É possível o equilíbrio da saúde pública e a manutenção do direito mesmo em época de pandemia da COVID-19.
Apesar de a Lei do Acompanhante (Lei Federal nº 11.108/2005) garantir à gestante o direito a um acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, a pandemia decorrente do novo coronavírus gerou controvérsias entre as unidades de saúde.
Na angústia de não saber se o seu direito será resguardado, tem crescido o número de ações judiciais a fim de que seja cumprida a Lei do Acompanhante.
Recentemente, a juíza Danielle Rodrigues da Silva, da 1ª Vara Cível da Comarca de Cataguases, do Tribunal de Minas Gerais (TJMG), determinou que o Hospital de Cataguases cumpra a decisão de permitir a presença de acompanhantes no momento do parto, sob pena de multa no valor de R$ 50.000,00.
Para a defesa do Hospital, contudo, nenhum direito é absoluto. A decisão do Hospital em ter proibido a presença de acompanhante foi pautada na questão de saúde pública, com a finalidade de reduzir o contágio. No entanto, conforme já abordado no artigo sobre o direito da gestante a um acompanhante no momento do parto, é possível o equilíbrio da saúde pública e a manutenção do direito mesmo em época de pandemia da COVID-19.
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A liminar afetava mais de cinquenta professores de diversas especialidades no Instituto Federal da Paraíba - IFPB.
A Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região suspendeu decisão liminar concedida em Ação Civil Pública que determinava a anulação das nomeações de mais de cinquenta professores de diversas especialidades aprovados em concurso público realizado pelo Instituto Federal da Paraíba – IFPB.
O concurso para professor do IFPB, cujo edital foi lançado em dezembro de 2018, atravessou regularmente todas as suas fases até a realização da prova de desempenho didático. Contudo, após a divulgação do resultado desta última etapa, os problemas iniciaram. Isso porque, num primeiro momento, a instituição de ensino e a banca organizadora do concurso se recusaram a entregar as cópias das gravações aos candidatos.
Diante de inúmeras reclamações dirigidas ao Ministério Público Federal, o órgão editou recomendação ao IFPB para franquear acesso às gravações de vídeos a todos os candidatos solicitantes e reabrir o prazo recursal, preservando o direito ao contraditório substantivo.
Seguindo a recomendação do MPF, o Instituto lançou edital permitindo que todos os interessados em ter acesso ao vídeo de sua prova de desempenho fizessem solicitação por e-mail. Ademais, o IFPB reabriu o prazo de recurso após a entrega dos vídeos, seguindo estritamente as orientações do órgão ministerial.
Acontece que, dos mais de 1.054 candidatos que realizaram a prova de desempenho, 35 notificaram a banca e o IFPB de que a gravação entregue continha falhas que inviabilizavam seu uso.
Nesta circunstância, a fim de preservar o direito destes candidatos de se utilizarem do vídeo para eventual interposição de recurso, o IFPB oportunizou a esses 35 candidatos que refizessem a prova de desempenho. No entanto, em diversos casos, os candidatos optaram em não refazer a prova e manter-se com a nota já anteriormente atribuída – anuindo com a nota conferida pela banca de concurso. Ao todo, 19 candidatos optaram por manter sua nota e 16 realizaram nova prova de desempenho.
Ocorre que após a adoção destas medidas, o MPF tomou conhecimento de que outros dois candidatos, além dos 35 que haviam notificado a banca e tiveram a oportunidade de refazer a prova de desempenho didático, a seu critério, também tiveram problemas com sua gravação e não haviam sido incluídos na lista das gravações defeituosas, motivo pelo qual também não puderam refazer a prova.
Diante desta circunstância, após a homologação do concurso público e da nomeação e posse de cerca de mais de quarenta novos professores na instituição, o MPF decidiu por ajuizar ação civil pública requerendo o refazimento de todas as provas de desempenho (didáticas) dos dezenove diferentes códigos de especialidade (seguramente mais de 500 novas provas de desempenho).
Na sequência, o juízo recebeu a ação e determinou que todas as nomeações decorrentes deste concurso público, nos dezenove códigos de vaga indicados, fossem integralmente anuladas, bem como determinou o refazimento de todas estas provas de desempenho.
Para os candidatos aprovados, a decisão foi dramática e estarrecedora.
Muitos deles vieram de outras regiões do país, do sul, sudeste, norte. Alguns haviam pedido exoneração dos cargos anteriormente ocupados, demissão de seus antigos empregos. Gastaram suas poupanças para viabilizar a mudança para a Paraíba. Eles haviam se submetido a todas as fases do concurso público, prova escrita, prova de desempenho e apresentação de seus títulos e sido devidamente aprovados e convocados pelo próprio IFPB, após a homologação do concurso. Aceitaram este desafio e missão que é a docência e ficaram sem chão ao saber que suas nomeações haviam sido anuladas sem que sequer tivessem a oportunidade de apresentar sua defesa ao juízo – inclusive porque, se o tivessem feito, possivelmente a decisão liminar com caráter anulatório jamais teria sido concedida.
Em alguns casos, a decisão inicialmente proferida continha argumentos adicionais que revelavam o seu equívoco. Num dos cargos, por exemplo, nenhum candidato havia refeito a prova de desempenho. Pelo contrário: o único candidato que havia manifestado problemas com sua gravação tinha sido nomeado e empossado no cargo sendo, ele próprio, prejudicado pela iniciativa do MPF e pela decisão do juízo.
Sensível a estes argumentos e, especialmente, ao manifesto prejuízo que o IFPB teria caso aquela decisão fosse mantida, com mais de 4.943 alunos que passariam a não ter professores para lecionar disciplinas imprescindíveis para sua formação, a Quarta Turma do TRF-5 reconheceu o descabimento desta decisão e determinou a manutenção das nomeações daqueles professores aprovados no concurso público.
Dentre os fundamentos da decisão proferida em sede recursal, que contou com a atuação do escritório Schiefler Advocacia, o Desembargador Relator argumentou pelo descabimento da medida de anulação das nomeações ante a inexistência de demonstração objetiva de que o refazimento das provas ensejou em benefício indevido aos candidatos (notadamente porque somente 16 refizeram as provas e sequer se tem notícia de que estes todos haviam sido nomeados). A bem da verdade, dezenas de candidatos que não refizeram as provas estavam efetivamente sendo prejudicados por aquela decisão. Ademais, como bem inserido no voto, aprovado por unanimidade, as alterações previstas na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, notadamente o previsto no artigo 21, o qual estabeleceu o princípio da conservação, devendo-se manter, se possível o ato administrativo praticado. E encerra: ainda que se mostrasse imprescindível anular o ato administrativo, tal medida deve se realizar “modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais”.
Ao final, os professores aprovados no concurso público e empossados no cargo poderão, ao menos até o fim do trâmite judicial, concentrar suas energias na atividade para a qual toda a atividade administrativa, no IFPB, foi engendrada: o exercício do magistério.
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Read MorePara o STJ, a apresentação de CNH vencida não impede o candidato de realizar prova.
É certo que, no edital de todo concurso, haverá a exigência de apresentação de documento de identificação pessoal para a realização das provas e para a participação das eventuais outras etapas da competição.
Intuitivamente, e mesmo em raciocínio jurídico estrito, tende-se a concluir que os documentos de identificação pessoal a serem apresentados devem estar todos em seu prazo de validade.
Mas, no que toca especificamente à Carteira Nacional de Habilitação (CNH), será mesmo que o escorrimento de seu prazo de validade a invalida como documento de identificação pessoal para concurso público?
Vejamos.
A CNH encontra previsão legal no Código de Trânsito Brasileiro (Lei Federal nº 9.503/1997), o qual prevê, em seu artigo 159, caput e § 10, a validade daquela como documento de identificação pessoal. O mesmo dispositivo legal esclarece também que a validade do documento está condicionada à realização dos exames de aptidão física e mental, razão pela qual o documento deve ser renovado periodicamente.
