A consolidação do entendimento por meio de enunciado foi bem visto pelos especialistas, uma vez que traz segurança jurídica para a atuação dos dirigentes das organizações da sociedade civil – elemento essencial para o desenvolvimento das atividades desempenhadas por essas entidades.
Enunciado 5 – O conceito de dirigentes de organização da sociedade civil estabelecido no artigo 2º, inciso IV, da Lei Federal n. 13.019/2014 contempla profissionais com a atuação efetiva na gestão executiva da entidade, por meio do exercício de funções de administração, gestão, controle e representação da pessoa jurídica, e, por isso, não se estende aos membros de órgãos colegiados não executivos, independentemente da nomenclatura adotada pelo estatuto social.
A Lei nº 13.019/2014, também conhecida como o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, é a norma legal que dispõe sobre as relações de parceria entre a Administração Pública e as organizações da sociedade civil – OSC e que estabelece os parâmetros que devem ser observados pelos entes públicos e privados, em prol de atribuir às parcerias uma maior transparência, eficiência e controle.
Como se vê do seu artigo 1º, esta Lei se presta a instituir “normas gerais para as parcerias entre a administração pública e organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, mediante a execução de atividades ou de projetos previamente estabelecidos em planos de trabalho inseridos em termos de colaboração, em termos de fomento ou em acordos de cooperação.”.
Do artigo 2º da norma, é possível observar uma série de conceitos atinentes à matéria, buscando delimitar com acurácia as definições e institutos que são legalmente regulados. Por exemplo, o conceito de organização da sociedade civil: que é fundamental para a compreensão deste texto e que está previsto no inciso I do artigo 2º, in verbis:
Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se:
I – organização da sociedade civil: (Redação dada pela Lei nº 13.204, de 2015)
a) entidade privada sem fins lucrativos que não distribua entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados, doadores ou terceiros eventuais resultados, sobras, excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, isenções de qualquer natureza, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplique integralmente na consecução do respectivo objeto social, de forma imediata ou por meio da constituição de fundo patrimonial ou fundo de reserva; (Incluído pela Lei nº 13.204, de 2015)
b) as sociedades cooperativas previstas na Lei nº 9.867, de 10 de novembro de 1999 ; as integradas por pessoas em situação de risco ou vulnerabilidade pessoal ou social; as alcançadas por programas e ações de combate à pobreza e de geração de trabalho e renda; as voltadas para fomento, educação e capacitação de trabalhadores rurais ou capacitação de agentes de assistência técnica e extensão rural; e as capacitadas para execução de atividades ou de projetos de interesse público e de cunho social. (Incluído pela Lei nº 13.204, de 2015)
c) as organizações religiosas que se dediquem a atividades ou a projetos de interesse público e de cunho social distintas das destinadas a fins exclusivamente religiosos; (Incluído pela Lei nº 13.204, de 2015)
Acontece que, como é comum no Direito brasileiro, muitos conceitos constantes de dispositivos normativos, pela amplitude semântica de sua redação, são responsáveis por causar debates jurisprudenciais e acadêmicos sobre a forma considerada correta de interpretá-los.
Não é diferente com a definição trazida pelo artigo 2º, inciso IV, sobre quem deve ser considerado “dirigente” de uma OSC:
Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se:
IV – dirigente: pessoa que detenha poderes de administração, gestão ou controle da organização da sociedade civil, habilitada a assinar termo de colaboração, termo de fomento ou acordo de cooperação com a administração pública para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, ainda que delegue essa competência a terceiros. (Redação dada pela Lei nº 13.204, de 2015)
Veja-se que o atual conceito trazido pela Lei nº 13.019/2014 é aquele definido pela alteração imposta pela Lei nº 13.204/2015. Anteriormente, quando da edição do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, o inciso IV do artigo 2º era simplório, prevendo apenas que é considerado dirigente a “pessoa que detenha poderes de administração, gestão ou controle da organização da sociedade civil”.
Ou seja, com a adição textual da alteração normativa, detalhou-se o conceito para evidenciar que dirigente é a pessoa que, tendo poderes de administração, gestão ou controle, está “habilitada a assinar termo de colaboração, termo de fomento ou acordo de cooperação com a administração pública para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, ainda que delegue essa competência a terceiros”.
Contudo, a controvérsia conceitual ainda persistiu, residindo principalmente na possibilidade de se considerar membros de alguns órgãos específicos das organizações da sociedade civil (como os Conselhos Consultivo, Fiscal ou Curador) como “dirigentes” para fins da Lei nº 13.019/2014. Esta tese, inclusive, tornava-se ainda mais forte nas hipóteses em que o próprio estatuto social da OSC define como “dirigentes” os membros desses conselhos.
Em razão da importância do assunto, este tema foi proposto para discussão no âmbito da 1ª Jornada de Direito Administrativo do Conselho de Justiça Federal, tendo sido aprovado e publicado como o Enunciado 5:
Enunciado 5
O conceito de dirigentes de organização da sociedade civil estabelecido no artigo 2º, inciso IV, da Lei Federal n. 13.019/2014 contempla profissionais com a atuação efetiva na gestão executiva da entidade, por meio do exercício de funções de administração, gestão, controle e representação da pessoa jurídica, e, por isso, não se estende aos membros de órgãos colegiados não executivos, independentemente da nomenclatura adotada pelo estatuto social.
O texto enunciativo foi aprovado após intensos debates por especialistas em Direito Administrativo provenientes de todo o Brasil, de forma que entrou-se em consenso de que a definição de “dirigentes de organização da sociedade civil, estabelecido pelo artigo 2º, inciso IV, da Lei nº 13.019/2014, diz respeito àqueles profissionais com atuação efetiva na gestão executiva da entidade, não abarcando profissionais que exerçam funções meramente fiscalizadoras ou consultivas, independentemente da nomenclatura adotada pelo estatuto social.
A consolidação do entendimento por meio de enunciado aprovado na 1ª Jornada de Direito Administrativo foi bem visto pelos especialistas, uma vez que traz segurança jurídica para a atuação dos dirigentes das organizações da sociedade civil – elemento essencial para o desenvolvimento das atividades desempenhadas por essas entidades.
A importância da segurança jurídica, especificamente quanto ao que versa o Enunciado 5, pode ser aferida dos ensinamentos de Marçal Justen Filho, segundo o qual a atuação das OSC deve ser regulada pelas regras do Direito Administrativo:
As atividades administrativas desenvolvidas fora dos limites da estrutura estatal devem ser disciplinadas pelo direito. A generosidade inerente à atuação não estatal de interesse coletivo não dispensa controle jurídico. A relevância da função não produz imunidade ao direito.
Existindo organizações estruturadas de modo estável e permanente para promover a satisfação de interesses coletivos e os direitos fundamentais, haverá a aplicação de princípios do direito administrativo.
Lembre-se, ademais, que as organizações da sociedade civil desenvolvem atuação que, muitas vezes, é onerosa – mas não na acepção de refletir uma organização empresarial privada. Trata-se da percepção de vantagens provenientes de cofres públicos, de recebimento de doações e assim por diante. Ainda que essas entidades não visem ao lucro, sua atuação é custeada por recursos públicos e privados. A gestão desses recursos se sujeita aos mesmos instrumentos de controle aplicáveis à atuação estatal.
Até é possível que, no futuro, a atividade administrativa não estatal seja disciplinada por um ramo especial do direito. Até que tal se configure, é necessário estender o direito administrativo para esse relevante segmento de atividades de interesse coletivo.[1]
A exata delimitação dos indivíduos que pertencem ao quadro das organizações da sociedade civil é relevante, também, porque a própria Lei nº 13.019/2014 prevê impedimentos de celebração de parceria entre Administração e OSC nos casos em que a entidade possuir, como dirigente, pessoa que ocupa determinados cargos ou que foi condenada pela prática de determinados atos. É o que dispõe o artigo 39:
Art. 39. Ficará impedida de celebrar qualquer modalidade de parceria prevista nesta Lei a organização da sociedade civil que: […]
III – tenha como dirigente membro de Poder ou do Ministério Público, ou dirigente de órgão ou entidade da administração pública da mesma esfera governamental na qual será celebrado o termo de colaboração ou de fomento, estendendo-se a vedação aos respectivos cônjuges ou companheiros, bem como parentes em linha reta, colateral ou por afinidade, até o segundo grau; […]
VII – tenha entre seus dirigentes pessoa:
a) cujas contas relativas a parcerias tenham sido julgadas irregulares ou rejeitadas por Tribunal ou Conselho de Contas de qualquer esfera da Federação, em decisão irrecorrível, nos últimos 8 (oito) anos;
b) julgada responsável por falta grave e inabilitada para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança, enquanto durar a inabilitação;
c) considerada responsável por ato de improbidade, enquanto durarem os prazos estabelecidos nos incisos I, II e III do art. 12 da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992.
§ 1º Nas hipóteses deste artigo, é igualmente vedada a transferência de novos recursos no âmbito de parcerias em execução, excetuando-se os casos de serviços essenciais que não podem ser adiados sob pena de prejuízo ao erário ou à população, desde que precedida de expressa e fundamentada autorização do dirigente máximo do órgão ou entidade da administração pública, sob pena de responsabilidade solidária.
