
STJ Define que Defensoria Pública Não Tem Legitimidade para Propor Ação de Improbidade
A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou, por maioria, o entendimento de que a Defensoria Pública não possui legitimidade ativa para ajuizar ações de improbidade administrativa. A decisão, proferida em 19 de agosto de 2025, alinha-se às mais recentes alterações na Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 14.230/2021) e reforça a especificidade desse tipo de processo.
A controvérsia analisada pelo Tribunal questionava se a legitimidade conferida à Defensoria Pública para ajuizar ações civis públicas em geral se estenderia às ações de improbidade. Prevaleceu a tese de que, embora ambas façam parte do microssistema de tutela coletiva, a ação de improbidade possui um caráter punitivo e sancionador distinto, o que justifica regras próprias e mais restritivas sobre quem pode iniciá-la.
O relator do caso, Ministro Gurgel de Faria, destacou que o legislador, ao longo do tempo, optou por um “silêncio eloquente”, não incluindo a Defensoria no rol de legitimados da Lei nº 8.429/1992, mesmo quando alterou outras normas. A versão atual da lei concentra a legitimidade no Ministério Público e, conforme decisão do STF (ADI 7042), na pessoa jurídica lesada pelo ato ímprobo, não havendo ampliação para a Defensoria. Com isso, o STJ firmou a posição de que a instituição é parte ilegítima para propor ações com o objetivo de aplicar as sanções da Lei de Improbidade.
Está em busca de advocacia especializada em Ações de Improbidade Administrativa? Conheça o escritório Schiefler Advocacia, com atuação nacional, ampla experiência em casos relevantes e uma equipe técnica de excelência. Entre em contato.
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EDITAL DO PROCESSO SELETIVO UNIFICADO – 2025
PARA SE INSCREVER, CLIQUE AQUI.
O escritório Schiefler Advocacia anuncia a abertura de seu Processo Seletivo Unificado de Advogado(a) Pleno e Júnior e Estagiário(a).
Estamos em busca de talentos que estejam construindo sua carreira profissional na área de Direito Administrativo e possuam interesse em seguir a carreira da advocacia.
O ESCRITÓRIO
Fundado em 2016, o escritório Schiefler Advocacia é reconhecido nacionalmente pela qualidade técnica de seu corpo de advogados e pela cultura de formação e projeção de novos profissionais. A partir de uma combinação entre ampla experiência prática e sólida formação acadêmica, o escritório tem por valores basilares a excelência técnica, o compromisso absoluto com as causas assumidas, a dedicação intensa ao atendimento dos clientes, o uso das melhores tecnologias, a ética profissional e a humildade para o aprendizado e o relacionamento humano.
Nascido com o DNA digital, o escritório Schiefler Advocacia atualmente possui abrangência nacional, com causas administrativas e judiciais em quase todos os Estados e no Distrito Federal. Além das cidades sedes de São Paulo (SP) e Florianópolis (SC), nossa estrutura de trabalho remoto permite que tenhamos colaboradores em Brasília (DF) e nos Estados do Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Goiás, Espírito Santo, Bahia, Paraíba, Sergipe e Ceará.
A nossa atuação em Direito Administrativo é abrangente, consolidada e reconhecida, sendo desenvolvida sob a coordenação dos advogados Gustavo Schiefler, Eduardo Schiefler e Walter Marquezan Augusto. Em especial, a advocacia consultiva e contenciosa em Contratações Públicas, nos mais diversos setores, como tecnologia, publicidade e propaganda, construção civil, infraestrutura (em especial, óleo e gás), saúde e educação. O Escritório também possui uma equipe especializada e oferece serviços de excelência em Direito Empresarial, Direito Societário, Planejamento Patrimonial e Compliance Corporativo e Anticorrupção.
Nossa missão é desenvolver soluções jurídicas com excelência técnica para o atendimento integral das necessidades de nossos clientes. Sabemos que o nosso sucesso profissional depende do cultivo desses valores. Por isso, formamos uma equipe de profissionais talentosos, éticos e absolutamente comprometidos, que não poupam esforços para entregar os melhores resultados.
Em nosso escritório, você encontrará uma cultura meritocrática de trabalho em equipe, apreço pela inovação, ética profissional, excelência técnica e incentivo ao desenvolvimento de cada colaborador.
NOSSOS DIFERENCIAIS
- Vivenciar a advocacia: oportunidade de participar de todas as atividades que envolvem o exercício da advocacia, incluindo contato direto com clientes, elaboração de peças jurídicas, definição de estratégias processuais, pesquisas jurisprudenciais e doutrinárias.
- Plano de Carreira estruturado: o nosso escritório possui um Plano de Carreira estruturado, dividido em 4 níveis para estagiários(as) e 12 níveis para advogados(as), todos com critérios objetivos e claros para progressão. No segmento da advocacia, além da remuneração fixa é oportunizado o recebimento de remuneração variável (bônus) e prêmios em caso de prospecções ou atuações extraordinárias.
- Atuação de relevância nacional: oportunidade de atuar em casos de todas as regiões do País e de importância em nível nacional, com profissionais formados por diversas instituições de ensino jurídico brasileiras, tais como USP, FGV, UnB, UFSC, UFBA, UFES, UFU, FURG, entre outras, e com formações em instituições internacionais (Harvard Law School, Max-Planck Institute, etc.).
- Incentivo ao aprendizado e à formação acadêmica: cultura que incentiva e facilita a formação de todos os colaboradores, com disponibilidade de acesso à biblioteca virtual e incentivo à formação acadêmica.
- Trabalho remoto e flexibilidade de horários: nossa estrutura de trabalho remoto confere a possibilidade de trabalhar de onde você quiser, com horários flexíveis a serem combinados com o escritório. O estágio possui carga horária mínima de vinte e cinco horas semanais. O trabalho de advogado exige dedicação integral, mas com flexibilidade para adequação de horários.
PERFIL DESEJADO E FAIXAS DE REMUNERAÇÃO
O presente Processo Seletivo visa à contratação de Advogados(as) (Júnior e Pleno) e Estagiários(as) para atuarem na área de Direito Administrativo do Escritório. São requisitos:
Advogado(a) Pleno:
- Mínimo de 3 (três) anos de experiência profissional comprovada na área de Direito Administrativo, preferencialmente com atuação em licitações e contratações públicas; neste cálculo não serão contabilizados os anos de experiência em estágios jurídicos;
- Desejável: pós-graduação stricto ou lato sensu na área de Direito Administrativo ou área afim, em Instituição de Ensino de referência nacional;
- Desejável: relato de atuação decisiva para a obtenção de êxitos em casos administrativos ou judiciais;
- Interesse profissional em seguir a carreira da advocacia;
- Inscrição ativa na OAB;
- Faixa de remuneração, a depender do perfil:
- Remuneração fixa: de R$ 7.500,00 a R$ 9.000,00;
- Remuneração Variável: até 4 remunerações fixas por trimestre;
- Valor total potencial: R$21.000,00/mês
- Possibilidade de prêmios (bônus extraordinário) em caso de atuações ou prospecções extraordinárias.
Advogado(a) Júnior:
- Desejável: experiência comprovada na área de Direito Administrativo, preferencialmente com atuação em licitações e contratações públicas;
- Desejável: inscrição ou interesse em pós-graduação stricto ou lato sensu na área de Direito Administrativo ou área afim, em Instituição de Ensino de referência nacional;
- Interesse profissional em seguir carreira da advocacia;
- Inscrição ativa na OAB;
- Faixa de remuneração, a depender do perfil:
- Remuneração fixa: de R$ 4.000,00 a R$ 5.500,00
- Remuneração variável : até 2 remunerações fixas por trimestre;
- Valor total potencial: R$9.166,67/mês.
- Possibilidade de prêmios (bônus extraordinário) em caso de atuações ou prospecções extraordinárias.