A propósito, confira-se a íntegra dos mencionados textos legais:
Art. 159. A Carteira Nacional de Habilitação, expedida em modelo único e de acordo com as especificações do CONTRAN, atendidos os pré-requisitos estabelecidos neste Código, conterá fotografia, identificação e CPF do condutor, terá fé pública e equivalerá a documento de identidade em todo o território nacional.
[…]
§ 10. A validade da Carteira Nacional de Habilitação está condicionada ao prazo de vigência do exame de aptidão física e mental.
Da leitura do dispositivo em questão já se pode responder à questão ventilada: o que se expira após o prazo de validade do documento são os exames de aptidão e, por conseguinte, a capacidade jurídica para dirigir veículo automotor. Ou seja, uma interpretação plausível e válida é que o vencimento do prazo de validade dos exames de aptidão em nada prejudica seu caráter identificador da CNH.
É que em lugar algum do caput do artigo 159 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) extrai-se a existência de prazo de validade da CNH no que se refere à utilidade de identificação pessoal do portador e titular.
Assim, não se pode concluir noutro norte que não o de que a Carteira de Habilitação pode ser utilizada como documento de identificação pessoal mesmo que vencida. Inclusive, ela permanece sendo válida para a realização de provas de concurso público.
E bem por essa razão é que, nos casos em que o edital do certame veda a apresentação de documentos com a validade expirada, esta proibição não deve ser aplicada quando o documento em questão for a CNH com função de identificação pessoal, pois esta validade diz respeito apenas à capacidade de condução no trânsito.
E a jurisprudência não destoa desse entendimento.
Em de setembro de 2019, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisou caso em que uma candidata foi impedida de realizar exame por ter apresentado CNH vencida, ocasião em que o fiscal de prova não permitiu a sua participação nesta fase do certame. Em sua decisão, o STJ concluiu pelo seguinte:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. UTILIZAÇÃO DE CNH VENCIDA COMO DOCUMENTO DE IDENTIDADE. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ CONSTITUÍDA. DILAÇÃO PROBATÓRIA NECESSÁRIA. RECURSO ORDINÁRIO DO PARTICULAR A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Cuida-se, na origem, de Mandado de Segurança impetrado em face de ato do Secretário de Estado de Administração Pública do Distrito Federal, em que se almeja a realização de nova prova objetiva para o cargo de Cirurgião Dentista em Concurso Público promovido pela Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, regido pelo Edital 1-SEAP/SES-NS de 28 de maio de 2014. Alega a impetrante, ter sido impedida de realizar o exame no dia previsto devido ao fato de ter apresentado, no momento da identificação, Carteira Nacional de Habilitação vencida, documento que teria sido recusado pelo fiscal de prova. яндекс
2. A controvérsia posta nos autos, refere-se à possibilidade de utilização da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), com prazo de validade expirado, como documento de identificação pessoal.
3. Em recente julgado da 1a Turma deste Superior Tribunal de Justiça, REsp. 1.805.381/AL, firmou-se a compreensão de que o prazo de validade constante da Carteira Nacional de Habilitação deve ser considerado estritamente para se determinar o período de tempo de vigência da licença para dirigir, até mesmo em razão de o art. 159, § 10, do Código de Trânsito Brasileiro, condicionar essa validade ao prazo de vigência dos exames de aptidão física e mental. Não se vislumbra qualquer outra razão para essa limitação temporal constante da CNH, que não a simples transitoriedade dos atestados de aptidão física e mental que pressupõem o exercício legal do direito de dirigir (REsp. 1.805.381/AL, Rel. Min. GURGEL DE FARIA, DJe 6.6.2019).
4. Nesse contexto, revela-se ilegal impedir candidato de realizar prova de concurso, sob o argumento de que o Edital exigia documento de identificação dentro do prazo de validade, uma vez que não foi observado o regime legal afeto ao documento utilizado. Acrescente-se, ainda, não haver violação ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório, mas tão somente a utilização dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade para se afastar a restrição temporal no uso da CNH para fins de identificação pessoal em sede de Concurso Público.[1]
Como se pode ver da decisão do Superior Tribunal de Justiça, órgão responsável pela uniformização da interpretação das normas federais, o vencimento da CNH não lhe retira a função de identificação pessoal, motivo pelo qual um candidato não pode ser impedido de realizar prova em razão de apresentar a CNH vencida.
Portanto, extrai-se do texto do Código de Trânsito Brasileiro e da jurisprudência pátria que a CNH vencida vale, sim, como documento de identificação pessoal para concurso público.
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O Poder Judiciário pode reexaminar questões e critérios de correção aplicados em concurso público?
[1] STJ RMS Nº 48.803 – DF (2015/0170636-6). Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO. Primeira Turma. Julgado em 03/09/2019.
Read MoreA autonomia gerencial da Administração Pública é princípio basilar do ordenamento jurídico, sendo a intervenção do Poder Judiciário medida excepcional, devida apenas em hipóteses de flagrante equívoco da banca examinadora.
A previsão de regras claras no edital e o cumprimento integral de suas disposições são medidas de extrema importância para todo e qualquer concurso público. É com a publicidade e a predefinição das fases e critérios avaliativos que os candidatos conseguem ter segurança e igualdade no processo avaliativo.
O conteúdo e a elaboração das questões aplicadas no concurso são de responsabilidade da banca avaliadora, e é responsabilidade dela, também, a observância do cumprimento do edital. Em regra, não cabe ao Poder Judiciário interferir no andamento e nos critérios adotados nos concursos públicos, pois essa definição está inserida no âmbito da discricionariedade administrativa.
E nos casos em que a própria banca comete erros no conteúdo ou na correção das questões aplicadas?
Em atenção a isso, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu, no julgamento do RE 632853, que originou o Tema nº 485, a tese com repercussão geral de que “não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e os critérios de correção utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade ou de inconstitucionalidade”.
Nesse sentido, foi consolidado o entendimento jurisprudencial de que a interferência do Poder Judiciário na correção das questões ou critérios aplicados em concurso público é legítima quando presente ao menos um dos seguintes casos: (i) descumprimento das regras do certame; (ii) flagrante incorreção do gabarito ou (iii) nulidade da questão.
Este é o posicionamento predominante nos tribunais pátrios, seguido inclusive pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) no julgamento da Apelação nº 5003916-97.2013.4.04.7001, que adotou integralmente o entendimento do STF mencionado acima. Veja-se a ementa:
JUÍZO DE RETRATAÇÃO. TEMA 485 DO STF. JULGAMENTO MANTIDO.
1. O STF firmou tese, estampada no Tema 485 do STF, que “Não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e os critérios de correção utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade ou de inconstitucionalidade”.
2. Todavia, na espécie, não é caso de retratação do julgamento. Isso porque, ocorrendo flagrante ilegalidade da questão formulada, correta a solução dada pela sentença e acolhida pelo voto condutor do acórdão recorrido, no sentido de julgar parcialmente procedentes os pedidos do autor tão somente para, no que se refere ao autor, alterar o gabarito oficial e reconhecer como correta a alternativa ‘A’ da Questão 33 do Caderno 48 da primeira fase do Concurso para o Cargo de Policial Rodoviário Federal regido pelo Edital 01/2009-DPRF.[1]
Em seu voto, a Desembargadora Relatora Marga Inge Barth Tessler ressalta que a possibilidade de intervenção do poder judiciário é excepcional, devida apenas em hipóteses de flagrante equívoco da banca examinadora. Nas palavras da Relatora, “não se trata de interpretar o acerto ou não da questão frente a doutrina, mas, sim, de fiscalização de questão flagrantemente ilegal, incompatível com a legislação exigida pelo edital”.
Nesse sentido, o Poder Judiciário atua em defesa dos direitos violados dos candidatos, prezando pela garantia dos princípios constitucionais da legalidade e da moralidade em concursos públicos e, ao mesmo tempo, estabelece critérios objetivos que balizem a possibilidade dessa intervenção, de modo a respeitar a autonomia gerencial da Administração Pública.
[1] TRF4 5003916-97.2013.4.04.7001, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 10/07/2019.
