Alterações na Lei de Improbidade Administrativa pela Lei 14.230/2021: Exigência de dolo em casos de ausência de prestação de contas
A Lei 14.230/21 modificou consideravelmente a Lei de Improbidade Administrativa, trazendo importantes mudanças para o tema.
Uma dessas alterações é a necessidade de comprovação do elemento subjetivo doloso para configuração do ato de improbidade administrativa, de acordo com o artigo 11 e seus incisos da Lei 8.429/92, inclusive nos casos de ausência de prestação de contas.
Portanto, se não houver demonstração de dolo e má-fé, a condenação se torna inviável. Essa interpretação é respaldada pela tese 1199 do Supremo Tribunal Federal, estabelecida no julgamento do Recurso Extraordinário no Agravo nº 843989, concluído em 18/08/2022.
A tese estabelece que é necessário comprovar a responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se a presença do elemento subjetivo do dolo nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei de Improbidade Administrativa. Além disso, a nova Lei 14.230/2021 é aplicável aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, desde que não haja condenação transitada em julgado. No entanto, o novo regime prescricional previsto na referida lei não possui efeito retroativo, aplicando-se apenas a partir da sua publicação.
Com base nessas considerações, apelações foram negadas no caso em questão.
(TRF-1, AC: 10038387320184013900 – Relator: Desembargador Federal Ney Bello – Data de Julgamento: 30/08/2022 – 3ª Turma)
Read MoreContratação de servidores temporários sem concurso público não configura ato de improbidade administrativa, decide STJ
A contratação de servidores temporários sem concurso público, baseada em legislação local, por si só, não configura a improbidade administrativa prevista no art. 11 da Lei n. 8.429/1992, por estar ausente o elemento subjetivo (dolo) necessário para a configuração do ato de improbidade violador dos princípios da administração pública.
Essa foi a decisão proferida pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Recurso Especial nº 1926832/TO, submetido ao regime dos recursos repetitivos, tendo sido firmado o Tema Repetitivo nº 1108: “A contratação de servidores públicos temporários sem concurso público, mas baseada em legislação local, por si só, não configura a improbidade administrativa prevista no art. 11 da Lei n. 8.429/1992, por estar ausente o elemento subjetivo (dolo) necessário para a configuração do ato de improbidade violador dos princípios da administração pública.”
O questionamento central no recurso era se a contratação de servidores temporários sem concurso público, com base em legislação municipal, caracterizava ato de improbidade administrativa, tendo em vista a dificuldade de identificar o elemento subjetivo necessário à configuração do ilícito administrativo.
De acordo com a jurisprudência consolidada do STJ, a contratação de servidores temporários sem concurso público, desde que respaldada em legislação local, afastava a caracterização do dolo genérico para a configuração de improbidade administrativa. No entanto, essa situação foi alterada com a edição da Lei nº 14.230/2021, que estabeleceu o dolo específico como requisito para a caracterização do ato de improbidade administrativa, conforme o art. 1º, §§ 2º e 3º, da Lei nº 8.429/1992.
Dessa forma, a Primeira Seção do STJ firmou a tese de que a contratação de servidores públicos temporários sem concurso público, mas baseada em legislação local, não configura a improbidade administrativa prevista no art. 11 da Lei nº 8.429/1992, por estar ausente o elemento subjetivo (dolo) necessário para a configuração do ato de improbidade violador dos princípios da administração pública.
No caso analisado, o Tribunal de origem havia mantido a condenação dos demandados, mesmo considerando a existência de leis municipais que permitiam a contratação temporária dos servidores sem concurso público. Diante disso, o STJ reformou o acórdão e proveu o Recurso Especial.
(STJ – REsp: 1926832 TO 2021/0072095-8, Data de Julgamento: 11/05/2022, S1 – PRIMEIRA SEÇÃO)
Read MoreTRF-4 decide que o caput do art. 11 da LIA não serve para condenar por improbidade administrativa
A Terceira Turma do TRF-4 decidiu, em maio de 2023, sobre a aplicação retroativa da Lei nº 14.230/21 em ação civil de improbidade administrativa.
