícios. Vale conferir.
Naquelas oportunidades, diferenciamos duas espécies de responsabilização de sócios: (i) pela responsabilização direta por obrigação própria, quando o sócio infringe dever legal, contratual ou extracontratual por ele pessoalmente assumido no contexto empresarial; e (ii) pela responsabilização indireta, quando alguma exceção legal (geralmente por ato fraudulento) afasta a autonomia patrimonial da sociedade e o sócio passa a responder pessoalmente por dívidas da sociedade.
No caso da responsabilização por encerramento irregular de sociedade empresária, a modalidade tratada é a responsabilização indireta. Quando ocorrida, o sócio passa a responder pelas dívidas contraídas pela empresa.
O encerramento irregular das sociedades empresárias
O ordenamento jurídico brasileiro regula várias formas e procedimentos para encerrar corretamente uma sociedade empresária: (i) pela anulação judicial, quando constituída irregularmente, (ii) pela liquidação, quando solvente a empresa, (iii) pela falência, quando insolvente, e (iv) por operações societárias que extingam a personalidade jurídica, como a fusão, a incorporação e a cisão.
Os motivos para a extinção podem ser vários: exaurimento dos fins, vontade dos sócios, conclusão do objeto social, vencimento do prazo determinado, crise irreversível, dentre vários outros.
De todo modo, o encerramento regular da sociedade deve respeitar as formalidades exigidas em Lei, que busca sempre preservar os interesses dos credores da empresa. Seja na liquidação, na falência ou nas operações de reestruturação societária, o credor tem meios de impugnar a medida e exigir o pagamento de seu crédito antes da distribuição de valores aos sócios da empresa em processo de extinção.
No entanto, é muito comum que os sócios simplesmente abandonem a sociedade, mantendo-a ativa apenas formalmente nos registros estatais (Receita e Juntas Comerciais), em especial quando a empresa tem dívidas relevantes que não podem ser pagas. Por temor ao estigma da falência, o sócio prefere ignorar a sociedade e deixar que o destino tome conta da sua extinção.
No entanto, a jurisprudência vem combatendo este tipo de atitude e, por considerá-la um ato de negligência antijurídica dos sócios para com os credores, acaba por ordenar a execução do patrimônio pessoal dos sócios pelas dívidas sociais. Abaixo, comentaremos alguns entendimentos importantes nesse sentido.
Divergência sobre a necessidade de desconsideração da personalidade jurídica
Existe controvérsia jurisprudencial sobre a necessidade de desconsideração da personalidade jurídica para que os sócios de sociedade irregularmente dissolvida sejam chamados a responder pelos débitos da empresa. Em sentido favorável pela dispensa de desconsideração (mero direcionamento da execução):
AGRAVO DE INSTRUMENTO – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – RECURSO DO EXECQUENTE – PEDIDO DE INCLUSÃO DO SÓCIO DA AGRAVADA – PROVAS CABAIS DE ENCERRAMENTO IRREGULAR DA EMPRESA – DESNECESSIDADE DE INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – MERA SUCESSÃO PROCESSUAL – RESPONSABILIDADE ILIMITADA DOS SÓCIOS Dissolução irregular da sociedade que permite o redirecionamento da execução ao sócio, que passa a responder de forma ilimitada pela obrigação ( CC, arts. 1.080 e 1.110), sem necessidade de instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica, por se tratar de mera sucessão processual ( CPC, art . 110). Precedentes deste E. TJSP. RECURSO PROVIDO. (TJ-SP – AI: 20149427120218260000 SP 2014942-71.2021.8.26 .0000, Relator.: Maria Lúcia Pizzotti, Data de Julgamento: 22/03/2021, 30ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 22/03/2021.)
AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO – TÍTULO EXTRAJUDICIAL – NÃO LOCALIZAÇÃO DE BEM PARA PENHORA –– ENCERRAMENTO IRREGULAR DA PESSOA JURÍDICA – SUCESSÃO PROCESSUAL – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS SÓCIOS- CABIMENTO. – Execução de título extrajudicial – Tentativas infrutíferas de localização de bens da executada – Empresa encerrada irregularmente – Ocorrência – Responsabilização solidária de seus sócios pela dívida da empresa- Cabimento da sucessão processual – Inteligência dos artigos 110 CPC e 1.080 CC: – Diante da dissolução irregular da pessoa jurídica, cabível a sucessão processual pelos sócios no polo passivo da demanda. Exegese do art . 110 do Código de Processo Civil. Ato irregular que atrai a incidência do art. 1.080 do Código Civil . RECURSO PROVIDO. (TJ-SP – Agravo de Instrumento: 2174304-41.2023.8 .26.0000 São Bernardo do Campo, Relator.: Nelson Jorge Júnior, 13ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 15/12/2023.)
Em sentido contrário, defendendo a inexistência de sucessão processual e impossibilidade de redirecionamento da execução sem prévia desconsideração da personalidade jurídica:
EXECUÇÃO – A extinção da sociedade empresária equivale à morte da pessoa natural prevista no art. 110, do CPC/2015, não havendo impedimento ao prosseguimento da ação mediante a substituição processual e a inclusão dos sócios no polo passivo quando do encerramento regular das atividades da pessoa jurídica – A dissolução irregular da pessoa jurídica, por si só, não enseja a desconsideração da personalidade jurídica relativa à responsabilidade contratual de natureza civil, caso dos autos, regulada pelo disposto no art. 50, do CC, que adotou a teoria maior da desconsideração, o que afasta a aplicação da Súmula 435/STJ, afeta à teoria menor da desconsideração, incidente nas responsabilidades decorrente do direito tributário, ambiental ou do consumidor – Descabida a inclusão dos sócios da devedora no polo passivo da ação de execução de origem, tendo em vista que não houve a dissolução regular da sociedade empresária – Dissolução irregular da pessoa jurídica não autoriza a aplicação do art. 110, CPC . Recurso desprovido. (TJ-SP – Agravo de Instrumento: 22298192720248260000 Lençóis Paulista, Relator.: Rebello Pinho, Data de Julgamento: 22/08/2024, 20ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 22/08/2024.)
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – REQUISITOS – EXISTÊNCIA – DISSOLUÇÃO IRREGULAR E AUSÊNCIA DE BENS – REFORMA DA DECISÃO. – Demonstrada a ausência de patrimônio, bem como o encerramento irregular da Pessoa Jurídica, é cabível a desconsideração da personalidade jurídica do Devedor. (TJ-MG – Agravo de Instrumento: 25141640220248130000 1.0000 .23.053523-9/002, Relator.: Des.(a) Roberto Vasconcellos, Data de Julgamento: 24/07/2024, 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 25/07/2024.)
Neste último sentido o STJ também já teve a oportunidade de decidir pela necessidade da desconsideração, mas fez o alerta de que a dissolução irregular que acarrete fraude a credores é causa de abuso que atrai o julgamento procedente da desconsideração da personalidade jurídica:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ASSOCIAÇÃO . REQUISITOS. DISSOLUÇÃO IRREGULAR. FRAUDE DE CREDORES. (…) 3 . Na hipótese, a dissolução irregular da associação com o objetivo de fraudar credores é suficiente para presumir o abuso da personalidade jurídica. 4. Agravo interno não provido. (STJ – AgInt no REsp: 1830571 SP 2019/0231047-1, Relator.: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 22/06/2020, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/06/2020.)
Certos ou errados tecnicamente (e entendemos pela necessidade da DPJ antes de atingir os sócios), os entendimentos divergentes apenas reforçam a necessidade de ser regularmente dissolvida a sociedade, sob pena de o sócio sequer ter a segurança de saber de que forma será convocado para responder ao processo (se como réu de incidente ou se como executado por sucessão).
A mera ausência de patrimônio e inaptidão não presume má-fé e dissolução irregular, e a simples dissolução irregular não enseja desconsideração da PJ
Existe entendimento jurisprudencial importante que explica não ser suficiente a classificação como “INAPTA” na Receita Federal ou a mera ausência de bens penhoráveis como provas cabais da dissolução irregular. Segundo o entendimento, a comprovação depende de provas robustas que corroborem os indícios mencionados:
Direito Processual Civil. Agravo de instrumento. Cumprimento de sentença. Decisão que indeferiu pedido de sucessão processual . Recurso da exequente. Recurso não provido. I. Caso em Exame (…). O fato de a empresa executada ter sido declarada inapta não implica, por si só, na possiblidade de aplicar o instituto da sucessão processual, porquanto não há prova da extinção formal ou irregular da sociedade devedora 4. A inexistência de bens penhoráveis não demonstra a extinção da sociedade, nem presume má-fé dos sócios. 5 . O Incidente de desconsideração da personalidade jurídica, na hipótese, é o meio cabível para a substituição do polo passivo da demanda pela sócia da empresa agravada. IV. Dispositivo e Tese 5. Recurso não provido . Tese de julgamento: 1. A mera inaptidão do CNPJ não autoriza a sucessão processual. 2. A inclusão de sócios no polo passivo requer a instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica (…).(TJ-SP – Agravo de Instrumento: 20539476120258260000 Araraquara, Relator.: Achile Alesina, Data de Julgamento: 06/03/2025, 15ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 06/03/2025.)
Em complemento, também há corrente jurisprudencial que demonstra não ser a mera dissolução irregular um fato causador da desconsideração da personalidade jurídica, que depende, ainda, de prova inequívoca do desvio da finalidade ou da confusão patrimonial:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA, DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA EMPRESA. ELEMENTOS INSUFICIENTES. 1 . Não discutindo o feito sobre matéria de direito do consumidor ou ambiental, a eventual dissolução irregular da pessoa jurídica não é suficiente para autorizar a desconsideração da personalidade jurídica. 2. Não tendo sido comprovada a ocorrência de fraude que caracterize o desvio de finalidade societário ou confusão patrimonial entre os sócios e a empresa, nos termos do artigo 50 do Código Civil, incabível o redirecionamento da execução. 3 . Agravo de instrumento improvido. ( TRF-4 – AG: 50414289220184040000 RS, Relator.: CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, Data de Julgamento: 27/02/2019, 4ª Turma.)
Assim, ainda que a dissolução irregular seja uma das causas de atribuição de responsabilidades ao sócio pelo débito empresarial, cabe ao interessado na execução dos bens dos sócios desincumbir-se de pesado ônus da prova sobre o abandono real da sociedade (não sendo suficiente para isso o mero cartão CNPJ inapto ou a mera ausência de bens) e do abuso da personalidade jurídica (conforme artigo 50 do Código Civil).
Para os débitos tributários, o risco é mais relevante, mas ainda exige-se prova robusta
A mera ausência de atividade na sociedade e o simples inadimplemento da dívida tributária não atraem a responsabilização imediata do sócio para o pagamento dos débitos fiscais, pois estas atitudes não são consideradas, por si só, provas de dissolução irregular. Neste sentido:
Súmula 430 do STJ: “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente”.
Ementa: DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO CONTRA SÓCIO-GERENTE . DISSOLUÇÃO IRREGULAR NÃO COMPROVADA. INSUFICIÊNCIA DA SIMPLES BAIXA CADASTRAL. RECURSO DESPROVIDO. (…) A responsabilização do sócio-gerente, nos termos do art. 135 do CTN, exige prova de que a dissolução da empresa ocorreu de forma irregular, o que não se comprova apenas com a baixa cadastral ou a extinção por liquidação voluntária. (…) A simples certidão de baixa no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) não constitui prova robusta da dissolução irregular, conforme entendimento deste Tribunal e do STJ, sendo insuficiente para redirecionar a execução fiscal ao sócio-gerente . O inadimplemento da obrigação tributária pela empresa, por si só, não gera a responsabilidade solidária do sócio-gerente, conforme estabelece a Súmula 430 do STJ. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso desprovido. Tese de julgamento: A dissolução irregular da empresa exige prova robusta, sendo insuficiente a mera baixa cadastral ou a devolução de AR . O redirecionamento da execução fiscal ao sócio-gerente depende da demonstração de que a empresa foi dissolvida irregularmente, com a comprovação de esgotamento de todas as tentativas de citação. (…). (TJ-ES – AGRAVO DE INSTRUMENTO: 50042880420238080000, Relator.: SERGIO RICARDO DE SOUZA, 3ª Câmara Cível.)