§ 2º Em qualquer das hipóteses previstas no caput, persiste o impedimento para celebrar parceria enquanto não houver o ressarcimento do dano ao erário, pelo qual seja responsável a organização da sociedade civil ou seu dirigente. […]
§ 5º A vedação prevista no inciso III não se aplica à celebração de parcerias com entidades que, pela sua própria natureza, sejam constituídas pelas autoridades referidas naquele inciso, sendo vedado que a mesma pessoa figure no termo de colaboração, no termo de fomento ou no acordo de cooperação simultaneamente como dirigente e administrador público
O tema se torna ainda mais essencial quando se verifica que o Tribunal de Contas da União (TCU) possui entendimento consolidado de que é plenamente válida a responsabilização solidária de dirigentes de organizações da sociedade civil. É o que se verifica do Acórdão nº 1908/2019 do Plenário:
2. A tomada de contas especial foi instaurada em razão da omissão no dever de prestar contas da aplicação dos recursos que lhe foram repassados pelo Incra por força do Convênio CRT/RN/40.000/2006, que teve por objeto a prestação de assessoria social, técnica e jurídica a famílias acampadas, com vistas ao alcance das metas propostas no Plano Regional de Reforma Agrária para o Rio Grande do Norte.
3. Em sua peça recursal, o recorrente alega, em suma, a prescrição da pretensão de ressarcimento, questiona a responsabilização solidária de dirigentes de organizações da sociedade civil e apresenta elementos novos com o objetivo de prestar contas e comprovar a execução das despesas (peças 62/73). […]
14. Da mesma forma, não merece prosperar o argumento de que é inconstitucional a responsabilização solidária de dirigentes de organizações da sociedade civil. Esta Corte de Contas já firmou entendimento contrário por meio da Súmula TCU 286, que assim se pronuncia: “A pessoa jurídica de direito privado destinatária de transferências voluntárias de recursos federais feitas com vistas à consecução de uma finalidade pública responde solidariamente com seus administradores pelos danos causados o erário na aplicação desses recursos”.[2]
Voltando-se ao conteúdo Enunciado 5, é de se notar que a sua redação repete como elemento caracterizador da figura do “dirigente” o exercício de atividades de administração, gestão e controle da organização, além dos poderes de representação da pessoa jurídica perante terceiros, exigindo que o profissional possua esses poderes para que lhe seja atribuído a roupagem da referida figura legal.
Nesse sentido, é ínsito apontar que a Lei decidiu por caracterizar o dirigente a partir do escopo das funções executivas a que esse se dedica, esclarecendo que o dirigente da OSC, nos termos da Lei, corresponde àquele profissional que é responsável pela administração, gestão e controle executivo da entidade, não abrangendo outros cargos que exerçam funções substancialmente distintas.
Essa definição, inclusive, está em conformidade com o entendimento da Comissão Especial de Direito do Terceiro Setor da OAB/SP e com o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE/SP), que definem, respectivamente, o dirigente como “pessoa física que detenha poderes de administração, gestão e controle da organização da sociedade civil”[3] e “pessoas que serão responsáveis pela direção da associação”[4].
Logo, conclui-se que quaisquer cargos de órgãos das organizações de sociedades civis que não exerçam atividades de gestão executiva estão fora do espectro conceitual de “dirigentes”, ainda que essa seja a designação atribuída pelo estatuto dessas entidades.
Como a Lei escolheu definir o dirigente pelo escopo das funções que este realiza, pouco importa o nome atribuído pelo estatuto a algum cargo de um órgão meramente fiscalizador ou consultivo, sendo determinante, para fins legais, apenas a capacidade de poder executivo e de representação que determinado cargo atribui, na prática, a um profissional dentro da estrutura da organização da sociedade civil.
[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 129-130.
[2] TCU, Acórdão nº 1908/2019, Plenário. Relator: ANA ARRAES, Data de Julgamento: 14/08/2019.
[3] OAB/SP, Comissão Especial de Direito do Terceiro Setor. Guia Prático da Lei de Parcerias: Lei nº 13.019/2014. Outubro de 2017. p. 13.
[4] TCE/SP. Manual Básico de Repasses Públicos ao Terceiro Setor. Ano 2016. p. 20. Disponível em: https://www.tce.sp.gov.br/sites/default/files/publicacoes/repasses_publicos_terceiro_setor.pdf. Acesso em 23 out. 2020.
Read MoreÉ preciso que o particular tenha conhecimento de qual finalidade será dada ao seu bem desapropriado, o que viabiliza a sindicância do ato administrativo e, sendo o caso, sua impugnação por meio do Poder Judiciário.
Enunciado 4 – O ato declaratório da desapropriação, por utilidade ou necessidade pública, ou por interesse social, deve ser motivado de maneira explícita, clara e congruente, não sendo suficiente a mera referência à hipótese legal.
O direito à propriedade é reconhecido como direito individual fundamental, previsto no caput do artigo 5º da Constituição Federal e reiterado no inciso XXII do mesmo artigo.
Este direito é, no entanto, mitigado, nos termos do inciso XXIV do artigo 5º da CF/88, na hipótese de haver reconhecida necessidade ou utilidade pública, ou, ainda, interesse social, no uso daquele bem, hipótese em que o Poder Público poderá desapropriá-lo, desde que respeitado o procedimento legal previsto e que haja justa indenização.
É como explica CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO ao tratar do instituto da desapropriação:
Do ponto de vista teórico, pode-se dizer que desapropriação é o procedimento através do qual o Poder Público compulsoriamente despoja alguém de uma propriedade e a adquire, mediante indenização, fundado em um interesse público. Trata-se, portanto, de um sacrifício de direito imposto ao desapropriado.[1]
Além de estar expressamente previsto no artigo 5º, inciso XXIV, da Constituição de 1988, o instituto da desapropriação é regulado, no caso de utilidade pública, pelo Decreto-Lei nº 3.365 de 1941, e, no caso de interesse social, pela Lei nº 4.132/1962.
No caso de utilidade pública, a legislação prevê, nos termos do seu artigo 5º[2], um rol de hipóteses que fundamente a existência de utilidade pública apta a motivar a desapropriação. No mesmo sentido, a Lei nº 4.132/1962 prevê em seu artigo 2º[3] as hipóteses de interesse social que, se preenchidas, fundamentam igualmente a desapropriação.
Tendo em vista a existência das hipóteses legais, o Poder Público tem se valido da mera remissão às hipóteses previstas em lei como meio de fundamentar os atos de desapropriação, sem se desincumbir do ônus de explicitar de maneira explícita, clara e congruente, nos termos do § 1º do artigo 50 da Lei Federal nº 9.784/1999, os motivos que ensejam a prática do ato.
O do artigo 50 da Lei Federal nº 9.784/1999, que dispõe sobre os processos administrativos no âmbito da Administração Pública Federal, é claro:
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: […]
§ 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.
É preciso que o particular, cujo direito sobre aquela propriedade é mitigado ou retirado, tenha conhecimento claro e expresso da razão pela qual a sua propriedade foi escolhida pelo Poder Público como meio de satisfação de uma necessidade ou utilidade pública, ou de um interesse social.
Mais do que isso: é preciso que o particular tenha conhecimento de qual finalidade será dada ao seu bem desapropriado, o que viabiliza a sindicância do ato administrativo e, sendo o caso, sua impugnação por meio do Poder Judiciário.
Nesse sentido, com o intuito de reconhecer a obrigatoriedade da devida motivação dos atos de desapropriação, evitando-se a ocorrência de arbitrariedades e viabilizando a sindicância do ato por particulares e pelo Poder Judiciário, quando provocado, a 1ª Jornada de Direito Administrativo do Conselho da Justiça Federal aprovou o Enunciado 4, que contém o seguinte teor:
Enunciado 4
O ato declaratório da desapropriação, por utilidade ou necessidade pública, ou por interesse social, deve ser motivado de maneira explícita, clara e congruente, não sendo suficiente a mera referência à hipótese legal.
Por meio desse enunciado, pretende-se consolidar e espraiar o entendimento de que o dever de motivação do ato administrativo de desapropriação só é satisfeito se forem apresentadas, de forma clara, explícita e congruente, as razões que levaram à prática do ato declaratório de desapropriação.
E, para tanto, como explica CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, é necessário que a Administração exponha a regra de direito no qual a desapropriação se funda e, também, os fatos e a correlação lógica para com o caso concreto:
A motivação integra a “formalização” do ato, sendo um requisito formalístico dele (cf. ns. 53 e ss.). É a exposição dos motivos, a fundamentação na qual são enunciados (a) a regra de Direito habilitante, (b) os fatos em que o agente se estribou para decidir e, muitas vezes, obrigatoriamente, (c) a enunciação da relação de pertinência lógica entre os fatos ocorridos e o ato praticado. Não basta, pois, em uma imensa variedade de hipóteses, apenas aludir ao dispositivo legal que o agente tomou como base para editar o ato. Na motivação transparece aquilo que o agente apresenta como “causa” do ato administrativo[4]
E continua o ilustre doutrinador ao afirmar que, “se se tratar de ato praticado no exercício de competência discricionária, salvo alguma hipótese excepcional, há de se entender que o ato não motivado está irremissivelmente maculado de vício e deve ser fulminado por inválido, já que a Administração poderia, ao depois, ante o risco de invalidação dele, inventar algum motivo, ‘fabricar’ razões lógicas para justificá-lo e alegar que as tomou em consideração quando da prática do ato”.
