Robôs proferirem decisões administrativas é decerto inovador. A necessidade de motivação, não.
Nesta terça-feira (1º de setembro de 2020), Eduardo Schiefler e Matheus Dezan publicaram o artigo “A decisão administrativa robótica e o dever de motivação” no Portal Jurídico JOTA, o qual pode ser visualizado neste link.
O artigo também contou com a participação do Professor Fabiano Hartmann, da Universidade de Brasília (UnB), e é resultado das pesquisas do grupo Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial (DR.IA/UnB), liderado pelo Prof. Fabiano.
Em razão da relevância do tema, vamos republicá-lo na íntegra, com a autorização dos autores:
A decisão administrativa robótica e o dever de motivação
Por Eduardo Schiefler, Fabiano Hartmann Peixoto e Matheus Lopes Dezan
A tecnologia está transformando a sociedade e isso não é segredo para ninguém.
A despeito de a prosperidade tecnológica não se desenvolver de modo uniforme ou impactar de forma heterogênea todos os campos de vida humana, havendo rotinas mais ou menos impactadas pela incidência de ferramentas tecnológico-operacionais, o fato inconteste é que há muito tempo a aplicação massiva das tecnologias no cotidiano dos seres humanos já deixou de ser apenas uma hipótese para se tornar uma questão de quando ou em que grau seremos impactados.
E o direito administrativo não foi poupado. Não havia dúvidas que a tecnologia se desenvolveria a ponto de permear o regime jurídico administrativo. A questão é que esse campo, costumeiramente tido por imutável e perene, em razão de sua principiologia própria, está sendo bombardeado por constantes transformações que almejam (e com razão) trazer mais eficiência e controle à Administração Pública.
Por conta desse cenário, vemos com naturalidade e animação as discussões cada vez mais frequentes sobre o uso de ferramentas tecnológicas pelo poder público. Não se surpreende, portanto, que elas tenham sido levadas à I Jornada de Direito Administrativo do Conselho da Justiça Federal, ocorrida entre os dias 3 e 7 de agosto de 2020, com o objetivo de discutir posições interpretativas sobre as normas jurídicas (lei, jurisprudência e doutrina) e, ao final, produzir e publicar enunciados[1].
Na ocasião, após a aprovação na comissão temática, a reunião Plenária da I Jornada de Direito Administrativo votou e aprovou o Enunciado 12, segundo o qual “A decisão administrativa robótica deve ser suficientemente motivada, sendo a sua opacidade motivo de invalidação.”.
Fazendo uma reflexão sobre o texto aprovado, verifica-se que, embora o tema de decisões administrativas robóticas seja realmente inovador — e enfrente, evidentemente, críticas por seu caráter disruptivo —, o Enunciado 12 não inova no campo do direito administrativo.
Explica-se: a questão de robôs proferirem decisões administrativas é decerto inovadora. A necessidade de que as decisões administrativas sejam motivadas, todavia, não o é. E, mais do que isso, não basta que sejam motivadas as decisões administrativas, pois importa que sejam suficientemente motivadas — e isso não é, repita-se, novidade.
Trata-se de consequência direta do arcabouço jurídico-constitucional trazido à ordem normativa brasileira pela Constituição Federal de 1988, que transfigurou a relação público-privada e que conferiu ampla gama de novos direitos aos cidadãos e de deveres à administração pública brasileira. É dizer: a Constituição modificou a maneira com que os indivíduos particulares se relacionam com o poder público, assim como a tecnologia também o pretende fazer.
É nesse exato sentido que se entende que o Enunciado 12 não inova na ciência do direito administrativo:
Seja uma decisão administrativa manualmente redigida, seja uma decisão eletrônica ou, ainda, seja uma decisão robótica, elas devem apresentar motivação suficiente, sem escusas para o contrário, sob pena de serem inválidas perante as prescrições do ordenamento jurídico brasileiro.
Isso porque a motivação das decisões administrativas é requisito formalístico de validade dos atos administrativos decisórios[2], dado que o regramento dos atos da administração pública (imperativo fortalecido pela nova sistemática de direito administrativo inaugurada pela ordem constitucional de 1988) exige que a gestão da res publica ocorra de modo responsivo e transparente — o que, de certo modo, é favorecido pela adoção cada vez mais frequente de processos administrativos eletrônicos[3] e de sistemas de inteligência artificial pela administração. Nesse comento, o registro formal dos motivos de fato e de direito que orientaram o processo de tomada de decisão é medida que se impõe, para que seja desimpedido, como deve ser, o controle jurídico e social sobre os atos administrativos[4].
Ademais, a distintiva importância conferida à motivação das decisões administrativas para a ordem jurídica contemporânea pode ser adequadamente exemplificada pela construção doutrinária da teoria dos motivos determinantes, a qual preceitua que a validade das decisões administrativas guarda vínculo sincrético com os pressupostos objetivos que as constituem. Significa dizer que a decisão administrativa, ainda que discricionária, deve operar sobre motivos verdadeiros, existentes e corretamente qualificados, a fim de produzir efeitos válidos no mundo jurídico. Revelada a falsidade, a inexistência ou a inadequada qualificação dos motivos de fato expostos pelo administrador, de modo que não haja nexo lógico entre esses elementos fáticos e os motivos legais elencados, far-se-á inválido o ato administrativo.
Nada obstante, a instrução veiculada pelo Enunciado 12 aprovado na I Jornada de Direito Administrativo evidencia a imbricação entre requisitos de ordens jurídica e técnica impostos às decisões administrativas robóticas. Importa, dessa forma, que o sistema decisório automatizado seja apto a operar com linguagem natural[5] e com a logicidade do sistema de normas positivadas, de modo tal que dê forma à exposição satisfatória das razões de fato e de direito que guiaram o processo de tomada de decisão.
Trata-se de meio de preconizar a transparência das decisões administrativas robóticas como que vinculada à construção automatizada da forma de apresentação do conteúdo decisório, para que seja válido o ato administrativo operado de forma tão singular e, por vezes, epistemologicamente opaco. É por essa razão que a transparência das decisões administrativas robóticas depende de que o sistema de explicação de critérios decisórios produza resultados satisfatórios à cognição não somente do teor da decisão, mas dos fundamentos fáticos, jurídicos e tecnológicos que a compõe.
Inclusive, esse é o mesmo raciocínio que a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) desenvolve ao tratar das decisões tomadas unicamente com base em tratamento automatizado de dados pessoais (artigo 20, § 1º), aqui aplicada por analogia. Na prática, a LGPD garante ao titular dos dados o acesso a “informações claras e adequadas a respeito dos critérios e dos procedimentos utilizados para a decisão automatizada”.
O raciocínio, como dito, é o mesmo. Mas no campo das decisões administrativas o imperativo de se ter motivação expressa e correlacionada com a realidade dos fatos se impõe pela natureza peculiar da atuação administrativa, que tem por objetivo precípuo a satisfação dos direitos fundamentais dos cidadãos. É dizer, a própria razão de existir da administração pública depende do atendimento aos direitos dos indivíduos. É isto que confere legitimidade à sua atuação e é, assim, que o dever de motivação se torna fundamental para a manutenção do Estado Democrático de Direito.
Portanto, ainda que não promova inovações em matéria de direito administrativo (uma vez que todas as espécies de decisões administrativas exigem motivação), o Enunciado 12 da I Jornada de Direito Administrativo do Conselho da Justiça Federal é uma novidade muito bem-vinda, pois ressalta a importância de discutir a inserção da tecnologia na administração pública, que é inevitável, assim como os seus impactos na relação público-privada e nos direitos dos cidadãos.
[1] Disponível em: I Jornada de Direito Administrativo será realizada em ambiente virtual, entre os dias 3 e 7 de agosto. Acesso em 15 de agosto de 2020.
[2] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 408.
[3] SCHIEFLER, Eduardo André Carvalho. Processo administrativo eletrônico. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. p. 43.
[4] SCHIEFLER, Gustavo Henrique Carvalho. Diálogos público-privados. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018. p. 175.
[5] HARTMANN PEIXOTO, Fabiano; MARTINS DA SILVA, Roberta Zumblick. Inteligência artificial e direito. 1. ed. Curitiba: Alteridade Editora, 2019. p. 82.
EDUARDO SCHIEFLER – Advogado. Mestrando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Integrante do Grupo de Estudos em Direito Público (GEDIP/UFSC). Integrante do Grupo de Pesquisa em Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial (DR.IA/UnB). Autor do livro “Processo Administrativo Eletrônico” (2019). E-mail: eduardo@schiefler.adv.br.