No entanto, comprovada a dissolução irregular da sociedade, o sócio gerente (administrador) passa a responder solidariamente pelo pagamento do tributo via redirecionamento, sendo desnecessária a utilização do incidente de desconsideração da personalidade jurídica segundo parcela considerável dos tribunais. A questão, no entanto, ainda será pacificada pelo STJ, que afetou o Tema 1209 para fixação de futura tese sobre a obrigatoriedade, ou não, da IDPJ para execuções fiscais.
Tema 630/STJ: “Em execução fiscal de dívida ativa tributária ou não-tributária, dissolvida irregularmente a empresa, está legitimado o redirecionamento ao sócio-gerente.”
Tema Repetitivo 1209: “Definição acerca da (in)compatibilidade do Incidente de Desconsideração de Personalidade Jurídica, previsto no art. 133 e seguintes do Código de Processo Civil, com o rito próprio da Execução Fiscal, disciplinado pela Lei n. 6.830/1980 e, sendo compatível, identificação das hipóteses de imprescindibilidade de sua instauração, considerando o fundamento jurídico do pleito de redirecionamento do feito executório”.
Um caso de presunção de dissolução irregular ocorre, segundo definido pela Súmula 435 do STJ, quando a sociedade deixa de atuar no domicílio fiscal informado aos órgãos competentes, sem realização da devida atualização. A presunção, no entanto, é relativa e admite prova em contrário, bem como robustas provas de que a empresa realmente deixou de funcionar:
Súmula 435 do STJ: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.”
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO FISCAL – EMPRESA NÃO ENCONTRADA EM SEU DOMICÍLIO FISCAL – DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE – REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO AOS SÓCIOS – SÚMULA 435, STJ – COMPROVAÇÃO – RECURSO PROVIDO. (…) A mera devolução de AR de citação postal sem cumprimento com informação “mudou-se” não indica, por si só, a dissolução irregular da empresa, cabendo a utilização de outros meios que certifiquem a dissolução irregular. (TJ-MG – Agravo de Instrumento: 0780254-42 .2024.8.13.0000 1 .0000.24.078024-7/001, Relator.: Des.(a) Magid Nauef Láuar (JD Convocado), Data de Julgamento: 07/05/2024, 7ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 15/05/2024.)
Ementa: Direito tributário. Agravo de instrumento. Execução fiscal. Icms . Redirecionamento. Presunção relativa quanto à dissolução irregular da empresa executada. Decisão reformada. Recurso provido. (…) A questão em discussão consiste em saber se é cabível o redirecionamento da execução fiscal ao sócio administrador da empresa executada. III. Razões de decidir 3 . É indevido o redirecionamento da execução fiscal quando afastada a presunção de dissolução irregular da empresa, capaz de justificar o pedido de inclusão dos sócios no polo passivo nos termos da Súmula nº 435/STJ. IV. Dispositivo 4. Provimento do recurso (…). (TJ-PR 00794260620248160000 Curitiba, Relator.: Rogério Luis Nielsen Kanayama, Data de Julgamento: 11/11/2024, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: 12/11/2024.)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. DECISÃO QUE REJEITOU EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE . REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL AO SÓCIO DA DEVEDORA ORIGINÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. PRESUNÇÃO RELATIVA DA CERTIDÃO DO OFICIAL DE JUSTIÇA QUANTO À DISSOLUÇÃO IRREGULAR. COMPROVAÇÃO DE QUE A EMPRESA ENCONTRA-SE EM ATIVIDADE . ILEGITIMIDADE PASSIVA DO SÓCIO RECONHECIDA. RECURSO PROVIDO.“(…) Não é o simples fato de a empresa não ser localizada em seu domicílio fiscal que enseja o redirecionamento da execução fiscal, mas, sim, o de ter sido ela dissolvida irregularmente. A circunstância de não ter sido localizada em seu domicílio fiscal é apenas uma presunção desta ocorrência, que é relativa. (…)”. (TJ-PR 00975437920238160000 Curitiba, Relator.: Rogério Luis Nielsen Kanayama, Data de Julgamento: 27/02/2024, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: 29/02/2024.)
Portanto, cabe à autoridade fiscal comprovar, se quiser se valer da presunção, tanto judicial quanto extrajudicialmente (com alguns julgados até mesmo exigindo a presença do fiscal na localidade física informada pela sociedade), a real dissolução irregular da sociedade.
Diante de todos estes riscos, se você é sócio de uma sociedade empresária e pretende encerrar as atividades dela, é muito importante contactar um advogado para analisar os caminhos possíveis para a dissolução regular da sociedade, a fim de evitar redirecionamentos fiscais, cobranças cíveis inesperadas no futuro ou até mesmo a necessidade de enfrentar um processo judicial por um simples descuido.
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Tendências jurisprudenciais da responsabilidade civil de sócios: Reposição de lucros fictícios ou ilegalmente distribuídos.
Neste texto, seguiremos discutindo as hipóteses de responsabilização civil de sócios no Direito brasileiro, bem como o tratamento dado ao tema pela jurisprudência pátria. Anteriormente, debruçamo-nos sobre o caso dos sócios remissos e dos sócios que integralizam o capital social de forma irregular, vale conferir.
Na oportunidade, diferenciamos as duas formas de responsabilização de sócios: (i) pela responsabilização direta por obrigação própria, quando o sócio infringe dever legal, contratual ou extracontratual por ele pessoalmente assumido no contexto empresarial; e (ii) pela responsabilização indireta, quando alguma exceção legal (geralmente por ato fraudulento) afasta a autonomia patrimonial da sociedade e o sócio passa a responder pessoalmente por dívidas da sociedade.
O tema que trataremos hoje faz referência à responsabilidade dos sócios em caso de distribuição irregular de lucros, quando ilegais ou fictícios (aqueles que são rateados em desacordo com os balanços contábeis e com a situação patrimonial real da sociedade). Algumas premissas devem ser estabelecidas antes, no entanto.
Distribuição ilegal de lucros e dividendos
Para situar o tema, já iniciamos com uma possível divergência interpretativa. Nos parece que é possível ler os artigos 1.009 e 1.059 do Código Civil de duas formas diferentes.
Para a primeira interpretação, o artigo 1.009 do Código Civil teria afastado a autonomia patrimonial da sociedade quando os sócios, em conluio com o administrador, recebessem lucros fictícios ou ilícitos. Em outras palavras, distribuído irregularmente os lucros, se este ato causar dano a alguém, os sócios podem ser condenados a ressarcir o prejudicado em conjunto com o administrador e a própria sociedade. Se a ofensa ao dever legal for perpetrada por mais de um sócio em prejuízo ao capital social, eles respondem solidariamente pela reposição da quantia (artigo 1.059 do Código Civil).
Mas como a distribuição de lucros irregularmente pode causar danos a terceiros? Os exemplos mais comuns que se poderia imaginar são: (i) distribuição desproporcional de lucros à participação societária, quando isso for vedado pelo contrato social ou for feito em desacordo com o que estiver estabelecido no documento (não atingir quórum especial, por exemplo); (ii) distribuição de lucros para apenas um ou alguns sócios, excluindo determinados sócios do rateio (artigo 1.008 do Código Civil); e (iii) a distribuição de lucros fictícios como forma de esvaziar o patrimônio social e lesar credores. No primeiro e segundo casos, os lesados são um ou alguns dos sócios, no terceiro, o prejudicado é um credor da sociedade.
Para a segunda interpretação, o artigo 1.009 do Código Civil não teria criado hipótese de suspensão da autonomia patrimonial, e a responsabilidade solidária ali mencionada serviria apenas para que todos os sócios respondessem, em conjunto, pela recomposição do valor ilegalmente distribuído, e não pela solidariedade para com a sociedade pelas obrigações firmadas com terceiros. Esse nos parece o entendimento mais adequado e que se coaduna com uma leitura conjunta com o artigo 1.059 do Código Civil.
Ou seja, caberia apenas à sociedade, como verdadeira prejudicada pela distribuição dos lucros fictícios ou irregulares (pois foi do patrimônio da empresa que os valores foram subtraídos), exigir dos sócios a recomposição patrimonial, sempre no limite do que foi ilegalmente rateado. Não poderiam os sócios ou terceiros prejudicados, com base no artigo 1.009 do Código Civil, exigir a responsabilização solidária dos sócios pelo pagamento dos débitos contraídos pela sociedade.
Na hipótese de distribuição ilegal de lucros que lese demais sócios ou terceiros, entendemos que o caminho correto passa pelo ajuizamento de ação pelo prejudicado, que deverá exigir da sociedade o cumprimento da obrigação ou da lei (distribuição correta de lucros, se for o sócio o prejudicado, ou adimplemento da obrigação, se for o credor). Em sendo o caso, caberia a responsabilização dos sócios apenas se configurados os requisitos da desconsideração da personalidade jurídica, na forma do artigo 50 do Código Civil.
Independentemente da interpretação, a lei exige comportamento culposo, no mínimo, para a configuração do ilícito. Para responder solidariamente pelos danos causados, o sócio que se beneficiou da distribuição só responderá se conhecer, ou devesse conhecer, a sua ilegitimidade.
Em sendo sociedade anônima (S/A), a divergência não parece existir e, regra geral, respondem apenas os administradores pela reposição em caso de distribuição irregular de dividendos, inclusive na seara penal (artigo 177, §1º, inciso VI, do Código Penal), mas os acionistas que receberam os dividendos de má-fé (que restará presumida caso o lucro seja partilhado sem prévio levantamento de balanço ou em desacordo com este) também respondem pela restituição dos valores auferidos (artigo 201, §1º, da Lei das S/A). A diferença da S/A para a LTDA. é que, naquela, não parecer ser possível aplicar a interpretação de suspensão da autonomia patrimonial da sociedade para atingir o sócio.
A questão não é muito tratada na jurisprudência, mas algumas reflexões podem ser extraídas dos poucos julgados que efetivamente enfrentaram o artigo 1.009 do Código Civil.
Aspectos jurisprudenciais: ônus da prova e forma de recomposição
Ajuizada a ação para buscar a responsabilização do sócio que recebeu lucros fictícios ou ilegais, cabe ao autor (acusador) provar o ilícito, sob pena de ver julgado improcedente o pleito e responder pelas custas e honorários sucumbenciais do processo. Neste sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE. RECONVENÇÃO FUNDADA EM RETIRADA DE LUCROS ILÍCITOS OU FICTÍCIOS. ÔNUS DA PROVA . RECONVINTE. APURAÇÃO DE HAVERES. FASE DISTINTA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ . MERA PRETENSÃO FUNDADA NO DIREITO. RECURSO DESPROVIDO. 1. O pedido condenatório formulado em reconvenção da sociedade buscando indenização por lucros ilícitos ou fictícios (art . 1.009, do Código Civil) depende da prova produzida após a ordinarização do procedimento (art. 603, § 2º, do CPC). 2 . A apuração de haveres dá início à liquidação da cota social, por meio da verificação do valor real da participação societária, positiva ou negativa, no momento do desligamento. É, portanto, um desdobramento natural da retirada do sócio. Não se presta para apurar as alegações de fato formuladas em reconvenção, que exigem demonstração específica seguindo as regras de distribuição dos ônus de prova ainda na fase de conhecimento (art. 373, do CPC) . 3. A imposição de multa por litigância de má-fé demanda a presença dos requisitos do art. 80, do CPC, não verificados na espécie. 4 . Apelação conhecida e desprovida.