A referida lei trouxe importantes alterações à Lei de Improbidade Administrativa, estabelecendo sanções em casos de violação aos princípios da administração pública.
O tribunal entendeu que, nos casos em que a nova redação do art. 11, caput, da Lei nº 8.429/92 configura atipicidade dos atos praticados, a lei mais benéfica deve ser aplicada retroativamente, respeitando o princípio constitucional da retroatividade que beneficia o réu.
Nesse sentido, foi reconhecida a atipicidade superveniente em razão de o art. 11, caput, não descrever conduta típica caracterizadora de ato de improbidade.
(TRF-4 – AC: 50048552920174047101 RS, Relator: ROGERIO FAVRETO, Data de Julgamento: 09/05/2023, TERCEIRA TURMA)
Read MoreFalta de prestação de contas sem dolo de ocultar irregularidades não é improbidade administrativa, decide TRF-3
Em recente decisão proferida pela 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), foi mantida a improcedência de uma ação civil pública por ato de improbidade administrativa.
A decisão, que tratou sobre as alterações promovidas pela Lei 14.230/2021 na Lei 8.429/1992, reconheceu a atipicidade da conduta do réu frente ao artigo 11 da mencionada lei. Os embargos de declaração apresentados foram acolhidos parcialmente, visto que o acórdão embargado havia sido proferido anteriormente ao julgamento pela Suprema Corte do paradigma cuja aplicação se impõe.
A análise do caso revelou que a conduta imputada ao réu, antes tipificada no artigo 11, II e VI, da Lei 8.429/1992, não se configurava mais como ato ímprobo após as modificações introduzidas pela lei atual. Ficou evidenciado que o réu não deixou de prestar contas com a intenção de ocultar irregularidades para obter vantagens indevidas.
Com base na jurisprudência consolidada, a decisão concluiu pela improcedência da imputação de improbidade administrativa e afastou a aplicação de qualquer penalidade. Assim, não foi devida a sanção de ressarcimento ao erário. Ainda foi destacado que a Prefeitura de Cubatão, posteriormente, realizou a devolução dos valores repassados, afastando o débito originalmente imputado aos ex-gestores e ao município.
Essa decisão reitera a importância da análise detida sobre as alterações trazidas pela Lei 14.230/2021 na tipificação dos atos de improbidade administrativa, bem como a exigência do dolo específico como requisito para a caracterização do ilícito.
Diante disso, é essencial contar com uma assessoria jurídica qualificada para acompanhar eventuais ações judiciais que envolvam essas questões, garantindo a melhor defesa dos interesses das partes.
(TRF-3 – ApCiv: 50071181120184036104 SP, Relator: Desembargador Federal LUIS CARLOS HIROKI MUTA, Data de Julgamento: 03/02/2023, 3ª Turma)
Read MoreCompreenda a lógica de um edital de licitação e de seus anexos
Quando se fala no tema licitação pública, um dos documentos mais importantes é, sem dúvida, o edital. O edital de licitação nada mais é do que o instrumento no qual a Administração irá formalizar as condições e exigências licitatórias para a contratação de um determinado produto ou contratação de serviços. Não por outra razão, o edital é conhecido como o documento em que estão registradas “as regras do jogo“.
O edital, caso tenha sido adequadamente redigido, definirá de forma clara o objeto que será licitado, qual será a documentação e experiência mínima exigida dos licitantes, além das condições contratuais aplicáveis ao fornecedor do produto ou do serviço a ser adquirido.