Estagiários(as):
- Estar matriculado em Curso de Direito, preferencialmente em Instituição de Ensino de relevância nacional;
- Ter disponibilidade para carga horária mínima de 25 (vinte e cinco) horas semanais;
- Interesse na área de Direito Administrativo;
- Interesse profissional em seguir carreira da advocacia;
- Faixa de remuneração, a depender do semestre da graduação:
- Remuneração: de R$ 1.700,00 a R$ 2.000,00
Para todos os profissionais, são características almejadas:
- Ambições profissionais, financeiras e acadêmicas elevadas.
- Habilidades técnicas, relacionais, criativas e/ou negociais elevadas.
- Ética profissional como pressuposto de atuação.
- Humildade para o aprendizado e o recebimento de feedbacks.
- Cuidado no trato humano e interpessoal.
- Comprometimento com as responsabilidades assumidas.
- Organização pessoal básica para desempenhar atividades remotas.
- Comunicação clara e direta no ambiente de trabalho.
- Proatividade para a sugestão de melhorias e apontamento de falhas.
- Sinceridade, bom senso e transparência.
- Apreço e familiaridade com as tecnologias.
- Curiosidade pelo conhecimento.
- Aversão a injustiças.
INSCRIÇÕES
As inscrições poderão ser realizadas até o dia 03 de agosto de 2025, por meio do formulário disponível no seguinte link: https://forms.gle/P9vgX7fjZfkmwuff8.
Só serão consideradas as inscrições que incluam a resposta a todos os itens do formulário e o envio de currículo, comprovação de experiência profissional (quando necessário) e histórico escolar. Os documentos devem ser anexados no campo apropriado na etapa final do formulário indicado acima.
Quaisquer dúvidas acerca do processo seletivo poderão ser dirimidas por e-mail encaminhado a administrativo@schiefler.adv.br, com o assunto: “Dúvida – Processo seletivo – [NOME COMPLETO]”.
O PROCESSO SELETIVO
- O processo seletivo será desenvolvido de forma totalmente remota, dividindo-se em duas etapas:
- Preenchimento de formulário de inscrição e teste de conhecimentos jurídicos em Direito Administrativo;
- Entrevista
- O preenchimento do formulário de inscrição, assim como o envio dos documentos (currículo, histórico escolar e comprovação de experiência) devem ser feitos até o fim do período de inscrição, na etapa final do formulário indicado.
- O currículo deve contemplar todas as experiências profissionais e acadêmicas;
- O histórico escolar deve conter as notas obtidas durante a graduação no curso de Direito e pós graduação, quando houver;
- A comprovação de experiência profissional para Advogado Pleno pode ser feita por documentos idôneos do último local de trabalho (sejam carta de recomendação, contrato social ou de trabalho, declarações ou peças jurídicas protocoladas/entregues).
- O formulário de inscrição é composto de quatro partes:
- i) informações pessoais e de perfil;
- ii) 20 (vinte) questões objetivas de múltipla escolha sobre Direito Administrativo;
- iii) 2 (duas) questões dissertativas sobre Licitações e Contratos Públicos;
- iv) campo para anexar arquivos (currículo, histórico escolar e comprovação de experiência);
- Os candidatos(as) selecionados(as) para a segunda etapa (entrevistas) serão comunicados por telefone, whatsapp ou e-mail, oportunidade em que será agendado um horário para a videochamada.
- Os candidatos não classificados serão comunicados por e-mail.
São Paulo (SP), 21 de julho de 2025.
Read MoreOs argumentos do escritório Schiefler Advocacia foram acolhidos pela decisão liminar em razão da preterição dos aprovados em concurso público por comissionados e terceirizados.
Na última sexta-feira (25/06/2021), a 14ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo (TJSP) determinou à Prefeitura de São Paulo a nomeação de 7 arquitetos aprovados no concurso de QEAG. A decisão foi proferida pelo Juiz Randolfo de Campos que, em sede liminar, acatou os argumentos apresentados pelo escritório Schiefler Advocacia e reconheceu a preterição arbitrária e imotivada dos candidatos aprovados em concurso público em decorrência de contratação sistemática de comissionados e terceirizados para desempenho das funções típicas do cargo de QEAG, na especialidade de arquitetura.
O concurso público foi lançado pela Prefeitura de São Paulo em outubro de 2018 e previa nomeação imediata de 58 arquitetos para o Quadro de Profissionais de Engenharia, Arquitetura, Agronomia e Geologia (QEAG). Ocorre que, mesmo com o andamento regular e homologação do certame em agosto de 2019 e a solicitação de mais de uma centena de nomeações pelas Secretarias Municipais, todas recusadas pela Prefeitura, os candidatos aprovados não foram convocados para assumir o cargo. Diante da evidente demanda por estes profissionais sem as devidas nomeações e de indícios da contratação reiterada de comissionados para desempenho destas funções, o caso tomou repercussão e foi, inclusive, noticiado pela imprensa em fevereiro desde ano.
Diante disto, os candidatos aprovados propuseram ação judicial para ter seu direito à nomeação devidamente reconhecido, uma vez que há provas do preenchimento dos cargos efetivos por comissionados e terceirizados, prática ilícita que configura a preterição dos concursados, nos termos do Tema nº 784 do STF.
A partir da análise da extensa documentação apresentada a fim de provar as irregularidades cometidas pela Prefeitura de São Paulo, a 14ª Vara da Fazenda Pública reconheceu o direito dos autores e determinou a nomeação de sete arquitetos em até 30 dias. Nas palavras do Juiz Randolfo de Campos, “tamanha é a preterição arbitrária e imotivada que vem sendo levada a efeito pelo Município que, numa análise perfunctória, é possível afirmar que a totalidade dos candidatos aprovados dentro do número de vagas para o cargo de arquiteto do QEAG no concurso regido pelo Edital n. 00/2018 têm direito à nomeação imediata.”
A decisão, que determinou a nomeação dos candidatos aprovados dentro do número de vagas, bem como vedou que a Prefeitura de São Paulo nomeie novos comissionados e firme novos contratos cujo objeto contemple as funções do cargo de QEAG, na especialidade de arquitetura, causou nova repercussão na imprensa.
Em notícia publicada no portal G1, foi divulgada a determinação de integração dos arquitetos aos quadros da prefeitura e as reconhecida irregularidades cometidas pela municipalidade. Nela, foi destacada a decisão de que “a ocupação precária, por comissão, terceirização, ou contratação temporária, de atribuições próprias do exercício de cargo efetivo vago, para o qual há candidatos aprovados em concurso público vigente, configura ato administrativo eivado de desvio de finalidade” e, por consequência, os candidatos devem ser imediatamente nomeados.
A decisão proferida no processo nº 1033732-58.2021.8.26.0053 representa uma vitória para os candidatos que, desde a aprovação no concurso, constatavam que terceirizados e comissionados atuavam como se arquitetos da Prefeitura fossem, mesmo sem aprovação no concurso. Enquanto isso, eles, que se submeterem a um acirrado certame com milhares de candidatos, tinham a nomeação solicitada pelas Secretarias e recusada pela Prefeitura com o argumento de que não havia recursos orçamentários – embora, como reconheceu o juízo, “a nomeação dos servidores concursados poderá reduzir os gastos que o Município atualmente realiza na contratação de empresas de engenharia e arquitetura”.
Agora se aguarda o cumprimento da decisão pela Prefeitura de São Paulo, que tem 30 dias para realizar a nomeação dos sete autores da ação beneficiados com a decisão liminar.
Trata-se de uma decisão que, advinda de uma Corte Superior, confere ainda mais segurança jurídica para o instituto do ANPC em sede de ação de improbidade administrativa.
A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu, por unanimidade, a possibilidade de celebração de Acordo de Não Persecução Cível (ANPC) nas ações de improbidade administrativa que estejam em fase recursal, inclusive após a condenação em 2ª instância, desde que não tenha havido o trânsito em julgado.