O julgado acima também traz entendimento processual interessante: o procedimento de apuração de haveres em caso de dissolução parcial não se presta à análise das provas da distribuição ilícita de dividendos. Se quiser discutir o tema, cabe ao interessado apresentar reconvenção ou ajuizar nova ação para que o contraditório seja exercido na fase de conhecimento, e não de liquidação ou execução.
Entendimento relevante foi apresentado no julgado a seguir. Apesar de não vislumbrar provas aptas à subsidiar o pleito de responsabilização solidária, compreendeu-se que, caso fosse provada a distribuição fictícia por adiantamento geral de dividendos proporcionalmente à participação do capital social, não apenas os sócios acusados deveriam recompor o rateio irregular, mas também o sócio acusador. Veja-se:
(…) 8. Está correta a sentença em julgar improcedente o pedido de restituição de lucros formulado pelos autores, pois não há prova efetiva da distribuição de lucros fictícios por antecipação, e restou efetivamente comprovado nos autos que a distribuição de recurso da empresa autora sempre observou a proporção das cotas sociais, de modo que não houve recebimento de valores a maior pelo réu, com relação aos outros sócios. 8.1. Caso fosse comprovada a distribuição de lucros fictício para os sócios, por antecipação, mas de forma proporcional ao número de cotas, caberia a todos os sócios, e não apenas ao réu, a restituição de eventuais valores recebidos indevidamente, de modo a reintegrar o capital social da empresa para fins de apuração de haveres, por imperativo legal disposto no artigo 1009, do CC.
Apesar de as reflexões acima aplicarem-se em âmbito judicial, podemos citar efeitos práticos extrajudiciais do entendimento: se um dos sócios acusa, extrajudicialmente, o outro de distribuir ou receber lucros ilícitos, deve apresentar provas de sua acusação. Se for infundada, o sócio acusador pode até mesmo responder por danos materiais, morais, calúnia, difamação ou injúria, a depender das circunstâncias em que a afirmação for proferida. Se for fundada, os sócios deverão devolver a parcela irregular dos lucros, mas o sócio acusador também deverá fazê-lo, caso tenha recebido dividendos fictícios, e não se eximirá deste dever pelo simples fato de ter sido o sujeito que descortinou a fraude.
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Escolhendo a estrutura jurídica certa: por que isso importa? (MEI, SLU, LTDA, SA)
O Direito Empresarial brasileiro percorreu um longo caminho evolutivo até a sua configuração contemporânea e, embora o Código Civil de 2002 tenha definido apenas a figura do empresário em seu artigo 996, a doutrina brasileira preencheu a lacuna deixada pela legislação quanto ao conceito de empresa. No entendimento doutrinário do professor Sérgio Campinho, a empresa “manifesta-se como uma organização técnico-econômica, ordenando o emprego de capital e trabalho para a exploração, com fins lucrativos, de uma atividade produtiva”. Essa organização de fatores, para atuar licitamente, demanda uma estrutura jurídica que a personalize perante o Estado e o mercado.
A escolha dessa estrutura representa, portanto, um dos atos constitutivos mais cruciais para o empreendedor, cujas implicações transcendem a mera formalidade registral. O enquadramento jurídico do negócio irá definir aspectos fundamentais da existência empresarial, como o nível da responsabilidade patrimonial do titular ou dos sócios, o regime tributário aplicável, a capacidade de captação de investimentos e a complexidade da governança corporativa. Uma escolha inadequada pode gerar riscos empresariais, expor os bens pessoais a dívidas empresariais ou resultar em uma carga tributária desnecessariamente elevada.
Diante da relevância estratégica dessa decisão e dos riscos associados, o presente artigo busca analisar as principais estruturas jurídicas disponíveis no Brasil: o Microempreendedor Individual (MEI), a Sociedade Limitada Unipessoal (SLU), a Sociedade Limitada (LTDA) e a Sociedade Anônima (SA), destacando seus atributos, requisitos e o cenário ideal para a aplicação de cada modalidade.
1. Estruturas jurídicas para empreendedores individuais
1.1. Microempreendedor Individual (MEI)
O MEI foi instituído pela Lei Complementar nº 123/2006 e detalhado pela Lei Complementar nº 128/2008, com o objetivo principal de combater a informalidade de profissionais que trabalham por conta própria. Trata-se de um modelo empresarial simplificado, com processo de formalização online e gratuito através do Portal do Empreendedor. Sua principal característica é o regime tributário extremamente simplificado, com o recolhimento de impostos em valores mensais fixos por meio do Documento de Arrecadação do Simples Nacional (DAS). A contribuição unifica valores destinados à Previdência Social (INSS), ao ICMS (para comércio e indústria) e/ou ao ISS (para serviços).
Apesar da simplicidade, o MEI possui restrições significativas. O faturamento anual atual é limitado a R$ 81.000,00 e só é permitida a contratação de um único empregado, que deve receber o salário-mínimo ou o piso salarial da categoria profissional.
Além disso, o titular de um MEI não pode ter participação como sócio, administrador ou titular em outra empresa, e a modalidade é restrita a um rol específico de atividades permitidas, não contemplando profissões regulamentadas. Em resumo, “o MEI nada mais é do que um empresário individual qualificado como microempresário e que goza de vantagens tributárias e previdenciárias”.
A estrutura é ideal para negócios em estágio inicial, como prestadores de serviços e pequenos comerciantes, mas a expansão do faturamento ou a necessidade de mais colaboradores exige a migração para outro formato jurídico, de modo que o MEI funciona mesmo apenas como um “modelo de transição”.
1.2. Sociedade Limitada Unipessoal (SLU)
A Sociedade Limitada Unipessoal (SLU) representa um dos avanços mais significativos para o empreendedor individual no Brasil. Instituída pela Medida Provisória nº 881/2019 e posteriormente convertida na Lei nº 13.874/2019, a SLU alterou o artigo 1.052 do Código Civil para permitir que a sociedade limitada pudesse ser constituída por uma única pessoa. Essa inovação foi consolidada pela Lei nº 14.195/2021, que extinguiu a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI) e determinou a transformação automática de todas as empresas desse tipo em SLUs, independentemente de qualquer alteração em seus atos constitutivos
A principal vantagem da SLU, e o que a tornou sucessora natural da EIRELI, é a separação entre o patrimônio pessoal do empreendedor e o patrimônio da empresa, conferindo responsabilidade limitada sem a exigência de um capital social mínimo para sua constituição. Esse fato eliminou duas grandes barreiras de entrada, uma vez que a EIRELI exigia a integralização de um capital de, no mínimo, 100 vezes o valor do salário-mínimo vigente na época, e a sociedade limitada tradicional exigia pluralidade de sócios.
Outro benefício relevante é que a legislação não impõe um limite para a quantidade de SLUs que uma mesma pessoa pode constituir, eliminando a restrição que existia na EIRELI. Essa modalidade é, portanto, fortemente indicada para profissionais liberais e empreendedores que não se enquadram no MEI, mas desejam a proteção de seus bens pessoais sem a necessidade de um sócio ou de um alto investimento inicial.
De todo modo, as SLU são, no final das contas, sociedades limitadas (LTDA.) como quaisquer outras.
2. Estruturas jurídicas societárias
2.1. Sociedade Limitada (LTDA)
No Brasil, a Sociedade Limitada, regida pelos artigos 1.052 a 1.087 do Código Civil, é o tipo jurídico mais utilizado para sociedades constituídas por dois ou mais sócios, sua popularidade deriva da principal característica: a responsabilidade de cada sócio é limitada ao valor não integralizado de suas quotas (artigo 1.052 do Código Civil).
Contudo, cabe ressaltar que todos os sócios são solidariamente responsáveis pela integralização total do capital subscrito. Isso significa que, se um sócio não pagar o valor prometido por suas quotas, os demais podem ser chamados a cobrir a diferença. Uma vez que o capital social esteja totalmente integralizado, o patrimônio pessoal dos sócios fica, em regra, protegido de dívidas da empresa.
A constituição dessa estrutura societária ocorre por meio de um contrato social, que deve ser registrado na Junta Comercial. Este documento é a “certidão de nascimento” da sociedade e é fundamental, pois estabelece as regras de funcionamento, a participação de cada sócio, a forma de administração, a distribuição de lucros e as condições para a entrada ou saída de membros.
Como observado, a Sociedade Limitada (LTDA) é mais simples e flexível dentre as estruturas jurídicas, sendo uma opção atraente para sociedades de pequeno, médio e grande porte que buscam um modelo que permita a entrada de novos sócios e se adapte a futuras rodadas de investimento.
2.2. Sociedade Anônima (SA)
A Sociedade Anônima, também conhecida como “companhia”, é regida pela Lei nº 6.404/76 e adota uma estrutura jurídica mais complexa e robusta, adequada para grandes empreendimentos e para empresas que planejam captar recursos no mercado de capitais. Seu capital social não é dividido em quotas, mas sim em ações, e a responsabilidade dos sócios, aqui denominados acionistas, é estritamente limitada ao preço de emissão das ações que subscreveram ou adquiriram. Isto é, uma vez integralizado o capital social correspondente às suas ações, o sócio não responderá (subsidiária ou solidariamente) pelas obrigações da sociedade, nem nos casos em que os demais acionistas deixarem de integralizar a sua parte.
As SAs podem ser de capital fechado, quando as ações não são negociadas publicamente e sua circulação é restrita, ou de capital aberto, caso em que suas ações são admitidas à negociação na bolsa de valores ou no mercado de balcão, com autorização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Esta modalidade exige uma estrutura de governança mais elaborada e onerosa, composta por órgãos como a Assembleia Geral, o Conselho de Administração (em alguns casos obrigatório), a Diretoria e o Conselho Fiscal.
A complexidade e os custos de manutenção de uma SA são mais elevados, tornando-a uma opção para negócios já consolidados ou com alto potencial de crescimento que demandam vultosos investimentos externos, se comparada às LTDAs.
Conclusão
A análise aprofundada das diferentes estruturas jurídicas no Brasil evidencia que a escolha ideal é multifatorial e casuística, não havendo um formato universalmente superior. O MEI serve como uma porta de entrada para a formalização, caracterizado pela simplicidade e baixo custo, mas contido por limites de faturamento e expansão. A SLU, por sua vez, representa uma solução moderna para o empreendedorismo individual, oferecendo a crucial proteção da responsabilidade limitada sem a barreira do capital social mínimo, o que a torna uma opção extremamente atrativa.
No campo societário, a LTDA firma-se como o modelo mais flexível e difundido, proporcionando um equilíbrio eficaz entre proteção patrimonial e simplicidade administrativa, sendo ideal para a vasta maioria das startups e PMEs com múltiplos fundadores. Em contraste, a SA posiciona-se como a estrutura jurídica para grandes corporações e para a captação de investimentos em larga escala, exigindo em contrapartida uma governança mais complexa e custos de conformidade mais elevados.
A decisão sobre a estrutura jurídica transcende o mero cumprimento de uma formalidade legal, e é um pilar estratégico que moldará o futuro da empresa. Portanto, entende-se como necessário que o empreendedor, antes de registrar sua empresa, realize um planejamento detalhado e busque a orientação de profissionais especializados, como advogados e contadores, para garantir que a estrutura escolhida esteja perfeitamente alinhada às suas aspirações, ao seu modelo de negócio e à sua realidade operacional.O escritório Schiefler Advocacia conta com uma equipe experiente em direito societário e empresarial, prestando orientação estratégica na escolha e estruturação do tipo jurídico mais adequado a cada modelo de negócio. Atuamos na análise de riscos, elaboração de instrumentos constitutivos e planejamento societário, com foco na segurança jurídica e no crescimento sustentável das empresas. Nossa assessoria busca alinhar as decisões jurídicas às particularidades e aos objetivos de cada cliente, contribuindo para a consolidação de bases sólidas e eficientes desde a constituição do empreendimento.
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O sócio de sociedade limitada responde por dívidas da empresa?