Nessa linha, podem ser listados como propósitos de um edital:
- Dar publicidade oficial à pretensão da Administração e convocar os potenciais interessados;
- Identificar plenamente o escopo do contrato pretendido, de forma vinculante às partes (ou seja, as regras do edital devem refletir exatamente o que será exigido durante o contrato por ambos os contratantes);
- Informar todos os detalhes sobre o procedimento competitivo a ser realizado, incluindo desde o cronograma para as diferentes etapas do certame, as instruções sobre a proposta a ser apresentada e sobre os documentos exigidos para fins de habilitação, além das informações sobre o critério de julgamento das propostas e a fase de recursos;
Assim, por mais que seja óbvio, vale dizer que é indispensável que os profissionais que lidam com processos licitatórios leiam o edital com bastante atenção, compreendendo o significado e a importância de cada uma das previsões ali postas.
Vejamos adiante quais são as informações centrais de um edital e os seus principais pontos de atenção, que devem ser observados por aqueles que trabalham com o tema.
Objeto do edital de licitação
Geralmente presente já nas primeiras páginas do edital, o objeto da licitação é o item que servirá para indicar, exatamente, o que a Administração Pública deseja comprar e/ou contratar. A partir dessa informação, portanto, o potencial licitante poderá aferir se existe compatibilidade com suas atividades comerciais e, posteriormente, em havendo, se possui condições de fornecer aquele produto e/ou serviço. Em resumo, o objeto nada mais é do que uma descrição, de modo conciso, daquilo que a administração deseja contratar.
Vale registrar que a descrição do objeto da licitação, presente no início do edital, costuma ser bem sintética, o que significa que, eventualmente, será insuficiente para se compreender de forma adequada a pretensão da Administração. Na prática, esta descrição inicial serve como primeira informação, sendo indispensável que a análise seja complementada pela descrição que está em anexo ao edital, especificamente no termo de referência ou projeto básico – como se verá mais adiante.
Um exemplo da importância de uma análise completa e atenta do objeto de um edital pode ser retirado de um cenário em que uma Prefeitura, a título de ilustração, deseja comprar uma série de micro-ônibus que serão utilizados para o transporte escolar dos alunos e professores vinculados ao sistema municipal..
Num primeiro momento, o gestor de uma empresa especializada na fabricação de micro-ônibus pode constatar que possui atividade mercantil condizente com o objeto da licitação, e que possui interesse em fornecer à Administração. No entanto, por políticas ambientais e de sustentabilidade do Município, tecnicamente justificadas, a prefeitura especificou no objeto do edital que esses veículos devem ser movidos a energia elétrica ou, no mínimo, devem ser híbridos. Assim, se a empresa deste empreendedor só produz micro-ônibus movidos a óleo diesel ou a gasolina, ela não estará apta a participar do certame. Daí a importância de que o objeto seja analisado em sua completude, já que em um caso como esse, embora aparentemente, em um primeiro momento, sua empresa cumpra com as exigências do Edital, em uma análise mais detalhada do objeto constata-se que não.
De qualquer forma, é importante que ao analisar o objeto de um edital o profissional já esteja atento se aquele objeto, apesar de bem definido e delimitado, não está descrito de uma forma que direcione o certame para uma marca ou um fornecedor específico – exceto, é claro, nos casos tecnicamente justificáveis. É fundamental que o texto do objeto não obste a ampla concorrência e a equidade de oportunidade aos fornecedores/licitantes interessados e aptos ao certame.
Inclusive, caso o licitante verifique que o objeto direciona injustificadamente o certame para um fornecedor específico, ele pode requerer a impugnação do edital (ou adotar outras medidas perante órgãos de controle ou o Judiciário) e, assim, buscar com que seja lançado um novo instrumento convocatório, agora em um processo adequado para a ampla concorrência de interessados.
Os documentos de habilitação
De forma geral, a exigência de documentação de habilitação de empresas licitantes é a forma utilizada pela Administração Pública para garantir que determinado licitante que virá a ser contratado terá aptidão para celebrar um contrato administrativo.
Assim, no que tange à empresa licitante, a análise dos documentos de habilitação necessários para a participação em determinado processo licitatório mostra-se de extrema importância, visto que os documentos podem ser muitos e, caso não organizados com antecedência, podem levar com que a empresa não consiga obtê-los até a data final para entrega.