Ao interpretar a nova redação dada ao § 1º do artigo 17 da Lei nº 8.429/1992 (“Lei de Improbidade Administrativa” ou “LIA”) pela Lei nº 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”), o Relator do AREsp nº 1.314.581 – SP, o Ministro Benedito Gonçalves, homologou judicialmente o Termo de Acordo de Não Persecução Cível firmado entre a Promotoria de Justiça do Município de Votuporanga (SP) e o réu. Anuíram com a homologação judicial do acordo também o Ministério Público do Estado de São Paulo, representado pelo Procurador-Geral de Justiça, na qualidade de parte, e o Ministério Público Federal, por meio de parecer.
No caso, a Primeira Turma do STJ concluiu que, “tendo em vista a homologação do acordo pelo Conselho Superior do MPSP, a conduta culposa praticada pelo ora recorrente, bem como a reparação do dano ao Município de Votuporanga, além da manifestação favorável do Ministério Público Federal à homologação judicial do acordo, tem-se que a transação deve ser homologada”, extinguindo o feito com resolução de mérito, com base no inciso III do artigo 487 do Código de Processo Civil.
O acordo dizia respeito a acórdão proferido pelo TJSP por meio da qual o réu havia sido condenado à modalidade culposa do artigo 10 da LIA em razão de dano ao erário, no valor de R$ 50.000,00, em decorrência de condenação do Município de Votuporanga por danos morais em ação indenizatória. A condenação por danos morais se deu por conta de não cumprimento de ordem judicial emitida ao então réu para o fornecimento, a paciente, de medicamento destinado ao tratamento de deficiência coronária grave, tendo o paciente falecido por acometimento de infarto agudo de miocárdio.
Em sede de AREsp – portanto, depois da condenação em 2º grau de jurisdição, pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) – a parte ré firmou com a Promotoria de Justiça do Município de Votuporanga o acordo, com base na atual redação do § 1º do artigo 17 da Lei de Improbidade Administrativa, na Resolução nº 1.193/2020 do Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo – que disciplina o Acordo de Não Persecução Cível para o MPSP – e no § 2º do artigo 7º da Resolução nº 179/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público.
A decisão é paradigmática, já que, até então, havia insegurança quanto aos limites de aplicabilidade da atual redação do § 1º do artigo 17 da LIA – que, lacônica, tão somente dispõe sobre a possibilidade de celebração de Acordo de Não Persecução Cível no bojo das ações de improbidade administrativa – para ações que estivessem em fase recursal.
Embora o caso concreto tenha sido precedido de homologação pelo Conselho Superior do MPSP, e somente depois ter sido levado para apreciação do Poder Judiciário, a Resolução nº 1.193/2020 do Conselho Superior do MPSP, atualmente em vigor, obriga que haja esta homologação apenas nos casos em que a propositura da ação judicial ocorreu por determinação do Conselho (cf. artigo 10, § 2º, da Resolução).
De toda sorte, o fato é que, ao homologar judicialmente o ANPC em sede de Embargos de Declaração no Agravo em Recurso Especial, extinguindo o feito com resolução do mérito com base no inciso III do artigo 487 do Código de Processo Civil, o Superior Tribunal de Justiça abre espaço para a celebração de acordos em todas as ações de improbidade atualmente em trâmite, mesmo para aquelas nas quais tenha havido condenação em 2ª instância.
Trata-se de uma decisão que, advinda de uma Corte Superior, confere ainda mais segurança jurídica para o instituto do ANPC em sede de ação de improbidade administrativa, alçando-o a uma importante ferramenta para a solução negocial entre as partes.
Read MoreEm entrevista ao 'Brasil de Fato', a advogada falou sobre a ilegalidade nas contratações reiteradas de comissionados durante a vigência do concurso público.

A minuta de Decreto publicada no Diário Oficial da União propõe a instituição do Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhistas.
Victoria Magnani[1]
No dia 21 de janeiro de 2021, foi publicada no Diário Oficial da União minuta de decreto que propõe a instituição do Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhistas[2]. Trata-se de decreto aberto à consulta pública até 19 de fevereiro de 2021, que tem como principal objetivo oferecer um marco regulatório trabalhista simples, desburocratizado e competitivo, ao mesmo tempo em que preserva o direito ao trabalho digno e promove a conformidade com as normas trabalhistas.
Sem adentrar no mérito específico do conteúdo do decreto, tampouco fazer juízo de valor sobre as disposições nele contidas, é certo que o texto publicado no Diário Oficial traz à tona certos pontos de discussão que merecem ser evidenciados. Mais especificamente, destacam-se alguns dos objetivos gerais listados no artigo 4º do referido decreto: a busca contínua pela simplificação e desburocratização do marco regulatório trabalhista, de forma a reduzir os custos de conformidade das empresas; a promoção da segurança jurídica (inciso II); e a instituição de um marco trabalhista harmônico, moderno e dotado de conceitos claros (inciso III).
Essas são demandas que vêm crescendo significativamente nas últimas décadas, na esteira de uma série de mudanças sociais ocorridas devido à ascensão das tecnologias de informação e comunicação. À medida em que a lógica industrial começa a dar lugar à economia de serviços, é evidente que esse panorama pressupõe a existência de novas formas de trabalho e, portanto, requer uma alteração do cenário regulatório trabalhista. Assim, tem-se que essa alteração deve se dar de forma a contemplar não apenas a proteção do típico trabalhador fabril, no qual foi inspirada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas também, por exemplo, os prestadores de serviços, que muitas vezes não encontram no texto da CLT a necessária correspondência com a sua realidade de trabalho.
Nesse sentido, destacam-se alguns dispositivos do decreto que propõe o Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhistas, sobretudo os já mencionados incisos I, II e III do artigo 4º. A revisão e adaptação das formas engessadas previstas na legislação trabalhista de forma a oferecer um marco regulatório simples e desburocratizado vem ao encontro da necessidade de promover o direito ao trabalho digno a todos os trabalhadores, e não apenas àqueles que possuem o vínculo empregatício “típico”, marcado pela subordinação, pessoalidade, habitualidade e onerosidade[3].
O decreto publicado traz, em alguma medida, essa preocupação no sentido de conciliar o aumento de competitividade e redução de custos para as empresas com o respeito aos direitos trabalhistas, como é possível verificar, por exemplo, no parágrafo 2º do artigo 3º e no já citado artigo 4º.
Outro ponto importante diz respeito à adoção de um marco regulatório harmônico, moderno e com conceitos claros, o que tem efeito direto sobre a promoção da segurança jurídica, outro dos objetivos do referido decreto (incisos II e III do art. 4º). A segurança jurídica que decorre de um conjunto de normas acessíveis e bem delimitadas é inquestionável, traduzindo-se em benefício tanto para empresas quanto para trabalhadores.
Para além disso, o decreto traz como objetivos específicos, dentre outros, triar e catalogar a legislação trabalhista infralegal com matérias conexas ou afins, bem como consolidar e garantir que eventuais atos normativos que alterem a norma consolidada não sejam publicados de forma isolada (art. 5º, incisos I e II). Esses objetivos, aliados a um repositório de normas trabalhistas constantemente atualizado e à revogação dos atos normativos exauridos ou tacitamente revogados (art. 5º, incisos III e IV) têm o potencial de minimizar um dos grandes problemas existentes no cenário regulatório trabalhista em geral, que diz respeito à dificuldade de identificar qual ou quais normas são aplicáveis ao caso concreto, fato este que decorre de uma produção normativa verdadeiramente profícua e descentralizada na esfera trabalhista.