A sociedade empresária de responsabilidade limitada (limitada ou “LTDA.”) é o tipo societário mais comum no Brasil, e um dos seus principais atrativos está ligado diretamente ao princípio da separação patrimonial. Conforme estabelece o artigo 1.052 do Código Civil, a responsabilidade de cada sócio é, em regra, restrita ao valor integralizado após a aquisição das quotas. Isso significa que, em geral, os sócios desse tipo de sociedade não respondem com seus bens pessoais pelas dívidas da pessoa jurídica.
Na prática, é assim que acontece: o sócio de sociedade limitada subscreve, por exemplo 10.000 (dez mil) quotas, cada uma de R$ 1,00, e posteriormente as integraliza. Nesse caso, após a transferência dos R$ 10.000,00 (dez mil reais), ele não está mais obrigado a aportar valores, sendo este o valor limite de seu investimento e o risco que deseja correr. Ainda que a sociedade apure prejuízos de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), por exemplo, os credores não poderão fazer com que o sócio tenha que pagar R$ 10.000,00 adicionais ao que já aportou.
Essa proteção é o que faz com que este seja o modelo societário mais comum, visto que a separação patrimonial entre a pessoa jurídica e seus sócios garante uma segurança jurídica para o exercício da atividade empresarial, segregando riscos. No entanto, o ordenamento jurídico brasileiro admite algumas hipóteses em que essa separação pode ser relativizada, ensejando a responsabilização pessoal dos sócios por obrigações assumidas pela sociedade.
Diríamos até que as “exceções” à separação patrimonial acabaram se tornando extremamente comuns, visto que são numerosas no mundo dos fatos as relações jurídicas mantidas pela sociedade com trabalhadores, consumidores e Fazenda pública, situações que atraem a chamada “teoria menor” da desconsideração da personalidade jurídica.
Neste artigo, analisamos tais hipóteses, à luz da legislação civil, trabalhista e tributária, com apoio na jurisprudência consolidada dos tribunais brasileiros.
A RESPONSABILIDADE LIMITADA E SUAS EXCEÇÕES
A limitação da responsabilidade do sócio é a regra no regime das sociedades limitadas. Isso significa que, uma vez cumprida a integralização do capital social, os sócios não devem responder com seu patrimônio pessoal pelas dívidas da sociedade.
Essa autonomia patrimonial, no entanto, pode ser superada quando a pessoa jurídica é utilizada de forma abusiva, com desvio de finalidade ou confusão patrimonial — o que autoriza a chamada desconsideração da personalidade jurídica, prevista no artigo 50 do Código Civil, pela “teoria maior”.
No entanto, outras normas legais, como o Código Tributário Nacional, a Consolidação das Leis do Trabalho e o Código de Defesa do Consumidor, estabelecem hipóteses específicas de responsabilização de sócios e administradores, especialmente quando há gestão irregular ou cometimento de ilícitos que prejudiquem credores, trabalhadores, consumidores ou o Fisco.
Estes grupos de credores, quando possuem um crédito contra a sociedade empresária, atraem a “teoria menor”, antes apresentada, que dispensa os requisitos do artigo 50 do Código Civil (abuso da personalidade jurídica). A ideia por trás desta teoria é de que o legislador, em alguns casos, prefere alocar os riscos da insolvência da sociedade empresária aos sócios, e não aos credores, como é o caso da regra geral limitativa.
Portanto, embora a responsabilidade limitada represente um dos pilares estruturantes das sociedades empresárias, especialmente nas sociedades limitadas, ela não é uma blindagem absoluta contra a responsabilização pessoal dos sócios, conforme se buscará demonstrar a seguir.
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
No caso geral (teoria maior), o artigo 50 do Código Civil estabelece que, na hipótese de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, o juiz pode determinar que os efeitos de determinadas obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos sócios ou administradores. Aplica-se esta teoria para as relações civis, empresariais, administrativas e para todas aquelas nas quais inexiste previsão expressa de aplicação da teoria menor.
Um exemplo de desvio de finalidade é a utilização da sociedade para o cometimento de ilícitos, nos casos em que o sócio constitui a sociedade apenas para que as ilegalidades sejam cometidas sem que seu patrimônio seja atingido. Para a confusão patrimonial, os casos mais comuns são os de utilização do caixa da sociedade para pagamento de contas dos sócios, ou o inverso (caso em que pode acarretar a desconsideração inversa da personalidade jurídica), a utilização reiterada de bens da sociedade pelos sócios e a transferência de bens do patrimônio do sócio para a pessoa jurídica, a fim de frustrar credores pessoais do sócio (ou vice-versa).
É importante esclarecer que a doutrina e a jurisprudência têm interpretado o instituto com parcimônia, reforçando que a desconsideração é medida excepcional, aplicável somente quando demonstrada a utilização indevida da estrutura societária para frustrar a eficácia do direito de outrem.
AGRAVO DE INSTRUMENTO DE DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE INDEFERIU A INSTAURAÇÃO DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA PARA INCLUSÃO DE PESSOAS INTEGRANTES DE GRUPO ECONÔMICO NO POLO PASSIVO, SEM QUE TIVESSEM SIDO ESGOTADOS TODOS OS MEIOS PARA LOCALIZAÇÃO DE BENS. INADMISSIBILIDADE. O INSTITUTO DA DESCONSIDERAÇÃO CONSTITUI MEDIDA EXCEPCIONAL QUE REQUER PRÉVIA ADOÇÃO DE TODAS AS MEDIDAS AO ALCANCE DO CREDOR PARA O ENCONTRO DE BENS APTOS A SATISFAÇÃO DO CRÉDITO, ALÉM DE TRAZER A CONHECIMENTO DO JUÍZO INDÍCIOS CONTUNDENTES DE GESTÃO FRAUDULENTA, ANTES DE SE PROPUGNAR PELA INSTAURAÇÃO DO INCIDENTE COM FUNDAMENTO NO ARTIGO 50 DO CÓDIGO CIVIL. RECURSO DESPROVIDO.
Portanto, a desconsideração é um mecanismo importante para coibir abusos, mas deve ser aplicada com cautela, respeitando os limites legais e os direitos dos sócios que atuam de forma regular e de boa-fé. Em razão da interpretação restritiva, não se pode considerar a mera existência de grupo econômico empresarial como fator de “confusão patrimonial”, nem mesmo entender que houve “desvio de finalidade” pelo simples fato de a sociedade praticar ato lícito fora dos limites de seu objeto social.
Por fim, esse instituto ganhou disciplina processual com os artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil de 2015, os quais estabeleceram o regramento de desconsideração da personalidade jurídica, assegurando contraditório e ampla defesa ao sócio ou administrador a ser atingido. A desconsideração pode ser requerida tanto de forma principal (mediante processamento na própria ação, desde o seu início), quanto de forma incidental (por meio de incidente apartado no processo, requerido após proposta a ação principal).
RESPONSABILIDADE POR DÍVIDAS TRABALHISTAS
Na seara trabalhista, que também disciplina a desconsideração (art. 855-A), a jurisprudência dos Tribunais Regionais do Trabalho tem adotado a chamada teoria menor, com fundamento no artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor e nos princípios protetivos do direito do trabalho.
Nesse contexto, tem-se admitido a responsabilização do sócio quando a pessoa jurídica não possui patrimônio suficiente para satisfazer os créditos trabalhistas reconhecidos em juízo, ainda que ausente demonstração cabal de desvio de finalidade ou confusão patrimonial (artigo 50 do Código Civil), sob o fundamento de que os sócios se beneficiam do trabalho dos empregados. É o que se extrai, por exemplo, de decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região:
REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO CONTRA OS SÓCIOS DA SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. Mesmo constando apenas a pessoa jurídica no título executivo judicial, é possível o redirecionamento da execução contra os sócios da sociedade por quotas de responsabilidade limitada, desde que esteja comprovada nos autos sua participação no quadro social da empresa executada. […] Frisa-se que o redirecionamento da execução contra os sócios da empresa devedora insolvente é medida que atende aos ditames do ordenamento jurídico, sinalando-se que, no processo do trabalho, não se admite que os créditos do trabalhador fiquem a descoberto enquanto os sócios da empresa empregadora livram seus bens pessoais da execução, mesmo se tratando de sociedade por quotas de responsabilidade limitada, quando é indiscutível que se beneficiaram da força de trabalho despendida pelo empregado. Assim, a insuficiência de recursos e bens da empresa para garantia da execução autoriza o redirecionamento dos atos executórios contra os sócios da empresa devedora à época da vigência do contrato de trabalho do exequente.
A partir do julgado acima (que representa apenas um exemplo de uma verdadeira jurisprudência consolidada e reiterada), compreende-se que a responsabilidade dos sócios por dívidas trabalhistas se pauta na proteção ao crédito de natureza alimentar e no princípio da alteridade, segundo o qual os riscos da atividade econômica não devem ser transferidos ao credor (trabalhador). Entendimento muito parecido a este é utilizado nos casos de Direito do Consumidor, com fundamentos basicamente idênticos.
RESPONSABILIDADE POR DÍVIDAS TRIBUTÁRIAS
No campo tributário, a responsabilidade dos sócios e administradores é regida principalmente pelo Código Tributário Nacional (CTN), que prevê hipóteses taxativas de responsabilidade pessoal de terceiros.
Em regra, a pessoa jurídica (sociedade limitada) é a contribuinte obrigada ao pagamento do tributo, e o simples inadimplemento fiscal por parte da sociedade não gera automaticamente responsabilidade do sócio-gerente. Essa orientação, consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça na Súmula nº 430, enfatiza que o sócio não responde apenas porque a sociedade deixou de pagar um tributo – é indispensável que tenha havido por parte dele alguma conduta qualificada, como ato com excesso de poderes ou infração à lei.
Em outras palavras, se o sócio-administrador (que pode ser um sócio-gerente, um diretor, etc.) cometeu alguma ilegalidade ou abuso – por exemplo, ocultando bens, cometendo fraudes fiscais, violando a lei societária ou os estatutos – ele pode ser responsabilizado pessoalmente pela dívida tributária decorrente desses atos (artigo 135, inciso III, do CTN).
Já o artigo 134, inciso VII, do CTN prevê uma responsabilidade solidária dos sócios em caso de liquidação da sociedade de pessoas: se a sociedade é liquidada e não paga seus tributos, os sócios que intervieram nesse processo de liquidação podem responder, desde que esgotados os meios contra a pessoa jurídica. Essa última hipótese (art. 134) tem aplicação mais restrita e, de todo modo, também não dispensa a tentativa prévia de cobrança do devedor principal.
Os tribunais possuem interpretação extensiva neste caso, estendendo a responsabilidade aos sócios nos casos de liquidação irregular da sociedade, assim considerada aquela em que, apesar de não ser dada baixa na sociedade, os sócios simplesmente abandonam a pessoa jurídica, deixando-a inoperante no mundo dos fatos.
Em conclusão, o patrimônio dos sócios/administradores pode ser alcançado em execuções fiscais quando houver comportamento ilícito ou irregularidade na gestão fiscal da sociedade. Por outro lado, se a pessoa jurídica simplesmente não consegue pagar tributos por dificuldade financeira, mas os sócios-administradores agiram de boa-fé e mantiveram a regularidade formal, não se deve redirecionar a cobrança aos sócios.
A PROTEÇÃO DO SÓCIO
Apesar de existirem diversas peculiaridades na desconsideração da personalidade jurídica, é importante deixar claro que o ato não é (e nem pode ser) uma arbitrariedade do juiz. Trata-se de instituto que possui requisitos próprios (tanto na teoria maior, quanto na menor) e procedimento próprio para ser seguido antes da decretação.
Infelizmente, tem se visto um movimento de desconsiderar a personalidade jurídica de sócios sem o devido processo legal, em que bloqueios de contas bancárias de sócios e administradores são ordenados sem que tenha ocorrido instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica ou demonstrados os pressupostos para concessão de tutela de urgência e, consequentemente, sem que o atingido pudesse ter se defendido contra a medida pedida pelo credor.