FABIANO HARTMANN PEIXOTO – Doutor em Direito. Professor da Faculdade de Direito e do PPGD-UnB. Líder do Grupo de Pesquisa DR.IA. Coordenador do Projeto Victor (IA-STF) e Projeto Mandamus (IA-TJRR)
MATHEUS LOPES DEZAN – Bacharelando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Integrante do Grupo de Pesquisa em Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial (DR.IA/UnB). Integrante do Laboratório de Políticas Públicas e Internet (LAPIN). Integrante do Grupo de Estudos em Bioética e Biodireito (Bioethik/UFES). Membro do Grupo de Pesquisa em Análise Econômica do Direito (GEDE/UnB-IDP). E-mail: matheus.ldezan@gmail.com
Read MoreA liminar afetava mais de cinquenta professores de diversas especialidades no Instituto Federal da Paraíba - IFPB.
A Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região suspendeu decisão liminar concedida em Ação Civil Pública que determinava a anulação das nomeações de mais de cinquenta professores de diversas especialidades aprovados em concurso público realizado pelo Instituto Federal da Paraíba – IFPB.
O concurso para professor do IFPB, cujo edital foi lançado em dezembro de 2018, atravessou regularmente todas as suas fases até a realização da prova de desempenho didático. Contudo, após a divulgação do resultado desta última etapa, os problemas iniciaram. Isso porque, num primeiro momento, a instituição de ensino e a banca organizadora do concurso se recusaram a entregar as cópias das gravações aos candidatos.
Diante de inúmeras reclamações dirigidas ao Ministério Público Federal, o órgão editou recomendação ao IFPB para franquear acesso às gravações de vídeos a todos os candidatos solicitantes e reabrir o prazo recursal, preservando o direito ao contraditório substantivo.
Seguindo a recomendação do MPF, o Instituto lançou edital permitindo que todos os interessados em ter acesso ao vídeo de sua prova de desempenho fizessem solicitação por e-mail. Ademais, o IFPB reabriu o prazo de recurso após a entrega dos vídeos, seguindo estritamente as orientações do órgão ministerial.
Acontece que, dos mais de 1.054 candidatos que realizaram a prova de desempenho, 35 notificaram a banca e o IFPB de que a gravação entregue continha falhas que inviabilizavam seu uso.
Nesta circunstância, a fim de preservar o direito destes candidatos de se utilizarem do vídeo para eventual interposição de recurso, o IFPB oportunizou a esses 35 candidatos que refizessem a prova de desempenho. No entanto, em diversos casos, os candidatos optaram em não refazer a prova e manter-se com a nota já anteriormente atribuída – anuindo com a nota conferida pela banca de concurso. Ao todo, 19 candidatos optaram por manter sua nota e 16 realizaram nova prova de desempenho.
Ocorre que após a adoção destas medidas, o MPF tomou conhecimento de que outros dois candidatos, além dos 35 que haviam notificado a banca e tiveram a oportunidade de refazer a prova de desempenho didático, a seu critério, também tiveram problemas com sua gravação e não haviam sido incluídos na lista das gravações defeituosas, motivo pelo qual também não puderam refazer a prova.
Diante desta circunstância, após a homologação do concurso público e da nomeação e posse de cerca de mais de quarenta novos professores na instituição, o MPF decidiu por ajuizar ação civil pública requerendo o refazimento de todas as provas de desempenho (didáticas) dos dezenove diferentes códigos de especialidade (seguramente mais de 500 novas provas de desempenho).
Na sequência, o juízo recebeu a ação e determinou que todas as nomeações decorrentes deste concurso público, nos dezenove códigos de vaga indicados, fossem integralmente anuladas, bem como determinou o refazimento de todas estas provas de desempenho.
Para os candidatos aprovados, a decisão foi dramática e estarrecedora.
Muitos deles vieram de outras regiões do país, do sul, sudeste, norte. Alguns haviam pedido exoneração dos cargos anteriormente ocupados, demissão de seus antigos empregos. Gastaram suas poupanças para viabilizar a mudança para a Paraíba. Eles haviam se submetido a todas as fases do concurso público, prova escrita, prova de desempenho e apresentação de seus títulos e sido devidamente aprovados e convocados pelo próprio IFPB, após a homologação do concurso. Aceitaram este desafio e missão que é a docência e ficaram sem chão ao saber que suas nomeações haviam sido anuladas sem que sequer tivessem a oportunidade de apresentar sua defesa ao juízo – inclusive porque, se o tivessem feito, possivelmente a decisão liminar com caráter anulatório jamais teria sido concedida.
Em alguns casos, a decisão inicialmente proferida continha argumentos adicionais que revelavam o seu equívoco. Num dos cargos, por exemplo, nenhum candidato havia refeito a prova de desempenho. Pelo contrário: o único candidato que havia manifestado problemas com sua gravação tinha sido nomeado e empossado no cargo sendo, ele próprio, prejudicado pela iniciativa do MPF e pela decisão do juízo.
Sensível a estes argumentos e, especialmente, ao manifesto prejuízo que o IFPB teria caso aquela decisão fosse mantida, com mais de 4.943 alunos que passariam a não ter professores para lecionar disciplinas imprescindíveis para sua formação, a Quarta Turma do TRF-5 reconheceu o descabimento desta decisão e determinou a manutenção das nomeações daqueles professores aprovados no concurso público.
Dentre os fundamentos da decisão proferida em sede recursal, que contou com a atuação do escritório Schiefler Advocacia, o Desembargador Relator argumentou pelo descabimento da medida de anulação das nomeações ante a inexistência de demonstração objetiva de que o refazimento das provas ensejou em benefício indevido aos candidatos (notadamente porque somente 16 refizeram as provas e sequer se tem notícia de que estes todos haviam sido nomeados). A bem da verdade, dezenas de candidatos que não refizeram as provas estavam efetivamente sendo prejudicados por aquela decisão. Ademais, como bem inserido no voto, aprovado por unanimidade, as alterações previstas na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, notadamente o previsto no artigo 21, o qual estabeleceu o princípio da conservação, devendo-se manter, se possível o ato administrativo praticado. E encerra: ainda que se mostrasse imprescindível anular o ato administrativo, tal medida deve se realizar “modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais”.
Ao final, os professores aprovados no concurso público e empossados no cargo poderão, ao menos até o fim do trâmite judicial, concentrar suas energias na atividade para a qual toda a atividade administrativa, no IFPB, foi engendrada: o exercício do magistério.
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Read MorePara o STJ, a apresentação de CNH vencida não impede o candidato de realizar prova.
É certo que, no edital de todo concurso, haverá a exigência de apresentação de documento de identificação pessoal para a realização das provas e para a participação das eventuais outras etapas da competição.
Intuitivamente, e mesmo em raciocínio jurídico estrito, tende-se a concluir que os documentos de identificação pessoal a serem apresentados devem estar todos em seu prazo de validade.
Mas, no que toca especificamente à Carteira Nacional de Habilitação (CNH), será mesmo que o escorrimento de seu prazo de validade a invalida como documento de identificação pessoal para concurso público?
Vejamos.
A CNH encontra previsão legal no Código de Trânsito Brasileiro (Lei Federal nº 9.503/1997), o qual prevê, em seu artigo 159, caput e § 10, a validade daquela como documento de identificação pessoal. O mesmo dispositivo legal esclarece também que a validade do documento está condicionada à realização dos exames de aptidão física e mental, razão pela qual o documento deve ser renovado periodicamente.
A propósito, confira-se a íntegra dos mencionados textos legais:
Art. 159. A Carteira Nacional de Habilitação, expedida em modelo único e de acordo com as especificações do CONTRAN, atendidos os pré-requisitos estabelecidos neste Código, conterá fotografia, identificação e CPF do condutor, terá fé pública e equivalerá a documento de identidade em todo o território nacional.
[…]
§ 10. A validade da Carteira Nacional de Habilitação está condicionada ao prazo de vigência do exame de aptidão física e mental.
Da leitura do dispositivo em questão já se pode responder à questão ventilada: o que se expira após o prazo de validade do documento são os exames de aptidão e, por conseguinte, a capacidade jurídica para dirigir veículo automotor. Ou seja, uma interpretação plausível e válida é que o vencimento do prazo de validade dos exames de aptidão em nada prejudica seu caráter identificador da CNH.
É que em lugar algum do caput do artigo 159 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) extrai-se a existência de prazo de validade da CNH no que se refere à utilidade de identificação pessoal do portador e titular.
Assim, não se pode concluir noutro norte que não o de que a Carteira de Habilitação pode ser utilizada como documento de identificação pessoal mesmo que vencida. Inclusive, ela permanece sendo válida para a realização de provas de concurso público.
E bem por essa razão é que, nos casos em que o edital do certame veda a apresentação de documentos com a validade expirada, esta proibição não deve ser aplicada quando o documento em questão for a CNH com função de identificação pessoal, pois esta validade diz respeito apenas à capacidade de condução no trânsito.