Ressalta-se que não se fala, aqui, em diminuir a proteção do trabalhador, e sim de adequá-la aos novos contornos impostos pela própria evolução da sociedade. Defende-se, de fato, a proteção jurídica de todos os grupos de trabalhadores, e não apenas dos tipicamente tutelados pela CLT em seus moldes atuais. O decreto em questão talvez não seja o instrumento mais adequado para produzir tais mudanças, é bem verdade, mas as recentes transformações ocorridas na organização do trabalho mostraram que, para honrar o objetivo primordial do Direito do Trabalho de proteção do trabalhador, mudanças normativas serão necessárias, de modo a tutelar também as novas formas de trabalho e suas particularidades.
[1] Graduanda em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina, atualmente cursando a nona fase. Foi bolsista do Programa de Educação Tutorial – PET Direito UFSC de 2017 a 2019, e atualmente desenvolve pesquisa de iniciação científica no campo do Direito Ambiental do Trabalho como bolsista voluntária do Programa Institucional de Iniciação Científica – PIBIC UFSC.
[2] Disponível em: https://www.gov.br/participamaisbrasil/decreto-legislacao-trabalhista. Acesso em 27 jan. 2021.
[3] Art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em 27 jan. 2021.
Read MoreÉ preciso que o particular tenha conhecimento de qual finalidade será dada ao seu bem desapropriado, o que viabiliza a sindicância do ato administrativo e, sendo o caso, sua impugnação por meio do Poder Judiciário.
Enunciado 4 – O ato declaratório da desapropriação, por utilidade ou necessidade pública, ou por interesse social, deve ser motivado de maneira explícita, clara e congruente, não sendo suficiente a mera referência à hipótese legal.
O direito à propriedade é reconhecido como direito individual fundamental, previsto no caput do artigo 5º da Constituição Federal e reiterado no inciso XXII do mesmo artigo.
Este direito é, no entanto, mitigado, nos termos do inciso XXIV do artigo 5º da CF/88, na hipótese de haver reconhecida necessidade ou utilidade pública, ou, ainda, interesse social, no uso daquele bem, hipótese em que o Poder Público poderá desapropriá-lo, desde que respeitado o procedimento legal previsto e que haja justa indenização.
É como explica CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO ao tratar do instituto da desapropriação:
Do ponto de vista teórico, pode-se dizer que desapropriação é o procedimento através do qual o Poder Público compulsoriamente despoja alguém de uma propriedade e a adquire, mediante indenização, fundado em um interesse público. Trata-se, portanto, de um sacrifício de direito imposto ao desapropriado.[1]
Além de estar expressamente previsto no artigo 5º, inciso XXIV, da Constituição de 1988, o instituto da desapropriação é regulado, no caso de utilidade pública, pelo Decreto-Lei nº 3.365 de 1941, e, no caso de interesse social, pela Lei nº 4.132/1962.
No caso de utilidade pública, a legislação prevê, nos termos do seu artigo 5º[2], um rol de hipóteses que fundamente a existência de utilidade pública apta a motivar a desapropriação. No mesmo sentido, a Lei nº 4.132/1962 prevê em seu artigo 2º[3] as hipóteses de interesse social que, se preenchidas, fundamentam igualmente a desapropriação.
Tendo em vista a existência das hipóteses legais, o Poder Público tem se valido da mera remissão às hipóteses previstas em lei como meio de fundamentar os atos de desapropriação, sem se desincumbir do ônus de explicitar de maneira explícita, clara e congruente, nos termos do § 1º do artigo 50 da Lei Federal nº 9.784/1999, os motivos que ensejam a prática do ato.
O do artigo 50 da Lei Federal nº 9.784/1999, que dispõe sobre os processos administrativos no âmbito da Administração Pública Federal, é claro:
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: […]
§ 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.
É preciso que o particular, cujo direito sobre aquela propriedade é mitigado ou retirado, tenha conhecimento claro e expresso da razão pela qual a sua propriedade foi escolhida pelo Poder Público como meio de satisfação de uma necessidade ou utilidade pública, ou de um interesse social.
Mais do que isso: é preciso que o particular tenha conhecimento de qual finalidade será dada ao seu bem desapropriado, o que viabiliza a sindicância do ato administrativo e, sendo o caso, sua impugnação por meio do Poder Judiciário.
Nesse sentido, com o intuito de reconhecer a obrigatoriedade da devida motivação dos atos de desapropriação, evitando-se a ocorrência de arbitrariedades e viabilizando a sindicância do ato por particulares e pelo Poder Judiciário, quando provocado, a 1ª Jornada de Direito Administrativo do Conselho da Justiça Federal aprovou o Enunciado 4, que contém o seguinte teor:
Enunciado 4
O ato declaratório da desapropriação, por utilidade ou necessidade pública, ou por interesse social, deve ser motivado de maneira explícita, clara e congruente, não sendo suficiente a mera referência à hipótese legal.
Por meio desse enunciado, pretende-se consolidar e espraiar o entendimento de que o dever de motivação do ato administrativo de desapropriação só é satisfeito se forem apresentadas, de forma clara, explícita e congruente, as razões que levaram à prática do ato declaratório de desapropriação.
E, para tanto, como explica CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, é necessário que a Administração exponha a regra de direito no qual a desapropriação se funda e, também, os fatos e a correlação lógica para com o caso concreto:
A motivação integra a “formalização” do ato, sendo um requisito formalístico dele (cf. ns. 53 e ss.). É a exposição dos motivos, a fundamentação na qual são enunciados (a) a regra de Direito habilitante, (b) os fatos em que o agente se estribou para decidir e, muitas vezes, obrigatoriamente, (c) a enunciação da relação de pertinência lógica entre os fatos ocorridos e o ato praticado. Não basta, pois, em uma imensa variedade de hipóteses, apenas aludir ao dispositivo legal que o agente tomou como base para editar o ato. Na motivação transparece aquilo que o agente apresenta como “causa” do ato administrativo[4]
E continua o ilustre doutrinador ao afirmar que, “se se tratar de ato praticado no exercício de competência discricionária, salvo alguma hipótese excepcional, há de se entender que o ato não motivado está irremissivelmente maculado de vício e deve ser fulminado por inválido, já que a Administração poderia, ao depois, ante o risco de invalidação dele, inventar algum motivo, ‘fabricar’ razões lógicas para justificá-lo e alegar que as tomou em consideração quando da prática do ato”.