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Read MoreDe acordo com a Lei Federal nº 11.108/2005, a gestante possui direito a um acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato. Entretanto, a situação excepcional de pandemia causada pelo COVID-19 vem divergindo entendimentos a respeito do tema.
Maria Luisa Machado Porath[1]
Gestar uma vida é um processo complexo. Além das oscilações hormonais, surgem questões internas, como dúvidas, medos, inseguranças e solitude. Ao longo dos meses, a expectativa e a ansiedade aumentam. No entanto, o fim do primeiro trimestre de 2020 trouxe uma situação até então desconhecida e que gerou ainda mais preocupação: a pandemia decorrente da COVID-19.
Diante do atual cenário, uma nova pergunta surge: é possível a presença de um acompanhante no momento do parto?
Antes de a respondermos, é válido mencionar que, de acordo com a Lei Federal nº 11.108 de 7 de abril de 2005[2], a gestante possui direito a um acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato. Exatamente por esse motivo que ficou conhecida como a Lei do Acompanhante.
Contudo, como é sabido, a situação em que vivemos impôs mudanças drásticas no cotidiano de todos. Nesse sentido, as unidades de saúde – uma das maiores aglomerações de pessoas com COVID-19 – também tiveram que se adaptar ao novo contexto de pandemia. Diante dessas alterações, o meio jurídico precisou analisar os inúmeros casos concretos, a fim de tentar minimizar possíveis violações ao direito das gestantes.
Por exemplo, em meados de março, era relativamente comum noticiar hospitais que restringiram o direito da gestante de ter um acompanhante quando do parto. A explicação dessas unidades de saúde era pautada no distanciamento social e em preservar a saúde tanto da nova vida quanto da gestante, em função da contaminação do novo coronavírus (SARS-CoV-2). É o que se extrai das considerações e recomendações da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais, cujo nome fantasia é SOGIMIG:
[…] Considerando que o isolamento social é, nesse momento, da epidemia uma ação essencial para o controle da crise é necessário manter, também durante o trabalho de parto, as ações referentes a esse tema. Isso significa a restrição da presença de doulas e, mesmo, com o devido aconselhamento da gestante/casal/família, restringir acompanhantes e visitas. Para minimizar o sentimento de solidão, principalmente, nos partos de baixo risco deve-se estimular a participação de forma virtual[3].
No entanto, qual o atual posicionamento do judiciário?
Com o passar dos dias, ao constatar certas violações ao direito da gestante, o Judiciário se tornou um meio eficaz para assegurar o direito ao parto humanizado à parturiente. O Desembargador Relator Alexandre Bastos, num caso julgado em maio de 2020, no Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJMS), reformou a decisão do juízo a quo e, assim, determinou que a gestante tivesse resguardado o seu direito de ter um acompanhante no momento do parto. Colaciona-se a referida decisão:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – TUTELA DE URGÊNCIA – GARANTIA DO PARTO HUMANIZADO – DIREITO DA PARTURIENTE AO ACOMPANHANTE QUANDO DO PARTO – PRESENTE OS REQUISITOS PARA CONCESSÃO DA TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA (ARTIGO 300 DO CPC) – CONCESSÃO DA TUTELA – DECISÃO REFORMADA – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. I. Certo que é direito da parturiente de estar acompanhada quando do parto e, não menos certo, que é direito de todos a garantia da saúde pública, mormente, se em risco de contaminação diante da pandemia derivada da proliferação do covid-19, de forma que estes interesses conflitantes devem ser sopesados nos pratos afilados da balança para que se chegue a uma decisão justa, efetiva e proporcional do art. 6º e art. 8º, ambos do CPC e, também, leve em consideração as consequência práticas da decisão do art. 20 da LINDB, no sentido de garantir o direito da gestante. Contudo, com aplicação das restrições colocadas pela órgãos competentes (OMS e Ministério da Saúde), como mecanismo suficientes para se evitar a contaminação pelo covid-19. II. Recurso conhecido e provido[4].
Contudo, apesar do Judiciário estar fundamentando a sua razão de decidir no sentido de assegurar o direito à gestante mesmo em época de pandemia, no início do mês de junho, a Companhia de Operações Especiais (COE), do estado da Bahia, emitiu uma nota técnica recomendando o oposto[5]. De modo excepcional, apenas as “gestantes menores de 16 anos incompletos ou com deficiência ou patologias que dificultem o seu deslocamento ou entendimento das orientações” teriam direito a acompanhante.
Por consequência disso, o Juiz de Direito, Bel. Almir Edson Lélis Lima, da 2ª Vara dos Feitos de Relação de Consumo, Cíveis, Comerciais, Acidente de Trabalho e Fazenda Pública, do Foro da Comarca de Guanambi/BA, entendeu pelo não deferimento da tutela de urgência. No caso, a gestante requereu a autorização para que o genitor da criança fosse o seu acompanhante durante o parto. Veja-se a decisão:
[…] Trata-se de Mandado de Segurança com pedido liminar, no qual a Impetrante com 39 (trinta e nove) semanas de gestação, podendo ingressar em trabalho de parto em dias ou horas, requer autorização para que o genitor da criança possa acompanhar a parturiente durante todo o trabalho de parto e preste toda a assistência após o mesmo, inclusive, devendo ser orientado dos protocolos de segurança e pelo fornecimento integral dos Equipamentos de Proteção Individual necessário.
Examinando-se as provas trazidas com a inicial, em análise sumária, não exauriente, ao contrário do que afirmado na inicial, penso que não estão presentes os requisitos exigidos pelo art. 7º, inciso III da Lei 12.016/09.
Salta aos olhos, que conforme Nota Técnica COE Saúde nº 69 de 02 de junho de 2020, diante da pandemia do Covid-19, a presença do acompanhante será restrita as gestantes menores de 16 anos incompletos ou com deficiências ou patologias que dificultem o seu deslocamento ou entendimento das orientações, recomendando-se a suspensão temporária dos acompanhantes durante a evolução do trabalho de parto, parto e no alojamento conjunto, como se observa da Nota Técnica anexada pelo próprio impetrante.
Não vislumbro, portanto, qualquer relevância na fundamentação inicial, nem na prova até aqui produzida, ainda que haja um suposto risco de ineficácia da medida, caso apreciada em momento oportuno, uma vez que a informação é no sentido de que o parto será realizado nos próximos dias ou mesmo horas[6]. […]
Ao ter contato com uma decisão desse teor, por óbvio, a gestante tem a sensação de ter o momento de seu parto incompleto. Afinal, o genitor é tão responsável pela criança quanto a genitora e, portanto, deveria atuar ativamente nesse processo, não apenas como mero espectador de filmagem e/ou videoconferência. Corrobora para esse pensamento a Nota Técnica nº 10/2020-COCAM/CGCIVI/DAPES/SAPS/MS[7], a qual sugere a presença de acompanhante, conforme a Lei Federal nº 11.108, de 7 de abril de 2005 (Lei do Acompanhante).
Algumas Orientações para o Acompanhante
É válido ressaltar algumas orientações, a fim de que o direito da gestante de ter um acompanhante no momento do parto seja respeitado. Portanto, em conformidade com a Nota Técnica nº 10/2020 e com o momento de pandemia da COVID-19 em que atualmente vivemos, o acompanhante:
- Deve estar assintomático e não ser do grupo de risco;
- Com idade entre 18 e 59 anos;
- Sem contato domiciliar com pessoas com síndrome gripal ou infecção respiratória comprovada por SARS-CoV-2.
Contudo, para parturientes com suspeita ou confirmação do novo coronavírus (sintomáticas), deve-se analisar o caso concreto, a fim de assegurar os direitos da gestante e os cuidados acerca da COVID-19. Por exemplo, o acompanhante fazer uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) durante todo o procedimento, já que não é recomendável que a gestante permaneça de máscara durante o parto.
Conclusão
Conforme dito anteriormente, o entendimento que vem sendo consolidado é o de que gestantes têm direito a acompanhante quando do parto, mesmo em época de pandemia da COVID-19. Entretanto, ainda persistem decisões divergentes; algumas delas pautadas em notas técnicas estaduais, contrariando as emitidas pelo Ministério da Saúde.