E a jurisprudência não destoa desse entendimento.
Em de setembro de 2019, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisou caso em que uma candidata foi impedida de realizar exame por ter apresentado CNH vencida, ocasião em que o fiscal de prova não permitiu a sua participação nesta fase do certame. Em sua decisão, o STJ concluiu pelo seguinte:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. UTILIZAÇÃO DE CNH VENCIDA COMO DOCUMENTO DE IDENTIDADE. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ CONSTITUÍDA. DILAÇÃO PROBATÓRIA NECESSÁRIA. RECURSO ORDINÁRIO DO PARTICULAR A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Cuida-se, na origem, de Mandado de Segurança impetrado em face de ato do Secretário de Estado de Administração Pública do Distrito Federal, em que se almeja a realização de nova prova objetiva para o cargo de Cirurgião Dentista em Concurso Público promovido pela Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, regido pelo Edital 1-SEAP/SES-NS de 28 de maio de 2014. Alega a impetrante, ter sido impedida de realizar o exame no dia previsto devido ao fato de ter apresentado, no momento da identificação, Carteira Nacional de Habilitação vencida, documento que teria sido recusado pelo fiscal de prova. яндекс
2. A controvérsia posta nos autos, refere-se à possibilidade de utilização da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), com prazo de validade expirado, como documento de identificação pessoal.
3. Em recente julgado da 1a Turma deste Superior Tribunal de Justiça, REsp. 1.805.381/AL, firmou-se a compreensão de que o prazo de validade constante da Carteira Nacional de Habilitação deve ser considerado estritamente para se determinar o período de tempo de vigência da licença para dirigir, até mesmo em razão de o art. 159, § 10, do Código de Trânsito Brasileiro, condicionar essa validade ao prazo de vigência dos exames de aptidão física e mental. Não se vislumbra qualquer outra razão para essa limitação temporal constante da CNH, que não a simples transitoriedade dos atestados de aptidão física e mental que pressupõem o exercício legal do direito de dirigir (REsp. 1.805.381/AL, Rel. Min. GURGEL DE FARIA, DJe 6.6.2019).
4. Nesse contexto, revela-se ilegal impedir candidato de realizar prova de concurso, sob o argumento de que o Edital exigia documento de identificação dentro do prazo de validade, uma vez que não foi observado o regime legal afeto ao documento utilizado. Acrescente-se, ainda, não haver violação ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório, mas tão somente a utilização dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade para se afastar a restrição temporal no uso da CNH para fins de identificação pessoal em sede de Concurso Público.[1]
Como se pode ver da decisão do Superior Tribunal de Justiça, órgão responsável pela uniformização da interpretação das normas federais, o vencimento da CNH não lhe retira a função de identificação pessoal, motivo pelo qual um candidato não pode ser impedido de realizar prova em razão de apresentar a CNH vencida.
Portanto, extrai-se do texto do Código de Trânsito Brasileiro e da jurisprudência pátria que a CNH vencida vale, sim, como documento de identificação pessoal para concurso público.
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O Poder Judiciário pode reexaminar questões e critérios de correção aplicados em concurso público?
[1] STJ RMS Nº 48.803 – DF (2015/0170636-6). Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO. Primeira Turma. Julgado em 03/09/2019.
Read MoreA autonomia gerencial da Administração Pública é princípio basilar do ordenamento jurídico, sendo a intervenção do Poder Judiciário medida excepcional, devida apenas em hipóteses de flagrante equívoco da banca examinadora.
A previsão de regras claras no edital e o cumprimento integral de suas disposições são medidas de extrema importância para todo e qualquer concurso público. É com a publicidade e a predefinição das fases e critérios avaliativos que os candidatos conseguem ter segurança e igualdade no processo avaliativo.
O conteúdo e a elaboração das questões aplicadas no concurso são de responsabilidade da banca avaliadora, e é responsabilidade dela, também, a observância do cumprimento do edital. Em regra, não cabe ao Poder Judiciário interferir no andamento e nos critérios adotados nos concursos públicos, pois essa definição está inserida no âmbito da discricionariedade administrativa.
E nos casos em que a própria banca comete erros no conteúdo ou na correção das questões aplicadas?
Em atenção a isso, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu, no julgamento do RE 632853, que originou o Tema nº 485, a tese com repercussão geral de que “não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e os critérios de correção utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade ou de inconstitucionalidade”.
Nesse sentido, foi consolidado o entendimento jurisprudencial de que a interferência do Poder Judiciário na correção das questões ou critérios aplicados em concurso público é legítima quando presente ao menos um dos seguintes casos: (i) descumprimento das regras do certame; (ii) flagrante incorreção do gabarito ou (iii) nulidade da questão.
Este é o posicionamento predominante nos tribunais pátrios, seguido inclusive pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) no julgamento da Apelação nº 5003916-97.2013.4.04.7001, que adotou integralmente o entendimento do STF mencionado acima. Veja-se a ementa:
JUÍZO DE RETRATAÇÃO. TEMA 485 DO STF. JULGAMENTO MANTIDO.
1. O STF firmou tese, estampada no Tema 485 do STF, que “Não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e os critérios de correção utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade ou de inconstitucionalidade”.
2. Todavia, na espécie, não é caso de retratação do julgamento. Isso porque, ocorrendo flagrante ilegalidade da questão formulada, correta a solução dada pela sentença e acolhida pelo voto condutor do acórdão recorrido, no sentido de julgar parcialmente procedentes os pedidos do autor tão somente para, no que se refere ao autor, alterar o gabarito oficial e reconhecer como correta a alternativa ‘A’ da Questão 33 do Caderno 48 da primeira fase do Concurso para o Cargo de Policial Rodoviário Federal regido pelo Edital 01/2009-DPRF.[1]
Em seu voto, a Desembargadora Relatora Marga Inge Barth Tessler ressalta que a possibilidade de intervenção do poder judiciário é excepcional, devida apenas em hipóteses de flagrante equívoco da banca examinadora. Nas palavras da Relatora, “não se trata de interpretar o acerto ou não da questão frente a doutrina, mas, sim, de fiscalização de questão flagrantemente ilegal, incompatível com a legislação exigida pelo edital”.
Nesse sentido, o Poder Judiciário atua em defesa dos direitos violados dos candidatos, prezando pela garantia dos princípios constitucionais da legalidade e da moralidade em concursos públicos e, ao mesmo tempo, estabelece critérios objetivos que balizem a possibilidade dessa intervenção, de modo a respeitar a autonomia gerencial da Administração Pública.
[1] TRF4 5003916-97.2013.4.04.7001, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 10/07/2019.
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Em caso de desistência, os próximos candidatos da lista classificatória têm direito à nomeação?
Estado responde subsidiariamente por danos causados a candidatos de concurso público cancelado por fraude, decide STF
Read MoreA Corte decidiu que, nas hipóteses em que o certame for organizado por entidade privada, a Administração Pública possui responsabilidade subsidiária e poderá arcar com os danos em caso de insolvência da organizadora do certame.
No final de junho de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) apreciou o Recurso Extraordinário nº 662.405 e prolatou acórdão paradigma para fixação da tese com repercussão geral do Tema nº 512. Na oportunidade, foi reconhecida a responsabilidade civil subsidiária do Estado frente a danos causados a candidatos de concursos públicos realizados por pessoa jurídica de direito privado, em caso de cancelamento do certame por indício de fraude.
Em outras palavras, o STF decidiu que, quando o certame tiver sido organizado por entidade privada, a Administração Pública possui responsabilidade subsidiária pelos danos causados a candidatos na hipótese de cancelamento decorrente de indícios de fraude.
No caso analisado pela Corte, a União Federal, por meio de pessoa jurídica de direito privado, organizou o certame público para a Polícia Rodoviária Federal. No entanto, o certame foi cancelado um dia antes de sua realização por meio de um ato administrativo praticado em consideração a uma recomendação do Ministério Público Federal, uma vez que havia indício de fraude.
Embora necessário, o cancelamento resultou em danos materiais aos candidatos, especialmente em relação aos gastos com inscrição e deslocamento, o que motivou o ajuizamento de ação de reparação civil. Diante disso, reconhecido o dano injusto, gerou-se a controvérsia: quem deve indenizar os candidatos, o Estado ou a entidade privada?
A Turma Recursal da Seção Judiciária de Alagoas, no caso concreto, atribuiu a responsabilidade à União, pois reconheceu a presença simultânea dos requisitos ensejadores da responsabilidade: “(i) à consumação do dano patrimonial do candidato inscrito no certame anulado, (ii) à conduta da Administração Pública que anulou o concurso em razão de indício de fraude, (iii) ao vínculo causal entre o evento danoso e o ato administrativo e (iv) à ausência de qualquer causa excludente de que pudesse eventualmente decorrer a exoneração da responsabilidade civil do Estado”.