A jurisprudência dos Tribunais brasileiros reconhece a importância e a imprescindibilidade de que os atos administrativos de desapropriação sejam motivados:
REEXAME NECESSÁRIO – AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO – UTILIDADE PÚBLICA – AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DO ATO EXPROPRIATÓRIO – INEXISTÊNCIA DE FINALIDADE PÚBLICA – SENTENÇA CONFIRMADA. – Na ação de desapropriação, não pode apreciação judicial recair sobre a validade do ato expropriatório ou analisar e solucionar questionamentos acerca de posse e domínio; contudo, pode o Poder Judiciário verificar se a declaração de utilidade pública é motivada e se constitui instrumento hábil aos fins expropriatórios, cumprindo com a finalidade pública – Ainda que o decreto expropriatório seja ato discricionário da Administração, nele o princípio da motivação deve estar presente, como em qualquer ato administrativo, uma vez que é condição “sine qua non” para viabilizar o controle de legalidade e da juridicidade de todo e qualquer ato exarado no exercício da função administrativa – Comprovado, nos autos de ação de reintegração de posse, com trânsito em julgado, que a área situada na propriedade dos expropriados não integra o Plano Rodoviário do Município de Chácara, não há motivos para a desapropriação para fins de “regularização do sistema viário do Município”.[5]
APELAÇÃO CIVEL. DESAPROPRIAÇÃO AMIGÁVEL. DIREITO DE RETROCESSÃO. TREDESTINAÇÃO ILÍCITA. DEVER DE INDENIZAR. 1. O instituto da desapropriação, modalidade de intervenção supressiva da propriedade que se legitima a partir do reconhecimento da sua função social, terá lugar, nos termos do artigo 5º, XXIV, da Constituição da República, quando, mediante procedimento legalmente estabelecido, verificar-se necessidade ou utilidade pública, ou interesse social; e a sua consolidação dependerá, via de regra, de prévia e justa indenização em dinheiro. 2. Nada obstante, quando o ente público desistir dos fins a que se destinava a desapropriação, liberando-a de qualquer finalidade que atenda ao interesse público tredestinação ilícita -, surge para o expropriado o direito de reaver o bem (retrocessão) ou o de obter indenização correspondente à diferença do preço atual da coisa com o do valor recebido à época da expropriação, nos termos do artigo 519 do Código Civil de 2002. 3. Caso concreto em que a parte autora somente aceitou a desapropriação amigável e pelo preço vil praticado em razão da finalidade pública específica que seria dada ao imóvel. De modo que a violação de legítima expectativa da parte autora – que, não fosse a finalidade pública anunciada, evidentemente preferiria a… justa e prévia indenização em dinheiro pelo valor de mercado do bem (30 vezes maior do que o pago) – malfere o princípio da proteção da confiança e, via de consequência, acarreta a ilicitude da tredestinação. Quadro fático que desnuda também conduta infensa à moralidade administrativa, ao princípio da motivação do ato administrativo e situação contrária ao princípio da vedação do enriquecimento ilícito, na medida em que a modificação da destinação do bem, a um só tempo, suprimiu a motivação declarada do ato e trouxe ganhos expressivos à Administração Municipal em detrimento do direito à justa indenização constitucionalmente garantida à parte expropriada (art. 5º, XXIV, CRFB). 4. À vista de que há pedido de indenização, subsidiário ao de retrocessão, e tendo em conta que os imóveis expropriados encontram-se ocupados pelos prédios-sede das empresas cessionárias (fls. 637/663), tem-se que a opção reparatória seja a mais alinhada ao princípio da razoabilidade. 5. Sentença reformada. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.[6]
Como o ato de desapropriação é discricionário, o elemento de motivação é requisito de sua validade e só é preenchido se estiver exposta de forma explícita, conforme os termos do Enunciado 4. Espera-se, assim, que, com este enunciado chancelado por grandes especialistas do Direito Administrativo, o Poder Público se sinta compelido a cumprir com o seu dever de motivação dos atos administrativos e, caso descumpra, que o Poder Judiciário, quando provocado, reconheça a nulidade do ato administrativo por vício de motivação.
Ademais, como salientado, o cumprimento deste dever de motivação adequada do ato administrativo viabiliza a sindicância destes atos, principalmente no que se refere a eventual desvio de finalidade em sua prática. Isso porque, conhecendo-se de forma clara, explícita e congruente o motivo do ato, o particular que tiver seu direito à propriedade cerceado de forma arbitrária, em ato administrativo viciado, possuirá os meios necessários para demonstrar a existência do vício que enseja a sua nulidade.
Com isso, o Poder Judiciário terá, igualmente, maior segurança de avaliar a adequação do ato sem invadir a sua esfera de competência, o que poderia ocorrer em caso de avançar sobre o mérito do ato administrativo. A identificação de arbitrariedade estará vinculada à existência de um desvio de finalidade, que será facilmente aferido a partir da motivação contida no ato, sendo ela apropriada e subsumida aos tipos previstos em lei, bem como à destinação dada ao bem nos termos da motivação do ato de desapropriação.
A bem da verdade, o Enunciado 4 reforça a teoria dos motivos determinantes, construção doutrinária que defende, nas palavras de EDUARDO ANDRÉ CARVALHO SCHIEFLER, MATHEUS LOPES DEZAN e FABIANO HARTMANN PEIXOTO, que:
[…] a validade das decisões administrativas guarda vínculo sincrético com os pressupostos objetivos que as constituem. Significa dizer que a decisão administrativa, ainda que discricionária, deve operar sobre motivos verdadeiros, existentes e corretamente qualificados, a fim de produzir efeitos válidos no mundo jurídico. Revelada a falsidade, a inexistência ou a inadequada qualificação dos motivos de fato expostos pelo administrador, de modo que não haja nexo lógico entre esses elementos fáticos e os motivos legais elencados, far-se-á inválido o ato administrativo.[7]
A teoria dos motivos determinantes também é reconhecida pela jurisprudência pátria, como se vê do seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP):
MANDADO DE SEGURANÇA. Pretensão voltada a assegurar a renovação de licença de funcionamento e exercício de atividade comercial Indeferimento administrativo que se baseia no fato de que o imóvel em questão foi declarado de utilidade pública para fins de desapropriação. Óbice que não prevalece, pois a declaração de utilidade pública, por si só, não tem o condão de afastar a emissão do alvará, no caso dos autos, se preenchidos os demais requisitos para a licença de funcionamento e exercício da atividade. Não havendo notícia de imissão na posse pelo poder público, a não renovação da licença, sob a justificativa de interesse público, para a finalidade desapropriatória, consiste em ato desprovido de amparo legal. Aplica-se ao caso a teoria dos motivos determinantes, com o entendimento de que mesmo os atos discricionários, se forem motivados, ficam vinculados a esses motivos como causa determinante de seu cometimento e se sujeitam ao confronto da existência e legitimidade dos motivos indicados. Havendo desconformidade entre os motivos determinantes e a realidade, o ato é inválido. Sentença de procedência mantida. Reexame necessário não provido.[8]
O Enunciado 4 se mostra, assim, um passo relevante à proteção dos particulares contra atos de desapropriação praticados de forma arbitrária, dotando-os de meios para demonstrar eventual ilicitude. Confere, também, segurança ao Poder Judiciário para aferir a legalidade do ato sem extrapolar sua competência jurisdicional. Por fim, estimula a Administração Pública a ser cautelosa e diligente na prática dos seus atos, atingindo a finalidade a que se propõe dentro dos limites legais.
Confira também os Comentários já publicados sobre o Enunciado 2 e o Enunciado 3 da 1ª Jornada de Direito Administrativo, os quais também versam sobre o instituto da desapropriação.
[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros Editores. p. 889.
[2] Art. 5o Consideram-se casos de utilidade pública:
a) a segurança nacional;
b) a defesa do Estado;
c) o socorro público em caso de calamidade;
d) a salubridade pública;
e) a criação e melhoramento de centros de população, seu abastecimento regular de meios de subsistência;
f) o aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, das águas e da energia hidráulica;
g) a assistência pública, as obras de higiene e decoração, casas de saude, clínicas, estações de clima e fontes medicinais;
h) a exploração ou a conservação dos serviços públicos;
i) a abertura, conservação e melhoramento de vias ou logradouros públicos; a execução de planos de urbanização; o parcelamento do solo, com ou sem edificação, para sua melhor utilização econômica, higiênica ou estética; a construção ou ampliação de distritos industriais;
j) o funcionamento dos meios de transporte coletivo;
k) a preservação e conservação dos monumentos históricos e artísticos, isolados ou integrados em conjuntos urbanos ou rurais, bem como as medidas necessárias a manter-lhes e realçar-lhes os aspectos mais valiosos ou característicos e, ainda, a proteção de paisagens e locais particularmente dotados pela natureza;
l) a preservação e a conservação adequada de arquivos, documentos e outros bens moveis de valor histórico ou artístico;
m) a construção de edifícios públicos, monumentos comemorativos e cemitérios;
n) a criação de estádios, aeródromos ou campos de pouso para aeronaves;
o) a reedição ou divulgação de obra ou invento de natureza científica, artística ou literária;
p) os demais casos previstos por leis especiais.