A jurisprudência dos Tribunais brasileiros reconhece a importância e a imprescindibilidade de que os atos administrativos de desapropriação sejam motivados:
REEXAME NECESSÁRIO – AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO – UTILIDADE PÚBLICA – AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DO ATO EXPROPRIATÓRIO – INEXISTÊNCIA DE FINALIDADE PÚBLICA – SENTENÇA CONFIRMADA. – Na ação de desapropriação, não pode apreciação judicial recair sobre a validade do ato expropriatório ou analisar e solucionar questionamentos acerca de posse e domínio; contudo, pode o Poder Judiciário verificar se a declaração de utilidade pública é motivada e se constitui instrumento hábil aos fins expropriatórios, cumprindo com a finalidade pública – Ainda que o decreto expropriatório seja ato discricionário da Administração, nele o princípio da motivação deve estar presente, como em qualquer ato administrativo, uma vez que é condição “sine qua non” para viabilizar o controle de legalidade e da juridicidade de todo e qualquer ato exarado no exercício da função administrativa – Comprovado, nos autos de ação de reintegração de posse, com trânsito em julgado, que a área situada na propriedade dos expropriados não integra o Plano Rodoviário do Município de Chácara, não há motivos para a desapropriação para fins de “regularização do sistema viário do Município”.[5]
APELAÇÃO CIVEL. DESAPROPRIAÇÃO AMIGÁVEL. DIREITO DE RETROCESSÃO. TREDESTINAÇÃO ILÍCITA. DEVER DE INDENIZAR. 1. O instituto da desapropriação, modalidade de intervenção supressiva da propriedade que se legitima a partir do reconhecimento da sua função social, terá lugar, nos termos do artigo 5º, XXIV, da Constituição da República, quando, mediante procedimento legalmente estabelecido, verificar-se necessidade ou utilidade pública, ou interesse social; e a sua consolidação dependerá, via de regra, de prévia e justa indenização em dinheiro. 2. Nada obstante, quando o ente público desistir dos fins a que se destinava a desapropriação, liberando-a de qualquer finalidade que atenda ao interesse público tredestinação ilícita -, surge para o expropriado o direito de reaver o bem (retrocessão) ou o de obter indenização correspondente à diferença do preço atual da coisa com o do valor recebido à época da expropriação, nos termos do artigo 519 do Código Civil de 2002. 3. Caso concreto em que a parte autora somente aceitou a desapropriação amigável e pelo preço vil praticado em razão da finalidade pública específica que seria dada ao imóvel. De modo que a violação de legítima expectativa da parte autora – que, não fosse a finalidade pública anunciada, evidentemente preferiria a… justa e prévia indenização em dinheiro pelo valor de mercado do bem (30 vezes maior do que o pago) – malfere o princípio da proteção da confiança e, via de consequência, acarreta a ilicitude da tredestinação. Quadro fático que desnuda também conduta infensa à moralidade administrativa, ao princípio da motivação do ato administrativo e situação contrária ao princípio da vedação do enriquecimento ilícito, na medida em que a modificação da destinação do bem, a um só tempo, suprimiu a motivação declarada do ato e trouxe ganhos expressivos à Administração Municipal em detrimento do direito à justa indenização constitucionalmente garantida à parte expropriada (art. 5º, XXIV, CRFB). 4. À vista de que há pedido de indenização, subsidiário ao de retrocessão, e tendo em conta que os imóveis expropriados encontram-se ocupados pelos prédios-sede das empresas cessionárias (fls. 637/663), tem-se que a opção reparatória seja a mais alinhada ao princípio da razoabilidade. 5. Sentença reformada. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.[6]
Como o ato de desapropriação é discricionário, o elemento de motivação é requisito de sua validade e só é preenchido se estiver exposta de forma explícita, conforme os termos do Enunciado 4. Espera-se, assim, que, com este enunciado chancelado por grandes especialistas do Direito Administrativo, o Poder Público se sinta compelido a cumprir com o seu dever de motivação dos atos administrativos e, caso descumpra, que o Poder Judiciário, quando provocado, reconheça a nulidade do ato administrativo por vício de motivação.
Ademais, como salientado, o cumprimento deste dever de motivação adequada do ato administrativo viabiliza a sindicância destes atos, principalmente no que se refere a eventual desvio de finalidade em sua prática. Isso porque, conhecendo-se de forma clara, explícita e congruente o motivo do ato, o particular que tiver seu direito à propriedade cerceado de forma arbitrária, em ato administrativo viciado, possuirá os meios necessários para demonstrar a existência do vício que enseja a sua nulidade.
Com isso, o Poder Judiciário terá, igualmente, maior segurança de avaliar a adequação do ato sem invadir a sua esfera de competência, o que poderia ocorrer em caso de avançar sobre o mérito do ato administrativo. A identificação de arbitrariedade estará vinculada à existência de um desvio de finalidade, que será facilmente aferido a partir da motivação contida no ato, sendo ela apropriada e subsumida aos tipos previstos em lei, bem como à destinação dada ao bem nos termos da motivação do ato de desapropriação.
A bem da verdade, o Enunciado 4 reforça a teoria dos motivos determinantes, construção doutrinária que defende, nas palavras de EDUARDO ANDRÉ CARVALHO SCHIEFLER, MATHEUS LOPES DEZAN e FABIANO HARTMANN PEIXOTO, que:
[…] a validade das decisões administrativas guarda vínculo sincrético com os pressupostos objetivos que as constituem. Significa dizer que a decisão administrativa, ainda que discricionária, deve operar sobre motivos verdadeiros, existentes e corretamente qualificados, a fim de produzir efeitos válidos no mundo jurídico. Revelada a falsidade, a inexistência ou a inadequada qualificação dos motivos de fato expostos pelo administrador, de modo que não haja nexo lógico entre esses elementos fáticos e os motivos legais elencados, far-se-á inválido o ato administrativo.[7]
A teoria dos motivos determinantes também é reconhecida pela jurisprudência pátria, como se vê do seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP):
MANDADO DE SEGURANÇA. Pretensão voltada a assegurar a renovação de licença de funcionamento e exercício de atividade comercial Indeferimento administrativo que se baseia no fato de que o imóvel em questão foi declarado de utilidade pública para fins de desapropriação. Óbice que não prevalece, pois a declaração de utilidade pública, por si só, não tem o condão de afastar a emissão do alvará, no caso dos autos, se preenchidos os demais requisitos para a licença de funcionamento e exercício da atividade. Não havendo notícia de imissão na posse pelo poder público, a não renovação da licença, sob a justificativa de interesse público, para a finalidade desapropriatória, consiste em ato desprovido de amparo legal. Aplica-se ao caso a teoria dos motivos determinantes, com o entendimento de que mesmo os atos discricionários, se forem motivados, ficam vinculados a esses motivos como causa determinante de seu cometimento e se sujeitam ao confronto da existência e legitimidade dos motivos indicados. Havendo desconformidade entre os motivos determinantes e a realidade, o ato é inválido. Sentença de procedência mantida. Reexame necessário não provido.[8]
O Enunciado 4 se mostra, assim, um passo relevante à proteção dos particulares contra atos de desapropriação praticados de forma arbitrária, dotando-os de meios para demonstrar eventual ilicitude. Confere, também, segurança ao Poder Judiciário para aferir a legalidade do ato sem extrapolar sua competência jurisdicional. Por fim, estimula a Administração Pública a ser cautelosa e diligente na prática dos seus atos, atingindo a finalidade a que se propõe dentro dos limites legais.
Confira também os Comentários já publicados sobre o Enunciado 2 e o Enunciado 3 da 1ª Jornada de Direito Administrativo, os quais também versam sobre o instituto da desapropriação.
[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros Editores. p. 889.
[2] Art. 5o Consideram-se casos de utilidade pública:
a) a segurança nacional;
b) a defesa do Estado;
c) o socorro público em caso de calamidade;
d) a salubridade pública;
e) a criação e melhoramento de centros de população, seu abastecimento regular de meios de subsistência;
f) o aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, das águas e da energia hidráulica;
g) a assistência pública, as obras de higiene e decoração, casas de saude, clínicas, estações de clima e fontes medicinais;
h) a exploração ou a conservação dos serviços públicos;
i) a abertura, conservação e melhoramento de vias ou logradouros públicos; a execução de planos de urbanização; o parcelamento do solo, com ou sem edificação, para sua melhor utilização econômica, higiênica ou estética; a construção ou ampliação de distritos industriais;
j) o funcionamento dos meios de transporte coletivo;
k) a preservação e conservação dos monumentos históricos e artísticos, isolados ou integrados em conjuntos urbanos ou rurais, bem como as medidas necessárias a manter-lhes e realçar-lhes os aspectos mais valiosos ou característicos e, ainda, a proteção de paisagens e locais particularmente dotados pela natureza;
l) a preservação e a conservação adequada de arquivos, documentos e outros bens moveis de valor histórico ou artístico;
m) a construção de edifícios públicos, monumentos comemorativos e cemitérios;
n) a criação de estádios, aeródromos ou campos de pouso para aeronaves;
o) a reedição ou divulgação de obra ou invento de natureza científica, artística ou literária;
p) os demais casos previstos por leis especiais.