Este tipo de comportamento viola o princípio mais básico do contraditório, pois impede que o sócio demandado possa influir no debate sobre o (des)cumprimento dos requisitos para aplicação da DPJ, seja na teoria maior, seja na menor. O instituto também é criticado de forma bastante contundente no que se refere à extensão dos efeitos da coisa julgada ao sócio, sem que ele tenha participado do contraditório na fase de conhecimento, bem como à inexistência de quaisquer limitações temporais para a sua invocação pelo credor. Debater esses temas junto ao Poder Judiciário tem sido uma das principais missões do contencioso societário.
Com ampla experiência em direito societário, o escritório Schiefler Advocacia atua de forma consultiva e contenciosa na orientação estratégica de sócios, administradores e sociedades empresárias, contribuindo para a adoção de boas práticas de governança e a mitigação de riscos legais. Nossa equipe está preparada para auxiliar na prevenção de litígios, na estruturação societária e na defesa de interesses em processos que envolvam responsabilização de sócios e administradores, sempre com foco na segurança jurídica e na sustentabilidade dos negócios.
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Como a FCPA pode impactar os negócios brasileiros
Breve contextualização
Entre as legislações mais rigorosas, a Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) ocupa posição de destaque em matéria de compliance, pois regula práticas anticorrupção que transcendem fronteiras e impõe responsabilidades complexas para negócios estrangeiros. Originalmente promulgada em 1977, a FCPA consolidou-se como um dos principais instrumentos de combate à corrupção internacional, atingindo não apenas empresas americanas, mas também companhias estrangeiras que mantenham vínculo com os Estados Unidos.
A aplicação da FCPA passou por ajustes estratégicos, especialmente após a suspensão temporária implementada pelo atual governo Donald Trump, o que requer atenção das empresas estrangeiras. Embora tais mudanças tenham priorizado a segurança econômica norte-americana e reduzido alguns entraves regulatórios, a lei continua representando um marco de exigência global, o que impõe elevados padrões de governança.
Em um ambiente de fiscalização ativa pelo Departmente of Justice (DOJ) e pela Securities and Exchange Commission (SEC), o alinhamento entre práticas internas e expectativas regulatórias é fator crítico para mitigar riscos jurídicos, financeiros e reputacionais. Para garantir que seu negócio esteja em conformidade com a FCPA, apresentam-se, a seguir, os principais pontos da lei, as recentes mudanças promovidas pelo atual governo norte-americano e as melhores práticas para adequação dos programas de compliance.
O que é a FCPA e qual a sua importância?
A FCPA foi criada para coibir práticas ilícitas que prejudicam a livre concorrência, como o pagamento de propinas a agentes públicos estrangeiros. Nesse sentido, a lei estabelece duas frentes principais de atuação: (i) as disposições antissuborno, que proíbem qualquer pagamento ou promessa de vantagem indevida a funcionários públicos com a finalidade de influenciar decisões ou atos, e (ii) as disposições contábeis, que impõem às empresas obrigações rigorosas de controles internos e manutenção de registros financeiros fidedignos.
Um dos aspectos mais relevantes da FCPA é sua jurisdição extraterritorial, que permite às autoridades norte-americanas processar empresas estrangeiras que mantenham vínculo com os Estados Unidos, seja por meio de transações financeiras, operações mobiliárias ou presença física no território.
Essa característica faz com que a aplicação da FCPA não se limite às fronteiras norte-americanas e possa alcançar empresas e indivíduos em outros países, inclusive o Brasil. Assim, uma mesma conduta pode gerar responsabilização simultânea nos Estados Unidos e no Brasil — à luz da Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção Brasileira) — duplicando os riscos jurídicos, financeiros e reputacionais para as organizações envolvidas.
Por isso, compreender a FCPA não é apenas uma exigência legal, mas uma necessidade operacional e estratégica no contexto da governança corporativa global.
Quem deve observar a FCPA?
A incidência da FCPA ocorre, obrigatoriamente, em três hipóteses. A primeira trata das companhias que possuem valores mobiliários registrados na Comissão de Valores Mobiliários dos EUA ou que negociam ações no mercado norte-americano, sendo que esta classificação é chamada de “issuers” pela legislação.
Ainda, há também incidência no caso dos “domestic concern”, os quais correspondem à pessoa física ou à pessoa jurídica que esteja estabelecida nos Estados Unidos, seja através de moradia ou sede do estabelecimento, de modo que se sujeita à jurisdição norte-americana.
Por fim, também há a hipótese do “territorial jurisdiction”, que surge quando um indivíduo ou uma empresa pratica, dentro do território americano, ato relacionado à corrupção, atraindo a competência da FCPA.
Diante desse contexto, as empresas brasileiras devem se atentar para possíveis situações que as enquadrem em alguma dessas hipóteses. Por exemplo, sempre que houver subsidiária nos Estados Unidos, participação acionária negociada em bolsas norte-americanas ou negócios envolvendo atividades no país, a FCPA se torna aplicável. O descumprimento pode resultar em ações judiciais, multas expressivas e responsabilização simultânea no Brasil e nos EUA, além de danos à reputação corporativa.
Principais implementos para adequação à FCPA
Estar em conformidade com a FCPA exige a implementação de programas robustos de compliance, alinhados às melhores práticas internacionais. O Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ), órgão responsável por aplicar a lei, apresenta diversas orientações para que as empresas avaliem a efetividade de seus programas. A seguir, destacam-se as instruções essenciais para garantir conformidade:
- O programa de compliance é bem desenvolvido?
Essa avaliação considera se o programa contempla análise de riscos, políticas claras e conformidade com legislações federais. Também verifica a qualidade das políticas internas, bem como a realização e frequência dos treinamentos.
Isso inclui a existência de canais seguros de denúncia e mecanismos eficazes de due diligence, de modo que a empresa apresente um programa abrangente e consistente.
- O programa de compliance tem recursos e independência para funcionar?
Nesse ponto, avalia-se o comprometimento da alta administração com as políticas internas. Também se analisa o grau de independência do comitê de integridade e das auditorias, de modo que estejam bem estruturados e qualificados para cumprir, de fato, o papel previsto no programa.
- O programa de compliance funciona na prática?
Essa etapa busca analisar a continuidade das revisões e melhorias das políticas que integram o programa. Além disso, avalia-se a efetividade dos controles e das investigações de suspeitas de corrupção, bem como a aplicação de medidas corretivas após a identificação de irregularidades.
Como boas práticas complementares, recomenda-se a realização de treinamentos contínuos, a classificação de terceiros por nível de risco, a inclusão de cláusulas anticorrupção em contratos, a manutenção de registros contábeis completos e a adoção de controles internos robustos.
Mudanças sob o governo Trump: novo direcionamento da FCPA
A gestão de Donald Trump adotou uma política mais pragmática em relação à aplicação da FCPA, com novos direcionamentos. Após a suspensão de 180 dias para revisão da legislação, houve uma redefinição dos focos de fiscalização, agora mais voltados à proteção da segurança econômica e nacional dos Estados Unidos, com a eliminação de barreiras consideradas excessivas ao comércio americano no exterior. A aplicação da lei passou a priorizar:
(i) organizações criminosas internacionais e cartéis;
(ii) casos que envolvam setores estratégicos da economia americana;
(iii) situações que causem prejuízos significativos à competitividade das empresas americanas;
(iv) práticas de corrupção com dolo evidente e com mecanismos sofisticados de ocultação.
Esse redirecionamento não deve ser interpretado como uma flexibilização completa, mas como uma concentração de esforços em condutas mais graves e de maior impacto econômico. Na prática, empresas que atuam em mercados sensíveis, como defesa, tecnologia e energia, continuam sob intensa fiscalização.
Empresas brasileiras: riscos e medidas essenciais
Empresas brasileiras com operações internacionais, participação acionária nos EUA ou subsidiárias em território americano devem adequar-se rigorosamente à FCPA. Algumas recomendações estratégicas incluem:
- Fortalecer programas de compliance com políticas anticorrupção e revisão periódica;
- Estabelecer due diligence rigorosa para terceiros, parceiros e agentes;
- Reforçar controles internos contábeis, garantindo registros transparentes;
- Regular práticas de hospitalidade e brindes;
- Promover treinamentos constantes, assegurando que todos os colaboradores compreendam as regras e saibam utilizar os canais de denúncia.
A adoção dessas práticas não apenas evita sanções severas, como também fortalece a imagem corporativa perante investidores, parceiros e órgãos reguladores.
Conclusão
A conformidade com a FCPA vai muito além da simples mitigação de riscos. Em um ambiente globalizado e altamente competitivo, estar em conformidade é sinônimo de credibilidade, governança sólida e sustentabilidade empresarial. Empresas que negligenciam esse aspecto expõem-se a sanções financeiras e reputacionais, enquanto aquelas que implementam políticas eficazes de integridade constroem diferenciais competitivos duradouros.
Diante da complexidade da FCPA e da relevância estratégica da integridade corporativa, é indispensável contar com um parceiro jurídico experiente e especializado.
O escritório Schiefler Advocacia atua com excelência em Direito Empresarial e Compliance Anticorrupção, oferecendo soluções sob medida para adequação às normas nacionais e internacionais. Reconhecido pelos anuários Análise Advocacia e detentor do selo DNA USP de qualidade acadêmica, o escritório combina rigor técnico com linguagem clara e práticas eficazes, garantindo segurança jurídica e geração de valor.
Estamos prontos para apoiar sua empresa na implementação de programas de compliance robustos, na realização de due diligence em operações estratégicas, na estruturação de políticas internas e no treinamento de equipes, assegurando não apenas conformidade, mas também uma atuação ética e sustentável no mercado global.
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MGI estabelece novas diretrizes para licitações: empresas que promovem equidade salarial terão vantagem em caso de desempate
O Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) publicou a Instrução Normativa (IN) SEGES/MGI nº 382, que cria regras para aplicação do critério de desempate em licitações públicas com base em ações de equidade entre mulheres e homens no ambiente de trabalho.
A norma, publicada em 19 de setembro de 2025, regulamenta o que já está previsto na Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos) e no Decreto nº 11.430/2023. Com isso, empresas que adotam práticas de igualdade de gênero poderão ter vantagem competitiva em casos de empate durante processos licitatórios.
A medida se aplica à administração pública federal direta, autárquica e fundacional, e deve ser observada também por órgãos estaduais, distritais e municipais que utilizem recursos da União provenientes de transferências voluntárias.
Com essa iniciativa, o Ministério reforça a atuação estratégica do Estado nas contratações públicas e fortalece seu papel como promotor de boas práticas no setor privado. Nesse sentido, a proposta busca valorizar empresas comprometidas com a igualdade salarial e de oportunidades, incentivando um mercado mais justo e inclusivo.
Ações de equidade reconhecidas
Para ter direito ao critério de desempate, as empresas precisarão comprovar a adoção de ações que promovam a igualdade de oportunidades entre mulheres e homens. Entre elas, estão:
- Igualdade de remuneração e paridade salarial;
- Participação e ascensão profissional igualitária, considerando a presença de mulheres em cargos de direção;
- Promoção de igualdade de oportunidades e de tratamento em matéria de emprego e ocupação;
- Prevenção e combate ao assédio moral e sexual;
- Programas voltados à equidade de gênero e de raça; e
- Ações de saúde e segurança do trabalho que considerem as diferenças entre os gêneros.
Também serão reconhecidas medidas que incentivem o compartilhamento das responsabilidades familiares de cuidado entre homens e mulheres — uma iniciativa que reforça a corresponsabilidade dentro e fora do ambiente de trabalho.
Níveis de comprovação e critérios de desempate
As ações de equidade deverão ser comprovadas por meio de documentos e evidências, divididas em três níveis de reconhecimento, que determinam a ordem de prevalência em caso de empate entre propostas.
- Nível Ouro: destinado às empresas que possuam o Selo Pró-Equidade de Gênero e Raça (do Ministério das Mulheres) ou o Selo de Igualdade de Gênero do PNUD, dentro da validade.