[3] Art. 2º Considera-se de interesse social:
I – o aproveitamento de todo bem improdutivo ou explorado sem correspondência com as necessidades de habitação, trabalho e consumo dos centros de população a que deve ou possa suprir por seu destino econômico;
II – a instalação ou a intensificação das culturas nas áreas em cuja exploração não se obedeça a plano de zoneamento agrícola, VETADO;
III – o estabelecimento e a manutenção de colônias ou cooperativas de povoamento e trabalho agrícola:
IV – a manutenção de posseiros em terrenos urbanos onde, com a tolerância expressa ou tácita do proprietário, tenham construído sua habilitação, formando núcleos residenciais de mais de 10 (dez) famílias;
V – a construção de casa populares;
VI – as terras e águas suscetíveis de valorização extraordinária, pela conclusão de obras e serviços públicos, notadamente de saneamento, portos, transporte, eletrificação armazenamento de água e irrigação, no caso em que não sejam ditas áreas socialmente aproveitadas;
VII – a proteção do solo e a preservação de cursos e mananciais de água e de reservas florestais.
VIII – a utilização de áreas, locais ou bens que, por suas características, sejam apropriados ao desenvolvimento de atividades turísticas.
[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros Editores. p. 408.
[5] TJ-MG – REEX: 10145041594469001 Juiz de Fora, Relator: Luís Carlos Gambogi, Data de Julgamento: 10/07/2014, Câmaras Cíveis / 5ª CÂMARA CÍVEL.
[6] TJ-RS – AC: 70059513366 RS, Relator: Marlene Marlei de Souza, Data de Julgamento: 16/05/2019, Terceira Câmara Cível.
[7] SCHIEFLER, Eduardo André Carvalho; HARTMANN PEIXOTO, Fabiano; DEZAN, Matheus Lopes. A decisão administrativa robótica e o dever de motivação. JOTA, 2020. Disponível em: https://www.jota.info/coberturas-especiais/inova-e-acao/a-decisao-administrativa-robotica-e-o-dever-de-motivacao-01092020. Acesso em 21 out. 2020.
[8] TJ-SP – REEX: 30002117820138260244 SP 3000211-78.2013.8.26.0244, Relator: Paulo Dimas Mascaretti, Data de Julgamento: 28/01/2015, 8ª Câmara de Direito Público.
Read MoreO enunciado aprovado traz a lume os princípios da inafastabilidade do Poder Judiciário, da economia processual e da celeridade, uma vez que destacou a possibilidade de que o Poder Judiciário acuse a existência de irregularidades no âmbito do processo administrativo ou que invalidem a lisura do ato administrativo de declaração de utilidade pública.
Enunciado 3 – Não constitui ofensa ao artigo 9º do Decreto-Lei nº 3.365/1941 o exame por parte do Poder Judiciário, no curso do processo de desapropriação, da regularidade do processo administrativo de desapropriação e da presença dos elementos de validade do ato de declaração de utilidade pública.
O enunciado aprovado consolida o entendimento de que o exame por parte do Poder Judiciário, no curso do processo de desapropriação, da regularidade do processo administrativo de desapropriação e da presença dos elementos de validade do ato de declaração de utilidade pública não ofende o artigo 9º do Decreto-Lei nº 3.365/1941.
O Decreto-Lei nº 3.365/1941, conhecido como a Lei Geral das Desapropriações, foi editado com a finalidade de disciplinar as desapropriações realizadas em atendimento ao interesse público em todo o território nacional, como se pode ler do seu artigo 1º[1]. Para que um bem seja desapropriado – e, conforme o artigo 2º[2], todos os bens podem sê-lo –, é preciso que seja declarada a sua utilidade pública. Trata-se de um instrumento jurídico que permite a transferência de um bem de titularidade privada para o Estado, quando haja justificativa fundamentada no interesse público.
A declaração de utilidade é uma prerrogativa do Poder Executivo, prevista neste dispositivo legal na forma de decreto do Presidente da República, Governador, Interventor ou Prefeito (artigo 6º[3]), embora o artigo 8º[4] preveja a possibilidade de o Poder Legislativo tomar a iniciativa da desapropriação.
O processo de desapropriação, portanto, deve iniciar como um processo administrativo, de iniciativa do Poder Executivo ou, excepcionalmente, do Poder Legislativo. Na hipótese, porém, de não haver, no curso desse processo administrativo, acordo entre as partes, isto é, entre o particular proprietário e o poder público interessado na desapropriação do bem, faz-se mister que o Estado intente uma ação judicial, conforme prevê o artigo 10:
Art. 10. A desapropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judicialmente, dentro de cinco anos, contados da data da expedição do respectivo decreto e findos os quais este caducará.
Esta ação judicial é disciplinada nos artigos 11 a 30 do Decreto-Lei, e se destina precipuamente à determinação do valor da indenização a ser paga ao proprietário expropriado, com base em perícia técnica (art. 14). Nesses artigos são instituídos os procedimentos que devem ser observados pelo magistrado para levar a efeito a desapropriação em caso de desacordo.
Entres os mencionados artigos, são estabelecidos critérios de competência para o ajuizamento da ação, requisitos da petição inicial, condições para a legitimidade do magistrado, instruções para a designação de perito, os procedimentos que devem ser observados em caso de urgência, entre outros aspectos procedimentais.
Destaca-se, porém, o artigo 20 da norma:
Art. 20. A contestação só poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação do preço; qualquer outra questão deverá ser decidida por ação direta.
Sendo a ação judicial de iniciativa do Poder Público, a contestação é, neste caso, invariavelmente do particular proprietário cujo bem é alvo do processo de desapropriação, mas, como se depreende do texto do artigo 20, qualquer questão que não constitua um vício do processo judicial ou a impugnação do preço ofertado pelo bem deve ser objeto de uma ação judicial própria e apartada.
Acontece que, ao se referir apenas a vício do processo judicial, omitindo-se sobre os eventuais vícios do processo administrativo com que se inicia o processo de desapropriação por interesse público, o artigo 20 deu azo a que se interpretasse que estes últimos vícios (administrativos) somente poderiam ser questionados em ação autônoma. Esta interpretação se reforçava pela equivocada exegese da restrição contida no artigo 9º, in verbis:
Art. 9º Ao Poder Judiciário é vedado, no processo de desapropriação, decidir se se verificam ou não os casos de utilidade pública.
Segundo este artigo, cabe tão-somente ao Poder Executivo a decisão sobre o mérito de uma desapropriação por utilidade pública, isto é, é sua prerrogativa determinar se no caso concreto está configurada uma ou mais hipóteses presentes no artigo 5º do Decreto-Lei, que justamente elenca os casos de utilidade pública. Esta decisão é exclusivamente administrativa e fica assim resguardada do exame de mérito por parte do Poder Judiciário (mérito do ato administrativo). Na ação judicial prevista nos artigos 11 a 30, portanto, não estaria o juiz autorizado a avaliar os fundamentos apresentados no ato administrativo que determinou a utilidade pública do imóvel a ser desapropriado, nem eventuais vícios cometidos nesta fase administrativa.
Pois bem. Como se viu em relação ao artigo 20, pode o réu alegar, na contestação, apenas vícios do processo judicial. Seguindo esse entendimento se encontram precedentes nos Tribunais de Justiça pátrios, a exemplo do seguinte:
APELAÇÃO – DESAPROPRIAÇÃO – Alegação de que o decreto municipal que declarou o imóvel desapropriado de utilidade pública deveria ter se lastreado em prévio procedimento administrativo, padecendo de nulidade – Na via estreita da ação de desapropriação, de cognição limitada, as matérias suscetíveis de discussão cingem-se a eventuais vícios processuais e ao preço do bem cuja expropriação se pretende, não subsistindo espaço para questionamentos tocantes à existência, ou não, de utilidade pública, muito menos para a declaração de nulidade do decreto expropriatório – Inteligência conjunta dos artigos 9º e 20 do Decreto-lei nº 3.365/1941 – Decreto Municipal nº 1844, de 13 de novembro de 2012, que declarou de utilidade pública a área descrita na inicial, discriminando os seus proprietários, ante a necessidade de construção de um posto de saúde e de uma creche (fls. 13/14), casos reputados de utilidade pública pelo artigo 5º, g e h, do Decreto-lei nº 3.365/1941 – Requisitos coessenciais à higidez do ato expropriatório contemplados – Sentença mantida – Recurso desprovido.[5]
Diante desta restrição imposto à atuação do Poder Judiciário, pode-se perguntar, porém, se no curso do processo judicial de desapropriação poderia o magistrado examinar eventuais vícios que inquinassem o processo administrativo de desapropriação. É nesse contexto que foi aprovado o Enunciado nº 3 no âmbito da 1ª Jornada de Direito Administrativo do Conselho da Justiça Federal:
Enunciado 3
Não constitui ofensa ao artigo 9º do Decreto-Lei nº 3.365/1941 o exame por parte do Poder Judiciário, no curso do processo de desapropriação, da regularidade do processo administrativo de desapropriação e da presença dos elementos de validade do ato de declaração de utilidade pública.