A habilitação, em regra, podendo mudar de um edital para outro, é formada pela exigência dos seguintes requisitos e documentos:
Habilitação Jurídica
Os documentos exigidos para a habilitação irão envolver a comprovação da existência, da capacidade de contratar e do funcionamento formal e regular da empresa. Geralmente, os documentos que são exigidos para a habilitação jurídica são: ato Constitutivo (contrato social, estatuto social ou requerimento de empresário); todas as alterações ou consolidação do Ato Constitutivo; procuração dos respectivos representantes nas licitações; documentos dos sócios; documentos do Representante Legal; etc.
Regularidade fiscal e trabalhista
Os documentos exigidos para a comprovação da regularidade fiscal e trabalhista são aqueles que irão servir para demonstrar que a empresa não possui dívidas tributárias e/ou trabalhistas, seja na esfera municipal, estadual ou federal. Exemplos de documentos que podem ser exigidos para a habilitação fiscal e trabalhista são: Comprovante de Inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica; Inscrição Estadual; Inscrição Municipal; Certidão negativa de débitos Federais; Certidão negativa de débitos Estaduais; Certidão negativa de débitos Municipais; Certidão negativa de débitos Trabalhista; Certidão negativa de débitos do FGTS; Certidão negativa de débitos do INSS; etc.
Qualificação técnica
Tratam-se dos requisitos profissionais da empresa, que demonstram a capacidade que a empresa tem de fornecer o produto ou realizar o serviço. Por exemplo, se é uma empresa de engenharia, deve demonstrar que continuamente realiza serviços desse tipo. Um atestado de algum contratante anterior demonstrando que a empresa já realizou serviços similares, de maneira adequada, é um dos meios para comprovação da qualificação técnica. Além disso, outros documentos que podem servir para comprovar a qualificação técnica da empresa são, além do Atestado de Capacidade Técnica Profissional e de Atestado de Capacidade Técnica Operacional, documentos que comprovem inscrição em entidade profissional competente ou Registro em órgão regulamentador.
Qualificação econômico-financeira
Neste item a empresa deve demonstrar que terá capacidade financeira e econômica para cumprir o contrato caso seja a vencedora. É na qualificação econômico-financeira que será demonstrada a adequada saúde financeira da empresa, visando dar segurança à Administração Pública contratante. Exemplos de documentos que podem ser exigidos pelo Edital para comprovar a qualificação econômico-financeira são: Balanço patrimonial; Índices Contábeis; Capital social ou patrimônio líquido; Certidão negativa de Falência; entre outros.
Outros documentos e/ou declarações
Além dos listados acima, podem ser exigidos, a depender do Edital, outros documentos e/ou declarações, tais como: Declaração de que não emprega menores de 18 anos em trabalho noturno, perigoso ou insalubre, nem emprega menores de 16 anos, exceto maiores de 14 anos na condição de aprendiz; Declaração de enquadramento na categoria de ME/EPP; Declaração de Inexistência de Fatos Impeditivos à participação na licitação; entre outras.
De qualquer forma, é bastante importante que a empresa esteja atenta aos “prazos de validade” dos documentos e/ou os “prazos de validade” impostos pelo edital. Grande parte dos documentos listados acima possuem uma data de vencimento e, aqueles que não possuem, geralmente tem essa data estipulada automaticamente pelo próprio instrumento convocatório (por exemplo, 180 dias após a emissão do documento). No mais, grande parte desses documentos fiscais e trabalhistas podem ser extraídos a partir dos portais eletrônicos oficiais do governo.
A questão dos prazos
Um outro ponto que deve ser muito bem observado por aqueles que manejam editais de licitações públicas são os prazos ali dispostos.