[3] Art. 2º Considera-se de interesse social:
I – o aproveitamento de todo bem improdutivo ou explorado sem correspondência com as necessidades de habitação, trabalho e consumo dos centros de população a que deve ou possa suprir por seu destino econômico;
II – a instalação ou a intensificação das culturas nas áreas em cuja exploração não se obedeça a plano de zoneamento agrícola, VETADO;
III – o estabelecimento e a manutenção de colônias ou cooperativas de povoamento e trabalho agrícola:
IV – a manutenção de posseiros em terrenos urbanos onde, com a tolerância expressa ou tácita do proprietário, tenham construído sua habilitação, formando núcleos residenciais de mais de 10 (dez) famílias;
V – a construção de casa populares;
VI – as terras e águas suscetíveis de valorização extraordinária, pela conclusão de obras e serviços públicos, notadamente de saneamento, portos, transporte, eletrificação armazenamento de água e irrigação, no caso em que não sejam ditas áreas socialmente aproveitadas;
VII – a proteção do solo e a preservação de cursos e mananciais de água e de reservas florestais.
VIII – a utilização de áreas, locais ou bens que, por suas características, sejam apropriados ao desenvolvimento de atividades turísticas.
[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros Editores. p. 408.
[5] TJ-MG – REEX: 10145041594469001 Juiz de Fora, Relator: Luís Carlos Gambogi, Data de Julgamento: 10/07/2014, Câmaras Cíveis / 5ª CÂMARA CÍVEL.
[6] TJ-RS – AC: 70059513366 RS, Relator: Marlene Marlei de Souza, Data de Julgamento: 16/05/2019, Terceira Câmara Cível.
[7] SCHIEFLER, Eduardo André Carvalho; HARTMANN PEIXOTO, Fabiano; DEZAN, Matheus Lopes. A decisão administrativa robótica e o dever de motivação. JOTA, 2020. Disponível em: https://www.jota.info/coberturas-especiais/inova-e-acao/a-decisao-administrativa-robotica-e-o-dever-de-motivacao-01092020. Acesso em 21 out. 2020.
[8] TJ-SP – REEX: 30002117820138260244 SP 3000211-78.2013.8.26.0244, Relator: Paulo Dimas Mascaretti, Data de Julgamento: 28/01/2015, 8ª Câmara de Direito Público.
Read MoreO enunciado aprovado traz a lume os princípios da inafastabilidade do Poder Judiciário, da economia processual e da celeridade, uma vez que destacou a possibilidade de que o Poder Judiciário acuse a existência de irregularidades no âmbito do processo administrativo ou que invalidem a lisura do ato administrativo de declaração de utilidade pública.
Enunciado 3 – Não constitui ofensa ao artigo 9º do Decreto-Lei nº 3.365/1941 o exame por parte do Poder Judiciário, no curso do processo de desapropriação, da regularidade do processo administrativo de desapropriação e da presença dos elementos de validade do ato de declaração de utilidade pública.
O enunciado aprovado consolida o entendimento de que o exame por parte do Poder Judiciário, no curso do processo de desapropriação, da regularidade do processo administrativo de desapropriação e da presença dos elementos de validade do ato de declaração de utilidade pública não ofende o artigo 9º do Decreto-Lei nº 3.365/1941.
O Decreto-Lei nº 3.365/1941, conhecido como a Lei Geral das Desapropriações, foi editado com a finalidade de disciplinar as desapropriações realizadas em atendimento ao interesse público em todo o território nacional, como se pode ler do seu artigo 1º[1]. Para que um bem seja desapropriado – e, conforme o artigo 2º[2], todos os bens podem sê-lo –, é preciso que seja declarada a sua utilidade pública. Trata-se de um instrumento jurídico que permite a transferência de um bem de titularidade privada para o Estado, quando haja justificativa fundamentada no interesse público.
A declaração de utilidade é uma prerrogativa do Poder Executivo, prevista neste dispositivo legal na forma de decreto do Presidente da República, Governador, Interventor ou Prefeito (artigo 6º[3]), embora o artigo 8º[4] preveja a possibilidade de o Poder Legislativo tomar a iniciativa da desapropriação.
O processo de desapropriação, portanto, deve iniciar como um processo administrativo, de iniciativa do Poder Executivo ou, excepcionalmente, do Poder Legislativo. Na hipótese, porém, de não haver, no curso desse processo administrativo, acordo entre as partes, isto é, entre o particular proprietário e o poder público interessado na desapropriação do bem, faz-se mister que o Estado intente uma ação judicial, conforme prevê o artigo 10:
Art. 10. A desapropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judicialmente, dentro de cinco anos, contados da data da expedição do respectivo decreto e findos os quais este caducará.
Esta ação judicial é disciplinada nos artigos 11 a 30 do Decreto-Lei, e se destina precipuamente à determinação do valor da indenização a ser paga ao proprietário expropriado, com base em perícia técnica (art. 14). Nesses artigos são instituídos os procedimentos que devem ser observados pelo magistrado para levar a efeito a desapropriação em caso de desacordo.
Entres os mencionados artigos, são estabelecidos critérios de competência para o ajuizamento da ação, requisitos da petição inicial, condições para a legitimidade do magistrado, instruções para a designação de perito, os procedimentos que devem ser observados em caso de urgência, entre outros aspectos procedimentais.
Destaca-se, porém, o artigo 20 da norma:
Art. 20. A contestação só poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação do preço; qualquer outra questão deverá ser decidida por ação direta.
Sendo a ação judicial de iniciativa do Poder Público, a contestação é, neste caso, invariavelmente do particular proprietário cujo bem é alvo do processo de desapropriação, mas, como se depreende do texto do artigo 20, qualquer questão que não constitua um vício do processo judicial ou a impugnação do preço ofertado pelo bem deve ser objeto de uma ação judicial própria e apartada.
Acontece que, ao se referir apenas a vício do processo judicial, omitindo-se sobre os eventuais vícios do processo administrativo com que se inicia o processo de desapropriação por interesse público, o artigo 20 deu azo a que se interpretasse que estes últimos vícios (administrativos) somente poderiam ser questionados em ação autônoma. Esta interpretação se reforçava pela equivocada exegese da restrição contida no artigo 9º, in verbis:
Art. 9º Ao Poder Judiciário é vedado, no processo de desapropriação, decidir se se verificam ou não os casos de utilidade pública.
Segundo este artigo, cabe tão-somente ao Poder Executivo a decisão sobre o mérito de uma desapropriação por utilidade pública, isto é, é sua prerrogativa determinar se no caso concreto está configurada uma ou mais hipóteses presentes no artigo 5º do Decreto-Lei, que justamente elenca os casos de utilidade pública. Esta decisão é exclusivamente administrativa e fica assim resguardada do exame de mérito por parte do Poder Judiciário (mérito do ato administrativo). Na ação judicial prevista nos artigos 11 a 30, portanto, não estaria o juiz autorizado a avaliar os fundamentos apresentados no ato administrativo que determinou a utilidade pública do imóvel a ser desapropriado, nem eventuais vícios cometidos nesta fase administrativa.
Pois bem. Como se viu em relação ao artigo 20, pode o réu alegar, na contestação, apenas vícios do processo judicial. Seguindo esse entendimento se encontram precedentes nos Tribunais de Justiça pátrios, a exemplo do seguinte:
APELAÇÃO – DESAPROPRIAÇÃO – Alegação de que o decreto municipal que declarou o imóvel desapropriado de utilidade pública deveria ter se lastreado em prévio procedimento administrativo, padecendo de nulidade – Na via estreita da ação de desapropriação, de cognição limitada, as matérias suscetíveis de discussão cingem-se a eventuais vícios processuais e ao preço do bem cuja expropriação se pretende, não subsistindo espaço para questionamentos tocantes à existência, ou não, de utilidade pública, muito menos para a declaração de nulidade do decreto expropriatório – Inteligência conjunta dos artigos 9º e 20 do Decreto-lei nº 3.365/1941 – Decreto Municipal nº 1844, de 13 de novembro de 2012, que declarou de utilidade pública a área descrita na inicial, discriminando os seus proprietários, ante a necessidade de construção de um posto de saúde e de uma creche (fls. 13/14), casos reputados de utilidade pública pelo artigo 5º, g e h, do Decreto-lei nº 3.365/1941 – Requisitos coessenciais à higidez do ato expropriatório contemplados – Sentença mantida – Recurso desprovido.[5]
Diante desta restrição imposto à atuação do Poder Judiciário, pode-se perguntar, porém, se no curso do processo judicial de desapropriação poderia o magistrado examinar eventuais vícios que inquinassem o processo administrativo de desapropriação. É nesse contexto que foi aprovado o Enunciado nº 3 no âmbito da 1ª Jornada de Direito Administrativo do Conselho da Justiça Federal:
Enunciado 3
Não constitui ofensa ao artigo 9º do Decreto-Lei nº 3.365/1941 o exame por parte do Poder Judiciário, no curso do processo de desapropriação, da regularidade do processo administrativo de desapropriação e da presença dos elementos de validade do ato de declaração de utilidade pública.
O Enunciado 3 consolida o entendimento de que o proprietário do imóvel objeto do processo de desapropriação, ao verificar a presença de irregularidades no processo administrativo ou de vícios hábeis a invalidar o ato de declaração de utilidade pública, pode provocar o próprio juiz responsável pelo processo judicial previsto no artigo 10 e disciplinado nos artigos 11 a 30 com vistas à sua revisão e eventual anulação, sem a necessidade de intentar nova ação judicial. Ou seja, sem que houvesse a violação do artigo 9º da norma.