Por fim, o Judiciário, em consonância com as recomendações de saúde, deve assegurar ao máximo o direito da gestante de ter um acompanhante quando do parto. Esse momento não deve ser ceifado da família, quando não há riscos para o bebê e os demais membros da família e profissionais da saúde. Evidentemente que vivemos numa situação pandêmica, todavia, isso não permite que sejam afastados direitos inerentes à gestante e aos demais membros da família, desde que realizados com cautela.
[1] Estagiária do escritório Schiefler Advocacia. Graduanda, atualmente, da sétima fase em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Graduada em Licenciatura e Bacharelado em Teatro na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) – 2015.
[2] Art. 19-J. Os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde – SUS, da rede própria ou conveniada, ficam obrigados a permitir a presença, junto à parturiente, de 1 (um) acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato.
§1º O acompanhante de que trata o caput deste artigo será indicado pela parturiente.
§2º As ações destinadas a viabilizar o pleno exercício dos direitos de que trata este artigo constarão do regulamento da lei, a ser elaborado pelo órgão competente do Poder Executivo.
[3] SOGIMIG. Coronavírus na Gravidez: Considerações e Recomendações. Acesso em 25 de junho de 2020.
[4] TJMS. Agravo de Instrumento n. 1403938-13.2020.8.12.0000, Campo Grande, 4ª Câmara Cível, Relator (a): Des. Alexandre Bastos, j: 30/05/2020
[5] A presença do acompanhante deve ser restrita às gestantes menores de 16 anos incompletos ou com deficiências ou patologias que dificultem o seu deslocamento ou entendimento das orientações. Este acompanhante deverá ser apenas um (01) durante todo o período de internamento, lembrando que este deverá estar saudável, sem sinais de síndrome gripal e fora do grupo de risco para complicações na eventualidade de uma infecção pelo SARS-CoV-2. Neste sentido e buscando um alinhamento entre as múltiplas ações desenvolvidas nas diversas instâncias de atenção à saúde no Estado, e considerando o cenário epidemiológico e a existência de pessoas assintomáticas, mas potencialmente contaminantes, recomendamos a suspensão temporária dos acompanhantes durante a evolução do trabalho de parto, parto e no alojamento conjunto. Excepcionalmente deve-se garantir que a mulher possa escolher um (01) acompanhante para conhecer a criança recém-nascida no pós-parto imediato, reforçando que o (a) escolhido (a) deve estar fora do grupo de risco para complicações de uma infecção pelo SARS-CoV-2 e sem sintomas respiratórios.
(COE, Nota Técnica COE saúde nº 69 de 02 de junho de 2020. Orientações às Unidades de Saúde de Assistência às Gestantes, Puérperas e Crianças Menores de 2 anos no contexto da Pandemia da Covid-19. Acesso em 26 de junho de 2020).
[6] Foro da Comarca de Guanambi/BA. Mandado de Segurança Cível o n. 8001159-53.2020.8.05.0088, Guanambi, 2ª Vara dos Feitos de Relação de Consumo, Cíveis, Comerciais, Acidente de Trabalho e Fazenda Pública, Juiz de Direito Bel. Almir Edson Lélis Lima, j: 23/06/2020.
[7] 2.6.5. Acompanhantes: garantido pela Lei Federal nº 11.108, de 7 de abril de 2005, sugere-se a presença do acompanhante no caso de pessoa assintomática, com idade entre 18 e 59 anos8 e não contato domiciliar com pessoas com síndrome gripal ou infecção respiratória comprovada por SARS-CoV-2
(BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Nota Técnica nº 10/2020-COCAM/CGCIVI/DAPES/SAPS/MS. Atenção à Saúde do Recém-nascido no contexto da Infecção pelo novo Coronavírus (SARS-CoV-2), 09 Abr. 2020. Acesso em 26 de junho de 2020).
O Tribunal de Contas do Distrito Federal acatou argumentos da Representação oferecida e confirmou que a ausência de motivação na reavaliação da pontuação atribuída às propostas técnicas dos licitantes, por ter havido diferença superior a 20% da pontuação máxima permitida entre as notas concedidas pelos avaliadores, configura uma irregularidade e justifica a suspensão cautelar do certame.
O Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) suspendeu cautelarmente, no fim de maio, licitação de serviços de publicidade lançada por empresa estatal do Distrito Federal, pois vislumbrou indícios de irregularidade na pontuação atribuída às propostas técnicas dos licitantes[1].
Especificamente, o TCDF acatou argumentos da Representação oferecida e confirmou que a ausência de motivação na reavaliação da pontuação atribuída às propostas técnicas dos licitantes, por ter havido diferença superior a 20% da pontuação máxima permitida entre as notas concedidas pelos avaliadores, configura uma irregularidade e justifica a suspensão cautelar do certame. Segundo a decisão, confirmada por unanimidade pelo Plenário da Corte de Contas, “não houve manifestação técnica quanto aos casos de pontuação cuja diferença fosse superior a 20%, caracterizando a existência da fumaça do bom direito na representação tratada nos autos, frente, principalmente, à previsão legal constante do art. 6º, inc. VII, da Lei nº 12.232/2010”.
Para entender melhor o caso analisado pelo TCDF, é importante levar em conta que, com a publicação da Lei Federal nº 12.232/2010, as licitações para a contratação de agências de propaganda receberam um regulamento especial, motivo pelo qual a Lei Federal nº 8666/1993 passou a ser aplicada apenas subsidiariamente nesses casos. O motivo da existência de uma lei especial, com evidente procedimento mais rigoroso para o julgamento das pontuações técnicas, se deve ao fato de que as licitações para serviços de publicidade são naturalmente mais suscetíveis a direcionamentos e favorecimentos indevidos, sobretudo em razão da natureza do julgamento das propostas técnicas.
A preocupação acentuada com a etapa de julgamento das propostas técnicas para contratações desse objeto está expressa na justificativa da proposta legislativa que gerou a Lei Federal nº 12.232/2010. Leia-se o seguinte excerto da exposição de motivos do PL nº 3305/2008:
Tem a nossa experiência recente nos mostrado que a ausência de um tratamento normativo específico para essa matéria possibilita que, nesse campo, grandes arbitrariedades ocorram em todo o país. Empresas de publicidade contratadas com óbvio favorecimento, com base em critérios de julgamento subjetivos, contratos que encobrem a possibilidade de novos ajustes imorais com terceiros, pagamentos indevidos, desvios de verbas públicas destinadas à publicidade com fins patrimoniais privados ou para custeio de campanhas eleitorais são apenas alguns exemplos de transgressões que compõem um cenário já bem conhecido nos dias em que vivemos. [2]
Entre as exigências específicas da Lei Federal nº 12.232/2010, encontra-se a obrigação de a subcomissão técnica (aquela que julga as propostas técnicas dos licitantes) reavaliar a pontuação atribuída a um quesito sempre que a diferença entre a maior e a menor pontuação for superior a 20% da pontuação máxima deste quesito. Como visto, a reavaliação da pontuação fica a cargo de uma subcomissão técnica, prevista no § 1º do artigo 10 da Lei, e deve ser realizada em conformidade com os critérios objetivos estabelecidos no edital de licitação. Confira-se o dispositivo:
Art. 6º A elaboração do instrumento convocatório das licitações previstas nesta Lei obedecerá às exigências do art. 40 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, com exceção das previstas nos incisos I e II do seu § 2º, e às seguintes:
[…]
VII – a subcomissão técnica prevista no § 1º do art. 10 desta Lei reavaliará a pontuação atribuída a um quesito sempre que a diferença entre a maior e a menor pontuação for superior a 20% (vinte por cento) da pontuação máxima do quesito, com o fim de restabelecer o equilíbrio das pontuações atribuídas, de conformidade com os critérios objetivos postos no instrumento convocatório.