A averiguação dos prazos é extremamente importante, essencialmente, por duas razões: primeiramente, porque determina até quando a empresa licitante deverá apresentar todos documentos de habilitação, sua proposta, bem como a data de realização da sessão(ões) pública(s) do certame; em segundo lugar, a verificação dos prazos também é essencial para que se saiba a data final para a realização de pedidos de esclarecimentos e/ou pedido de impugnação ao edital, bem como as datas para que se apresentem recursos aos resultados do certame.
Nesse aspecto, ainda é extremamente importante que se verifique que muitas vezes esses procedimentos e formas para impugnação, pedidos de esclarecimentos ou, até mesmo, recursos, variam de um processo licitatório para outro, seja na forma de protocolo (eletrônico e/ou físico), na contagem dos prazos (em dias úteis ou corridos), dentre outros aspectos formais.
Daí a importância de que cada edital (e seus consequentes prazos) sejam analisados com muito cuidado e de maneira individualizada, garantindo-se assim que todas as informações foram bem compreendidas e que a empresa conseguirá cumprir com todas as exigências e prazos do instrumento convocatório.
Os anexos dos editais de licitação
Em conjunto com o instrumento convocatório (ou seja, em conjunto com o edital), mais especificamente após o seu final, serão anexados documentos complementares cuja função é complementar as informações da licitação. Entre esses anexos, a depender da licitação, estarão documentos como o termo de referência ou o projeto básico, o projeto executivo, a minuta do contrato, os modelos de declarações, o modelo de proposta comercial, dentre outros.
Dentre os documentos aqui listados, destacamos as características principais daqueles que aparecem com mais frequência nos processos licitatórios.
Projeto Básico e/ou Termo de Referência
Embora a legislação denomine “projeto básico” o documento que define as características essenciais do objeto contratual, este mesmo documento, na prática, é frequentemente denominado “termo de referência”, sobretudo quando não se está diante de uma obra ou serviço de engenharia. Assim, para efeitos didáticos deste Módulo, podem ser considerados sinônimos.
O projeto básico ou o termo de referência representam o documento que traduz a essência da contratação. Isso porque é no termo de referência ou no projeto básico que estarão os detalhes e as condições da contratação que será realizada pela Administração Pública.
Não por outra razão, a presença de um termo de referência ou de um projeto básico, como anexo ao edital, é obrigatória para a licitação pública. Segundo a lei, este documento deve ser elaborado a partir de estudos técnicos preliminares (ETP), que reúnam os elementos necessários, e com precisão adequada, para caracterizar o objeto, bem como as demais condições da licitação e da contratação.
De forma geral, estará presente no termo de referência ou projeto básico as seguintes informações: (i) Indicação do objeto; (ii) Justificativa (motivação) da contratação; (iii) Especificação do objeto; (iv) Requisitos necessários; (v) Critérios de aceitabilidade da proposta; (vi) Critérios de aceitabilidade do objeto (recebimento do objeto); (vii) Estimativa do valor da contratação e dotação orçamentária e financeira para a despesa, exceto em caso de aposição de sigilo sobre este orçamento; (viii) Condições de execução (métodos, estratégias e prazos de execução e garantia); (ix) Obrigações das partes envolvidas (contratada e contratante); (x) Gestão do contrato; (xi) Fiscalização do contrato; (xii) Condições de pagamento; (xiii) Vigência do contrato; (xiv) Sanções contratuais; (xv) Orçamento detalhado estimado em planilha com preço unitário e valor global; e (xvi) Cronograma físico-financeiro (se for o caso).
Nessa linha, é importante que os profissionais que atuam com licitações e contratos administrativos fiquem atentos que o projeto básico ou termo de referência, ao tratar da especificação do objeto, não pode ser tão sucinto, de forma a suprimir informações ou detalhes que influenciam no valor da proposta, mas nem excessivo, de modo a conter exigências desnecessárias, que direcionem ou afetem a competitividade do certame. Inclusive, como já adiantado acima, caso se identifique que as especificações do objeto direcionam indevidamente a licitação ou prejudicam a competitividade, o potencial licitante deve, após adequada análise, considerar a possibilidade de impugnar o edital, seja administrativamente ou perante outros órgãos competentes.