O Enunciado 3 consolida o entendimento de que o proprietário do imóvel objeto do processo de desapropriação, ao verificar a presença de irregularidades no processo administrativo ou de vícios hábeis a invalidar o ato de declaração de utilidade pública, pode provocar o próprio juiz responsável pelo processo judicial previsto no artigo 10 e disciplinado nos artigos 11 a 30 com vistas à sua revisão e eventual anulação, sem a necessidade de intentar nova ação judicial. Ou seja, sem que houvesse a violação do artigo 9º da norma.
O enunciado aprovado, portanto, traz a lume o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, insculpido no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição de 1988, in verbis: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Além disso, o texto do enunciado também ressalta o princípio da economia processual e da celeridade, este previsto no inciso LXXVIII do artigo 5º da CF/1988[6], uma vez que destacou a possibilidade de que o Poder Judiciário acuse a existência de irregularidades no âmbito do processo administrativo ou que invalidem a lisura do ato administrativo de declaração de utilidade pública – isso, repita-se, sem que haja violação à vedação contida no artigo 9º do Decreto-Lei nº 3.365/1941.
Dessa forma, o Enunciado 3 da 1ª Jornada de Direito Administrativo interpreta a vedação do artigo 9º do Decreto-Lei nº 3.365/1941 de maneira que não impeça que o proprietário de um bem que seja objeto de um processo de desapropriação alegue, no âmbito do processo judicial instaurado na hipótese de desacordo entre as partes (artigo 10 mencionado), eventuais irregularidades perpetradas na fase do processo administrativo de desapropriação ou a ausência de elementos de validade do ato de declaração de utilidade pública, quando seja o caso.
[1] Art. 1º A desapropriação por utilidade pública regular-se-á por esta lei, em todo o território nacional.
[2] Art. 2º Mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.
[3] Art. 6º A declaração de utilidade pública far-se-á por decreto do Presidente da República, Governador, Interventor ou Prefeito.
[4] Art. 8º O Poder Legislativo poderá tomar a iniciativa da desapropriação, cumprindo, neste caso, ao Executivo, praticar os atos necessários à sua efetivação.
[5] TJ-SP 00060569720128260238 SP 0006056-97.2012.8.26.0238, Relator: Marcos Pimentel Tamassia, Data de Julgamento: 24/10/2017, 1ª Câmara de Direito Público.
[6] Art. 5º […] LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Read MoreO enunciado aprovado consolida o entendimento de que é legitimo o exercício da autotutela administrativa, sem autorização judicial, para a proteção de bens públicos ocupados ilegalmente, desde que respeitados alguns requisitos.
Enunciado 2 – O administrador público está autorizado por lei a valer-se do desforço imediato sem necessidade de autorização judicial, solicitando, se necessário, força policial, contanto que o faça preventivamente ou logo após a invasão ou ocupação de imóvel público de uso especial, comum ou dominical, e não vá além do indispensável à manutenção ou restituição da posse (art. 37 da Constituição Federal; art. 1.210, §1º, do Código Civil; art. 79, § 2º, do Decreto-Lei n. 9.760/1946; e art. 11 da Lei n. 9.636/1998).
Os bens públicos são bens jurídicos móveis ou imóveis pertencentes a pessoas jurídicas de direito público, e são utilizados pela administração pública como meios instrumentais para a satisfação das necessidades da sociedade. Nesse sentido, o Código Civil os classifica em três categorias:
Art. 99. São bens públicos:
I – os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;
II – os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;
III – os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.
Estes bens públicos, embora sob a titularidade do Estado, são destinados exclusivamente ao atendimento das demandas sociais. Em lição especializada sobre o tema, Marçal Justen Filho ensina que “O Estado não recebe os bens para a satisfação de seus próprios interesses. Sempre se trata de utilizar os bens para promover os direitos fundamentais da população. Os bens públicos são atribuídos ao Estado para fins de sua proteção e para fruição democrática e adequada de suas utilidades.”[1]. O Estado, portanto, incumbido do dever de proteção dos bens em seu poder, deve resguardá-los de uso impróprio e garantir a sua fruição para o proveito e atendimento do interesse público em geral.
Há circunstâncias, porém, em que os bens públicos, sejam eles de uso comum, de uso especial ou dominicais, são invadidos e ocupados por particulares que não têm autorização legal para deles fazer uso, alterando indevidamente a destinação legal do uso desses bens. Isso incorre em turbação ou esbulho dos bens públicos.
Nessas circunstâncias, um dos institutos para a proteção de posses é a possibilidade de autotutela quando um bem for invadido ou utilizado indevidamente, que vale inclusive para particulares. Esta previsão encontra-se no artigo 1.210 do Código Civil:
Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.
§ 1º O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.
§ 2º Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa.
Além do direito de desforço imediato de caráter geral, o Estado detém esse direito, também, com fundamento no dever da administração pública de atender aos princípios da legalidade e da eficiência[2], legitimando a autotutela para a proteção do patrimônio público quando este for indevidamente utilizado. Esta previsão, para o que importa ao assunto em comento, já havia sido regulamentada pelo Decreto-Lei nº 9.760/1946[3] e pela Lei nº 9.636/1998[4], que previram o direito de o administrador público exercer a proteção de bens públicos sem a necessidade de determinação judicial prévia.
Com o objetivo de trazer maior clareza a este instituto e ampliar a divulgação da tese entre os órgãos e entes administrativos, o tema foi debatido na I Jornada de Direito Administrativo do Conselho da Justiça Federal, tendo sido votado e aprovado o Enunciado 2 com o seguinte teor:
Enunciado 2
O administrador público está autorizado por lei a valer-se do desforço imediato sem necessidade de autorização judicial, solicitando, se necessário, força policial, contanto que o faça preventivamente ou logo após a invasão ou ocupação de imóvel público de uso especial, comum ou dominical, e não vá além do indispensável à manutenção ou restituição da posse (art. 37 da Constituição Federal; art. 1.210, §1º, do Código Civil; art. 79, § 2º, do Decreto-Lei n. 9.760/1946; e art. 11 da Lei n. 9.636/1998)
O enunciado aprovado, que sintetiza os dispositivos legais citados anteriormente, consolida o entendimento de que é legitimo o exercício da autotutela administrativa, ou seja, sem a necessidade de autorização judicial, por parte do administrador público para a proteção de bens públicos ocupados ilegalmente, desde que exercida com proporcionalidade e razoabilidade e desde que faça preventivamente ou imediatamente após a invasão ou ocupação ilícita.
Como era de se esperar, este entendimento já vinha sendo adotado pelos Tribunais brasileiros, como é o caso do Superior Tribunal de Justiça (STJ), órgão jurisdicional competente para uniformizar a interpretação de leis federais.