Nessas hipóteses, dever-se-á igualmente observar o inciso VI do § 4º do artigo 11 da Lei Federal nº 12.232/2010, que prevê o envio das planilhas com as pontuações e a justificativa escrita das razões que as fundamentaram em cada caso à comissão permanente ou especial de licitação. Esta é considerada uma condição essencial do julgamento nas licitações de serviços de publicidade, uma vez que a ausência de motivação para as pontuações pode impedir o controle sobre o seu mérito, facilitando eventuais direcionamentos.
Desse modo, as razões das pontuações devem ser registradas por escrito pela subcomissão técnica e encaminhadas à comissão permanente ou especial, quer incida na hipótese regulada pelo inciso VII do artigo 6º, quer não. Veja-se como a exigência de manifestação escrita é expressa na Lei nº 12.232/2010:
Art. 11. Os invólucros com as propostas técnicas e de preços serão entregues à comissão permanente ou especial na data, local e horário determinados no instrumento convocatório. […]
§ 4º O processamento e o julgamento da licitação obedecerão ao seguinte procedimento: […]
V – análise individualizada e julgamento dos quesitos referentes às informações de que trata o art. 8º desta Lei, desclassificando-se as que desatenderem quaisquer das exigências legais ou estabelecidas no instrumento convocatório;
VI – elaboração de ata de julgamento dos quesitos mencionados no inciso V deste artigo e encaminhamento à comissão permanente ou especial, juntamente com as propostas, as planilhas com as pontuações e a justificativa escrita das razões que as fundamentaram em cada caso.
Ou seja, a subcomissão técnica precisa justificar expressamente os motivos que justificam a atribuição da nota, sob pena de violar diversas regras que regem a atividade administrativa e que permeiam todos os processos de contratação pública, em especial os deveres de motivação dos atos administrativos e do tratamento isonômico, além dos princípios da publicidade e da impessoalidade.
É preciso que os licitantes saibam os motivos que levaram à pontuação dos quesitos quando da análise da sua proposta técnica, caso contrário serão impedidos de, se necessário, exercer o seu direito constitucional de defesa. Neste sentido, encontra-se a jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU), segundo a qual “a ausência de justificativa escrita acerca das pontuações e das razões que as fundamentam em cada caso, nos procedimentos licitatórios para oferta de serviços de publicidade, afronta o que dispõe o art. 11, § 4º, inciso IV, da Lei 12.232/2010”[3].
Acontece que, não obstante a clareza das determinações legais, nem sempre a subcomissão técnica registra por escrito a justificativa das razões que basearam a avaliação ou a reavaliação de determinada pontuação, descumprindo assim o inciso VII do artigo 6º e/ou o inciso VI do § 4º do artigo 11 da Lei Federal nº 12.232/2010. No caso noticiado, pela violação do inciso VII do artigo 6º da referida lei, como salientado, o Tribunal confirmou a necessidade de realizar a sobredita reavaliação e, por unanimidade, dada a ausência de tal procedimento, suspendeu cautelarmente o certame.
A decisão noticiada confirma a competência legítima dos Tribunais de Contas em intervir cautelarmente para evitar irregularidade no curso da licitação pública, assim como o entendimento de que, nas licitações submetidas à Lei Federal nº 12.232/2020, configura ilegalidade a ausência de reavaliação da pontuação concedida a um quesito de um determinado licitante, quando a diferença entre a maior e a menor pontuação, atribuída pelos integrantes da subcomissão técnica, for superior a 20% da pontuação máxima do quesito.
[1] TCDF – Decisão nº 1798/2020, Plenário. Relator: Antônio Renato Alves Rainha. Data de Julgamento: 27/05/2020.
[2] Projeto de Lei nº 3305/2008, Câmara dos Deputados. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=391688 Acesso em 29 jun. 2020.
[3] TCU – Acórdão nº 2813/2017, Plenário. Relator: AROLDO CEDRAZ, Data de Julgamento: 06/12/2017.
Read MoreA medida foi criada visando se adequar ao momento vivenciado de pandemia do novo coronavírus e contempla crianças e adolescentes até 16 anos, desacompanhados de um ou ambos os pais.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou, através do Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Humberto Martins, a Autorização Eletrônica de Viagem (AEV) de crianças e adolescentes até 16 anos, desacompanhados de um ou ambos os pais.
A medida foi criada visando se adequar ao momento vivenciado de pandemia do novo coronavírus. De acordo com o provimento, a emissão da declaração será feita exclusivamente por intermédio do Sistema de Atos Notariais Eletrônicos (e-Notariado), obedecendo todas as formalidades exigidas previstas no Provimento n. 100/2020.
Assim como no divórcio virtual, o ato normativo prevê a realização de videoconferência notarial para a captação do consentimento das partes sobre os termos do ato jurídico, a concordância com os termos do ato bem como a assinatura digital pelas partes e pelo Tabelião de Notas.
Ainda, a Autorização Eletrônica de Viagem poderá contemplar a necessidade de hospedagem do menor, em caso de emergências decorrentes de atrasos, alterações ou cancelamentos de voos ou viagens – tal hipótese será indagada pelo tabelião e previamente consignada no documento.
O prazo da autorização poderá ser delimitado pelos pais ou responsáveis pelo período do evento e, em caso de omissão, o documento será válido por dois anos.
A Autorização conterá, ainda, em destaque, o QR Code e chave de acesso para a verificação de autenticidade pela Policia Federal e às empresas de transporte rodoviário, marítimo ou aeroportuário. O provimento entrará em vigor em 60 dias após a sua publicação, que ocorreu no dia 04 de junho de 2020.
Read MoreOs três pareceres consultivos elaborados pela Advocacia Geral da União (AGU) formulam uma análise jurídica da questão e indicam possíveis caminhos para a gestão dos contratos terceirizados.
Nesta quarta-feira (16 de junho de 2020), Victoria Magnani teve o artigo “Orientações da AGU sobre o tratamento e gestão dos contratos de terceirização durante a pandemia de Covid-19“, de sua autoria, publicado no blog da Zênite Informação, o qual pode ser visualizado neste link. Em razão da relevância do tema, vamos republicá-lo na íntegra, com a autorização da autora:
Orientações da AGU sobre o tratamento e gestão dos contratos de terceirização durante a pandemia de Covid-19.
Victoria Magnani[1]
Devido à situação excepcional vivida atualmente, em virtude da pandemia de covid-19, os órgãos da Administração Pública em geral vêm realizando uma série de mudanças e adaptações no sentido de migrar boa parte dos colaboradores para o regime de teletrabalho/home office, em um esforço para reduzir a taxa de contaminação pelo vírus Sars-Cov-19 (coronavírus).
Contudo, ressalta-se que as alternativas formuladas pelo Poder Público a fim de lidar com os impactos da pandemia foram pensadas com vistas a balizar a atuação de servidores, empregados públicos, estagiários e demais colaboradores que possuem vínculo direto com a Administração Pública, não tendo sido emitida, porém, orientação normativa central para esclarecer o tratamento que deve ser dado aos empregados terceirizados, os quais possuem vínculo jurídico contratual com as empresas contratadas pela Administração.
Essa situação levou administradores de todo o país a um cenário de incertezas e insegurança na tomada de decisões, o que, por sua vez, motivou a formulação de questionamentos com vistas a esclarecer o tratamento que deve ser dado aos contratos terceirizados no âmbito da Administração Pública. A Advocacia-Geral da União (AGU), nesse ínterim, publicou três pareceres consultivos sobre o assunto, formulando uma análise jurídica da questão e indicando possíveis caminhos para a gestão dos contratos terceirizados no âmbito da pandemia do novo coronavírus.
Foram publicados o Parecer nº 106/2020, formulado pelo Departamento de Assuntos Jurídicos Internos (DAJI) da Secretaria Geral de Consultoria/AGU; o Parecer nº 63/2020, publicado pela Consultoria Jurídica junto à Controladoria Geral da União (CONJUR-CGU/AGU); e o Parecer nº 310/2020, elaborado pela Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Educação (CONJUR-MEC), vinculada à Consultoria Geral da União/AGU.
