
Dia Internacional da Proteção de Dados: um marco global e nacional
Dia Internacional da Proteção de Dados: um marco global e nacional
No dia 28 de janeiro, celebra-se o Dia Internacional da Proteção de Dados, um marco global que destaca a importância da proteção de dados e da privacidade em um mundo cada vez mais digitalizado, onde a segurança das informações é essencial para indivíduos e organizações. Mas por que essa data é tão significativa?
Um marco europeu com impacto global
A data faz referência à ratificação da Convenção 108 do Conselho da Europa, o primeiro tratado internacional sobre proteção de dados pessoais. Desde então, o continente europeu tem liderado os esforços nesse campo, influenciando diversas legislações ao redor do mundo.
A influência europeia sobre legislações estrangeiras é frequentemente chamada de “efeito Bruxelas”, e a proteção de dados é um exemplo claro desse fenômeno. Normas como o Regulamento Geral de Proteção de Dados (General Data Protection Regulation – GDPR) e o Regulamento Mercados Digitais (Digital Markets Act) exerceram um impacto profundo na formulação de legislações em diversos países.
No cenário dos dados pessoais, essa influência não apenas motivou o alinhamento às exigências europeias para facilitar relações comerciais com o bloco, mas também impulsionou um movimento global em defesa da transparência no tratamento de dados.
Com o avanço das tecnologias, os dados pessoais passaram a ser considerados um valioso ativo econômico, destacando a necessidade de regulamentações robustas para garantir transparência e segurança no tratamento dessas informações.
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)
No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), instituída pela Lei nº 13.709/2018, alinha o país às melhores práticas globais. Inspirada no GPDR, a LGPD estabelece diretrizes claras para o uso responsável de dados pessoais, protegendo os direitos dos titulares e promovendo transparência e segurança, tanto no setor público quanto no privado.
A lei define como “tratamento de dados” toda operação realizada com informações pessoais, como coleta, uso, armazenamento, compartilhamento e exclusão. Seu objetivo principal é garantir a privacidade e a segurança das informações, estabelecendo regras específicas que promovem responsabilidade e ética no tratamento de dados pessoais.
Para assegurar o cumprimento da LGPD, quatro pilares fundamentais devem ser observados: necessidade, finalidade, livre acesso e transparência. Isso significa que apenas os dados estritamente necessários devem ser tratados, sempre com clareza quanto aos objetivos do tratamento. Além disso, os dados devem ser acessíveis ao titular, permitindo que ele conheça e acompanhe com transparência o uso de suas informações.
Entre os direitos garantidos pela LGPD aos titulares de dados, destacam-se:
- Confirmação do tratamento e acesso: verificar quais dados estão sendo tratados e suas finalidades;
- Correção de dados: solicitar ajustes em informações incompletas, incorretas ou desatualizadas;
- Anonimização, bloqueio ou eliminação: exigir a exclusão ou restrição de uso de dados inadequados ou em desconformidade com a legislação; e
- Informação sobre consentimento: conhecer as consequências de consentir ou não com o tratamento de seus dados.
Atualmente, é impossível dissociar a proteção de dados pessoais de um sistema de governança eficaz, sendo peça-chave nas práticas ESG (ambiental, social e governança). No contexto ESG, a proteção de dados se destaca principalmente nos pilares social e de governança. A dimensão social enfatiza a necessidade de respeito à privacidade dos indivíduos e à ética no tratamento de informações pessoais, enquanto o pilar de governança exige que as organizações adotem políticas consistentes, mecanismos de controle, e nomeiem responsáveis, como o Encarregado de Dados (Data Protection Officer – DPO), para assegurar o cumprimento das obrigações legais.
A transparência, elemento essencial nas práticas ESG, fortalece a confiança entre as empresas, consumidores e demais stakeholders. Empresas que integram a proteção de dados às suas estratégias de ESG não apenas reduzem riscos relacionados a vazamento de informações e violações de privacidade, mas também demonstram compromisso com a sociedade e com a sustentabilidade de longo prazo da instituição.
Dessa forma, o ESG deixa de ser um conceito abstrato e passa a ser uma ferramenta estratégica, onde a proteção de dados assume papel essencial na construção de um ambiente empresarial mais responsável. Mais do que uma exigência legal, a LGPD é fundamental para um sistema de governança eficaz, tanto no setor público quanto no privado.