Diante desta decisão, a União Federal interpôs recurso extraordinário para o fim de exonerar integralmente a sua responsabilidade, atribuindo-a somente à pessoa jurídica de direito privado responsável, em contrato, pela execução do concurso público. No caso do reconhecimento da sua responsabilidade, requereu que fosse reconhecida apenas de forma subsidiária.
Neste contexto, o Ministro Luiz Fux, relator do caso, deu provimento ao recurso, para o fim de reconhecer a responsabilidade da União, na modalidade objetiva, como previsto no artigo 37 da Constituição Federal, mas de forma subsidiária. Deste modo, a Administração Pública deve ressarcir os danos somente em caso de insolvência da entidade privada responsável pelo concurso público, esta sim responsável de forma primária.
O Relator, distinguindo a teoria do risco integral da teoria do risco administrativo, adotada no ordenamento jurídico brasileiro, reconheceu que é “juridicamente possível a oposição de causas excludentes do nexo de causalidade e exoneradoras de responsabilização pelo ente público”, o que difere da análise do elemento subjetivo (culpa ou dolo), inaplicável aos casos em que há exercício de função pública, nos quais se aplica a responsabilidade objetiva.
No caso julgado, foi reconhecida a aplicação da responsabilidade objetiva, uma vez que a realização de concurso público é função pública. Assim, para reconhecimento do direito indenizatório, cabe à parte demonstrar “a configuração dos elementos indispensáveis à responsabilização: conduta, dano e nexo de causalidade entre o dano e a conduta”, todos presentes no caso concreto.
Nas hipóteses em que a prestação do serviço público é atribuída a ente privado, que detém “personalidade jurídica, patrimônio e capacidade próprios”, ele deve responder primariamente pelos danos causados pela violação de suas obrigações contratuais. Foi o que reconheceu o Ministro Fux. Por outro lado, o relator não exonerou integralmente a Administração Pública, mas atribuiu a ela somente o dever indenizatório no caso de insolvência da entidade privada.
Em voto divergente, o Ministro Alexandre de Moraes argumentou pela exclusão integral da responsabilidade da Administração Pública. Isso porque, no seu entendimento, não ficou demonstrado, nos termos da teoria da causalidade direta, que a Administração Pública foi o agente causador do dano. Pelo contrário, nos termos do voto divergente, o Ministro constatou que a única responsável pelo resultado danoso foi o ente privado ao descumprir suas obrigações contratuais de preservação da integridade do certame. Portanto, o ente privado deveria responder exclusivamente pelo prejuízo causado.
Por maioria apertada, de 6 a 5, venceu a tese do Ministro Fux, fixada para nortear os julgamentos futuros:
“O Estado responde subsidiariamente por danos materiais causados a candidatos em concurso público organizado por pessoa jurídica de direito privado (art. 37, § 6º, da CRFB/88), quando os exames são cancelados por indícios de fraude”.
Com esta tese, os candidatos passam a ter maior segurança de que, ainda que a entidade responsável pela realização do certame não tenha condição financeira de arcar com o prejuízo que lhes foi causado pelo cancelamento do certame por conta de indícios de fraude, ainda poderão ser ressarcidos pela própria Administração Pública, que possui responsabilidade subsidiária.
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Read MoreSe for tornada sem efeito a nomeação de candidato mais bem classificado e dentro do número de vagas, os candidatos subsequentes deverão ser nomeados, pois a sua mera expectativa se convolará em direito subjetivo à nomeação.
Giovanna Gamba[1]
Eduarda Militz[2]
Os concursos públicos, como se sabe, são regidos por Edital próprio que estabelece todas as regras e condições para o acontecimento do certame. As fases do concurso, os critérios de avaliação, o conteúdo das questões e o número de vagas ofertadas são alguns dos dispositivos previstos nesse documento.
Nesse sentido, os candidatos, quando aprovados no concurso público, podem se classificar dentro das vagas previstas para provimento imediato e, também, nas vagas para cadastro de reserva. Aqueles que se classificarem dentro do número de vagas terão direito subjetivo à nomeação e serão, em regra, nomeados pela Administração Pública até o fim do prazo de validade do certame. Já aqueles classificados fora do número de vagas, ou seja, em cadastro de reserva, terão mera expectativa de direito.
Eventualmente, e por razões diversas, alguns candidatos aprovados dentro do número de vagas e efetivamente nomeados têm sua posse não perfectibilizada, seja por opção dos próprios candidatos (desistência), seja por decisão administrativa, como o não preenchimento dos requisitos do edital. Nesses casos, a nomeação é tornada sem efeito e a vaga deve ser preenchida pelos candidatos aprovados nas classificações seguintes.
Se o candidato subsequente àquele que teve a nomeação tornada sem efeito estava, inicialmente, classificado fora do número de vagas previsto, a mera expectativa de direito se convola em direito subjetivo à nomeação, dada a necessidade inequívoca da Administração de preencher a vaga em aberto, necessidade esta manifestada pela convocação do candidato que acabou não sendo nomeado.
Ou seja, na hipótese de desistência (ou qualquer outro motivo que torne sem efeito a nomeação) de candidatos mais bem classificados e dentro do número de vagas em concurso público, os próximos candidatos da lista classificatória têm direito subjetivo à nomeação.
Este entendimento é predominante na jurisprudência pátria. Em caso julgado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) houve, inclusive, a desistência de mais de um candidato, e ainda assim, sucessivamente, houve preenchimento das vagas subsequentes. Veja:
No caso dos autos, essa é a hipótese. Os documentos dos autos demonstram que a parte autora concorreu ao cargo de técnico de suporte administrativo para a região de Ribeirão Preto – SP, para o qual foi disponibilizada uma vaga, conforme edital (fl. 40 da inicial). Nesse certame, o autor foi aprovado em quinto lugar, tendo os quatro candidatos anteriores renunciado ao cargo. Nesse sentido, malgrado a renúncia do quarto colocado ter sido feita poucos dias antes da expiração do concurso, a requerida não justifica o fato de ter demorado tanto para iniciar os procedimentos de convocação e posse. Essa circunstância, pois, enquadra-se na mesma situação dos precedentes acima mencionados, pois “devidamente comprovado que os recorrentes foram aprovados dentro do número de vagas existentes no edital do concurso e que, expirado o prazo de validade do certame, não foram nomeados, nem houve, por parte da Administração, a declinação de motivos supervenientes de excepcional circunstância para não fazê-lo, impõe-se o acolhimento da pretensão recursal” (RMS 26.013/MS).[3]
Isso ocorre porque, uma vez que o edital do concurso público é lançado, com a previsão de um número determinado de vagas, cria-se uma expectativa legítima para com os candidatos de que haverá número de posses em conformidade com o número de vagas já previamente estabelecido. Além disso, há presunção de que todos os custos para realização de certame são justificados com o provimento de novos cargos em conformidade com a necessidade manifestada pela Administração, de modo que os cargos de provimento efetivo, previstos no edital do concurso, deverão ser preenchidos durante o prazo de vigência do certame, havendo candidatos aprovados. É o que esclarece o Supremo Tribunal Federal (STF) no julgado abaixo:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. DESISTÊNCIA DE CANDIDATO CONVOCADO PARA PREENCHIMENTO DE VAGA PREVISTA NO EDITAL. DIREITO SUBJETIVO DO CANDIDATO CLASSIFICADO IMEDIATAMENTE APÓS. EXISTÊNCIA. DEMONSTRAÇÃO DA NECESSIDADE E DO INTERESSE DA ADMINISTRAÇÃO.
1. A desistência de candidatos aprovados dentro do número de vagas previsto no edital do certame resulta em direito do próximo classificado à convocação para a posse ou para a próxima fase do concurso, conforme o caso.
2. É que a necessidade e o interesse da administração no preenchimento dos cargos ofertados está estabelecida no edital de abertura do concurso e a convocação do candidato que, logo após desiste, comprova a necessidade de convocação do próximo candidato na ordem de classificação. A repeito: RE 643674 AgR, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe-168; ARE 675202 AgR, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe-164. 3. Agravo regimental não provido.[4]
Nesse sentido, destaca-se no posicionamento dos Tribunais tanto a defesa da expectativa dos candidatos criada pelo Edital do concurso, no sentido da obrigatoriedade, em regra, do preenchimento das vagas previstas pela Administração, quanto a defesa do interesse da própria Administração Pública de fazer valer os gastos com o lançamento e gerenciamento do certame, de modo a satisfazer a necessidade identificada pelo órgão quando do planejamento do concurso público.