Destaca-se que as deliberações propostas pela Advocacia-Geral da União no contexto dos pareceres supracitados dizem respeito a medidas mitigadoras destinadas aos casos em que a Administração decide manter vigentes os contratos de prestação de serviços terceirizados, uma vez que não se exclui a eventual possibilidade de rescisão contratual unilateral pela Administração, por motivo de força maior, em especial nos casos em que esta for comprovadamente a medida mais benéfica aos interesses públicos.
Os pareceres em questão versam sobre diferentes aspectos e reflexos contratuais decorrentes dos impactos da covid-19 nos contratos firmados pela Administração com empresas prestadoras de serviços terceirizados e, devido ao fato de terem sido formulados por órgãos consultivos diversos, alguns questionamentos se repetem, motivo pelo qual será feita uma análise conjunta das orientações enunciadas em cada parecer.
É possível a substituição dos empregados terceirizados que integram grupos de risco?
Sim. Primeiramente, destaca-se que são enquadrados como pertencentes aos grupos de risco, segundo o Ministério da Saúde, pessoas acima de 60 anos, portadores de doenças cardiovasculares ou respiratórias, diabéticos, portadores de doença neurológica ou renal, bem como pessoas que tenham comorbidades tais quais imunodepressão, obesidade, asma e puérperas[2].
No âmbito do Parecer nº 106/2020[3], a Secretaria-Geral de Administração, através da Nota Técnica n. 35/2020/CLOG/SGA/AGU, formulou questionamento acerca da possibilidade de exigir que as empresas contratadas pela Administração façam a substituição de empregados terceirizados que estejam enquadrados nos chamados grupos de risco. A conclusão exposta no parecer elaborado pelo Departamento de Assuntos Jurídicos Internos (DAJI) da Secretaria Geral de Consultoria/AGU foi no sentido de que é possível à Administração, sim, proceder a tal exigência.
Isso porque, apesar de haver vedação ao direcionamento na contratação de terceirizados para trabalhar nas empresas contratadas (vide art. 5º, inciso III da Instrução Normativa nº 5, de 26 de maio de 2017, que dispõe sobre as regras e diretrizes do procedimento de contratação de serviços sob o regime de execução indireta no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional), tem-se que, em virtude da excepcionalidade e gravidade da situação atual, não parece ilegal a tentativa de negociar com a empresa o remanejamento das pessoas enquadradas nos grupos de risco para atividades dentro da própria empresa terceirizada, ou que possam ser executadas de modo remoto, destinando pessoas menos vulneráveis às atividades que exijam exclusivamente execução presencial.
Ademais, o parecer ressaltou que o próprio portal de compras do Governo Federal[4] já recomendou o levantamento dos empregados pertencentes aos grupos de risco para a avaliação da necessidade de suspensão ou substituição temporária na prestação de serviços por esses terceirizados, nos termos das “Recomendações Covid-19 – Contratos de prestação de serviços terceirizados”, que orientam a aplicação por analogia da Nota Técnica nº 66/2018- Delog/Seges/MP para o contexto de pandemia.
O Parecer nº 310/2020[5], por sua vez, endossa esse entendimento, citando, inclusive, o mesmo art. 3º das “Recomendações Covid-19 – Contratos de prestação de serviços terceirizados”. Segundo a manifestação, que orienta o afastamento dos prestadores de serviço terceirizados que se encontram no “grupo de risco”, será aplicado o art. 3º da Lei nº 13.979/2020, que estabelece que “para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, poderão ser adotadas, entre outras, as seguintes medidas: (…) “§ 3º Será considerado falta justificada ao serviço público ou à atividade laboral privada o período de ausência decorrente das medidas previstas neste artigo”.
Logo, a área de recursos humanos pode conceder falta justificada nesta hipótese, assim como os encarregados dos contratos de terceirização podem fazer uso de tais medidas. A verificação de pertencimento do empregado terceirizado ao grupo de risco, por sua vez, caberá à própria empresa terceirizada que, tão logo encaminhada a autodeclaração de pertencimento feita pelo empregado, avaliará caso a caso se o trabalhador em questão faz jus à liberação, por estar este incluído no grupo de risco.
O parecer ressaltou, ainda, que não cabe à Administração esse encargo, em razão de não ser ela a empregadora, mas, sim, a tomadora do serviço. Caberá à Administração tão somente solicitar à empresa contratada relatório sobre os empregados afastados, identificando a motivação e o período de afastamento respectivo, que deverá ser acordado entre a Administração Pública e a empresa, em virtude da instabilidade vivenciada.
É possível inserir os terceirizados em trabalho remoto?
Sim. Acerca da viabilidade de inserção dos empregados terceirizados em trabalho remoto, todos os pareceres emitidos pela Advocacia-Geral da União se mostraram favoráveis à tal alternativa, desde que verificada a possibilidade de realização das atividades em regime de teletrabalho.
Nos termos do Parecer nº 106/2020, a Instrução Normativa nº 21, de 16 de março de 2020, que traz orientações aos órgãos e entidades do Sistema de Pessoal Civil da Administração Pública Federal – SIPEC, estabelece, em seu art. 6º-A, as medidas de proteção para enfrentamento da emergência de saúde pública, bem como, no art. 7º, que “Caberá ao Ministro de Estado ou à autoridade máxima da entidade, em conjunto com o dirigente de gestão de pessoas, assegurar a preservação e funcionamento das atividades administrativas e dos serviços considerados essenciais ou estratégicos, utilizando com razoabilidade os instrumentos previstos nos art. 6º-A e art. 6º-B, a fim de assegurar a continuidade da prestação do serviço público”.
Segundo o parecer, apesar de a referida Instrução Normativa ter sido expedida para os servidores com vínculo direto com a Administração Pública, não há qualquer razoabilidade em desvincular os serviços terceirizados da prestação efetiva do serviço público. Assim, tendo em vista o contexto atual, a AGU manifestou-se no sentido de que o art. 7º da Instrução Normativa nº 21 autoriza o Excelentíssimo Senhor Advogado-Geral da União a, em caráter excepcional e temporário, visando assegurar a continuidade de prestação do serviço público, adotar as medidas gerais de prevenção, cautela e redução da transmissibilidade previstas nos arts. 6º-A e B da referida IN, consistentes na adoção de regime de jornada em turnos alternados de revezamento ou em trabalho remoto, para aqueles terceirizados que exerçam atividades compatíveis com esta modalidade.
Por sua vez, o Parecer nº 63/2020[6] concluiu que, respeitados os princípios da supremacia e indisponibilidade do interesse público, bem como da eficiência, há possibilidade de ajustar o acompanhamento dos contratos terceirizados para viabilizar a execução desses contratos de forma remota. Portanto, ante a excepcionalidade da pandemia, o órgão em questão sustenta a viabilidade de se orientar a maneira de execução dos contratos terceirizados, de forma a permitir sua execução remota. Isso, contudo, deverá ser feito por meio da avaliação de pertinência, e com base na singularidade de cada atividade prestada, nos termos das já mencionadas “Recomendações Covid-19 – Contratos de Prestação de Serviços Terceirizados”.
Ademais, o Parecer nº 310/2020 também posicionou-se no sentido de que é possível o trabalho remoto por parte dos empregados terceirizados, assinalando, porém, que serão necessários ajustes na relação trabalhista em questão, devendo ser avaliado pela Administração juntamente com a empresa contratada quais atividades poderão ser exercidas por meio do teletrabalho.
Quais os reflexos salariais decorrentes da “suspensão” de contratos terceirizados e da inserção de trabalhadores em regime de teletrabalho?
Quanto aos reflexos salariais advindos da suspensão dos contratos de trabalho com os empregados terceirizados, o Parecer nº 310/2020 assinala que, no caso do terceirizado que integra grupo de risco, trata-se em verdade de hipótese de interrupção do contrato de trabalho, uma vez que há contagem do tempo de serviço, bem como manutenção dos encargos trabalhistas devidos pelo empregador, visto que os efeitos da interrupção irão atingir apenas a cláusula de prestação obreira de serviços, mantidas em vigência as demais cláusulas contratuais. Nesse caso, não se presta trabalho, tampouco se fica à disposição, mas se computa o tempo de serviço e paga-se o salário.