No âmbito privado, o desenvolvimento de políticas de privacidade e proteção de dados também se tornou um diferencial competitivo indispensável para as empresas.
Em um mercado cada vez mais atento à ética e à transparência, organizações que adotam boas práticas conquistam maior credibilidade. Esse movimento é especialmente relevante em um país historicamente sensível a questões de confiança institucional.
A proteção de dados na Administração Pública
A LGPD dedica um capítulo inteiro ao tratamento de dados pessoais pela administração pública, estabelecendo diretrizes para harmonizar o interesse público e a privacidade. Dessa forma, a adoção de medidas específicas não é apenas uma recomendação, mas um dever de proteger os direitos dos titulares, garantindo, também, transparência na administração.
A compatibilidade entre a LGPD e a Lei de Acesso à Informação (LAI) é um exemplo dessa harmonização. Enquanto a LAI assegura o direito de acesso às informações públicas, a LGPD preserva a privacidade dos dados pessoais, garantindo que tais acessos não comprometam os direitos fundamentais dos indivíduos.
Na administração pública, a proteção de dados se manifesta com destaque a duas formas principais, ainda que estejam interligadas: a forma como os próprios órgãos públicos lidam internamente com o tratamento de dados e o modo como as empresas que contratam com a administração pública adotam essas práticas.
Qual é o impacto do Dia Internacional da Proteção de Dados?
O Dia Internacional da Proteção de Dados vai além de uma simples celebração. É um momento para refletir sobre a importância da privacidade e segurança no tratamento de dados, bem como para reforçar a necessidade de adequação às regulamentações vigentes.
No Brasil, a LGPD se consolida como um importante instrumento para a proteção dos direitos dos titulares e o fortalecimento da transparência e ética nas relações institucionais. Sua implementação não cumpre apenas uma obrigação legal, mas também representa uma oportunidade de promover boas práticas de governança e construir relações de confiança com a sociedade. A data reforça a necessidade de um comprometimento coletivo em prol da segurança e da privacidade em um mundo cada vez mais conectado.
Read MoreA LGPD, agora em parcial vigor, institui regime jurídico devotado à disciplina das operações de tratamento de dados realizadas por entes que compõem o poder público, dos quais se espera que envidem esforços para garantir efetivas prestações estatais para concretizar as normas de proteção de dados pessoais.
Matheus Lopes Dezan[i]
Em 18 de setembro de 2020, sexta-feira, iniciou-se a parcial[ii] produção de vigor pela Lei Federal nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, usualmente denominada Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)[iii]. Cessa o período de vacatio legis da LGPD após extenso processo legislativo. Isso porque, em 29 de abril de 2020, fora adiada a vigência parcial da LGPD para 03 de maio de 2021, por força do 4º artigo da Medida Provisória nº 959[iv]. Contudo, o Congresso Nacional, em 26 de agosto de 2020, optou pela remoção do artigo 4º da MP nº 959/2020 durante votação acerca da conversão dessa MP em Lei Ordinária Federal nº 14.058, sancionada pela Casa Civil na última sexta-feira, 18 de setembro.
Em face do exposto, vigora parcialmente a LGPD, lei que serve de eixo ao sistema normativo brasileiro de proteção de dados pessoais, provocando importantes alterações para as relações público-privadas[v], sobretudo em face do contexto de uma administração pública eletronizada[vi].
A LGPD E A ORDEM CONSTITUCIONAL
A LGPD regula as operações de tratamento de dados pessoais realizadas por agentes públicos e privados, isto é, regula operações tais quais as de acesso, de coleta, de armazenamento, de processamento e de compartilhamento de dados pessoais (informações que versam sobre atributos da pessoa natural identificada ou identificável – artigo 5º, I, LGPD). Instituem-se, pois, garantias normativas postas em defesa do titular de dados tratados.
Nesse sentido, a fim de tornar efetiva a proteção que confere à categoria de dados pessoais, a LGPD busca dar concreção a normas constitucionais fundamentais. Para isso, afirma como fundamentos seus o respeito à privacidade, ao livre desenvolvimento da personalidade (corolário lógico-jurídico do respeito à dignidade humana, positivado pelo inciso III do artigo 1º da CF/88), aos direitos de autonomia informacional da personalidade, às liberdades de expressão, de informação e de comunicação, à intimidade, à honra, à imagem e a outros direitos fundamentais que servem de axioma à nova lei de proteção de dados (artigos 1º e 2º, LGPD).