É o caso do julgamento do REsp 1.071.741, de relatoria do Ministro Herman Benjamin, no qual o STJ ressaltou o dever do administrador público de utilizar-se de todas as medidas possíveis e cabíveis para assegurar a proteção dos bens públicos sob a sua tutela. Confira-se:
9. Diante de ocupação ou utilização ilegal de espaços ou bens públicos, não se desincumbe do dever-poder de fiscalização ambiental (e também urbanística) o Administrador que se limita a embargar obra ou atividade irregular e a denunciá-la ao Ministério Público ou à Polícia, ignorando ou desprezando outras medidas, inclusive possessórias, que a lei põe à sua disposição para eficazmente fazer valer a ordem administrativa e, assim, impedir, no local, a turbação ou o esbulho do patrimônio estatal e dos bens de uso comum do povo, resultante de desmatamento, construção, exploração ou presença humana ilícitos.
10. A turbação e o esbulho ambiental-urbanístico podem e no caso do Estado, devem ser combatidos pelo desforço imediato, medida prevista atualmente no art. 1.210, § 1º, do Código Civil de 2002 e imprescindível à manutenção da autoridade e da credibilidade da Administração, da integridade do patrimônio estatal, da legalidade, da ordem pública e da conservação de bens intangíveis e indisponíveis associados à qualidade de vida das presentes e futuras gerações.[5]
Ademais, a doutrina também é esclarecedora sobre o tema. Segundo os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles, o desforço imediato é a medida recomendável e se justifica em razão do princípio da autoexecutoriedade dos atos públicos:
Observamos que a utilização indevida de bens públicos por particulares, notadamente a ocupação de imóveis, pode – e deve – ser repelida por meios administrativos, independentemente de ordem judicial, pois o ato de defesa do patrimônio público, pela Administração, é autoexecutável, como o são, em regra, os atos de polícia administrativa, que exigem execução imediata, amparada pela força pública, quando isto for necessário.[6]
O princípio da autoexecutoriedade dos atos praticados pela administração pública, portanto, vai ao encontro do exposto anteriormente, atribuindo aos atos administrativos o poder de serem executados sem o aval prévio do Poder Judiciário, desde que haja previsão legal para tanto ou situação excepcional de urgência.
Assim, em consonância com a jurisprudência e a doutrina especializada, o texto do Enunciado 2 é categórico ao autorizar o emprego do desforço imediato pela administração pública em casos de invasão ilegal de imóveis públicos, desde que o administrador o faça preventivamente ou logo após a invasão ou ocupação de imóvel público de uso especial, comum ou dominical, e não vá além do indispensável à manutenção ou restituição da posse.
[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 1118.
[2] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: […]
[3] Art. 79. A entrega de imóvel para uso da Administração Pública Federal direta compete privativamente à Secretaria do Patrimônio da União – SPU. […]
§ 2º O chefe de repartição, estabelecimento ou serviço federal que tenha a seu cargo próprio nacional, não poderá permitir, sob pena de responsabilidade, sua invasão, cessão, locação ou utilização em fim diferente do que lhe tenha sido prescrito.
[4] Art. 11. Caberá à SPU a incumbência de fiscalizar e zelar para que sejam mantidas a destinação e o interesse público, o uso e a integridade física dos imóveis pertencentes ao patrimônio da União, podendo, para tanto, por intermédio de seus técnicos credenciados, embargar serviços e obras, aplicar multas e demais sanções previstas em lei e, ainda, requisitar força policial federal e solicitar o necessário auxílio de força pública estadual.
[5] STJ, REsp 1.071.741/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/03/2009, DJe 16/12/2010.
[6] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 640.
Read MoreA Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça uniformizou o entendimento da Corte sobre a polêmica extensão da penalidade de perda da função pública em virtude de ato de improbidade administrativa, prevista no artigo 12 da Lei nº 8.429/1992.
Recentemente, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) uniformizou o entendimento da Corte sobre a polêmica extensão da penalidade de perda da função pública em virtude de ato de improbidade administrativa, prevista no artigo 12 da Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa).
Em Embargos de Divergência opostos em sede do Recurso Especial nº 1701967/RO[1], o Superior Tribunal de Justiça definiu que a penalidade em questão atinge não só o cargo ocupado pelo infrator no momento da prática da conduta ímproba, mas também se estende ao cargo público eventualmente ocupado por este no momento do trânsito em julgado da sentença condenatória (artigo 20 da Lei de Improbidade Administrativa[2]).
A controvérsia foi julgada por maioria pelo colegiado dos órgãos especializados em Direito Público, tendo sido analisada em razão de divergência existente entre a Primeira e Segunda Turmas da Corte. No voto vencedor, o Ministro Francisco Falcão afirma que a sanção de perda do cargo tem por objetivo afastar dos quadros da Administração Pública o agente que apresentou conduta ímproba e carência ética para o exercício da função pública. Por essa lógica, defendeu que a penalidade em questão deve abranger toda e qualquer atividade que o agente esteja exercendo no momento do trânsito em julgado da sentença condenatória.
Considerando que o objetivo da perda do cargo é o de salvaguardar a Administração de agentes que demonstrem “pouco ou nenhum apreço pelos princípios regentes da atividade administrativa”[3], a penalidade deve atingir não só o cargo ocupado no momento da prática do ato ímprobo, como também eventual outra função pública que esteja sendo exercida, uma vez que a improbidade não está ligada ao cargo em si, mas à própria atuação desse agente na Administração Pública.
Portanto, prevaleceu o entendimento que vinha sendo adotado pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, que pode ser representado pelo seguinte julgado:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL. COBRANÇA DE PROPINA. […] PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA. ART. 12 DA LEI 8.429/1992. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. SÚMULA 7/STJ. […]
5. A Lei 8.429/1992 objetiva coibir, punir e afastar da atividade pública todos os agentes que demonstraram pouco apreço pelo princípio da juridicidade, denotando uma degeneração de caráter incompatível com a natureza da atividade desenvolvida.
6. A sanção de perda da função pública visa a extirpar da Administração Pública aquele que exibiu inidoneidade (ou inabilitação) moral e desvio ético para o exercício da função pública, abrangendo qualquer atividade que o agente esteja exercendo ao tempo da condenação irrecorrível.
7. Não havendo violação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, modificar o quantitativo da sanção aplicada pela instância de origem, no caso concreto, enseja reapreciação dos fatos e provas, obstado nesta instância especial (Súmula 7/STJ).
8. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.[4]
No caso analisado e julgado, discute-se a extensão da sanção de perda da função pública à ex-policial federal que se encontrava exercendo o cargo de Defensor Público ao tempo do trânsito em julgado da sentença condenatória.
De toda forma, embora se trate de uma uniformização da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é possível que, em algum momento, a questão seja levada ao Supremo Tribunal Federal (STF) para análise da constitucionalidade da extensão da penalidade.
Vale ressaltar, ainda, que a prática de ato de improbidade administrativa não acarreta, automaticamente, a necessidade de aplicação da penalidade de perda da função pública, uma vez que a própria Lei nº 8.429/1992 determina que o juiz deverá, na fixação das penas, levar em conta “a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente”.
Nesse sentido, considerando que o acórdão prolatado pela Primeira Seção do STJ ainda não foi disponibilizado (em 16/9/2020), ainda não está claro se o entendimento que prevaleceu, além de confirmar a abrangência da perda de função pública atualmente ocupada, também veda a hipótese de que um juiz, com base nos elementos do caso concreto e em atenção à razoabilidade e proporcionalidade entre conduta e sanção, restrinja a condenação ao cargo que serviu como instrumento para a prática do ato de improbidade.
[1] Informações obtidas por meio de notícia veiculada no site do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Cf. http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/16092020-Perda-de-funcao-publica-por-improbidade-atinge-qualquer-outro-cargo-ocupado-no-momento-da-condenacao-definitiva.aspx. Acesso em 16 set. 2020.
[2] Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual.
[3] ANDRADE, Landolfo. Aplicabilidade da sanção de perda da função pública sobre qualquer função exercida pelo agente ímprobo ao tempo do trânsito em julgado da decisão condenatória. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2019/07/23/sancao-perda-da-funcao-publica/.
[4] STJ, REsp 1297021/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/11/2013.
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