No âmbito do Parecer nº 106/2020 foi exarado entendimento semelhante, destacando que, conforme recomendação constante do portal de compras governamentais, é possível suspender/reduzir o efetivo de terceirizados, nos termos da Nota Técnica nº 66/2018- Delog/Seges/MP, sendo tal redução ou suspensão, contudo, efetuada sem prejuízo da remuneração. Nesse sentido, as únicas parcelas cujo pagamento pode deixar de ser efetivado são as referentes ao auxílio-alimentação e ao vale-transporte dos dias não trabalhados efetivamente.
É possível a manutenção do pagamento do benefício de vale-transporte e auxílio-alimentação para os terceirizados inseridos em regime de teletrabalho?
Para os terceirizados inseridos em regime de teletrabalho/home office, por sua vez, o Parecer nº 310/2020 dispõe que serão descontadas apenas as parcelas referentes ao vale-transporte, visto que não há custo com deslocamento a ser ressarcido ao empregado. Isso porque, nos termos da Lei nº 7.619/1987, o vale-transporte será concedido “para utilização efetiva em despesas de deslocamento residência-trabalho e vice-versa”, não havendo que se falar em pagamento desta verba no caso de ausência de deslocamento por parte do empregado terceirizado.
Quanto ao vale-alimentação e vale-refeição, uma vez que não há obrigação legal ao fornecimento de nenhum dos dois benefícios, sendo a sua concessão uma liberalidade do empregador, o terceirizado afastado poderá continuar a receber ou ter seu benefício reduzido/cessado, a depender do que estiver previsto na Convenção Coletiva de Trabalho da categoria. Destaca-se que, regra geral, os valores despendidos a título de vale-alimentação ou vale-refeição possuem natureza salarial, motivo pelo qual deve ser mantido seu pagamento em caso de execução de trabalho remoto por parte dos terceirizados.
Por fim, o Parecer nº 63/2020 se manifestou pela viabilidade jurídica de recebimento do benefício de vale-alimentação pelos colaboradores que estejam inseridos em trabalho remoto, uma vez que a prestação do serviço do terceirizado permanece ocorrendo, apenas se dá de forma remota. Nesse sentido, o terceirizado deve receber o que determina a convenção trabalhista firmada pelo sindicato da categoria, ou, caso não haja estipulação específica em convenção de trabalho, mas a empresa ofereça espontaneamente o benefício para todos os seus empregados, cabe a ela manter os benefícios mesmo que em trabalho remoto. Quanto ao vale-transporte, porém, a conclusão foi no sentido de que é incabível, visto que não há deslocamento do trabalhador em questão que enseje o pagamento da benesse.
De quem é a responsabilidade pela gestão contratual?
Do particular contratado pela Administração. Quanto à gestão do contrato, o Parecer nº 63/2020 apresentou conclusão no sentido de que cabe à Administração Pública orientar a sua execução, nos termos dos do §§ 1º e 2º do art. 67 da Lei nº 8.666/1993, cabendo ao particular, contudo, a execução propriamente dita da gestão do trabalho remoto por parte dos terceirizados, sob pena de ocorrer indevida assunção por parte da Administração da relação trabalhista entre a empresa terceirizada e seus colaboradores. Dessa forma, a gestão efetiva do trabalho remoto deve ser realizada pelo encarregado dos contratos, e não pela Administração, no intuito de não configurar a gestão direta contratual por parte desta.
É possível realizar ajustes contratuais sem a devida formalização dos termos aditivos?
Sim. No que tange à formalização dos ajustes contratuais necessários para permitir a execução do teletrabalho pelos empregados terceirizados, o parecer aduziu, ainda, acerca da possibilidade de que sejam encaminhados às empresas comunicados de ajustes contratuais, mediante justificativa no bojo do processo administrativo que evidencie o interesse público envolvido na alteração contratual, ressaltando que as alterações que gerem economicidade e melhoria na gestão e alocação de recursos não caracterizam ingerência, tendo em vista o interesse público em se evitar gastos indiretos à Administração.
O Parecer nº 106/2020, na mesma linha, apresentou conclusão no sentido de que, tendo em vista a situação excepcionalíssima e emergencial enfrentada, caso não haja tempo hábil para a formalização do termo aditivo contratual sem ampliação do risco a vidas humanas, a área competente deve juntar a devida justificativa de impossibilidade ao processo administrativo. Contudo, uma vez que a suspensão/redução constitui modificação das cláusulas contratuais, nos termos da Nota Técnica nº 66 – 2018 – Delog/Seges/MP, impõe-se a posterior formalização em termo aditivo.
A empresa prestadora de serviços terceirizados tem direito ao reequilíbrio financeiro do contrato?
Nos termos do Parecer nº 106/2020, havendo negativa da empresa quanto à determinação de suspensão/redução dos contratos por conta de questões econômico-financeiras (por exemplo, sob a alegação de que a planilha de formação de preços somente contém previsão de afastamentos legais), esta pode ter direito ao reequilíbrio financeiro do contrato. Se, comprovados, in casu, os requisitos legais necessários à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro fundada na ocorrência de álea extraordinária, nos termos do art. 65, inciso II, alínea “d” da Lei nº 8.666/93, e da Orientação Normativa nº 22/2009, da AGU, assistirá tal direito à empresa.
O Parecer nº 310/2020 apresentou posição semelhante, frisando que, uma vez comprovado o atendimento aos requisitos legais para cada hipótese de recomposição da equação econômico-financeira contratual, quais sejam, reajuste, revisão ou repactuação, assistirá tal direito à empresa terceirizada ou à própria Administração, salientando, porém, que não há como ser feita análise jurídica geral sobre a presença dos pressupostos para o restabelecimento da equação econômico-financeira do contrato administrativo, a qual deverá ser feita pela Administração em cada contrato que tenha mão de obra terceirizada, respeitadas as singularidades de cada caso.
Qual o procedimento a ser adotado para os terceirizados que se enquadram em algum grupo de risco e para aqueles que não integram grupos de risco?
Sintetizando a diferenciação de tratamento entre os empregados terceirizados que integram algum grupo de risco e aqueles que não integram, o Parecer nº 310/2020 trouxe as seguintes conclusões:
[1] Graduanda em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina, atualmente cursando a oitava fase. Foi bolsista do Programa de Educação Tutorial – PET Direito UFSC de 2017 a 2019, e atualmente desenvolve pesquisa de iniciação científica no campo do Direito Ambiental do Trabalho como bolsista voluntária do Programa Institucional de Iniciação Científica – PIBIC UFSC.
[2] Disponível em: https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46764-coronavirus-43-079-casos-e-2-741-mortes. Acesso em 12 jun. 2020.
[3] Disponível em: https://www.comprasgovernamentais.gov.br/images/conteudo/covid19/Parecer-DAJI-terceirizados.pdf.pdf.pdf. Acesso em 12 jun. 2020.
[4] Disponível em: https://www.comprasgovernamentais.gov.br/index.php/noticias/1264-recomendcoes-covid-19-terceirizados. Acesso em 12 jun. 2020.
[5] Disponível em: https://www.comprasgovernamentais.gov.br/images/conteudo/covid19/Parecer-Consulta-SAA-Liberao-dos-Terceirizados.pdf. Acesso em 14 jun. 2020.
[6] Disponível em: https://www.comprasgovernamentais.gov.br/images/conteudo/covid19/Parecer-63—COVID-19.pdf. Acesso em 14 jun. 2020.
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Em duas situações, os servidores temporários também farão jus aos direitos garantidos para os servidores efetivos: nas hipóteses em que há previsão legal e/ou contratual ou em caso de desvirtuamento da contratação temporária.
Eduardo Schiefler[1]
Marcelo John Cota de Araújo Filho[2]
Em maio de 2020, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) apreciou o Tema 551 da repercussão geral e fixou a tese de que “Servidores temporários não fazem jus a décimo terceiro salário e férias remuneradas acrescidas do terço constitucional, salvo (I) expressa previsão legal e/ou contratual em sentido contrário, ou (II) comprovado desvirtuamento da contratação temporária pela Administração Pública, em razão de sucessivas e reiteradas renovações e/ou prorrogações”.