- Nível Prata: inclui empresas que apresentem termo de adesão ao Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça ou ao Selo PNUD; que publiquem relatórios na plataforma dos Princípios de Empoderamento das Mulheres (ONU Mulheres e Pacto Global); que têm o Selo Empresa Amiga da Mulher; ou que aderiram ao Programa Empresa Cidadã, com evidências de incentivo ao uso das licenças estendidas.
- Nível Bronze: abrange empresas que tenham assinado os Princípios de Empoderamento das Mulheres (ONU Mulheres e Pacto Global), publicado o Relatório de Transparência Salarial (Lei nº 14.611/2023), obtido certificações de terceiros sobre práticas de equidade, ou apresentado declaração acompanhada de evidências concretas, como políticas internas ou códigos de ética.
O licitante deverá indicar o nível de enquadramento no momento de envio da proposta. Caso haja empate, as empresas com ações de nível ouro terão prioridade, seguidas pelas de nível prata e, por último, pelas de nível bronze.
Marco para contratações mais justas
A nova Instrução Normativa representa um avanço significativo na promoção da equidade de gênero nas contratações públicas. Além de alinhar o poder público a princípios de diversidade e inclusão, a medida reconhece o papel estratégico das empresas na redução das desigualdades no mercado de trabalho.
A IN SEGES/MGI nº 382/2025 entra em vigor noventa dias após a data de sua publicação, fortalecendo a integração entre políticas públicas e práticas empresariais responsáveis e promovendo um ambiente de negócios mais ético, transparente e inclusivo.
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Remoção em caso de união estável: o que o STJ tem decidido?
A remoção de servidor público — seja por iniciativa da Administração ou a pedido — é uma realidade inerente à carreira pública. Contudo, o deslocamento geográfico imposto por essa dinâmica funcional pode impactar significativamente a vida privada do servidor, especialmente no tocante à organização e preservação do núcleo familiar.
Visando compatibilizar os interesses da Administração com a proteção constitucional conferida à família, o ordenamento jurídico estabelece hipóteses em que o acompanhamento do cônjuge por servidor público configura direito subjetivo, afastando a discricionariedade administrativa. Tal direito pode ser exercido por meio dos institutos da remoção, prevista no art. 36, inciso III, alínea “a”, da Lei nº 8.112/1990, e da licença para exercício provisório, prevista no art. 84 da mesma norma.
Neste artigo, destacamos os principais precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema, com ênfase na consolidação do entendimento jurisprudencial que assegura a efetividade desses direitos.
FUNDAMENTOS DA REMOÇÃO NO SERVIÇO PÚBLICO
A remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede, conforme expressamente previsto no artigo 36 da Lei nº 8.112/1990, amplamente explorada em nosso artigo introdutório sobre o tema. Esta definição estabelece os limites conceituais deste instituto jurídico, diferenciando-o de outras formas de mobilidade funcional como a redistribuição, a cessão ou o aproveitamento.
O parágrafo único do referido artigo estabelece três modalidades principais de remoção:
- De ofício, no interesse da Administração: Ocorre quando a própria Administração determina o deslocamento do servidor, visando atender necessidades institucionais. Esta modalidade, embora discricionária, não é arbitrária, exigindo motivação expressa que demonstre o interesse público envolvido.
- A pedido, a critério da Administração: Ocorre quando o servidor solicita sua remoção, ficando a decisão sujeita ao juízo de conveniência e oportunidade da Administração Pública. Apesar da discricionariedade administrativa, a decisão deve ser fundamentada por meio de decisão administrativa motivada.
- A pedido, independentemente do interesse da Administração: Esta modalidade representa um direito subjetivo do servidor, desde que satisfeitas as condições legais específicas previstas nas alíneas do inciso III do parágrafo único do art. 36 (Explicamos melhor sobre o tema no artigo “3 fatos importantes sobre a remoção para acompanhamento de cônjuge”):
- Para acompanhar cônjuge ou companheiro, também servidor público civil ou militar, deslocado no interesse da Administração;
- Por motivo de saúde do servidor, cônjuge, companheiro ou dependente, condicionada à comprovação por junta médica oficial;
- Em virtude de processo seletivo promovido, na hipótese em que o número de interessados for superior ao número de vagas.
A UNIÃO ESTÁVEL
A união estável é reconhecida pela Constituição Federal como entidade familiar, configurada pela convivência pública, contínua e duradoura entre duas pessoas, com o objetivo de constituição de família, conferindo-lhes direitos e deveres equiparados aos do casamento civil. Conforme dispõe o § 3º do art. 226, “para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.
O Código Civil, em seu art. 1.723, reforça esse reconhecimento ao dispor que “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
Ao contrário do matrimônio, a união estável não exige celebração formal ou registro prévio para sua constituição, podendo ser comprovada por meio de escritura pública, declaração em cartório ou mesmo por provas testemunhais e documentais, conforme entendimento consolidado pela doutrina e pela jurisprudência.
A doutrina destaca que a ausência de rito específico na lei para constituição da união estável não retira sua segurança jurídica, podendo esta ser demonstrada por qualquer meio idôneo que evidencie a existência de vínculo afetivo duradouro e público.
Em suma, a união estável comporta efeitos patrimoniais e sucessórios muito semelhantes aos do casamento civil, o que pode gerar dúvidas quanto à sua aplicação em institutos jurídicos específicos, como o da remoção de servidor público, já que ambos os regimes asseguram direitos análogos aos companheiros ou cônjuges
O Superior Tribunal de Justiça já consolidou esse entendimento, notadamente no RMS 66.823/MT (Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 05/10/2021), em que reconheceu que, configurada união estável registrada em cartório, a remoção subsequente do outro companheiro não configura ato discricionário, mas sim vinculado:
PROCESSUAL CIVIL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. SERVIDOR PÚBLICO . TRANSFERÊNCIA DE SERVIDOR PÚBLICO. INTERESSE DA ADMINISTRAÇÃO. REMOÇÃO DE CÔNJUNGE SERVIDORA PÚBLICA (POLICIAL MILITAR). ATO VINCULADO . RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. 1. No caso dos autos, os recorrentes vivem em união estável registrada em cartório. O servidor público (policial militar) foi removido a interesse da Administração Pública . A servidora pública (policial civil) requereu a remoção para acompanhamento de cônjuge. 2. A união estável é entidade familiar nos termos do art. 226, § 3º, da CF/1988 e do art . 1.723 do CC/2002, razão pela qual deve ser protegida pelo Estado tal como o casamento. 3. Além do dever do Estado na proteção das unidades familiares, observa-se disposição normativa local específica prevendo o instituto “remoção para acompanhamento de cônjuge” . 4. Dessa forma, havendo remoção de ofício de um dos companheiros, o (a) outro (a) possui, em regra, direito à remoção para acompanhamento. Não se trata de ato discricionário da Administração, mas sim vinculado. A remoção visa garantir à convivência da unidade familiar em face a um acontecimento causado pela própria Administração Pública . 5. Ubi eadem ratio, ibi eadem jus, os precedentes do STJ acerca do direito de remoção de servidores públicos federais para acompanhamento de cônjuge devem ser aplicados no caso em exame. 6. O fato de servidor público estar trabalhando em local distinto de onde a servidora pública laborava à época da remoção de ofício daquele não é peculiaridade capaz de afastar a regra geral . Isso porque a convivência familiar estava adaptada a uma realidade que, por atitude exclusiva do Poder Público, deverá passar por nova adaptação. Ora, deve-se lembrar que a iniciativa exclusiva do Estado pode agravar a convivência da unidade familiar a ponto de torná-la impossível. 7. Logo, a remoção da servidora não pode ser considerada ato discricionário do Estado do Mato Grosso, porque a remoção do seu companheiro foi de ofício . 8. Recurso ordinário provido.
No caso, após remoção de ofício de policial militar, o STJ determinou que sua companheira, em união estável, tivesse direito automático à remoção, “ubi eadem ratio, ibi eadem jus”, ou seja, onde existe a mesma razão fundamental, deve prevalecer a mesma regra de direito. A decisão da Corte busca assegurar a proteção constitucional da unidade familiar.
Adicionalmente, no REsp 1.824.511/RN, a Corte afastou a exigência de coabitação prévia como condição para a remoção por acompanhamento de cônjuge. Segundo o STJ, tal requisito não encontra amparo legal e contraria a finalidade protetiva da norma, que visa resguardar a convivência familiar e a estabilidade afetiva. Basta, portanto, a apresentação de certidão de casamento ou declaração de união estável para comprovar o vínculo, dispensando-se qualquer prova de residência conjunta.
CONCLUSÃO
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem desempenhado papel fundamental na consolidação do entendimento de que a união estável, enquanto entidade familiar protegida constitucionalmente, deve ser tratada em igualdade de condições com o casamento civil para fins de remoção no serviço público.
A Corte reconhece que a preservação da unidade familiar constitui valor jurídico relevante, que impõe limites à discricionariedade administrativa nos casos de remoção de servidor público para acompanhamento de cônjuge ou companheiro.
Decisões como as proferidas nos casos RMS 66.823/MT e REsp 1.824.511/RN reafirmam que, preenchidos os requisitos legais, a Administração está vinculada à concessão da remoção, independentemente da existência de coabitação prévia ou da conveniência administrativa.
Dessa forma, o tratamento jurídico conferido à união estável no contexto da remoção de servidores públicos reafirma o compromisso do ordenamento jurídico com a proteção da família, assegurando que o exercício da função pública não implique, injustamente, a desestruturação dos laços familiares legitimamente constituídos.
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Veja os principais precedentes do STJ sobre remoção para acompanhamento de cônjuge
STJ: PRECEDENTES SOBRE REMOÇÃO PARA ACOMPANHAR CÔNJUGE
A remoção de servidor público — seja por iniciativa da Administração ou a pedido — é uma realidade inerente à carreira pública. Contudo, o deslocamento geográfico imposto por essa dinâmica funcional pode impactar significativamente a vida privada do servidor, especialmente no tocante à organização e preservação do núcleo familiar.
Visando compatibilizar os interesses da Administração com a proteção constitucional conferida à família, o ordenamento jurídico estabelece hipóteses em que o acompanhamento do cônjuge por servidor público configura direito subjetivo, afastando a discricionariedade administrativa. Tal direito pode ser exercido por meio dos institutos da remoção, prevista no art. 36, inciso III, alínea “a”, da Lei nº 8.112/1990, e da licença para exercício provisório, prevista no art. 84 da mesma norma.
Neste artigo, destacamos os principais precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema, com ênfase na consolidação do entendimento jurisprudencial que assegura a efetividade desses direitos.
FUNDAMENTOS DA REMOÇÃO NO SERVIÇO PÚBLICO
A remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede, conforme expressamente previsto no artigo 36 da Lei nº 8.112/1990, amplamente explorada em nosso artigo introdutório sobre o tema. Esta definição estabelece os limites conceituais deste instituto jurídico, diferenciando-o de outras formas de mobilidade funcional como a redistribuição, a cessão ou o aproveitamento.
O parágrafo único do referido artigo estabelece três modalidades principais de remoção:
- De ofício, no interesse da Administração: Ocorre quando a própria Administração determina o deslocamento do servidor, visando atender necessidades institucionais. Esta modalidade, embora discricionária, não é arbitrária, exigindo motivação expressa que demonstre o interesse público envolvido.
- A pedido, a critério da Administração: Ocorre quando o servidor solicita sua remoção, ficando a decisão sujeita ao juízo de conveniência e oportunidade da Administração Pública. Apesar da discricionariedade administrativa, a decisão deve ser fundamentada por meio de decisão administrativa motivada.