Assim, o candidato que se encontra nessa situação (qual seja, de aprovado fora do número de vagas, mas que, com as nomeações de candidatos mais bem classificados não perfectibilizadas, passou a figurar dentro das vagas previstas no edital), poderá pleitear a sua nomeação por meio de uma ação judicial – ou até mesmo por um requerimento administrativo apresentado diretamente ao órgão/entidade administrativa.
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[1] Giovanna Gamba – Advogada no escritório Schiefler Advocacia. Mestranda em direito do estado na USP, bolsista da University Studies Abroad Consortium para intercâmbio na Universidade de Nevada, Estados Unidos, e monitora do programa FGV Law.
[2] Eduarda Militz – Estagiária no escritório Schiefler Advocacia. Graduanda, atualmente na quarta fase, do curso de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. Foi assessora e gerente na Empresa Júnior de Direito Locus Iuris.
[3] TRF-3 – RI: 00031961320154036311 SP, Relator: JUIZ(A) FEDERAL ANGELA CRISTINA MONTEIRO, Data de Julgamento: 07/02/2019, 4ª TURMA RECURSAL DE SÃO PAULO, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial DATA: 14/02/2019
[4] STJ, AgRg no RMS 48.266/TO, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/08/2015
Read MoreAs duas Ações de Investigação Judicial Eleitoral que pleiteiam a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão foram propostas durante o processo eleitoral de 2018, e passam agora pela análise do Tribunal Superior Eleitoral.
Eduardo de Carvalho Rêgo[1]
Marcelo John Cota de Araújo Filho[2]
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) está atualmente a se debruçar sobre duas ações judiciais (Ações de Investigação Judicial Eleitoral nº 0601369-44.2018.6.00.000 e nº 0601401-49.2018.6.00.0000) que pleiteiam a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão, chapa esta que, como se sabe, saiu vencedora nas eleições de 2018 para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República.
As ações foram ajuizadas – em meio ao processo eleitoral de 2018 – pelas coligações partidárias lideradas por Guilherme Boulos e Marina Silva e têm por objeto averiguar se a chapa encabeçada pelo atual Presidente da República teria sido beneficiada pelo ataque hacker a um grupo de Facebook nomeado “Mulheres Unidas contra Bolsonaro”, que reunia 2,7 milhões de participantes. Após o ataque, o grupo teve seu nome alterado para “Mulheres COM Bolsonaro #17” e passou a veicular material de apoio ao então candidato. Discute-se, em síntese, se houve um suposto abuso eleitoral, com a participação ativa do beneficiado no ataque hacker.
O relator do caso, Ministro Og Fernandes, havia votado pela improcedência da ação, em novembro de 2019. Na sequência, o Ministro Edson Fachin se posicionou a favor de uma rodada de produção de provas. E, na sessão do dia 09 de junho de 2020, o Ministro Alexandre de Moraes pediu vista dos autos, deixando o julgamento em suspenso.
Mas o que aconteceria se as ações fossem procedentes?
O procedimento a ser adotado em caso de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão é definido pelo art. 81 da Constituição Federal:
Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.
§1º Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.
§2º Em qualquer dos casos, os eleitos deverão completar o período de seus antecessores.
Da leitura do dispositivo, conclui-se que, em caso de vacância dos cargos de Presidente e Vice-Presidente nos dois primeiros anos do mandato (situação que perdurará, no caso concreto, até dezembro de 2020), seria necessária a realização de novas eleições em até noventa dias após a vacância da última vaga. Por outro lado, caso a vacância ocorresse nos últimos dois anos do atual mandato (de janeiro de 2021 a dezembro de 2022), seria necessária a realização de eleição indireta para ambos os cargos, pelo Congresso Nacional, em até trinta dias após a vacância do último cargo.
Com efeito, o julgamento de procedência das ações ainda no ano de 2020 provocaria um inusitado problema: a dificuldade de realização de eleições em meio à pandemia da Covid-19, algo que já está a ocupar o Congresso Nacional nas últimas semanas, tendo em vista que 2020 é ano de eleições municipais.[3]
Por sua vez, o julgamento de procedência das ações nos dois últimos anos do mandato provocaria a realização de eleições indiretas pelo Congresso Nacional, que se daria da seguinte forma: dentre os cidadãos elegíveis que tenham lançado a sua candidatura para o novo pleito, os 594 parlamentares selecionariam o novo Presidente e Vice-Presidente da República. Embora prevista na Constituição Federal, tal situação seria indesejável em termos democráticos, tendo em vista que, numa eleição desse tipo, o jogo de influências e de interesses poderia prevalecer, em detrimento de uma escolha republicana.
De toda forma, independentemente da modalidade aplicada para o possível preenchimento das vagas, certamente estar-se-á diante de severa turbulência institucional, uma vez que o atual Governo não parece estar receptivo a qualquer resultado que não a sumária improcedência das duas ações.
Nesse sentido, é relevante anotar que, nos últimos tempos, o próprio Presidente da República tem se insurgido contra algumas decisões tomadas pelo Poder Judiciário, chegando a dizer em oportunidade anterior que “ordens absurdas não se cumprem”[4]. E, especificamente sobre as duas ações que tramitam contra ele no TSE, afirmou recentemente que o seu julgamento é inadmissível e que os processos já deveriam ter sido arquivados. Em nítida alusão à fala do Ministro da Secretaria de Governo, General Luiz Eduardo Ramos[5], Bolsonaro afirmou que o simples processamento das ações equivale a “começar a esticar a corda”.[6]
Diante desse cenário, o TSE está diante de uma delicada situação, que pode dar ensejo à tentativa de rompimento institucional. Porém, instado a se manifestar sobre tal risco no programa Roda Vida, da TV Cultura, que foi ao ar no último dia 15 de junho[7], o Ministro Barroso foi claro ao expressar o seu posicionamento, no sentido de que o TSE não irá se acovardar: “nós [TSE] faremos o que é certo dentro do Direito, porque nós somos atores institucionais, e não atores políticos. O que tiver que ser feito, vai ser feito”.
Resta, então, aguardar os desdobramentos dos fatos.
[1] Advogado. Coordenador das Unidades de Direito Constitucional e de Direito Eleitoral no Escritório Schiefler Advocacia (www.schiefler.adv.br). Doutor em Direito, Política e Sociedade e Mestre em Teoria, História e Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Especialista em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL); Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).
[2] Estagiário de Direito no Escritório Schiefler Advocacia (www.schiefler.adv.br). Graduando em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Foi Assessor da Presidência e consultor de Negócios da Magna Empresa Júnior, além de representante discente do Conselho da Faculdade de Direito (CONFADIR), da UFU.
[3] Como se sabe, o atual Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro Luís Roberto Barroso, já iniciou conversas no sentido de adiar as eleições municipais que estavam originalmente marcadas para o mês de outubro de 2020. Em sua conta oficial na rede social twitter, o Ministro informou que o Senado começará a votar na data de hoje (23/06/2020) a PEC sobre o adiamento das eleições. Acesso em 23 de junho de 2020.
[4] A declaração foi dada um dia depois da deflagração de operação realizada pela Polícia Federal contra a disseminação de Fake News, cujo alvo foram vários de seus apoiadores políticos. A propósito, cf. Acesso em 22 de junho de 2020.
[5] Em resposta a um questionamento da Revista Veja, sobre um possível golpe militar no Brasil, o General Luiz Eduardo Ramos declarou que o Governo não considera tal hipótese, mas que, por outro lado, é importante a oposição “não esticar a corda”. Acesso em 22 de junho de 2020.
[6] Disponível em: Bolsonaro diz que processo no TSE que pode cassar chapa presidencial é ‘começar a esticar a corda’. Acesso em 22 de junho de 2020.
[7] A íntegra da entrevista está disponível no canal do programa Roda Viva no YouTube. Acesso em 22 de junho de 2020.
Read MoreMesmo no caso de reconhecimento de vício que impeça o Congresso Nacional de apreciar o seu mérito, isso deve ser feito sempre de forma colegiada, e nunca por meio da atuação individualizada do Presidente do Congresso Nacional.
Eduardo de Carvalho Rêgo[1]
Matheus Lopes Dezan[2]
No último dia 12 de junho, o Presidente do Congresso Nacional, Senador Davi Alcolumbre, devolveu à Presidência da República a Medida Provisória n° 979/2020, que conferiu ao Ministro da Educação a prerrogativa de nomear livremente, em caráter pro tempore, os Reitores de instituições do Sistema Federal de Ensino, pelo período em que durar a pandemia da Covid-19. A MP em questão relativizou a norma anteriormente em vigor, que limitava a escolha, a ser sempre realizada pelo Presidente da República, aos nomes constantes em listas tríplices elaboradas pelos colegiados máximos de cada instituição.