O enunciado aprovado, portanto, traz a lume o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, insculpido no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição de 1988, in verbis: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Além disso, o texto do enunciado também ressalta o princípio da economia processual e da celeridade, este previsto no inciso LXXVIII do artigo 5º da CF/1988[6], uma vez que destacou a possibilidade de que o Poder Judiciário acuse a existência de irregularidades no âmbito do processo administrativo ou que invalidem a lisura do ato administrativo de declaração de utilidade pública – isso, repita-se, sem que haja violação à vedação contida no artigo 9º do Decreto-Lei nº 3.365/1941.
Dessa forma, o Enunciado 3 da 1ª Jornada de Direito Administrativo interpreta a vedação do artigo 9º do Decreto-Lei nº 3.365/1941 de maneira que não impeça que o proprietário de um bem que seja objeto de um processo de desapropriação alegue, no âmbito do processo judicial instaurado na hipótese de desacordo entre as partes (artigo 10 mencionado), eventuais irregularidades perpetradas na fase do processo administrativo de desapropriação ou a ausência de elementos de validade do ato de declaração de utilidade pública, quando seja o caso.
[1] Art. 1º A desapropriação por utilidade pública regular-se-á por esta lei, em todo o território nacional.
[2] Art. 2º Mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.
[3] Art. 6º A declaração de utilidade pública far-se-á por decreto do Presidente da República, Governador, Interventor ou Prefeito.
[4] Art. 8º O Poder Legislativo poderá tomar a iniciativa da desapropriação, cumprindo, neste caso, ao Executivo, praticar os atos necessários à sua efetivação.
[5] TJ-SP 00060569720128260238 SP 0006056-97.2012.8.26.0238, Relator: Marcos Pimentel Tamassia, Data de Julgamento: 24/10/2017, 1ª Câmara de Direito Público.
[6] Art. 5º […] LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Read MoreO enunciado aprovado consolida o entendimento de que é legitimo o exercício da autotutela administrativa, sem autorização judicial, para a proteção de bens públicos ocupados ilegalmente, desde que respeitados alguns requisitos.
Enunciado 2 – O administrador público está autorizado por lei a valer-se do desforço imediato sem necessidade de autorização judicial, solicitando, se necessário, força policial, contanto que o faça preventivamente ou logo após a invasão ou ocupação de imóvel público de uso especial, comum ou dominical, e não vá além do indispensável à manutenção ou restituição da posse (art. 37 da Constituição Federal; art. 1.210, §1º, do Código Civil; art. 79, § 2º, do Decreto-Lei n. 9.760/1946; e art. 11 da Lei n. 9.636/1998).
Os bens públicos são bens jurídicos móveis ou imóveis pertencentes a pessoas jurídicas de direito público, e são utilizados pela administração pública como meios instrumentais para a satisfação das necessidades da sociedade. Nesse sentido, o Código Civil os classifica em três categorias:
Art. 99. São bens públicos:
I – os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;
II – os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;
III – os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.
Estes bens públicos, embora sob a titularidade do Estado, são destinados exclusivamente ao atendimento das demandas sociais. Em lição especializada sobre o tema, Marçal Justen Filho ensina que “O Estado não recebe os bens para a satisfação de seus próprios interesses. Sempre se trata de utilizar os bens para promover os direitos fundamentais da população. Os bens públicos são atribuídos ao Estado para fins de sua proteção e para fruição democrática e adequada de suas utilidades.”[1]. O Estado, portanto, incumbido do dever de proteção dos bens em seu poder, deve resguardá-los de uso impróprio e garantir a sua fruição para o proveito e atendimento do interesse público em geral.
Há circunstâncias, porém, em que os bens públicos, sejam eles de uso comum, de uso especial ou dominicais, são invadidos e ocupados por particulares que não têm autorização legal para deles fazer uso, alterando indevidamente a destinação legal do uso desses bens. Isso incorre em turbação ou esbulho dos bens públicos.
Nessas circunstâncias, um dos institutos para a proteção de posses é a possibilidade de autotutela quando um bem for invadido ou utilizado indevidamente, que vale inclusive para particulares. Esta previsão encontra-se no artigo 1.210 do Código Civil:
Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.
§ 1º O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.
§ 2º Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa.
Além do direito de desforço imediato de caráter geral, o Estado detém esse direito, também, com fundamento no dever da administração pública de atender aos princípios da legalidade e da eficiência[2], legitimando a autotutela para a proteção do patrimônio público quando este for indevidamente utilizado. Esta previsão, para o que importa ao assunto em comento, já havia sido regulamentada pelo Decreto-Lei nº 9.760/1946[3] e pela Lei nº 9.636/1998[4], que previram o direito de o administrador público exercer a proteção de bens públicos sem a necessidade de determinação judicial prévia.
Com o objetivo de trazer maior clareza a este instituto e ampliar a divulgação da tese entre os órgãos e entes administrativos, o tema foi debatido na I Jornada de Direito Administrativo do Conselho da Justiça Federal, tendo sido votado e aprovado o Enunciado 2 com o seguinte teor:
Enunciado 2
O administrador público está autorizado por lei a valer-se do desforço imediato sem necessidade de autorização judicial, solicitando, se necessário, força policial, contanto que o faça preventivamente ou logo após a invasão ou ocupação de imóvel público de uso especial, comum ou dominical, e não vá além do indispensável à manutenção ou restituição da posse (art. 37 da Constituição Federal; art. 1.210, §1º, do Código Civil; art. 79, § 2º, do Decreto-Lei n. 9.760/1946; e art. 11 da Lei n. 9.636/1998)
O enunciado aprovado, que sintetiza os dispositivos legais citados anteriormente, consolida o entendimento de que é legitimo o exercício da autotutela administrativa, ou seja, sem a necessidade de autorização judicial, por parte do administrador público para a proteção de bens públicos ocupados ilegalmente, desde que exercida com proporcionalidade e razoabilidade e desde que faça preventivamente ou imediatamente após a invasão ou ocupação ilícita.
Como era de se esperar, este entendimento já vinha sendo adotado pelos Tribunais brasileiros, como é o caso do Superior Tribunal de Justiça (STJ), órgão jurisdicional competente para uniformizar a interpretação de leis federais.
É o caso do julgamento do REsp 1.071.741, de relatoria do Ministro Herman Benjamin, no qual o STJ ressaltou o dever do administrador público de utilizar-se de todas as medidas possíveis e cabíveis para assegurar a proteção dos bens públicos sob a sua tutela. Confira-se:
9. Diante de ocupação ou utilização ilegal de espaços ou bens públicos, não se desincumbe do dever-poder de fiscalização ambiental (e também urbanística) o Administrador que se limita a embargar obra ou atividade irregular e a denunciá-la ao Ministério Público ou à Polícia, ignorando ou desprezando outras medidas, inclusive possessórias, que a lei põe à sua disposição para eficazmente fazer valer a ordem administrativa e, assim, impedir, no local, a turbação ou o esbulho do patrimônio estatal e dos bens de uso comum do povo, resultante de desmatamento, construção, exploração ou presença humana ilícitos.
10. A turbação e o esbulho ambiental-urbanístico podem e no caso do Estado, devem ser combatidos pelo desforço imediato, medida prevista atualmente no art. 1.210, § 1º, do Código Civil de 2002 e imprescindível à manutenção da autoridade e da credibilidade da Administração, da integridade do patrimônio estatal, da legalidade, da ordem pública e da conservação de bens intangíveis e indisponíveis associados à qualidade de vida das presentes e futuras gerações.[5]
Ademais, a doutrina também é esclarecedora sobre o tema. Segundo os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles, o desforço imediato é a medida recomendável e se justifica em razão do princípio da autoexecutoriedade dos atos públicos:
Observamos que a utilização indevida de bens públicos por particulares, notadamente a ocupação de imóveis, pode – e deve – ser repelida por meios administrativos, independentemente de ordem judicial, pois o ato de defesa do patrimônio público, pela Administração, é autoexecutável, como o são, em regra, os atos de polícia administrativa, que exigem execução imediata, amparada pela força pública, quando isto for necessário.[6]
O princípio da autoexecutoriedade dos atos praticados pela administração pública, portanto, vai ao encontro do exposto anteriormente, atribuindo aos atos administrativos o poder de serem executados sem o aval prévio do Poder Judiciário, desde que haja previsão legal para tanto ou situação excepcional de urgência.
Assim, em consonância com a jurisprudência e a doutrina especializada, o texto do Enunciado 2 é categórico ao autorizar o emprego do desforço imediato pela administração pública em casos de invasão ilegal de imóveis públicos, desde que o administrador o faça preventivamente ou logo após a invasão ou ocupação de imóvel público de uso especial, comum ou dominical, e não vá além do indispensável à manutenção ou restituição da posse.
[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 1118.
[2] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: […]
[3] Art. 79. A entrega de imóvel para uso da Administração Pública Federal direta compete privativamente à Secretaria do Patrimônio da União – SPU. […]
§ 2º O chefe de repartição, estabelecimento ou serviço federal que tenha a seu cargo próprio nacional, não poderá permitir, sob pena de responsabilidade, sua invasão, cessão, locação ou utilização em fim diferente do que lhe tenha sido prescrito.
[4] Art. 11. Caberá à SPU a incumbência de fiscalizar e zelar para que sejam mantidas a destinação e o interesse público, o uso e a integridade física dos imóveis pertencentes ao patrimônio da União, podendo, para tanto, por intermédio de seus técnicos credenciados, embargar serviços e obras, aplicar multas e demais sanções previstas em lei e, ainda, requisitar força policial federal e solicitar o necessário auxílio de força pública estadual.