Do mesmo modo, operações de tratamento de dados pessoais devem observar, em regra, diretrizes normativas de finalidade, de adequação, de necessidade, de livre acesso, de qualidade de dados, de transparência, de segurança, de não discriminação e outras diretrizes afirmadas pela doutrina estudiosa de temas afeitos à proteção de dados pessoais e positivadas pela LGPD (artigo 6º, LGPD).
Precisamente, no que concerne a operações de tratamento de dados pessoais realizadas pelo poder público, importa a observância das diretrizes positivadas em lei para que haja adequação das relações público-privadas às premissas de um Estado efetivamente Democrático e de Direito, que age em atenção à proteção de direitos fundamentais individuais e coletivos e em prol do interesse público.
Há, no entanto, especificidades próprias do regime jurídico criado pela LGPD e devotado aos órgãos e entidades administrativas, que merecem mais profunda abordagem em tópico apartado.
O TRATAMENTO DE DADOS PELO PODER PÚBLICO
O capítulo IV da LGPD é dedicado à instituição de novo regime normativo para a regulação das operações tratamento de dados pessoais executadas pelo poder público. Trata-se de regime jurídico distinto daquele por meio dos quais são disciplinadas as pessoas jurídicas de direito privado, o que se justifica em razão das particularidades de prerrogativa que a administração pública ostenta.
De pronto, pode-se destacar que o tratamento de dados pelo poder público deve atender a finalidades públicas, com respaldo no interesse público, a fim de que seja possível a execução das atribuições legais do poder público, tais como a execução de políticas públicas, a prestação de serviços públicos e administração da res publica (artigo 23, LGPD). Em todos os casos, deve-se lembrar, observam-se os fundamentos e princípios da LGPD e resguardam-se os direitos do titular dos dados tratos, que deve ser informado sobre os usos que se fazem dos dados tratados por entidades administrativas, bem como deve ter acesso a essas informações em veículos de fácil acesso, sobretudo em portais governamentais em sites da internet (artigo 23, I, LGPD). Ainda, o exercício dos direitos do titular de dados deve ocorrer com amparo no remédio constitucional do Habeas Data, nas disposições da Lei Geral do Processo Administrativo e, ainda, na Lei de Acesso à Informação, todos integrantes do sistema normativo de proteção de dados pessoais ordenado pela LGPD (artigo 23, § 3º, LGPD).
Esse mesmo regime jurídico de direito público disciplina a prestação de serviços notariais e de registros, do mesmo modo que disciplina a execução, por empresas públicas e por sociedades de economia mista, de serviços e políticas públicos (artigo 23, §§ 4º e 5º e artigo 24, parágrafo único, LGPD). Nesses casos, os dados tratados devem ser armazenados em formato interoperável, de modo que seja possível o compartilhamento de dados pessoais entre órgãos da administração pública, para a execução de políticas públicas. O compartilhamento de dados entre entidades administrativas e empresas privadas é estritamente vedado pela LGPD, salvo em casos excepcionais, sendo sempre devida comunicação acerca do compartilhamento à autoridade nacional e ao titular dos dados (artigos 24 e 25, LGPD).
Sem embargos, empresas públicas e sociedades de economia mista que atuam em regime privado de concorrência devem observar a disciplina normativa própria de entidades privadas (artigo 24, caput, LGPD).
Não se aplicam as normas da LGPD quando o tratamento de dados pessoais ocorrer para fins de segurança nacional, de defesa nacional e de segurança do Estado, bem como para fins investigação e de repressão de infrações penais. Dessa forma, em caso de a administração pública tratar dados pessoais para uma das finalidades elencadas, não é devida a aplicação das normas da LGPD.
Similarmente, a LGPD concebe a possibilidade de a administração pública tratar dados pessoais sem o consentimento do titular dos dados tratados para a execução de políticas públicas previstas em lei, em regulamentos ou em contratos, convênios e outros, bem como a para fins de proteção da saúde pela autoridade sanitária, mesmo que sem consentimento do titular de dados (artigo 7º, III e IX, LGPD). De todo modo, é necessário assegurar ao titular dos dados tratados acesso facilitado às informações sobre essas operações de tratamento de dados, tais como informações sobre as formas de tratamento, sobre a identidade dos agentes de tratamento, sobre a finalidade do tratamento e sobre os direitos do titular (artigo 9º, LGPD).