Ao justificar a sua decisão, o Senador Alcolumbre publicou mensagem na rede social twitter, destacando que o texto da MP nº 979/2020 violaria os princípios constitucionais da autonomia e da gestão democrática das universidades (art. 207 da Constituição Federal), de modo que não mereceria ser processado pelo Congresso Nacional mediante o rito previsto no art. 62, CF.
De fato, o texto enviado pela Presidência da República possuía problemas no que se refere à democracia universitária. Porém, a devolução de medidas provisórias à Presidência da República não está contemplada no aludido art. 62. Ao contrário, a Constituição é explícita no sentido de conferir eficácia ao ato normativo editado monocraticamente pelo Presidente da República desde a sua origem, exceto se não forem convertidos em lei no devido prazo e desde que o Congresso Nacional edite decreto legislativo disciplinando as relações jurídicas deles decorrentes (§ 3º c/c § 11 do art. 62 da CF).
Há ainda uma outra possibilidade de “rejeição” preliminar de medidas provisórias, isto é, sem a análise do seu mérito. O § 5º do art. 62 determina que “A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais”. Tal regra deve ser lida em conjunto com a previsão constante no § 9º do mesmo art. 62: “Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional”.
A regulamentação de tais dispositivos está contemplada na Resolução nº 01/2002, do Congresso Nacional, que “Dispõe sobre a apreciação, pelo Congresso Nacional, das Medidas Provisórias a que se refere o art. 62 da Constituição Federal, e dá outras providências”.
No art. 2º, a Resolução determina que, após a publicação de medida provisória, a primeira providência a ser tomada pelo Presidente da Mesa do Congresso Nacional é a designação de comissão mista para emitir parecer sobre ela. E, no art. 8º, resta claro que, preliminarmente ao exame de mérito da MP (do qual trata o § 5º do art. 62 da CF), os Plenários do Senado e da Câmara dos Deputados deverão empreender análise sobre “o atendimento ou não dos pressupostos constitucionais de relevância e urgência de Medida Provisória ou de sua inadequação financeira ou orçamentária […] para, ato contínuo, se for o caso, deliberar sobre o mérito”.
Ou seja: mesmo no caso de rejeição preliminar de medida provisória, isto é, do reconhecimento de vício que impeça o Congresso Nacional de apreciar o seu mérito, isso deve ser feito sempre de forma colegiada, e nunca por meio da atuação individualizada do Presidente do Congresso Nacional.
No caso da devolução da Medida Provisória nº 979/2020, não houve rejeição preliminar (portanto, sem análise de mérito) por parte dos Plenários do Senado e da Câmara dos Deputados. Houve, ao contrário, uma iniciativa pessoal do Presidente do Congresso Nacional e com base em análise de mérito, já que ficou assentado por ele a ofensa ao art. 207 da Constituição Federal.
Ao fundamentar a devolução, o Presidente do Congresso Nacional fez alusão ao art. 48, II e XI, do Regimento Interno do Senado, que assim dispõem:
Art. 48. Ao Presidente compete:
[…]
II – velar pelo respeito às prerrogativas do Senado e às imunidades dos Senadores;
[…]
XI – impugnar as proposições que lhe pareçam contrárias à Constituição, às leis, ou a este Regimento, ressalvado ao autor recurso para o Plenário, que decidirá após audiência da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania;
Com fulcro nos mesmos dispositivos, o expediente da devolução de Medida Provisória já havia sido utilizado por outros Presidentes do Congresso Nacional. O Senador José Ignácio Ferreira devolveu a MP nº 33/1989, que dispensava servidores e que extinguia cargos públicos, ao Presidente José Sarney. A justificativa utilizada pelo Presidente do Congresso Nacional foi a de que a normatização da matéria em comento era de competência exclusiva do chefe do Poder Executivo, de modo a não incidir o mandamento constitucional de apreciação pelo Poder Legislativo.
Na sequência, o Senador Garibaldi Alves Filho devolveu à Presidência da República a MP n° 446/2008, que “Dispõe sobre a certificação das entidades beneficentes de assistência social, regula os procedimentos de isenção de contribuição para a seguridade social, e dá outras providências”. Na ocasião, o Senador alegou que era inconstitucional a MP por não atender aos requisitos fundamentais de relevância e de urgência.
Mais recentemente, o Senador Renan Calheiros devolveu a MP n° 669/2015 à Presidente Dilma Rousseff. Sua motivação foi um suposto abuso, por parte do Poder Executivo, de edição de medidas provisórias sem relevância e urgência. Conforme deixou salientado em manifestação posterior, a edição de MPs deve ser medida excepcional e de uso comedido.
No ano passado, mais precisamente em junho de 2019, o próprio Senador Alcolumbre já havia devolvido ao Presidente da República parte da MP nº 886/2019, também com base nos incisos II e XI do art. 48 do Regimento Interno do Senado.
Embora engenhosa, a interpretação adotada pelo atual Presidente do Congresso Nacional, sobretudo no que se refere ao inciso XI do art. 48 do Regimento Interno do Senado, parece colidir frontalmente com a Constituição Federal, por duas razões: (i) trata as medidas provisórias como meras proposições legislativas; e (ii) cria a extravagante possibilidade de um controle abstrato de constitucionalidade simplificado e não previsto na Constituição Federal.
No que diz respeito à primeira razão, convém destacar que as medidas provisórias são instrumentos com força de lei postos à disposição do Presidente da República para tratar de matérias relevantes e urgentes, que não podem aguardar o desenrolar do processo legislativo ordinário. Em certo sentido, a edição de medidas provisórias é uma prerrogativa do Presidente da República, que, em casos excepcionais, exerce temporariamente a função legislativa no lugar do Congresso Nacional.
Por ser assim, é equivocado interpretar as medidas provisórias como meras proposições legislativas, eis que estas não possuem força de lei. A medida provisória, como dito, é lei para todos os efeitos, somente podendo ser rejeitada nas hipóteses previstas no art. 62 da Constituição Federal. E, ainda assim, há hipóteses em que a sua rejeição não significa a sua invalidade desde a origem, nos termos do § 11 do art. 62 da CF: “Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas”.
Quanto à segunda razão, que decorre do equívoco interpretativo acima mencionado, destaca-se a possível usurpação do exercício do controle abstrato de constitucionalidade, cuja competência, na hipótese, seria exclusivamente do Supremo Tribunal Federal.
Como dito, as medidas provisórias editadas pelo Presidente da República possuem força de lei (art. 62, caput, CF). Sendo assim, o método adequado para a sua impugnação é a ação direta de inconstitucionalidade, prevista no art. 102, I, a, da Constituição Federal: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe processar e julgar, originariamente, a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal”.
Na prática, ao devolver a MP nº 979/2020 à Presidência da República, o Presidente do Congresso Nacional encampou nova modalidade de controle abstrato de constitucionalidade, não judicial (eis que exercida pelo Parlamento), simplificada (uma vez que veiculada por meio de ato declaratório com apenas um parágrafo) e monocrática (assinada pelo Presidente da Mesa do Congresso Nacional).
E, uma vez que o Presidente da República optou por revogar o ato normativo após a sua devolução pelo Presidente do Congresso Nacional, retirou-se do Supremo Tribunal Federal a última palavra sobre a interpretação constitucional da MP nº 979/2020, o que seria de direito.
Agora, dado que o tema foi aparentemente superado, paira no ar a sensação de que tudo foi resolvido no âmbito da política e não necessariamente no âmbito do Direito. Dadas as inconstitucionalidades presentes no texto da MP nº 979/2020, perdeu-se a oportunidade de ver o Supremo Tribunal Federal fixar o entendimento sobre a autonomia e a gestão democrática das universidades, no exercício de sua competência constitucional de guarda da Constituição.
No fim das contas, não deixa de ser irônico que, com vistas ao combate de um ato notoriamente antidemocrático e inconstitucional, o Presidente do Congresso Nacional tenha atuado por meio de expediente eivado dos mesmos vícios, isto é, igualmente antidemocrático e inconstitucional.
[1] Eduardo de Carvalho Rêgo – Advogado. Coordenador das Unidades de Direito Constitucional e de Direito Eleitoral no Escritório Schiefler Advocacia (www.schiefler.adv.br). Doutor em Direito, Política e Sociedade e Mestre em Teoria, História e Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Especialista em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL); Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).
[2] Matheus Lopes Dezan – Estagiário de Direito no Escritório Schiefler Advocacia (www.schiefler.adv.br). Bacharelando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Membro do “Laboratório de Políticas Públicas e Internet” (LAPIN). Membro do Grupo de Pesquisa “Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial” (DRIA). Membro do Grupo de Pesquisa “Bioethik: estudos em bioética” (UFES).