Portanto, o que se pode concluir é que a análise do termo de Referência ou projeto básico deve ser feita de maneira minuciosa, garantindo-se dessa forma que todas as especificações desses documentos serão bem compreendidas.
Minuta do Contrato e Modelos de Declarações
Outros documentos que podem aparecer como anexos a um edital de licitação são a minuta do contrato e alguns modelos de declarações, que devem ser assinadas pelos licitantes e anexadas junto aos documentos que comprovam a habilitação da empresa.
No que se refere à minuta do contrato, trata-se de uma reprodução do contrato que será assinado pelo licitante que se sagrar vencedor do certame. Trata-se de um documento a ser necessariamente analisado pela empresa, especialmente porque nele estão reproduzidas as obrigações, os deveres e os direitos do futuro contratado e da Administração Pública.
Já no que se refere aos modelos de declarações, eles são, como o próprio nome já indica, modelos de minutas textuais, que, a depender da orientação dada pelo edital, devem ser preenchidas e assinadas pelos licitantes e anexados juntos aos documentos da proposta ou da habilitação. Geralmente, como visto, são declarações de que não emprega menores de 18 anos em trabalho noturno, perigoso ou insalubre, nem emprega menores de 16 anos, exceto maiores de 14 anos na condição de aprendiz; declaração de enquadramento na categoria de ME/EPP; declaração de Inexistência de Fatos Impeditivos à participação na licitação; entre outras.
Considerações finais
Desse modo, o que fica bem delimitado de todo o cenário desenhado acima é que o profissional que trabalha com processos licitatórios deve dedicar tempo à leitura e compreensão desses documentos, direcionando sua atenção principalmente às regras de conduta e participação do processo licitatório, bem como aos prazos e sanções que surgem em razão do descumprimentos das regras deste instrumento convocatório (tema que será mais bem explorado mais adiante neste Programa).
Read MoreAs comunicações entre o mercado e a Administração na etapa preparatória da contratação pública
As comunicações realizadas entre a Administração Pública e particulares durante a etapa preparatória de uma contratação pública representam um fenômeno equivalente a um tabu no Brasil.
Desconfia-se que a prática é reprovável, seja sob uma perspectiva moral ou legal. Desconfia-se que a prática é proibida, que é imprópria, que é sinônima de direcionamento ilícito de licitação pública. A justificativa para essa percepção é o fato de que, historicamente, muitos escândalos de corrupção descobertos foram estruturados, justamente, a partir de comunicações informais e extraprocessuais, que direcionavam as contratações a determinados particulares, em conluio com gestores públicos.
A verdade, no entanto, é que esses diálogos público-privados ocorrem cotidianamente e são indispensáveis, legítimos e essenciais para o bom desempenho das atividades administrativas e para o sucesso dos processos de contratação pública.
A grande questão é que essas comunicações não podem acontecer de qualquer forma. A preocupação, portanto, é com a forma, ou seja, como essas comunicações devem acontecer, e não se podem acontecer.
1. A Nova Lei de Licitações institucionalizou as comunicações entre o mercado e a Administração Pública
A novidade é que a Lei nº 14.133/2021 institucionalizou diversos institutos de diálogo público-privado durante o processo administrativo contratual, inclusive o levantamento de mercado, como estratégia para se conhecer os produtos disponíveis durante o planejamento da contratação, e a tradicional e diariamente realizada pesquisa de preços com fornecedores.
É preciso deixar claro que as comunicações com o mercado existem porque é natural que os agentes públicos precisem trocar informações com os particulares, seja para conhecer os interesses coincidentes e contrapostos, os riscos, as ofertas e as demandas disponíveis, seja para oferecer ou discutir alguma oportunidade negocial.
Essas comunicações são inevitáveis e serão essenciais sempre quando houver a necessidade de se descobrir uma solução para a administração pública sobre a qual os agentes públicos não possuem o suficiente conhecimento técnico, ou então quando se busca a contratação de uma solução inédita ou personalizada, ou ainda, quando a administração pública busca de forma proativa os potenciais fornecedores para um determinado contrato administrativo.