A AUTORIDADE NACIONAL DE PROTEÇÃO DE DADOS
Para fiscalizar o cumprimento das normas positivadas pela LGPD, previu-se a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), criada sem aumento de despesas e vinculada à Presidência da República (artigo 55-A, LGPD). A despeito dessa vinculação, em torno da qual pairam inesgotáveis debates, garante-se à ANPD autonomia técnico-decisória. Do mesmo modo, a autoridade nacional instituída por lei possui natureza jurídica transitória, sendo possível, em momento posterior, que a ANPD seja transformada em entidade da administração pública federal indireta, disciplinada por regime autárquico e especial (artigos 55-A, § 1º, e 55-B, LGPD).
Figuram dentre as competências da ANPD aquelas de zelar pela proteção de dados pessoais e pelo respeito aos segredos comerciais e industriais – sobretudo em caso de haver necessidade de auditar operações de tratamento de dados, como provê o artigo 20 da LGPD – de elaborar diretrizes da Política Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade e de aplicar sanções em caso de descumprimento das ordens legais (artigo 55-J, LGPD). Ademais, editou-se recentemente o Decreto nº 10.474, de 26 de agosto de 2020, que regulamenta com maior especificidade a estrutura e as atribuições da ANPD[vii].
Nada obstante, as sanções de multa previstas pela LGPD, e passíveis de serem aplicadas pela ANPD, apenas vigoram a partir de 1º de agosto de 2021, período reservado à estruturação da ANPD, o que apenas recentemente se iniciou.
UM PANORAMA GERAL
Em suma, a LGPD, agora em parcial vigor, institui regime jurídico devotado à disciplina das operações de tratamento de dados realizadas por entes que compõem o poder público. Consequentemente, espera-se que a administração pública, imergida no contexto de eletronização de seus atos, envide esforços, como o tem feito desde 2018, no sentido de convergir a sua estrutura interna para as disposições inauguradas pela LGPD, de modo que seja possível garantir efetivas prestações estatais em consonância com a ordem constitucional, concretizada pelas normas de proteção de dados pessoais.
QUADRO COMPARATIVO
Notas de fim de página
[i] Estagiário de Direito em Schiefler Advocacia. Bacharelando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Membro do Laboratório de Políticas Públicas e Internet (LAPIN). Membro do Grupo de Pesquisa certificado pelo CNPq Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial (DR.IA/UnB). Membro do Grupo de Estudos em Direito e Economia (GEDE/UnB/IDP). Membro do Grupo de Pesquisa em Hermenêutica do Direito Administrativo e Políticas Públicas (HDAPP/UniCeub). Membro do Grupo Bioethik: Grupo de Pesquisas em Bioética.
[ii] Por força do inciso I do artigo 65 da LGPD, os artigos 55-A, 55-B, 55-C, 55-D, 55-E, 55-F, 55-G, 55-H, 55-I, 55-J, 55-K, 55-L, 58-A e 58-B vigoram desde 28 de dezembro de 2018, e os artigos 52, 53 e 54, que versam acerca das sanções administrativas a serem aplicadas pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados a infratores da Lei, por força do inciso I-A do artigo 65 da LGPD, vigoram apenas a partir de 1º de agosto de 2021. A redação da MP 959/2020, portanto, apenas modificou a redação do inciso II do artigo 65 da LGPD, que cuida da vigência dos demais artigos da lei.
[iii] BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm. Acesso em: 21 ago. 2020.
[iv] BRASIL. Medida Provisória nº 959, de 29 de abril de 2020. Estabelece a operacionalização do pagamento do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda e do benefício emergencial mensal de que trata a Medida Provisória nº 936, de 1º de abril de 2020, e prorroga a vacatio legis da Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, que estabelece a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2250977. Acesso em: 21 ago. 2020.
[v] SCHIEFLER, Gustavo Henrique Carvalho. Diálogos público-privados. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.
[vi] SCHIEFLER, Eduardo André Carvalho. Processo administrativo eletrônico. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.
[vii] BRASIL. Decreto nº 10.474, de 26 de agosto de 2020. Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança da Autoridade Nacional de Proteção de Dados e remaneja e transforma cargos em comissão e funções de confiança. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-10.474-de-26-de-agosto-de-2020-274389226. Acesso em: 21 ago. 2020.
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