A fixação da tese se deu por maioria, nos termos do voto elaborado pelo Ministro Alexandre de Moraes. O tema trata sobre a extensão de direitos dos servidores públicos efetivos aos servidores e empregados públicos contratados para atender necessidade temporária e excepcional da Administração Pública. Em outras palavras, servidores públicos temporários.
A distinção entre servidores públicos efetivos e servidores públicos temporários é importante para se determinar a gama de direitos que cada um dos grupos faz jus, uma vez que o artigo 39, § 3º, da Constituição Federal[3] indica um rol de direitos trabalhistas (artigo 7º da CF/88) inerentes aos servidores ocupantes de cargo público efetivo, que ingressaram por meio de concurso público.
Contudo, é preciso destacar que a contratação de pessoas para a execução de serviços de caráter temporário ou de natureza técnica especializada é uma faculdade concedida à Administração Pública pela própria Constituição Federal, em seu artigo 37, inciso IX[4]. Ou seja, nem sempre a Administração Pública contratará indivíduo por meio de concurso público, podendo, nos casos em que a necessidade não é permanente – mas temporária –, fazer uso da faculdade que a Constituição lhe conferiu para contratar mão de obra por tempo determinado.
Acontece que a contratação por tempo determinado, realizada com base nessas circunstâncias (atender necessidade temporária de excepcional interesse público), não investe o contratado de cargo público, o que não lhe garante automaticamente o gozo aos direitos previstos no artigo 7º e garantidos pelo § 3º do artigo 39, ambos da Constituição Federal.
Apesar disso, é necessário ressaltar que essa faculdade não pode ser utilizada como um mecanismo para que a Administração Pública negligencie os direitos dos trabalhadores vinculados a ela. Nesse sentido, contratar alguém sob a justificativa de interesse excepcional e realizar sucessivas e reiteradas renovações ou prorrogações constitui-se como um desvirtuamento da contratação temporária, não sendo possível utilizar esse argumento como supedâneo para negar direito a benefícios como o décimo terceiro e férias.
Inclusive, é importante salientar que o desvirtuamento da contratação temporária, como é o caso da renovação sucessiva de contratos temporários, também configura burla ao dever de realizar concurso público, insculpido no artigo 37, inciso II, da CF/88[5]. Nessa ocasião, os candidatos aprovados em concurso público para esses cargos que estão sendo ocupados indevidamente por temporários passam a ter direito subjetivo à nomeação, ainda que tenham sido aprovados para o cadastro de reserva.
De toda forma, voltando-se ao tema julgado pelo STF, o caso concreto analisado pelo Tribunal, para fixar a tese de repercussão geral, trata de uma servidora temporária que ajuizou ação de cobrança contra o Estado de Minas Gerais, alegando ter sido contratada para a função de Agente da Administração e ter exercido serviços no período entre dezembro de 2003 e março de 2009, sem nunca ter recebido 13º salário ou férias remuneradas. Ocorre que a contratação da profissional se deu por meio de contratos consecutivos e semestrais. Ou seja, após a contratação inicial fundada numa necessidade temporária e de excepcional interesse público, ocorreram prorrogações contratuais sucessivas a cada 6 meses por mais de 5 anos.
A conclusão, conforme se depreende da tese apresentada no voto do Ministro Alexandre de Moraes, é de que servidores temporários não fazem jus aos direitos garantidos para os servidores efetivos, porém, excepcionalmente em duas situações, os servidores temporários também farão jus: nas hipóteses em que há previsão legal e/ou contratual ou em caso de desvirtuamento da contratação temporária.
Dessa forma, destaca-se que os direitos reservados aos servidores públicos efetivos não são estendidos aos servidores temporários, a menos que tais direitos sejam reconhecidos por lei ou no instrumento contratual que institui o vínculo temporário, ou ainda que a contratação temporária seja desvirtuada em decorrência de sucessivas renovações ou prorrogações contratuais.
[1] Advogado no escritório Schiefler Advocacia. Mestrando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Integrante do Grupo de Estudos em Direito Público (GEDIP/UFSC). Integrante do Grupo de Pesquisa em Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial (DRIA.UnB). Autor do livro “Processo Administrativo Eletrônico” (2019) e de artigos acadêmicos, especialmente na área de Direito Administrativo e Tecnologia.
[2] Graduando em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), atualmente cursando o sexto período. Foi assessor de presidência e consultor de Negócios da Magna Empresa Júnior, além de representante discente do Conselho da Faculdade de Direito (CONFADIR) da UFU.
[3] Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes. […]
§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir.
[4] Art. 37. […] IX – a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;
[5] Art. 37. […] II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
Read MoreA Administração Pública deve pagar pelos serviços prestados por empresa contratada, mesmo em caso de extrapolação do objeto contratual, nas hipóteses em que, no momento da execução, havia consentimento da Administração.
A Administração deve pagar por serviços prestados, mesmo em caso de extrapolação do objeto contratual.
Nesta quarta-feira (03/06/2020), a 8ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) decidiu, por unanimidade, que a Administração Pública deve pagar pelos serviços prestados por empresa contratada, mesmo em caso de extrapolação do objeto contratual, nas hipóteses em que, no momento da execução, havia consentimento da Administração.
No caso concreto, deu-se provimento a recurso de apelação interposto contra sentença que havia julgado improcedente a pretensão de empresa contratada de receber a devida contraprestação por serviços que, segundo a Administração, não estavam previstos em contrato, mas que foram solicitados e autorizados à época da execução contratual. No acórdão, consignou-se que “embora prestado o serviço sem a observância das cláusulas contidas no Contrato Administrativo, bem como fora do seu objeto, sem irresignação oportuna da sociedade de economia mista contratada, é devida a contraprestação, sob pena de enriquecimento sem causa, situação vedada pelo ordenamento jurídico.”[1].
O acórdão prolatado pelo TJDFT segue entendimento consolidado na jurisprudência pátria, no sentido de que a ausência de contraprestação, pela Administração Pública, aos serviços prestados por empresa contratada, ainda que eventualmente em extrapolação do objeto contratual, configura enriquecimento sem causa. Ou seja, trata-se de uma prática ilícita, passível de ser corrigida pelo Poder Judiciário em favor dos particulares que executam serviços ou fornecem bens em favor do Poder público.
O precedente do TJDFT reconheceu o princípio geral de direito que determina a vedação ao enriquecimento sem causa, norma jurídica que inspirou a regra prevista no parágrafo único do artigo 59 da Lei Federal nº 8.666/1993 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos), que possui o seguinte teor:
Art. 59. A declaração de nulidade do contrato administrativo opera retroativamente impedindo os efeitos jurídicos que ele, ordinariamente, deveria produzir, além de desconstituir os já produzidos.
Parágrafo único. A nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), órgão jurisdicional responsável por uniformizar os entendimentos das decisões judiciais de todo o Brasil, no que toca à interpretação da legislação federal, também reconhece como devida a contraprestação aos serviços realizados em favor da Administração, mesmo em caso de nulidade do contrato. Trata-se também de um desdobramento da vedação à invocação da própria torpeza em benefício da Administração[2].
Para o advogado Eduardo Schiefler, que atuou na causa julgada pelo TJDFT, o dever de ressarcir a empresa contratada persistiria mesmo se não houvesse o consentimento formal da Administração, bastando que não se opusesse à sua prestação, nos termos da jurisprudência sobre o assunto.
É de se observar, portanto, que o ordenamento jurídico protege as empresas contratadas que prestaram serviços à Administração Pública, garantindo-lhes o direito a pagamento mesmo nas hipóteses em que a realização destes serviços não respeitou as cláusulas ou fugiu ao escopo do contrato administrativo, ou até mesmo nos casos em que a Administração não consentiu formalmente para a prestação das atividades.
[1] TJDFT, Apelação Cível nº 0709122-43.2018.8.07.0018. Relator Desembargador Eustaquio de Castro, 8ª Turma. Julgado em 03/06/2020.
[2] STJ, REsp 1365600/RJ, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07/05/2019.
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