Nesses casos, o diálogo público-privado é condição para que a solução seja identificada e estruturada. Caso essa comunicação inexista, a administração pública correrá o risco até mesmo de paralisia e ineficiência, pois, incapaz de desenvolver as soluções autonomamente, não poderá satisfazer adequadamente as suas necessidades.
Dentre todos os elementos documentais indicados pela Lei nº 14.133/2021 como integrantes da instrução processual de uma licitação pública, enfatiza-se que houve a consagração de que o planejamento de um procedimento licitatório pode envolver um prévio levantamento de mercado (art. 18, §1º, V, da Lei nº 14.133/2021).
Ou seja, a Lei nº 14.133/2021 reconhece expressamente algo que, apesar de óbvio, costuma ser motivo de muita insegurança: a Administração Pública necessita obter informações de mercado durante o planejamento de suas contratações, para o que deverá empreender diálogos público-privados com potenciais fornecedores, em levantamento de mercado.
2. O reconhecimento da legitimidade dos diálogos público-privados durante a etapa preparatória da licitação
Para quem trabalha com licitação pública, é relevante saber também que, ao menos desde o ano de 2020, a comunidade jurídica brasileira dedicada ao direito administrativo reconhece que essas comunicações entre a Administração Pública e o mercado são legítimas.
Em agosto de 2020, a partir de uma proposta de enunciado apresentada por Gustavo Schiefler, foi aprovado, na I Jornada de Direito Administrativo do Conselho da Justiça Federal, vinculado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), o seguinte enunciado:
Enunciado nº 29 – I Jornada de Direito Administrativo (CJF/STJ)
A Administração Pública pode promover comunicações formais com potenciais interessados durante a fase de planejamento das contratações públicas para a obtenção de informações técnicas e comerciais relevantes à definição do objeto e elaboração do projeto básico ou termo de referência, sendo que este diálogo público- privado deve ser registrado no processo administrativo e não impede o particular colaborador de participar em eventual licitação pública, ou mesmo de celebrar o respectivo contrato, tampouco lhe confere a autoria do projeto básico ou termo de referência. |
Este enunciado antecipou a regra que pode ser extraída, agora, a partir da previsão na NLLCA, segundo a qual levantamento de mercado é uma etapa inerente ao Estudo Técnico Preliminar (ETP), realizado durante a preparação de uma contratação pública. Isso traz uma proteção adicional aos agentes econômicos que, de boa-fé, contribuem formalmente com o levantamento de mercado realizado para a instrução do processo de contratação pública.
Em projetos contratuais mais complexos, a Administração Pública deve considerar a realização de um procedimento de manifestação de interesse (PMI), também previsto na Lei nº 14.133/2021 (art. 81). Por intermédio do PMI, a participação dos diferentes interessados no projeto de contratação pública acontecerá de forma organizada e regulamentada, sendo que, neste caso, a contribuição dos particulares poderá acontecer de modo mais intenso, incluindo até mesmo as minutas do edital, do termo de referência ou projeto básico e demais documentos.