[5] STJ, REsp 1.071.741/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/03/2009, DJe 16/12/2010.
[6] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 640.
Read MorePor mais que muitas normas e conceitos estabelecidos pela CLT não façam sentido dentro do modelo de negócios inovador e disruptivo das startups, essas empresas continuam legalmente obrigadas pelas normas trabalhistas aplicáveis a qualquer outra empresa.
Victoria Magnani[1]
As chamadas startups, empresas ligadas à inovação que se encontram em estágio inicial de desenvolvimento, podem ser definidas como empresas de perfil inovador cujo modelo de negócios se caracteriza como repetível e escalável, além de ser marcado por um cenário de extrema incerteza. Essas empresas têm como característica, além do fator inovação, um potencial de crescimento exponencial associado a baixos investimentos, bem como uma ampla flexibilidade no que diz respeito às noções tradicionais associadas ao direito trabalhista.
Devido a essa dinâmica única, típica do ambiente das startups[2], surge uma série de embates com os conceitos trabalhistas “tradicionais” previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), diploma legal que muitas vezes se mostra insuficiente para lidar com a prática do dia a dia dessas empresas.
Apesar do modelo de negócios marcado pelo alto risco e instantaneidade, a preocupação trabalhista não pode ser deixada em segundo plano, visto que eventual irregularidade na contratação e gestão da equipe pode gerar diversas consequências graves para as startups, que vão desde multas oriundas de órgãos fiscalizadores até reclamações trabalhistas, impactando a imagem da empresa e, consequentemente, o seu financiamento.
Embora o Direito do Trabalho não possua grande incidência nas startups early stage[3], conforme as empresas vão crescendo e se desenvolvendo as questões trabalhistas tornam-se cada vez mais presentes em sua realidade. Assim, para as startups que se encontram em growth stage[4] é essencial tratar as questões relacionadas ao Direito do Trabalho de forma adequada, uma vez que, caso estas sejam mal conduzidas, o surgimento de um eventual passivo trabalhista pode vir a prejudicar a própria captação de recursos externos nas próximas rodadas de investimento.
Nesse sentido, é importante destacar que, apesar de possuírem um modelo de negócios distinto daquele atribuído às empresas “tradicionais”, as startups não possuem tratamento normativo diferenciado, estando sujeitas à mesma legislação trabalhista que as demais empresas.
Vale dizer que, por mais que muitas normas e conceitos estabelecidos pela CLT não façam sentido dentro do modelo de negócios inovador e disruptivo das startups (tipicamente marcado pela instantaneidade e flexibilidade), essas empresas continuam legalmente obrigadas pelas normas trabalhistas aplicáveis a qualquer outra empresa.
É nesse panorama que acabam surgindo alguns riscos trabalhistas derivados do próprio modelo de negócios das startups, principalmente aqueles relacionados à contratação e gerenciamento dos colaboradores. A título de exemplo, é possível citar a celebração de contratos de prestação de serviços e a contratação de pessoas jurídicas[5], duas alternativas que se popularizaram no ambiente das startups justamente por se adequarem ao baixo orçamento dessas empresas e não envolverem tantas formalidades para sua realização, mas que podem ocasionar inúmeros problemas na Justiça do Trabalho caso não sejam executados de maneira correta.
Logo, a contratação dos diversos colaboradores da startup, seja por meio de contratos de prestação de serviços, contratos celebrados com pessoas jurídicas ou mesmo os contratos de vesting[6], deve ser elaborada em consonância com a legislação, a fim de minimizar riscos trabalhistas e eventuais ilegalidades.
Por que pensar preventivamente?
Uma boa prevenção de demandas trabalhistas traz inúmeras vantagens competitivas, pois, além da significativa redução de custos, a melhoria do meio ambiente de trabalho por meio do aperfeiçoamento da estrutura organizacional reflete diretamente na produtividade da empresa, influenciando no seu faturamento. Além disso, esses atributos são interessantes para atrair investidores, uma vez que estes certamente irão priorizar startups que, além de oferecerem menos riscos, também trazem o melhor retorno para o seu capital.
[1] Graduanda em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina, atualmente cursando a oitava fase. Foi bolsista do Programa de Educação Tutorial – PET Direito UFSC de 2017 a 2019, e atualmente desenvolve pesquisa de iniciação científica no campo do Direito Ambiental do Trabalho como bolsista voluntária do Programa Institucional de Iniciação Científica – PIBIC UFSC.
[2] FEIGELSON, Bruno; NYBØ, Erik Fontenele; FONSECA, Victor Cabral. Direito das Startups. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
[3] Como são chamadas as startups em estágio inicial de desenvolvimento.
[4] As startups em growth stage são aquelas que, depois de terem provado seu valor no mercado e obtido financiamento, estão no processo de crescimento, tentando escalar seu produto. O foco não é mais simplesmente na inovação, mas em expandir o produto já existente e aprovado pelo mercado.
[5] Fenômeno conhecido como “pejotização”.
[6] O contrato de vesting consiste em uma promessa de participação societária, estabelecida com colaboradores estratégicos com vistas a estimular a expansão, o êxito e a consecução dos objetivos sociais da startup (FEIGELSON; NYBO; FONSECA, 2018).
E mais: “o Vesting, entre outras hipóteses, consiste em um Contrato de opção de aquisição de participação societária, de forma gradual, mediante cumprimento de metas em/ou dado período de tempo.” (MAY, Pedro Henrique. O Contrato de Vesting no sistema societário brasileiro e a sua aplicabilidade em startups constituídas na forma de sociedade limitada. Monografia (graduação) – Curso de Graduação em Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, 2018. p. 42).
Read MoreOs valores foram caracterizados com natureza de investimento e, portanto, devem ser partilhados na dissolução do casamento.
Na última semana, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) botou uma pá de cal na controversa discussão a respeito da partilha de bens em planos de previdência privada aberta (VGBL e PGBL).
No voto, a Relatora, Ministra Nancy Andrighi, destaca que diferente da previdência privada fechada que possui entraves de natureza financeira e atuarial, a previdência aberta pode ser objeto de contratação por qualquer pessoa física ou jurídica, tratando-se de regime de capitalização no qual caberá ao investidor, com ampla liberdade e flexibilidade, deliberar sobre os valores de contribuição, resgates antecipados ou parcelamento até o fim da vida.
No entendimento da Turma, no período em que antecede a percepção dos valores, ou seja, durante as contribuições e formação do patrimônio, a natureza preponderante do contrato de previdência complementar aberta é de investimento, semelhante ao que ocorreria se os valores das contribuições e dos eventuais aportes fossem investidos em fundos de renda fixa ou na aquisição de ações.
Assim, para evitar distorções no regime de bens do casamento e também na sucessão, uma vez que bastaria ao investidor direcionar seus aportes para essa modalidade para frustrar eventual meação do cônjuge ou legítima dos herdeiros, os valores foram caracterizados com natureza de investimento e, portanto, devem ser partilhados na dissolução do casamento por não estarem abrangidos pela regra do artigo 1.659, inciso VII, do Código Civil[1].
E você concorda com o posicionamento adotado pela Terceira Turma do STJ?
Fonte: Recurso Especial n. 1.698.774/RS (2017/0173928-2)
[1] CC. Art. 1.659. Excluem-se da comunhão: VII – as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
Read More
O descuido nessas questões pode levar a uma série de problemas práticos, que vão desde o ajuizamento de processos trabalhistas até a própria diminuição da produtividade da empresa
Victoria Magnani[1]
Velha conhecida dos trabalhadores e empresas, a prática das “horas extras” é uma das situações mais comuns que ocorrem no contexto das relações trabalhistas em geral. Apesar de ser um tema conhecido, a possibilidade de se realizar a compensação de horários ou a existência de “banco de horas” pode acabar gerando dúvidas na hora de fazer a distinção entre aquelas horas passíveis de compensação e as horas extras propriamente ditas.
Algumas dúvidas que podem surgir nesse sentido são:
- Quando é devido o pagamento das horas extras?
- Em que situações é possível realizar a compensação de jornada?
- O que é e quando pode ser utilizado o “banco de horas”?
As perguntas são pertinentes, pois o descuido nessas questões pode levar a uma série de problemas práticos, que vão desde o ajuizamento de processos trabalhistas até a própria diminuição da produtividade da empresa, uma vez que jornadas de trabalho extenuantes podem gerar desmotivação e uma baixa no rendimento dos colaboradores.
Neste texto, serão abordados os conceitos e as principais diferenças entre as horas extras, o acordo de compensação de jornada e o banco de horas, bem como as situações em que é possível realizar os acordos de compensação e de que forma isso deve ser feito.
PRIMEIRO: O QUE SÃO AS “HORAS EXTRAS”?
As horas extras, também conhecidas como horas suplementares ou extraordinárias, são aquelas que ultrapassam a jornada normal do empregado. A jornada normal, por sua vez, é aquela prevista na lei, no acordo ou convenção coletiva de trabalho (se houver) ou no próprio contrato de trabalho do empregado. Quando é excedida a duração normal da jornada, o empregado tem direito, a princípio, à remuneração das horas extras, que serão acrescidas de um percentual mínimo de 50% sobre o valor da “hora normal” de trabalho.