Read MoreA exegese da Justiça Eleitoral gaúcha sobre o art. 73, § 10, da Lei das Eleições.
Eduardo de Carvalho Rêgo[1]
Em 20 de maio de 2020, foi publicada, no Município de Porto Alegre/RS, a Lei Complementar nº 882/2020, que “Estabelece a isenção, para as competências de abril, maio e junho de 2020, das tarifas de água e esgoto aos consumidores beneficiados pela tarifa social que se enquadrem no disposto pelos incs. I e II do art. 37 da Lei Complementar nº 170, de 31 de dezembro de 1987, e alterações posteriores”. De acordo com o Prefeito Nelson Marchezan Júnior, “A medida foi adotada para auxiliar as pessoas de baixa renda, possibilitando que elas tenham mais recursos para enfrentar a crise provocada pela pandemia da Covid-19”.[2]
A oportuna medida de atenuação dos efeitos da pandemia sobre a população mais carente do Município de Porto Alegre vem na mesma linha do auxílio emergencial, no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), concedido pelo Governo Federal aos trabalhadores informais, microempreendedores individuais, trabalhadores autônomos e desempregados. Porém, ao contrário do Governo Federal, que está no segundo ano da atual Administração, a Prefeitura de Porto Alegre, por vivenciar o último ano do mandato do Chefe do Executivo Municipal, teve de lidar com a vedação constante no art. 73, § 10, da Lei Federal nº 9.504/1997 (Lei das Eleições), que proíbe a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública em ano eleitoral, excetuados os casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.
Em que pese a existência do Decreto Municipal nº 20.534, de 31 de março de 2020, que “Decreta o estado de calamidade pública e consolida as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo Coronavírus (COVID-19), no Município de Porto Alegre”, o Prefeito entendeu por bem formalizar consulta ao Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE/RS), questionando sobre a possibilidade de o Município conceder as isenções tarifárias pretendidas, uma vez que 2020 é ano de eleições municipais.
A resposta do TRE/RS, formalizada mediante manifestação de seu Tribunal Pleno, veio no sentido de reconhecer a pandemia da Covid-19 enquanto ensejadora de estado de “calamidade pública”, tal como previsto no art. 73, § 10, da Lei das Eleições, a autorizar o administrador público a distribuir gratuitamente bens e serviços em ano eleitoral. Contudo, o órgão julgador advertiu que “é necessário observar que o administrador público, mesmo em face de situação de calamidade, está adstrito aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, nos termos do comando do art. 37 da Constituição Federal, sem que possa fazer uso da distribuição gratuita de bens e valores com caráter eleitoreiro ou como forma de promoção pessoal”.[3]
Em síntese, resta clara a mensagem passada pela Justiça Eleitoral do Estado do Rio Grande do Sul: medidas financeiras de apoio aos mais necessitados em meio à pandemia da Covid-19 são bem-vindas, desde que a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios seja realizada mediante a adoção de critérios objetivos para estabelecer os beneficiários e, ademais, que não venha acompanhada de promoção pessoal de agente público. Tal exegese, aliás, está em consonância com os princípios constitucionais previstos no caput do art. 37 da Constituição Federal, que devem sempre ser levados em consideração na análise das exceções às condutas vedadas previstas na Lei das Eleições.
Eduardo de Carvalho Rêgo – Advogado. Coordenador das Unidades de Direito Constitucional e de Direito Eleitoral no Escritório Schiefler Advocacia (www.schiefler.adv.br). Doutor em Direito, Política e Sociedade e Mestre em Teoria, História e Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Especialista em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL); Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).
[1] Advogado. Coordenador das Unidades de Direito Constitucional e de Direito Eleitoral no Escritório Schiefler Advocacia (www.schiefler.adv.br). Doutor em Direito, Política e Sociedade e Mestre em Teoria, História e Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Especialista em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL); Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).
[2] Disponível em: https://prefeitura.poa.br/gp/noticias/prefeitura-isenta-consumidores-carentes-do-pagamento-da-tarifa-de-agua-e-esgoto. Acesso em 01/06/2020.
[3] TRE/RS. Consulta nº 0600098-44.2020.6.21.0000, de Porto Alegre. Relator: Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz. Data: 11/05/2020.
Read MoreOs efeitos da penalidade retroagem ou não aos contratos celebrados em momento anterior ao da sanção?
Os contratos administrativos vigentes e a superveniência de sanção restritiva do direito de licitar e de contratar: os efeitos da penalidade retroagem ou não aos contratos celebrados em momento anterior ao da sanção?
Se a dúvida sobre a amplitude da penalidade de suspensão de contratar com a Administração já é bastante pertinente (se é restrita ao ente sancionador ou abrange toda a administração pública brasileira[1]), há ainda outra questão a ser enfrentada no que toca ao tema: afinal, a suspensão temporária para contratar com a Administração – ou outra penalidade análoga, como a declaração de inidoneidade ou o impedimento de licitar e de contratar – produz efeito ex nunc ou ex tunc no que toca aos contratos vigentes, celebrados em momento anterior ao da infração?
Para que seja sanada esta dúvida, deve-se, primeiramente, recorrer à Lei nº 8.666/93, a Lei de Licitações e Contratos Administrativos.
Em seu artigo 87, a Lei dispõe, em ordem crescente de gravidade, sobre as sanções administrativas aplicáveis aos contratados que não honrarem o contrato administrativo, quer pela inexecução parcial, quer pela inexecução total das obrigações nele avençadas.
Em específico, os incisos III e IV desse artigo tratam, respectivamente, da sanção de suspensão temporária do direito de participação em processo licitatório e impedimento de contratar com a Administração, e da declaração de inidoneidade. Leia-se:
Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:
[…]
III – suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;
IV – declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.
Percebe-se, da leitura do dispositivo, que inexiste expressão na norma a qual ampare a interpretação literal de que esta sanção administrativa, em regra, possuiria efeitos retroativos.
Esta conclusão apoia-se também no princípio da legalidade, insculpido no artigo 37 da Constituição Federal e que rege toda a atividade da Administração Pública, sendo verdadeira pedra-basilar, de modo que não se pode presumir na Lei o que não está nela escrito, sobretudo em se tratando de direito sancionatório.
Assim, ao menos no que toca à eficácia direta da sanção, não há dúvidas de que seus efeitos promanam-se, em regra, prospectivamente, e não de maneira ex tunc. E desse entendimento não destoa a jurisprudência, que o aplica com tal efeito à mais grave sanção de declaração de inidoneidade, prevista no inciso IV do mesmo artigo. Leia-se:
Administrativo. Declaração de lnidoneidade para licitar e contratar com a Administração Pública. Efeitos ex nunc da Declaração de lnidoneidade: Significado. Precedente da 1.ª Seção (STJ, MS 13.964/DF, DJe de 25/05/2009).
Portanto, da Lei Federal nº 8.666/1993 extrai-se interpretação sólida e benéfica ao licitante/contratado, de que a penalidade de suspensão temporária de participar em licitação e impedimento de contratar com a Administração, ou mesmo a declaração de inidoneidade, produz efeito ex nunc (isto é, prospectivo – ao futuro), e não ex tunc (isto é, retroativo – ao passado).
No entanto, reside ainda a seguinte dúvida: os efeitos da sanção são, em regra, prospectivos, não havendo o que se cogitar de anulação de contratação vigente e sem relação com o vício que levou à sanção; mas, afinal, aplicar-se-á a penalidade, mesmo que prospectivamente, de alguma forma, aos contratos e licitações vigentes à época da declaração da sanção? Ou seja, ainda que não se reconheça a aplicação retroativa, o futuro das licitações e dos contratos em andamento poderá ser afetado? Será necessário promover a rescisão contratual?
Se a questão ventilada anteriormente é de menor controvérsia, não o é esta última.
No entendimento de Marçal Justen Filho, em relação à eficácia da punição sobre contratos vigentes, “O art. 55, XIII, determina que o contratado deverá manter os requisitos de habilitação e qualificação ao longo da execução do contrato. Essa disciplina é compatível com o entendimento de que o preenchimento dos requisitos de habilitação envolvem não propriamente uma formalidade a ser cumprida somente por ocasião da licitação, mas evidenciam a capacitação do sujeito para executar a contratação. Portanto, desaparecido o requisito de habilitação durante a contratação, o contrato deve ser rescindido.”.[2]
Malgrado o entendimento do reconhecido jurista, verifica-se, em certos órgãos de controle, como o Tribunal de Contas da União (TCU), a existência de entendimento diverso: de que as sanções impeditivas do direito de licitar e de contratar não atingem, em regra, os contratos em curso.