3. Na prática, como devem ocorrer os diálogos público-privados?
Na prática, se você é um empreendedor, isto significa que:
- Desde que ocorra formalmente, não é proibido se comunicar com a Administração Pública, antes de uma licitação pública, com o intuito comercial, ou seja, em atividade de prospecção, para apresentar informações técnicas sobre os produtos e serviços oferecidos por sua empresa;
- Esses diálogos público-privados devem ser realizados preferencialmente a partir de meios institucionais de comunicação, a exemplo da troca de e-mails com endereços eletrônicos institucionais (fulano@nomedaempresa.com.br e fulano@nomedoorgaopublico.com.br, por exemplo). A orientação é válida tanto para os remetentes como para os destinatários;
- As comunicações devem ser claras, objetivas e completas. Um observador externo, caso leia as comunicações, deve conseguir compreender adequadamente o contexto em que este diálogo está acontecendo. Não é momento para apelidos, demonstração de intimidade, piadas, tampouco é adequado adotar presunções de que o interlocutor sabe do que se está falando;
- Durante as licitações públicas, as comunicações devem ocorrer exclusivamente com a comissão de licitação ou pregoeiro;
Na prática, se você é um agente público, isto significa que:
- É permitido entrar em contato com empresas atuantes na área de interesse para se realizar um levantamento de mercado, a fim de que as alternativas disponíveis para a contratação sejam conhecidas antecipadamente, ainda durante o processo decisório sobre qual será o objeto do futuro contrato;
- Para a melhor instrução do processo e para que sejam legítimas, essas comunicações devem ser registradas e depositadas integralmente no respectivo processo administrativo. Isto também significa que, sempre que possível, os diálogos público-privados devem ocorrer por escrito e que a oralidade (conversas por telefone, reuniões presenciais ou por videoconferência), se não puder ser registrada (gravação, por exemplo), deve ser evitada. Se isto não for possível, ao menos deve existir uma ata ou registro de que tal comunicação ocorreu e qual foi o seu teor;
4. Lembrete final: a cautela a ser adotada em qualquer diálogo público-privado
O exercício de controle sobre a administração pública depende de que os atos administrativos sejam revestidos de forma, para que possam ser resgatados e analisados posteriormente, se necessário. E, como se sabe, a formalização sequencial e encadeada de atos administrativos compõe o processo administrativo: o instrumento em que são registradas as manifestações da administração pública e dos particulares interessados até que seja alcançada uma determinada conclusão.
O processo administrativo é o meio natural de atuação da administração pública, sendo nele registrada toda a memória administrativa. É o necessário instrumento por meio do qual se realiza o controle e se promove publicidade e participação.
A orientação é de que, quando as comunicações ocorrerem por escrito, seja promovida a juntada integral de cópia dessas interlocuções no competente processo administrativo; quando ocorrerem oralmente, que seja reduzido a termo as informações essenciais sobre a comunicação, como a identificação dos interlocutores, o conteúdo das informações intercambiadas, a data e horário em que o diálogo se sucedeu e os meios de comunicação utilizados – sem prejuízo de uma formalização mais fidedigna ao conteúdo das comunicações, por meio do registro integral das comunicações, mediante gravação sonora ou audiovisual[1] O conteúdo deste tópico foi redigido com inspiração em excertos da tese de doutorado de Gustavo Schiefler, publicada pela Editora Lumen Juris, sob o título de Diálogos Público-Privados (2018)..
Uma comunicação fluida e legítima entre agentes públicos e particulares pode ser determinante para o sucesso de uma contratação pública. Como visto, isto pode ocorrer desde a etapa preparatória da licitação pública. Acompanhe nosso site para ter acesso a mais conteúdo sobre licitações e, se tiver alguma dúvida ou solicitação, entre em contato neste link e um dos nossos advogados especialistas na área irá lhe atender.
Referências[+]
↑1 | O conteúdo deste tópico foi redigido com inspiração em excertos da tese de doutorado de Gustavo Schiefler, publicada pela Editora Lumen Juris, sob o título de Diálogos Público-Privados (2018). |
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O que mudou com a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021): as novas regras de licitação
Em 1º de abril de 2021 foi sancionada a Lei nº 14.133, que instituiu a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (NLLCA), substituindo e unificando a matéria tratada em diversas leis editadas nas últimas três décadas sobre contratação pelo Poder Público, sendo aplicada à Administração Pública direta, autárquica e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios – excetuando-se, portanto, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as suas subsidiárias, regidas pela Lei nº 13.303/2016.
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O ano de 2022 é uma excelente janela de oportunidade para os profissionais que atuam em licitações públicas. A comprovação desta afirmação passa pela demonstração de três fatores.
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