- A pedido, independentemente do interesse da Administração: Esta modalidade representa um direito subjetivo do servidor, desde que satisfeitas as condições legais específicas previstas nas alíneas do inciso III do parágrafo único do art. 36 (Explicamos melhor sobre o tema no artigo “3 fatos importantes sobre a remoção para acompanhamento de cônjuge”):
- Para acompanhar cônjuge ou companheiro, também servidor público civil ou militar, deslocado no interesse da Administração;
- Por motivo de saúde do servidor, cônjuge, companheiro ou dependente, condicionada à comprovação por junta médica oficial;
- Em virtude de processo seletivo promovido, na hipótese em que o número de interessados for superior ao número de vagas.
QUAL O ENTENDIMENTO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ?
- Direito subjetivo do servidor (REsp 1.467.669/PR):
O Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que, nas hipóteses previstas no inciso III do parágrafo único do art. 36 da Lei nº 8.112/1990 — ou seja, remoção a pedido, independentemente do interesse da Administração —, o instituto da remoção configura direito subjetivo do servidor.
Assim, uma vez preenchidos os requisitos legais, a Administração Pública possui o dever jurídico de promover a remoção, não podendo indeferi-la com base em juízo discricionário ou conveniência administrativa.
- Interpretação ampliativa do conceito de servidor público (REsp 1.597.093/RN):
Em julgamento de relevante repercussão, o STJ reconheceu a aplicabilidade da remoção por motivo de acompanhamento de cônjuge também aos servidores de autarquias e empresas estatais, inclusive de economia mista.
A Corte conferiu interpretação ampliativa ao conceito de “servidor público”, estendendo sua abrangência para além da Administração Direta, de modo a incluir os agentes vinculados à Administração Indireta, de modo a efetivar o princípio da proteção à unidade familiar.
- Desnecessidade de coabitação prévia (REsp 1.824.511/RN)
O STJ também consolidou jurisprudência no sentido de que não se exige a comprovação de coabitação prévia como requisito para a concessão da remoção por motivo de acompanhamento de cônjuge.
A Corte entendeu que tal exigência não encontra amparo legal e contraria a finalidade protetiva da norma, cujo objetivo central é preservar a convivência familiar e a estabilidade afetiva. Assim, a apresentação de certidão de casamento ou de declaração formal de união estável é suficiente para demonstrar o vínculo conjugal ou afetivo, bastando que os demais requisitos legais estejam devidamente atendidos.
No caso concreto analisado no REsp 1.824.511/RN, a Segunda Turma do STJ destacou que a exigência de residência conjunta não encontra respaldo na legislação vigente e, por isso, não pode ser imposta como condição para a remoção.
CONCLUSÃO
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reafirma a proteção constitucional à família como valor essencial a ser respeitado nas relações funcionais envolvendo servidores públicos. Os precedentes analisados demonstram que a remoção para acompanhamento de cônjuge, nas hipóteses previstas em lei, constitui verdadeiro direito subjetivo do servidor, cujo exercício não pode ser limitado por juízos discricionários da Administração Pública.
A interpretação do STJ tem sido pautada por uma leitura teleológica e ampliativa da norma, de forma a garantir sua máxima efetividade: seja ao dispensar exigências não previstas em lei, como a coabitação prévia, seja ao estender o direito a servidores da Administração Indireta.
Assim, a atuação jurisdicional tem desempenhado papel decisivo na efetivação do princípio da proteção à unidade familiar, promovendo a harmonia entre os interesses administrativos e os direitos fundamentais dos agentes públicos. Diante desse cenário, cabe à Administração adotar postura compatível com essa jurisprudência, sob pena de violação aos princípios da legalidade, da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana.
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O que diz a Lei dos Concursos Públicos?
No dia 9 de setembro de 2024, foi sancionada a Lei nº 14.965, aqui denominada “Lei dos Concursos Públicos”. Trata-se de um marco legislativo relevante para aqueles que pretendem ingressar no serviço público, uma vez que a Lei nº 14.965/2024 se propõe a estabelecer “normas gerais sobre concurso público” (art. 1º, caput), podendo ser aplicada não só em âmbito federal, como também em concursos estaduais, municipais e distritais.
Nesse contexto, o presente artigo tem o objetivo de apresentar aspectos relevantes da Lei dos Concursos Públicos, apresentando as razões que deram origem à promulgação desta norma e suas principais novidades, a fim de explicar como ela pode impactar na vida daqueles que almejam a investidura em cargos e empregos públicos.
Por que a Lei dos Concursos Públicos foi promulgada?
Como se sabe, os concursos públicos são a principal forma de ingresso no serviço público e, portanto, eles desempenham um papel fundamental para a formação de quadros funcionais qualificados pela Administração Pública. No entanto, por uma série de fatores, reconhece-se que a implementação desse mecanismo tem sido problemática no Brasil.
Na proposta legislativa aprovada pelo Senado Federal, identificam-se alguns dos principais problemas diagnosticados: gestão deficitária, principalmente nas etapas de planejamento e de execução; utilização de conhecimentos genéricos e desvinculados das atribuições dos cargos a serem preenchidos; provas em formato antiquado, que não refletem as evoluções no campo da gestão de pessoas.
Por trás disso, está a percepção de que esses problemas se devem, em grande parte, ao fato de que os concursos públicos eram regulamentados por um sistema normativo fragmentado, desatualizado e, muitas vezes, ineficiente, que resultava em desigualdades e inconsistências nos processos seletivos. Daí a necessidade de promulgar uma norma voltada à criação de regras gerais, que servissem de referência para aplicação nos concursos públicos em todo o país.
Diante disso, a proposta legislativa que culminou na Lei nº 14.965/2024 enunciou o propósito de: “assegurar a efetividade nacional dos concursos públicos, com observância de princípios constitucionais como publicidade e impessoalidade, e, ao mesmo tempo, propiciar, em todos os âmbitos da administração pública, a modernização segura dos concursos públicos em cumprimento ao princípio constitucional da eficiência administrativa, a partir de três ideias centrais: racionalizar o planejamento, customizar a seleção e inovar nas avaliações.”.
Para quais concursos a Lei nº 14.965/2024 se aplica?
A Lei dos Concursos Públicos se aplica de forma obrigatória somente em concursos promovidos por órgãos e entidades que integram a Administração Pública Federal. Ainda que se tivesse cogitado a possibilidade de que essa fosse uma lei de caráter nacional, e que ela declare o propósito de estabelecer “normas gerais sobre concurso público” (art. 1º, caput), a Lei nº 14.965/2024 não se aplica obrigatoriamente aos entes estaduais, municipais e ao Distrito Federal.
Isso fica evidente a partir da leitura do § 2º do art. 13 da Lei nº 14.965/2024, com o seguinte teor: “Alternativamente à observância das normas desta Lei, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios podem optar por editar normas próprias, observados os princípios constitucionais da administração pública e desta Lei”. Como se vê, o Congresso Nacional optou por resguardar a competência normativa de cada ente federado para legislar sobre o tema.
Essa opção legislativa parece ter o intuito de evitar questionamentos sobre a constitucionalidade da Lei nº 14.965/2024. Ainda assim, é possível que tais questionamentos se coloquem sobre o propósito declarado de estabelecer “normas gerais sobre concurso público” (art. 1º, caput), sob o argumento de que o art. 24 da Constituição Federal não abrange a matéria.
Portanto, a Lei nº 14.965/2024 não se aplica aos concursos públicos estaduais, municipais e distritais de forma obrigatória, embora possa ser aplicada facultativamente, ou possa servir de referência para a elaboração, por esses entes federados, dos seus próprios marcos normativos.
Além disso, a Lei nº 14.965/2024 também não se aplica de forma obrigatória aos concursos públicos para ingresso nas carreiras da Magistratura, Ministério Público, Defensoria Pública da União, Forças Armadas ou para empresas públicas e sociedades de economia mista que não recebam recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral, conforme art. 1º, § 3º, dessa Lei. Nesses casos, a aplicação da norma é facultativa, e depende da previsão no ato que autorizar sua abertura (art. 1º, § 4º).
Além disso, a aplicação facultativa da norma também abrange os processos seletivos para a contratação de servidores temporários, a admissão de agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias, a admissão de professores, técnicos e cientistas estrangeiros pelas Universidades e outros que não se sujeitem à norma prevista no art. 37, II, da Constituição Federal.
Por fim, de acordo com o art. 13, § 1º, da Lei nº 14.965/2024, observa-se que essa norma também não se aplica a concursos públicos cuja abertura tenha sido autorizada por ato editado antes da sua entrada em vigor, que ocorrerá somente no dia 1º de janeiro de 2028.
Qual é o objetivo dos concursos públicos segundo a Lei nº 14.965/2024?
Considerando que as exigências do serviço público evoluem com o tempo, a Lei nº 14.965/2024 foi criada com o intuito de regulamentar e modernizar os concursos públicos federais. De acordo com o art. 2° desta Lei: “O concurso público tem por objetivo a seleção isonômica de candidatos fundamentalmente por meio da avaliação dos conhecimentos, das habilidades e, nos casos em que couber, das competências necessários ao desempenho com eficiência das atribuições do cargo ou emprego público, assegurada, nos termos do edital do concurso e da legislação, a promoção da diversidade no setor público”.
Pelo que se depreende desse dispositivo, o principal objetivo dos concursos públicos é trazer isonomia para o acesso dos cidadãos à função pública, reduzindo influências pessoais ou políticas. Para isso, devem ser utilizados métodos de avaliação que se relacionem com as competências relacionadas às atribuições do cargo pretendido, para que os candidatos selecionados possam desempenhar tais atribuições com a eficiência que se espera.
Além disso, a Lei dos Concursos Públicos também prestigia a diversidade no setor público como um valor a ser promovido. Isso fica evidente a partir do § 4º do art. 2º desta norma, que estabelece expressa vedação à “discriminação ilegítima de candidatos, com base em aspectos como idade, sexo, estado civil, condição física, deficiência, etnia, naturalidade, proveniência ou local de origem”.
Quais são as principais novidades trazidas pela Lei n° 14.965/2024?
Entre as principais novidades trazidas pela Lei n° 14.965/2024, chama-se a atenção para as exigências trazidas no art. 3º desta norma, que consistem em requisitos para a autorização de abertura de concurso público. Essa autorização deverá ser expressamente justificada pela Administração Pública.
Para justificar a abertura de concurso público, a autoridade competente deverá levar em consideração, ao menos, os seguintes elementos:
- Evolução do quadro de pessoal nos últimos 5 anos e a estimativa das necessidades para os próximos 5 anos;
- A denominação e a quantidade de cargos, com a descrição das suas atribuições;
- A inexistência de concurso anterior válido para os mesmos cargos, com candidatos aprovados e não nomeados;
- A adequação do provimento dos cargos em face das necessidades e possibilidades administrativas; e
- A estimativa de impacto orçamentário-financeiro no exercício previsto para o provimento e nos 2 exercícios seguintes.
Essa novidade reforça a necessidade de planejamento da Administração Pública para a realização de concursos públicos. Embora tais questões estejam mais relacionadas ao planejamento administrativos, as justificativas apresentadas para a abertura de concurso público podem ser muito úteis aos candidatos, por exemplo, para que se tenha uma perspectiva sobre a possibilidade de nomeação a partir da estimativa das necessidades futuras da Administração Pública.
Além disso, outra importante novidade diz respeito à possibilidade de realização das provas de forma remota. Segundo o art. 8º da Lei nº 14.965/2024, “O concurso poderá ser realizado total ou parcialmente à distância, de forma online ou por plataforma eletrônica com acesso individual seguro e em ambiente controlado, desde que garantida a igualdade de acesso às ferramentas e aos dispositivos do ambiente virtual”.
No entanto, vale pontuar que, para que essa modalidade de aplicação seja viabilizada, será necessária uma regulamentação prévia do tema – o que ainda não ocorreu. No parágrafo único do art. 8º da Lei nº 14.965/2024, dispõe-se que a essa regulamentação deve ser precedida de consulta pública, e que sejam observados os padrões de segurança da informação previstos na legislação.