A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) permite a realização de horas extras em três casos:
- Quando há acordo de prorrogação;
- Quando existe um sistema de compensação; e
- Na presença de uma “necessidade imperiosa”, como, por exemplo, uma situação de força maior ou a conclusão de serviços inadiáveis.
Neste artigo, serão abordados os dois primeiros casos, que dizem respeito ao acordo de prorrogação de horas de trabalho e à compensação de horários.
NO QUE CONSISTE O ACORDO DE PRORROGAÇÃO DE HORAS DE TRABALHO?
O acordo de prorrogação de horas extras é o ajuste firmado entre empregado e empregador no sentido de possibilitar a extensão da duração diária do trabalho em virtude de circunstâncias excepcionais. Esse “ajuste” pode se dar por meio de acordo individual, que pode ser escrito, verbal ou até mesmo tácito; ou por acordo ou convenção coletiva de trabalho.
Esse acordo de prorrogação tem como consequência a produção das horas extras propriamente ditas, limitadas ao número de 2 horas suplementares por dia, que deverão ser acrescidas pelo percentual mínimo de 50% sobre a remuneração da hora normal[2]. O percentual de 50% pode ser aumentado por contrato de trabalho individual ou coletivo, mas nunca diminuído!
A CLT estabelece, porém, que não será devido o adicional de horas extras quando tiver sido instituído entre as partes um acordo de compensação de jornada[3]. Esse tipo de compensação é bastante visto na prática, mas a sua realização sem que sejam observadas as regras para a instituição de acordo de compensação de jornada pode gerar diversos problemas para as empresas, inclusive demandas trabalhistas.
ENTÃO, COMO INSTITUIR A COMPENSAÇÃO DE JORNADA?
A Constituição Federal[4] autoriza expressamente a compensação de jornada, que consiste na distribuição das horas trabalhadas em um dia pelos demais dias da semana, mês ou ano, a depender do tipo de acordo. Assim, o adicional de horas extras não será devido quando o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia.
A compensação de jornada pode ser ajustada por acordo coletivo, convenção coletiva ou acordo individual escrito, desde que não haja, no caso deste último, norma coletiva que proíba a sua instituição. Nesse sentido, destaca-se que a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) trouxe a possibilidade de se estabelecer regime de compensação de jornada por meio acordo individual, tácito ou escrito, para a compensação no mesmo mês[5].
Apesar de não haver previsão legal expressa quanto ao limite máximo de horas por jornada para fins de compensação, os tribunais brasileiros possuem entendimento no sentido de limitar as compensações até a carga horária máxima semanal, que é de 44 horas por semana (art. 7º, inciso XIII da Constituição Federal).
O acordo de prorrogação de jornada produz as chamadas horas complementares, que são horas meramente compensatórias, pois serão realocadas conforme a programação do empregado e, por isso, não serão acrescidas de qualquer adicional.
E O “BANCO DE HORAS”?
O “banco de horas” é, na verdade, uma espécie de compensação de jornada, que possui sistema próprio previsto na CLT[6]. O banco de horas autoriza a prestação de jornada extraordinária até o limite de 10 horas diárias, sem que seja devido adicional a título de horas extras. As horas excedentes da jornada normal são, então, lançadas num “banco”, e ali serão acumuladas com o fim de, no futuro, serem trocadas por folgas compensatórias.
É preciso atentar, contudo, para os limites estabelecidos para o banco de horas: segundo as regras da CLT, o excesso de horas em um dia deverá ser compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não seja extrapolada, no período de 1 ano, a soma das jornadas semanais previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de 10 horas diárias. Entende-se como “soma das jornadas semanais previstas” a carga horária máxima semanal, prevista em lei ou no contrato, multiplicada pelo número de semanas existentes no ano.
A instituição de banco de horas pode ser ajustada por meio de acordo ou convenção coletiva de trabalho, hipótese na qual a compensação deverá ocorrer no período de até 1 ano; ou por acordo individual escrito, cujo prazo para compensação passa a ser de 6 meses (nesse caso, a acumulação de horas fica limitada, também, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas para 6 meses).
É importante lembrar, ainda, que as horas trabalhadas que excederem o limite máximo de 10 horas diárias não podem integrar o banco de horas, devendo ser remuneradas como horas extras, com o respectivo adicional!
O quadro comparativo abaixo apresenta as principais diferenças entre a prorrogação de horas de trabalho (ou horas extras propriamente ditas), a compensação de jornada e o banco de horas:
Prorrogação de horas | Compensação de jornada | Banco de horas | |
Conceito
|
Ajuste que permite a extensão da duração diária do trabalho |
Ajuste que permite que o excesso de horas em determinado dia seja compensado pela diminuição de horas em outro
|
Espécie de compensação de jornada na qual as horas excedentes da jornada normal são lançadas no “banco” e acumuladas para serem trocadas por folgas eventuais |
Previsão legal |
Art. 59 da CLT; art. 7º, XVI da Constituição | Art. 7º, XIII da Constituição; art. 59, § 6º da CLT | Art. 59, §§ 2º e 5º da CLT |
Tipo de acordo
|
Acordo individual (escrito, verbal ou tácito), acordo coletivo ou convenção coletiva |
Acordo coletivo ou convenção coletiva. No acordo individual (escrito ou tácito) a compensação deve se dar no mesmo mês! | Acordo coletivo ou convenção coletiva (até 1 ano para compensar); acordo individual escrito (até 6 meses) |
Consequências
|
Produz horas suplementares (“horas extras”), que deverão ser acrescidas de pelo menos 50% sobre o valor da hora normal | Produz horas complementares, que serão realocadas → não é devido qualquer adicional | Produz horas complementares que serão lançadas no banco de horas |
Limites
|
Até 2 horas extras por dia, totalizando 10 horas diárias |
Não pode exceder a carga horária máxima semanal (44 horas) |
Não pode ultrapassar, no período de 1 ano ou 6 meses (a depender do acordo), a soma das jornadas semanais previstas, respeitado o limite máximo de 10 horas diárias |
[1] Victoria Magnani – Graduanda em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Bolsista voluntária do Programa Institucional de Iniciação Científica – PIBIC UFSC no campo do Direito Ambiental do Trabalho. Membro do Grupo de Pesquisa em Meio Ambiente, Trabalho e Sustentabilidade – GP METAS.
[2] Art. 59 da CLT e artigo 7º, inciso XVI da Constituição Federal.
[3] Art. 59, § 2º da CLT.
[4] Art. 7º, inciso XIII da Constituição Federal.
[5] Art. 59, § 6º da CLT.
[6] Art. 59, §§ 2º e 5º da CLT.
Read MoreApesar da leitura fria da Lei do Planejamento Familiar, todo e qualquer caso referente a problemas conjugais relacionados à esterilização voluntária deve ser analisado individualmente por um profissional especializado.
Laísa Santos[1]
Maria Luisa Machado Porath[2]
VOCÊ SABE O QUE É PLANEJAMENTO FAMILIAR?
O Planejamento Familiar está previsto na Constituição Federal, assim como no Código Civil e na Lei nº 9.263/96. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, as relações familiares e o próprio Direito de Família passaram a ser balizados pela ótica dos valores maiores da dignidade e da realização da pessoa humana.
Em breve explicação, o planejamento familiar é uma das políticas públicas brasileira, cuja implementação deve respeitar os direitos individuais e o desejo de cada cidadão de querer ou não constituir família, seja ela conjugal ou parental, com filhos ou não. É decisão exclusiva do casal se deseja ter filhos e a sua quantidade – diferentemente da China, por exemplo, que possui uma política rígida de controle de natalidade, permitindo apenas até dois filhos por casal.
Em que pese toda a regulamentação e a liberdade do casal para planejar, a Lei do Planejamento Familiar tem sido objeto de diversas críticas e questionamentos judiciais quanto à sua constitucionalidade. Um dos pontos centrais é acerca de um artigo que trata sobre a necessidade de consentimento expresso de ambos os cônjuges quando um deles optar pela esterilização[3].
O QUE DIZ A LEI
Conforme exposto, a Constituição de 1988, comumente chamada de Cidadã, estabeleceu que o planejamento familiar é de livre decisão do casal. Ao Estado compete apenas garantir recursos educacionais e científicos para a efetivação desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas[4].
Para a regulamentação dessa política, criou-se a Lei do Planejamento Familiar (Lei nº 9.263/96) que elenca as possibilidades e os requisitos para a esterilização,[5] dos quais destaca-se:
- A possibilidade de esterilização em homens e mulheres;
- A necessidade de capacidade civil plena[6];
- Maiores de 25 anos; ou
- Pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico.
Ainda, a Lei do Planejamento Familiar complementa que, dentro desse prazo, a pessoa terá acesso ao “serviço de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce”.
Contudo, como também mencionado, dentro do artigo de lei que elenca as possibilidades e os requisitos para esterilização, encontra-se a informação de que, na “vigência de sociedade conjugal, a esterilização depende do consentimento expresso de ambos os cônjuges”[7].
Ou seja, independentemente de ser homem ou mulher, na vigência da sociedade conjugal, é requisito indispensável que o marido ou a esposa concorde com a laqueadura ou a vasectomia.
NÃO HÁ COMO IGNORAR O CONTEXTO SOCIAL
O desafio fundamental para o Estado no âmbito das famílias e das normas que a disciplinam é conseguir conciliar o direito à autonomia privada e à liberdade de escolha com os interesses de ordem pública, que se consubstancia na atuação do Estado apenas como protetor[8].