A propósito, veja-se acórdão prolatado pelo Plenário do TCU em setembro de 2019, relatado pelo Ministro Augusto Sherman Cavalcanti:
Voto
12. Com efeito, a despeito da proximidade das datas, a superveniência da mencionada sanção administrativa, por si só, não teria o condão de ensejar a nulidade ou a rescisão do contrato em epígrafe, uma vez que a suspensão temporária para licitar produz efeitos ex nunc, não se aplicando automaticamente aos contratos já celebrados, sobretudo em contratos outros distintos do que gerou a sanção, consoante jurisprudência predominante desta Casa.
13. Como é sabido, em sanção mais grave de declaração de inidoneidade, esta Corte seguindo jurisprudência inaugurada pelo STJ nos MS 13.101-DF, Min. Eliana Calmon, de 9/12/2008, e 13.964, Min. Teori Zavascki, de 25/5/2009, estabeleceu que seus efeitos são para o futuro ou ex nunc, nos termos dos Acórdãos 1262/2009-Plenário, Min. José Jorge, e 1340/2011-Plenário, Min. Weder de Oliveira. Mesma regra se aplica a suspensão temporária para licitar.[3]
Ademais, como se percebe do Acórdão nº 2183/2019 do TCU, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), órgão jurisdicional responsável pela uniformização dos entendimentos judiciais em todo o Brasil, estabeleceu a regra de que a sanção de inidoneidade produz efeito para o futuro (ex nunc), de modo a não prejudicar os contratos administrativos celebrados antes da aplicação da sanção. Confira-se o acórdão paradigma e um exemplo da jurisprudência surgida a partir dele:
ADMINISTRATIVO – LICITAÇÃO – INIDONEIDADE DECRETADA PELA CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO – ATO IMPUGNADO VIA MANDADO DE SEGURANÇA.
1. Empresa que, em processo administrativo regular, teve decretada a sua inidoneidade para licitar e contratar com o Poder Público, com base em fatos concretos.
2. Constitucionalidade da sanção aplicada com respaldo na Lei de Licitações, Lei 8.666/93 (arts. 87e 88).
3. Legalidade do ato administrativo sancionador que observou o devido processo legal, o contraditório e o princípio da proporcionalidade.
4. Inidoneidade que, como sanção, só produz efeito para o futuro (efeito ex nunc), sem interferir nos contratos já existentes e em andamento.
5. Segurança denegada.[4]
ADMINISTRATIVO. DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE PARA LICITAR E CONTRATAR COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. EFEITOS EX NUNC DA DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE: SIGNIFICADO. PRECEDENTE DA 1ª SEÇÃO (MS 13.964/DF, DJe DE 25/05/2009).
Segundo precedentes da 1ª Seção, a declaração de inidoneidade “só produz efeito para o futuro (efeito ex nunc), sem interferir nos contratos já existentes e em andamento” (MS 13.101/DF, Min. Eliana Calmon, DJe de 09.12.2008). Afirma-se, com isso, que o efeito da sanção inibe a empresa de licitar ou contratar com a Administração Pública (Lei 8666/93, art. 87), sem, no entanto, acarretar, automaticamente, a rescisão de contratos administrativos já aperfeiçoados juridicamente e em curso de execução, notadamente os celebrados perante outros órgãos administrativos não vinculados à autoridade impetrada ou integrantes de outros entes da Federação (Estados, Distrito Federal e Municípios). Todavia, a ausência do efeito rescisório automático não compromete nem restringe a faculdade que têm as entidades da Administração Pública de, no âmbito da sua esfera autônoma de atuação, promover medidas administrativas específicas para rescindir os contratos, nos casos autorizados e observadas as formalidades estabelecidas nos artigos 77 a 80 da Lei 8.666/93. […][5]
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. LICITAÇÃO. DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE PARA LICITAR E CONTRATAR COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. EFEITOS EX NUNC DA DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE: SIGNIFICADO. JULGADO DA PRIMEIRA SEÇÃO (MS 13.964/DF, DJe DE 25.5.2009). AGRAVO INTERNO DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA A QUE SE NEGA PROVIMENTO. […]
2. É certo que a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça entende que a sanção prevista no art. 87, III da Lei 8.666/1993 produz efeitos não apenas no âmbito do ente que a aplicou, mas na Administração Pública como um todo (REsp. 520.553/RJ, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 10.2.2011).
3. A declaração de idoneidade não tem a faculdade de afetar os contratos administrativos já aperfeiçoados juridicamente ou em fase de execução, sobretudo aqueles celebrados com entes públicos não vinculados à autoridade sancionadora e pertencente a Ente Federado diverso (MS 14.002/DF, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJe 6.11.2009).
4. A sanção aplicada tem efeitos apenas ex nunc para impedir que a Sociedade Empresária venha a licitar ou contratar com a Administração Pública pelo prazo estabelecido, não gerando como consequência imediata a rescisão automática de contratos administrativos já em curso (MS 13.101/DF, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, Rel. p/ Acórdão Min. ELIANA CALMON, DJe 9.12.2008).5. Agravo Interno da Sociedade Empresária a que se nega provimento.[6]
A despeito desses precedentes, é de se ressaltar que a questão ainda é controversa na doutrina e na jurisprudência, havendo tanto entendimentos favoráveis quanto contrários ao sancionado no que toca aos contratos vigentes à época da suspensão.
Inclusive, tão controversa é a questão que a jurisprudência do STJ concebeu ainda um tertium genus de aplicação normativa, aplicando uma sorte de teoria mitigada da manutenção dos contratos vigentes, relegando tal decisão à discricionariedade motivada do gestor público. Veja-se:
ADMINISTRATIVO. DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE PARA LICITAR E CONTRATAR COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. EFEITOS EX NUNC DA DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE: SIGNIFICADO. PRECEDENTE DA 1ª SEÇÃO […]. 1. Segundo precedentes da 1ª Seção, a declaração de inidoneidade “só produz efeito para o futuro (efeito ex nunc), sem interferir nos contratos já existentes e em andamento” (MS 13.101/DF, Min. Eliana Calmon, DJe de 09.12.2008). Afirma-se, com isso, que o efeito da sanção inibe a empresa de “licitar ou contratar com a Administração Pública” (Lei 8666/93, art. 87), sem, no entanto, acarretar, automaticamente, a rescisão de contratos administrativos já aperfeiçoados juridicamente e em curso de execução, notadamente os celebrados perante outros órgãos administrativos não vinculados à autoridade impetrada ou integrantes de outros entes da Federação (Estados, Distrito Federal e Municípios). Todavia, a ausência do efeito rescisório automático não compromete nem restringe a faculdade que têm as entidades da Administração Pública de, no âmbito da sua esfera autônoma de atuação, promover medidas administrativas específicas para rescindir os contratos, nos casos autorizados e observadas as formalidades estabelecidas nos artigos 77 a 80 da Lei 8.666/93. […][7]
Segundo este entendimento do STJ, a regra seria a da não aplicação automática da penalidade aos demais contratos vigentes; podendo, todavia, a Administração promover medidas administrativas justificadas e específicas para rescindir estes contratos.
Vê-se daí que, embora haja fundamentos tanto para a aplicação retroativa quanto para a aplicação prospectiva das sanções previstas nos incisos III e IV do artigo 87 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos, o tema ainda é objeto de controvérsia, não existindo posição sedimentada, sobretudo no que concerne à jurisprudência pátria.
Se, por um lado, a interpretação conjunta do 87 com o artigo 55, inciso XIII, da Lei Federal nº 8.666/93 enseja aplicação mais severa da norma, com o escopo de estender a penalidade a todos os contratos vigentes da apenada, uma interpretação mais benéfica e principiológica do ordenamento jurídico, calcada na legalidade estrita exigida no direito sancionatório, na tipicidade e na razoabilidade dos atos administrativos, conclui pela possibilidade de limitação da penalidade somente às licitações e aos contratos futuros.
[1] Cf. “A penalidade de suspensão temporária do direito de licitar é válida apenas para o órgão/entidade que aplicou a sanção?” Disponível em: https://schiefler.adv.br/a-penalidade-de-suspensao-temporaria-do-direito-de-licitar-e-valida-apenas-para-o-orgaoentidade-que-aplicou-a-sancao/.
[2] FILHO, Marçal Justen. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos: lei 8.666/1993. ed. 16., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista do Tribunais, 2014. p. 1159.
[3] TCU, Acórdão nº 2183/2019, Plenário, Relator: AUGUSTO SHERMAN, Data de Julgamento: 11/09/2019.
[4] STJ, MS 13.101/DF, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, Rel. p/ Acórdão Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/05/2008.
[5] STJ, MS 14.002/DF, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009.
[6] STJ, AgInt no REsp 1552078/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 30/09/2019.
[7] MS nº 14.002-DF, Relator: Ministro Teori Albino Zavascki, 1ª Seção do STJ, DJe de 06.11.2009.
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