Outra inovação identificada na Lei nº 14.965/2024 diz respeito ao conteúdo das provas. Isso porque, de acordo com o art. 9° desta Lei, as avaliações precisam estar alinhadas com as atribuições do cargo almejado. Isso significa que as provas serão elaboradas para avaliar as competências práticas e teóricas do candidato aplicadas às habilidades típicas do cargo por ele pretendido.
Sobre isso, é interessante observar que a Lei dos Concursos Públicos faz uma distinção entre conhecimentos, habilidades e competências, que consistem em elementos a serem avaliados no âmbito dos concursos públicos. Esses elementos foram definidos da seguinte forma:
- Conhecimentos: domínio de matérias ou conteúdos relacionados às atribuições do cargo ou emprego público;
- Habilidades: aptidão para execução prática de atividades compatíveis com as atribuições do cargo ou emprego público;
- Competências: aspectos inter-relacionais vinculados às atribuições do cargo ou emprego público.
Além disso, a Lei nº 14.965/2024 estabelece que, “sem prejuízo de outras formas ou etapas de avaliação previstas no edital, o concurso público compreenderá, no mínimo, a avaliação por provas ou provas e títulos, facultada a realização de curso ou programa de formação, desde que justificada ante a natureza das atribuições do cargo e com previsão no edital” (art. 2º, § 2º).
Em que pese essa não seja uma novidade por completo, vê-se que a norma trata dos cursos ou programas de formação como uma etapa de avaliação opcional para todos os concursos aos quais ela se aplica. Essas etapas deverão ser justificadas à luz das atribuições do cargo em questão e, de acordo com o § 1º do art. 11, poderão ter caráter eliminatório, classificatório ou ambos, com o objetivo de introduzir os candidatos às atividades do órgão ou ente e avaliar seu desempenho na execução de atribuições ligadas ao cargo.
A norma também estabelece que o candidato será eliminado do concurso caso não formalize matrícula para os cursos ou programas de formação dentro do prazo fixado para tanto ou caso não cumpra, ao menos, 85% da sua carga horária.
Qual é o prazo para a implementação das novas regras?
A implementação das novas regras estabelecidas pela Lei dos Concursos Públicos está programada para ocorrer em 1º de janeiro de 2028, conforme estipulado no caput do art. 13 desta Lei. Para justificar esse prazo, apontou-se a necessidade de tempo para que os entes públicos se ajustem adequadamente às novas exigências e reformulem seus processos seletivos.
Entretanto, a depender de cada órgão e entidade federal, existe a possibilidade de antecipar a aplicação das novas regras, desde que haja previsão no ato que autoriza a abertura do respectivo concurso público (art. 13, caput).
Considerações finais
Como visto, a Lei dos Concursos Públicos representa um marco normativo importante para aqueles que pretendem ingressar no serviço público. Ainda que não possua caráter nacional, a Lei nº 14.965/2024 pode ser aplicada de modo facultativo pelos estados, municípios e Distrito Federal, ou servir de referência para que eles elaborem suas próprias normas sobre o tema.
A Lei dos Concursos Públicos parte do diagnóstico de que a Administração Pública tem enfrentado problemas para a formação de quadros funcionais qualificados. Para tentar resolver alguns desses problemas, a norma traz algumas novidades, como os requisitos para a autorização de abertura de concurso público, a possibilidade de realização das provas de forma remota, o estabelecimento de diretrizes para o conteúdo das provas e a disciplina dos cursos ou programas de formação.
Essas novidades somente entrarão em vigor, de forma definitiva, em 1º de janeiro de 2028. Ainda assim, é possível – e recomendável – que os órgãos e entidades públicas sujeitas à observância da Lei nº 14.965/2024 iniciem o processo de reformulação dos seus concursos públicos desde já, buscando se adaptar à implementação dessas novidades.
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Concessões Administrativas: Como pequenas e médias empresas podem lucrar e crescer com o setor público
Concessões administrativas costumam ser associadas a grandes projetos de infraestrutura e a grupos empresariais robustos. Contudo, a realidade econômica do Brasil tem apontado para um caminho diferente. O surgimento de novas demandas públicas, aliado a restrições orçamentárias, está ampliando o espaço para parcerias com empresas de pequeno e médio porte, especialmente no âmbito municipal e regional.
A concessão administrativa, prevista na Lei nº 11.079/2004, é uma modalidade de parceria público-privada (PPP) em que a administração pública é a usuária direta ou indireta do serviço. Ou seja, o parceiro privado presta serviços cuja contrapartida financeira é feita pelo Estado, diferentemente da concessão comum, em que o usuário é o próprio cidadão.
Um exemplo seria um município de médio porte que, ao identificar a necessidade de modernizar a iluminação pública, estrutura uma concessão administrativa. A empresa contratada, com atuação consolidada em engenharia elétrica, assume a responsabilidade pela substituição do parque de luminárias convencionais por lâmpadas LED, além da manutenção integral por 15 anos. O contrato prevê remuneração mensal pela administração pública, atrelada a indicadores de eficiência energética e níveis mínimos de luminosidade.
O modelo proporciona à empresa contratada previsibilidade de receita, permitindo investimentos em capacitação e equipamentos, ao mesmo tempo em que reduz significativamente os gastos do município com energia elétrica.
Por outro lado, as concessões administrativas se apresentam como um marco do diálogo público-privado, permitindo que as inovações produzidas por empreendedores sirvam para a satisfação do interesse público com o máximo de capacidade possível.
Esse tipo de contratação revela-se vantajoso como alternativa de negócios para o setor privado. O interesse mútuo na entrega eficiente de serviços e estabilidade contratual fortalece o vínculo entre os entes públicos e as empresas, criando novas dinâmicas de desenvolvimento local.
Além de ampliar o leque de possíveis interessados, essa modalidade de diálogo público-privado se mostra vantajosa para projetos em que a população é beneficiária indireta dos serviços, como na iluminação pública, na gestão de prédios públicos ou na implantação de sistemas de vigilância.
Por que o momento é agora?
A nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021) trouxe à tona um ambiente normativo mais moderno, transparente e voltado à eficiência. O foco no planejamento e na sustentabilidade contratual, aliado a diretrizes de governança e compliance, favorece contratações estruturadas em modelos mais flexíveis e aderentes às demandas locais.
Além disso, muitos municípios têm buscado alternativas para viabilizar investimentos sem comprometer seus orçamentos. As concessões administrativas surgem como solução viável, principalmente quando estruturadas com apoio técnico e jurídico adequados. O limite mínimo de R$10 milhões, previsto na Lei nº 11.079/2004, pode ser atingido com a formação de consórcios públicos ou pela agregação de projetos.
Um exemplo concreto e emblemático é o do município de Cuiabá (MT), que estruturou uma concessão administrativa para modernização, expansão, operação e manutenção da infraestrutura de iluminação pública da cidade. O contrato, firmado em 2016 entre a Prefeitura Municipal e a concessionária Cuiabá Luz S.A., possui duração de 30 anos e valor estimado em R$748,4 milhões, com investimentos previstos de mais de R$270 milhões. A licitação se deu por meio de concorrência nacional do tipo técnica e preço, admitindo a formação de consórcios, o que ampliou a competitividade e viabilizou a participação de empresas nacionais especializadas no setor de iluminação pública. Trata-se de um projeto que ilustra com clareza a viabilidade econômica e a atratividade desse modelo contratual, especialmente em áreas urbanas que demandam requalificação de equipamentos públicos essenciais.
Com esse novo cenário, o mercado de concessões deixa de ser um território exclusivo das empresas gigantes e passa a admitir soluções regionais, com forte potencial de geração de receita constante e previsível para empresas de menor porte.
As vantagens para pequenas e médias empresas
A atuação em contratos administrativos de médio e longo prazo oferece às empresas estabilidade financeira, previsibilidade e a oportunidade de diversificar sua carteira de serviços.
Tais contratos, em geral, apresentam alta rentabilidade, especialmente em razão de sua vigência prolongada e da garantia de fluxo de caixa estável por parte da Administração Pública. Isso permite às empresas realizar um planejamento financeiro mais estruturado, investir em expansão e qualificação de sua equipe e sustentar um modelo de negócio com menor exposição a riscos de inadimplência. A previsibilidade de receitas também facilita o acesso a linhas de crédito e financiamentos, potencializando ainda mais os ganhos provenientes dessas contratações.
Além disso, as concessões administrativas representam uma oportunidade concreta de inserção em um novo nicho de mercado: a prestação de serviços diretamente à Administração Pública. Esse nicho, embora exigente em termos de regularidade fiscal, qualificação técnica e cumprimento de prazos, oferece um ambiente de estabilidade institucional e crescimento contínuo. Para pequenas e médias empresas, essa transição pode significar a consolidação de uma nova frente de atuação comercial, com impacto significativo no posicionamento estratégico da marca e no fortalecimento da reputação empresarial.
Empresas locais também possuem vantagens competitivas significativas. Conhecimento do território, custo operacional reduzido e maior agilidade decisória são atributos que as tornam especialmente atrativas para gestões públicas que priorizam soluções eficientes e de rápida implantação.
A formação de sociedades de propósito específico (SPEs), parcerias com outras empresas e subcontratações previstas contratualmente são ferramentas que ampliam a capacidade técnica e operacional dessas organizações, permitindo sua inserção em projetos mais complexos.
Setores promissores e experiências concretas
Serviços como iluminação pública, manutenção de vias urbanas, gestão de prédios escolares e hospitalares, estacionamentos rotativos, tecnologia de monitoramento urbano, coleta e tratamento de resíduos, são apenas alguns exemplos de concessões administrativas com alto potencial de aplicação local.
Essas iniciativas não apenas promovem a melhoria da qualidade dos serviços públicos, mas também geram emprego, renda e desenvolvimento econômico nas regiões onde são implantadas. A descentralização das concessões cria um novo paradigma de parceria entre a administração e setor privado, no qual as soluções personalizadas têm lugar privilegiado.
Além disso, observa-se uma crescente inclinação de estados e municípios brasileiros em adotar o modelo de concessão administrativa como ferramenta de política pública. Muitos entes federativos estão buscando estruturar projetos com maior qualidade técnica, previsibilidade e transparência, valendo-se das diretrizes mais modernas trazidas pela Lei nº 14.133/2021. Um exemplo relevante dessa tendência é o município de Salvador (BA), que lançou um guia de concessões com foco em identificar oportunidades de parcerias com o setor privado, oferecendo diretrizes claras para investimentos em infraestrutura urbana, tecnologia e serviços públicos. A iniciativa demonstra o interesse crescente das administrações locais em fomentar ambientes mais favoráveis à colaboração público-privada de forma planejada e profissionalizada.
O papel do assessoramento jurídico especializado
Estruturar uma concessão administrativa não se resume à disputa de um edital. Requer conhecimento jurídico, experiência prática e capacidade de antever riscos e soluções. Escritórios especializados em Direito Administrativo e Contratações Públicas são fundamentais nesse processo.
Desde a análise do edital e dos requisitos de qualificação, até a formação de consórcios e a estruturação jurídica da proposta, o suporte técnico-jurídico qualificado assegura que a participação da empresa ocorra com segurança, eficiência e potencial de êxito.
O escritório Schiefler Advocacia, com atuação destacada desde 2016 nas áreas de Direito Administrativo, Empresarial e Societário, tem contribuído com soluções jurídicas estruturadas em diversas concessões e licitações de relevância regional e nacional. O reconhecimento nos anuários Análise Advocacia e o selo DNA USP testemunham o compromisso do escritório com a excelência e a dedicação intensa a cada projeto.
A nova geração de concessões administrativas no Brasil está mais acessível, plural e regionalizada. Pequenas e médias empresas, com capacidade técnica e visão de futuro, têm hoje a oportunidade real de ingressar nesse mercado, que alia estabilidade, impacto social e retorno econômico. O suporte jurídico estratégico não apenas viabiliza essa inserção, como assegura que ela ocorra de forma segura, eficiente e duradoura.
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