Sabe-se que, historicamente, o papel da mulher dentro do seio familiar era a reprodução. Apesar de várias lutas, o desvencilhamento dessa imagem ocorre a passos vagarosos pela legislação brasileira.
Além desse fato, a Era Contemporânea vem mostrando a existência de diversos arranjos familiares diferentes do que a legislação previu. Para fins de contextualização, seguem alguns exemplos:
- Pluriparental: com mais de um pai ou mãe;
- Simultânea/Paralela: quando uma pessoa mantém mais de uma família ao mesmo tempo;
- Mosaico/Reconstituída: um dos cônjuges possui filhos do relacionamento anterior;
- Poliafetiva: formada por mais de duas pessoas, num relacionamento não monogâmico.
Cabe ressaltar que a Lei do Planejamento Familiar foi promulgada em 1996, ou seja, antes mesmo da entrada em vigor do Código Civil de 2002. Nesse sentido, possui uma conotação antiquada, com traços do Código Civil anterior, de 1916. Tendo isso em mente, é perceptível que essa lei também não levou em conta os novos arranjos familiares, os quais divergem do modelo tradicional de mãe, pai e filhos.
E SE O CÔNJUGE SE RECUSAR A ASSINAR O TERMO DE CONSENTIMENTO?
Primeiramente, destaca-se que está em tramitação o Projeto de Lei n° 107, de 2018, que, dentre algumas alterações, visa revogar a necessidade de consentimento do cônjuge para a realização da vasectomia ou da laqueadura na Lei de Planejamento Familiar.
Além disso, existem duas Ações de Direta de Inconstitucionalidade (ADINs), em trâmite no Supremo Tribunal Federal (STF) que, conforme o nome informa, têm a pretensão de demonstrar que a lei ou parte dela é inconstitucional. No presente caso, as ADINs 5097/2014 e 5911/2018 tratam justamente da desnecessidade de autorização do cônjuge para o procedimento de esterilização voluntária, abordando o contexto social como plano de fundo.
Apesar de existirem discussões jurídicas acerca da revogação dessa necessidade de consentimento do cônjuge, o Judiciário ainda pauta a sua decisão no §5º, artigo 10 da Lei do Planejamento Familiar. Portanto, a princípio, sem o termo de consentimento do cônjuge, o procedimento de vasectomia ou de laqueadura não poderá ser realizado.
Inclusive, há diversas decisões judiciais pelo país que condenam hospitais – que realizam esse procedimento sem autorização escrita de ambos os cônjuges – a repararem moralmente a esposa ou o marido que não consentiu para tal ato.
Em que pese a leitura fria da lei e o posicionamento majoritário adotado pelos tribunais do País, todo e qualquer caso referente a problemas conjugais relacionados à esterilização voluntária deve ser analisado individualmente por um profissional especializado na área familiar aliado a outros profissionais, como psicólogos e mediadores.
[1] Advogada. Especialista em Planejamento Sucessório pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP). Pós-Graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e da Comissão de Direito de Família da OAB/SC. Co-autora do livro “Desafios Contemporâneos do Direito de Família e Sucessões” (2018) e de artigos.
[2] Estagiária do escritório Schiefler Advocacia. Graduanda da sétima fase em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Integrante do Grupo de Estudos em Meios Consensuais da UFSC (GEMC). Graduada em Licenciatura e Bacharelado em Teatro na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) – 2015.
[3] Art. 10. Somente é permitida a esterilização voluntária nas seguintes situações: § 5º Na vigência de sociedade conjugal, a esterilização depende do consentimento expresso de ambos os cônjuges.
[4] § 7º, art. 226 CF. Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
[5] Art. 10, Lei do Planejamento Familiar. Somente é permitida a esterilização voluntária nas seguintes situações: I – em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce; II – risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, testemunhado em relatório escrito e assinado por dois médicos.
[6] Todas as pessoas que não sejam absolutamente (menores de 16 anos) ou relativamente incapazes. De acordo com o artigo 4º do Código Civil, são incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II – os ébrios habituais e os viciados em tóxico; III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; IV – os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial.
[7] § 5º, art. 10, Lei do Planejamento Familiar. Na vigência de sociedade conjugal, a esterilização depende do consentimento expresso de ambos os cônjuges.
[8] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 373
Confira mais textos sobre Direito de Família:
As consequências sucessórias de acordo com cada regime de bens.
A supressão do sobrenome paterno pelo abandono afetivo.
Read More
Caso aprovado, o PL 4.044/2020 pode significar uma grande transformação na regulamentação trabalhista associada com as novas tecnologias.
Está em tramitação um novo projeto de lei que visa a regulamentar o direito à desconexão, que consiste, em suma, no direito que tem o trabalhador de não ser obrigado a se manter “conectado” fora de seu horário de expediente, bem como de não ter interrompidos os seus intervalos de descanso e férias. O direito à desconexão visa, principalmente, a preservar a integridade física e mental do empregado, de forma que lhe seja permitido verdadeiramente se “desligar” daquilo que tem relação com seu trabalho fora do horário de expediente.
O PL 4.044/2020, proposto pelo senador Fabiano Contarato (Rede-ES), busca regulamentar o direito à desconexão, estabelecendo expressamente que o empregador não poderá solicitar a atenção de um empregado em regime de teletrabalho, seja por telefone ou por qualquer outra ferramenta de comunicação eletrônica, como WhatsApp, Telegram e outros aplicativos semelhantes, fora do horário de expediente.
O projeto estabelece, ainda, que acordos ou convenções coletivas poderão admitir exceções em casos fortuitos ou de força maior. Porém, caso isso ocorra, o tempo de trabalho realizado pelo empregado nessas circunstâncias será considerado como horas extras. Algumas outras disposições no texto normativo dizem respeito ao empregado em gozo de férias, que deverá ser excluído dos grupos de mensagens do trabalho e remover de seus dispositivos eletrônicos pessoais quaisquer aplicativos voltados exclusivamente para uso no trabalho.
O direito à desconexão não é tema novo no Brasil. Tanto a doutrina quanto a jurisprudência trabalhistas já vêm abordando a temática nos últimos anos, existindo, inclusive, precedentes relevantes do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) que reconhecem o direito ao pagamento de danos morais por desrespeito ao direito de desconexão do empregado.
Entretanto, a regularização da questão mediante a edição de legislação específica voltada à proteção do direito à desconexão do trabalho, que delimite, de forma objetiva, como esse ato se configura e quais as suas consequências, se traduz em um marco legislativo importante, sobretudo no atual contexto de crise sanitária decorrente da pandemia de Covid-19, em que muitas empresas se viram obrigadas a colocar seus colaboradores em regime de teletrabalho bruscamente, sem realizar as devidas adequações ao modelo.
Nesse sentido, caso aprovado, o PL 4.044/2020 pode significar uma grande transformação na regulamentação trabalhista associada com as novas tecnologias, delimitando conceitos e traçando diretrizes objetivas para a atuação dos sujeitos da relação de trabalho.
Read MoreO Projeto de Lei (PL) nº 529/2020 foi proposto com o intuito de mitigar os efeitos econômicos decorrentes da pandemia do novo coronavírus.
O Governo de São Paulo publicou na data de ontem (13/08) o Projeto de Lei (PL) nº 529/2020 que propõe medidas para o equilíbrio das contas diante dos efeitos econômicos da pandemia do coronavírus. Dentre as mudanças, destaca-se as alterações na tributação de heranças e doações pelo Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).
Ainda que a proposta mantenha a alíquota atual do imposto em 4%, há pontos que merecem destaque:
a) Planos de Previdência Complementar (PGBL e VGBL): instituto muito utilizado para o planejamento sucessório, o PL pretende tributar os valores recebidos pelos beneficiários de planos de previdência.
b) Usufruto: nas doações com reserva de usufruto em favor do doador, a tributação incidirá sobre o valor integral do bem – diferentemente do atual que prevê a tributação somente em dois terços do valor do bem.
c) Imóveis: em se tratando de imóveis urbanos, o artigo 13º prevê que a base de cálculo para doação ou herança de imóveis urbanos não poderá ser inferior aos valores utilizados para fins de Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) ou de Imposto de Predial e Territorial Urbano (IPTU). Caso seja imóvel rural, o valor da base de cálculo não será inferior ao valor venal divulgado pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo ou outro órgão de reconhecida idoneidade
d) Participações societárias: na falta de valor de mercado, a base de cálculo nas transmissões de ações ou quotas por doação ou herança passará a ser apurada com base no patrimônio líquido da sociedade, ajustado pela reavaliação de seus ativos e passivos a valor de mercado – atualmente admite-se a utilização do valor patrimonial sem ajustes.
Destaca-se que o Projeto de Lei não é implementado automaticamente, sendo necessário o devido rito legislativo para a sua aprovação. Caso seja aprovado e convertido em lei ainda em 2020, suas regras passarão a valer apenas em 2021. Assim, as transmissões de bens e direitos decorrentes de herança ou doação feitas este ano ficarão sujeitas às regras vigentes, inclusive no âmbito de um planejamento sucessório.
Por fim, vale ressaltar que em abril de 2020, também sob a justificativa de mitigar os efeitos da pandemia, foi publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo o Projeto de Lei nº 250/2020 que prevê a majoração do ITCMD, que passaria a incidir a alíquotas progressivas de até 8%.
Confira mais textos sobre Direito de Família: