Em entrevista ao 'Brasil de Fato', a advogada falou sobre a ilegalidade nas contratações reiteradas de comissionados durante a vigência do concurso público.

A minuta de Decreto publicada no Diário Oficial da União propõe a instituição do Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhistas.
Victoria Magnani[1]
No dia 21 de janeiro de 2021, foi publicada no Diário Oficial da União minuta de decreto que propõe a instituição do Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhistas[2]. Trata-se de decreto aberto à consulta pública até 19 de fevereiro de 2021, que tem como principal objetivo oferecer um marco regulatório trabalhista simples, desburocratizado e competitivo, ao mesmo tempo em que preserva o direito ao trabalho digno e promove a conformidade com as normas trabalhistas.
Sem adentrar no mérito específico do conteúdo do decreto, tampouco fazer juízo de valor sobre as disposições nele contidas, é certo que o texto publicado no Diário Oficial traz à tona certos pontos de discussão que merecem ser evidenciados. Mais especificamente, destacam-se alguns dos objetivos gerais listados no artigo 4º do referido decreto: a busca contínua pela simplificação e desburocratização do marco regulatório trabalhista, de forma a reduzir os custos de conformidade das empresas; a promoção da segurança jurídica (inciso II); e a instituição de um marco trabalhista harmônico, moderno e dotado de conceitos claros (inciso III).
Essas são demandas que vêm crescendo significativamente nas últimas décadas, na esteira de uma série de mudanças sociais ocorridas devido à ascensão das tecnologias de informação e comunicação. À medida em que a lógica industrial começa a dar lugar à economia de serviços, é evidente que esse panorama pressupõe a existência de novas formas de trabalho e, portanto, requer uma alteração do cenário regulatório trabalhista. Assim, tem-se que essa alteração deve se dar de forma a contemplar não apenas a proteção do típico trabalhador fabril, no qual foi inspirada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas também, por exemplo, os prestadores de serviços, que muitas vezes não encontram no texto da CLT a necessária correspondência com a sua realidade de trabalho.
Nesse sentido, destacam-se alguns dispositivos do decreto que propõe o Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhistas, sobretudo os já mencionados incisos I, II e III do artigo 4º. A revisão e adaptação das formas engessadas previstas na legislação trabalhista de forma a oferecer um marco regulatório simples e desburocratizado vem ao encontro da necessidade de promover o direito ao trabalho digno a todos os trabalhadores, e não apenas àqueles que possuem o vínculo empregatício “típico”, marcado pela subordinação, pessoalidade, habitualidade e onerosidade[3].
O decreto publicado traz, em alguma medida, essa preocupação no sentido de conciliar o aumento de competitividade e redução de custos para as empresas com o respeito aos direitos trabalhistas, como é possível verificar, por exemplo, no parágrafo 2º do artigo 3º e no já citado artigo 4º.
Outro ponto importante diz respeito à adoção de um marco regulatório harmônico, moderno e com conceitos claros, o que tem efeito direto sobre a promoção da segurança jurídica, outro dos objetivos do referido decreto (incisos II e III do art. 4º). A segurança jurídica que decorre de um conjunto de normas acessíveis e bem delimitadas é inquestionável, traduzindo-se em benefício tanto para empresas quanto para trabalhadores.
Para além disso, o decreto traz como objetivos específicos, dentre outros, triar e catalogar a legislação trabalhista infralegal com matérias conexas ou afins, bem como consolidar e garantir que eventuais atos normativos que alterem a norma consolidada não sejam publicados de forma isolada (art. 5º, incisos I e II). Esses objetivos, aliados a um repositório de normas trabalhistas constantemente atualizado e à revogação dos atos normativos exauridos ou tacitamente revogados (art. 5º, incisos III e IV) têm o potencial de minimizar um dos grandes problemas existentes no cenário regulatório trabalhista em geral, que diz respeito à dificuldade de identificar qual ou quais normas são aplicáveis ao caso concreto, fato este que decorre de uma produção normativa verdadeiramente profícua e descentralizada na esfera trabalhista.
Ressalta-se que não se fala, aqui, em diminuir a proteção do trabalhador, e sim de adequá-la aos novos contornos impostos pela própria evolução da sociedade. Defende-se, de fato, a proteção jurídica de todos os grupos de trabalhadores, e não apenas dos tipicamente tutelados pela CLT em seus moldes atuais. O decreto em questão talvez não seja o instrumento mais adequado para produzir tais mudanças, é bem verdade, mas as recentes transformações ocorridas na organização do trabalho mostraram que, para honrar o objetivo primordial do Direito do Trabalho de proteção do trabalhador, mudanças normativas serão necessárias, de modo a tutelar também as novas formas de trabalho e suas particularidades.
[1] Graduanda em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina, atualmente cursando a nona fase. Foi bolsista do Programa de Educação Tutorial – PET Direito UFSC de 2017 a 2019, e atualmente desenvolve pesquisa de iniciação científica no campo do Direito Ambiental do Trabalho como bolsista voluntária do Programa Institucional de Iniciação Científica – PIBIC UFSC.
[2] Disponível em: https://www.gov.br/participamaisbrasil/decreto-legislacao-trabalhista. Acesso em 27 jan. 2021.
[3] Art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em 27 jan. 2021.
Read MoreO entendimento foi proferido pela 3ª Câmara de Direito Privado do TJSP em votação unânime.
A Terceira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve decisão que determinou que herdeiros residentes em imóvel ainda não partilhado paguem aluguel à irmã que não usufrui do bem.
O Desembargador Berreta da Silveira, relator do caso, balizou sua decisão sob o argumento de que o fato de o inventário ainda estar inacabado não autoriza que alguns herdeiros, em detrimento dos demais, utilizem da coisa em comum sem contrapartida, sob pena de enriquecimento ilícito.
Nos termos dos artigos 1.784 e 1.791 do Código Civil, com a abertura da sucessão a herança tramite-se, desde logo, como um todo unitário, a todos os herdeiros e, até a efetiva partilha, o direito dos coerdeiros, quanto à propriedade e a posse da herança será indivisível e será regida pelas normas relativas ao condomínio.
O posicionamento adotado pela egrégia corte paulista vai ao encontro do que já vem, há muito, sendo decidido pelo Superior Tribunal de Justiça.
Para mais informações sobre o caso, acesse:
https://www.tjsp.jus.br/Noticias/Noticia?codigoNoticia=63050&pagina=6
Read MoreO Superior Tribunal de Justiça deve uniformizar o entendimento sobre o tema, que será julgado sob o rito dos recursos repetitivos.
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afetou os Recursos Especiais 1.896.526/DF e 1.895.486/DF, de relatoria da Ministra Regina Helena Costa, no intuito de uniformizar entendimento acerca da necessidade de se comprovar o pagamento do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) como requisito para a homologação da partilha.
Afetar um processo significa dizer que ele foi encaminhado para o julgamento sob o rito dos recursos repetitivos[1]. A necessidade desse procedimento está na volumosa demanda de processos com controvérsias do mesmo tema nos tribunais brasileiros. A partir disso, todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, no território nacional, que versem acerca do Tema Repetitivo 1.074[2] do STJ ficarão suspensos até o julgamento dos recursos.
Ressalta-se que a Ministra Relatora, no acórdão de afetação dos recursos, sublinhou que a 1ª e a 2ª Turmas do STJ possuem o entendimento pacífico da desnecessidade de comprovação da quitação do ITCMD como condição para homologar a partilha ou expedir a carta de adjudicação. Contudo, ainda que este entendimento seja uniforme, existem muitas decisões a respeito dessa controvérsia. Por exemplo, a Ministra Relatora destaca que
“[…] Além do Distrito Federal, origem do presente recurso, há, igualmente, demandas envolvendo a matéria em Sergipe (REsp n. 1.828.928/SE, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 21.02.2020), Minas Gerais (REsp n. 1.864.440/MG, de minha relatoria, DJe 23.10.2019), Mato Grosso (REsp n. 1.702.825/MT, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 11.12.2018) e São Paulo (REsp n. 1.405.564/SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 29.06.2018)[3].
Após o julgamento destes recursos, as soluções jurídicas que envolvem este tema se tornarão mais ágeis, uma vez que haverá a uniformização do tema. Os acórdãos podem ser conferidos aqui: REsp 1.896.526/DF e REsp 1.895.486/DF.
[1] Art. 1.036. Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça.
1º O presidente ou o vice-presidente de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal selecionará 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia, que serão encaminhados ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça para fins de afetação, determinando a suspensão do trâmite de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no Estado ou na região, conforme o caso.
[…]
5º O relator em tribunal superior também poderá selecionar 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia para julgamento da questão de direito independentemente da iniciativa do presidente ou do vice-presidente do tribunal de origem.
[2] “Necessidade de se comprovar, no arrolamento sumário, o pagamento do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) como condição para a homologação da partilha ou expedição da carta de adjudicação, à luz dos artigos 192 do CTN e 659, parágrafo 2º, do CPC/2015”.
[3] STJ, REsp – Recurso Especial n. 1.896.526/DF, Ministra Relatora, 1ª Seção, Julgamento: 17/11/2020.
Read MoreO entendimento foi fixado em tese de repercussão geral (RE 1.045.273/SE).
Por 6 votos a 5, ontem, o Supremo Tribunal Federal (STF) negou o reconhecimento de uniões estáveis simultâneas.
Os ministros analisaram um caso em que um homem, em união estável, pleiteou o reconhecimento de uma segunda união estável concomitante, com a consequente divisão dos valores decorrentes da pensão por morte.
A tese de repercussão geral aprovada pelo Plenário Virtual do STF (RE 1.045.273/SE) estabeleceu que “A preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1.723, parágrafo 1º, do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive, para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional”.
O Relator, ministro Alexandre de Moraes, em seu voto destacou que “em que pesem os avanços na dinâmica e na forma do tratamento dispensado aos mais matizados núcleos familiares, motivos pelo afeto, pela compreensão das diferenças, respeito mútuo, busca da felicidade e liberdade individual de cada qual dos membros, entre outros predicados, que regem inclusive os que vivem sob a égide do casamento e da união estável, subsiste em nosso ordenamento jurídico constitucional ideais monogâmicos”.
O ministro Edson Fachin abriu a divergência e foi seguido pelos ministros Roberto Barroso, Rosa Weber, Carmen Lúcia e Marco Aurélio. No seu voto, entendeu ser possível o reconhecimento de efeitos previdenciários póstumos a uniões estáveis concomitantes, desde que presente o requisito da boa-fé objetiva.
Os votos já estão disponíveis e podem ser conferidos através deste link.
Read MoreÉ preciso que o particular tenha conhecimento de qual finalidade será dada ao seu bem desapropriado, o que viabiliza a sindicância do ato administrativo e, sendo o caso, sua impugnação por meio do Poder Judiciário.
Enunciado 4 – O ato declaratório da desapropriação, por utilidade ou necessidade pública, ou por interesse social, deve ser motivado de maneira explícita, clara e congruente, não sendo suficiente a mera referência à hipótese legal.
O direito à propriedade é reconhecido como direito individual fundamental, previsto no caput do artigo 5º da Constituição Federal e reiterado no inciso XXII do mesmo artigo.
Este direito é, no entanto, mitigado, nos termos do inciso XXIV do artigo 5º da CF/88, na hipótese de haver reconhecida necessidade ou utilidade pública, ou, ainda, interesse social, no uso daquele bem, hipótese em que o Poder Público poderá desapropriá-lo, desde que respeitado o procedimento legal previsto e que haja justa indenização.
É como explica CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO ao tratar do instituto da desapropriação:
Do ponto de vista teórico, pode-se dizer que desapropriação é o procedimento através do qual o Poder Público compulsoriamente despoja alguém de uma propriedade e a adquire, mediante indenização, fundado em um interesse público. Trata-se, portanto, de um sacrifício de direito imposto ao desapropriado.[1]
Além de estar expressamente previsto no artigo 5º, inciso XXIV, da Constituição de 1988, o instituto da desapropriação é regulado, no caso de utilidade pública, pelo Decreto-Lei nº 3.365 de 1941, e, no caso de interesse social, pela Lei nº 4.132/1962.
No caso de utilidade pública, a legislação prevê, nos termos do seu artigo 5º[2], um rol de hipóteses que fundamente a existência de utilidade pública apta a motivar a desapropriação. No mesmo sentido, a Lei nº 4.132/1962 prevê em seu artigo 2º[3] as hipóteses de interesse social que, se preenchidas, fundamentam igualmente a desapropriação.
Tendo em vista a existência das hipóteses legais, o Poder Público tem se valido da mera remissão às hipóteses previstas em lei como meio de fundamentar os atos de desapropriação, sem se desincumbir do ônus de explicitar de maneira explícita, clara e congruente, nos termos do § 1º do artigo 50 da Lei Federal nº 9.784/1999, os motivos que ensejam a prática do ato.
O do artigo 50 da Lei Federal nº 9.784/1999, que dispõe sobre os processos administrativos no âmbito da Administração Pública Federal, é claro:
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: […]
§ 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.
É preciso que o particular, cujo direito sobre aquela propriedade é mitigado ou retirado, tenha conhecimento claro e expresso da razão pela qual a sua propriedade foi escolhida pelo Poder Público como meio de satisfação de uma necessidade ou utilidade pública, ou de um interesse social.
Mais do que isso: é preciso que o particular tenha conhecimento de qual finalidade será dada ao seu bem desapropriado, o que viabiliza a sindicância do ato administrativo e, sendo o caso, sua impugnação por meio do Poder Judiciário.
Nesse sentido, com o intuito de reconhecer a obrigatoriedade da devida motivação dos atos de desapropriação, evitando-se a ocorrência de arbitrariedades e viabilizando a sindicância do ato por particulares e pelo Poder Judiciário, quando provocado, a 1ª Jornada de Direito Administrativo do Conselho da Justiça Federal aprovou o Enunciado 4, que contém o seguinte teor:
Enunciado 4
O ato declaratório da desapropriação, por utilidade ou necessidade pública, ou por interesse social, deve ser motivado de maneira explícita, clara e congruente, não sendo suficiente a mera referência à hipótese legal.
Por meio desse enunciado, pretende-se consolidar e espraiar o entendimento de que o dever de motivação do ato administrativo de desapropriação só é satisfeito se forem apresentadas, de forma clara, explícita e congruente, as razões que levaram à prática do ato declaratório de desapropriação.
E, para tanto, como explica CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, é necessário que a Administração exponha a regra de direito no qual a desapropriação se funda e, também, os fatos e a correlação lógica para com o caso concreto:
A motivação integra a “formalização” do ato, sendo um requisito formalístico dele (cf. ns. 53 e ss.). É a exposição dos motivos, a fundamentação na qual são enunciados (a) a regra de Direito habilitante, (b) os fatos em que o agente se estribou para decidir e, muitas vezes, obrigatoriamente, (c) a enunciação da relação de pertinência lógica entre os fatos ocorridos e o ato praticado. Não basta, pois, em uma imensa variedade de hipóteses, apenas aludir ao dispositivo legal que o agente tomou como base para editar o ato. Na motivação transparece aquilo que o agente apresenta como “causa” do ato administrativo[4]
E continua o ilustre doutrinador ao afirmar que, “se se tratar de ato praticado no exercício de competência discricionária, salvo alguma hipótese excepcional, há de se entender que o ato não motivado está irremissivelmente maculado de vício e deve ser fulminado por inválido, já que a Administração poderia, ao depois, ante o risco de invalidação dele, inventar algum motivo, ‘fabricar’ razões lógicas para justificá-lo e alegar que as tomou em consideração quando da prática do ato”.
A jurisprudência dos Tribunais brasileiros reconhece a importância e a imprescindibilidade de que os atos administrativos de desapropriação sejam motivados:
REEXAME NECESSÁRIO – AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO – UTILIDADE PÚBLICA – AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DO ATO EXPROPRIATÓRIO – INEXISTÊNCIA DE FINALIDADE PÚBLICA – SENTENÇA CONFIRMADA. – Na ação de desapropriação, não pode apreciação judicial recair sobre a validade do ato expropriatório ou analisar e solucionar questionamentos acerca de posse e domínio; contudo, pode o Poder Judiciário verificar se a declaração de utilidade pública é motivada e se constitui instrumento hábil aos fins expropriatórios, cumprindo com a finalidade pública – Ainda que o decreto expropriatório seja ato discricionário da Administração, nele o princípio da motivação deve estar presente, como em qualquer ato administrativo, uma vez que é condição “sine qua non” para viabilizar o controle de legalidade e da juridicidade de todo e qualquer ato exarado no exercício da função administrativa – Comprovado, nos autos de ação de reintegração de posse, com trânsito em julgado, que a área situada na propriedade dos expropriados não integra o Plano Rodoviário do Município de Chácara, não há motivos para a desapropriação para fins de “regularização do sistema viário do Município”.[5]
APELAÇÃO CIVEL. DESAPROPRIAÇÃO AMIGÁVEL. DIREITO DE RETROCESSÃO. TREDESTINAÇÃO ILÍCITA. DEVER DE INDENIZAR. 1. O instituto da desapropriação, modalidade de intervenção supressiva da propriedade que se legitima a partir do reconhecimento da sua função social, terá lugar, nos termos do artigo 5º, XXIV, da Constituição da República, quando, mediante procedimento legalmente estabelecido, verificar-se necessidade ou utilidade pública, ou interesse social; e a sua consolidação dependerá, via de regra, de prévia e justa indenização em dinheiro. 2. Nada obstante, quando o ente público desistir dos fins a que se destinava a desapropriação, liberando-a de qualquer finalidade que atenda ao interesse público tredestinação ilícita -, surge para o expropriado o direito de reaver o bem (retrocessão) ou o de obter indenização correspondente à diferença do preço atual da coisa com o do valor recebido à época da expropriação, nos termos do artigo 519 do Código Civil de 2002. 3. Caso concreto em que a parte autora somente aceitou a desapropriação amigável e pelo preço vil praticado em razão da finalidade pública específica que seria dada ao imóvel. De modo que a violação de legítima expectativa da parte autora – que, não fosse a finalidade pública anunciada, evidentemente preferiria a… justa e prévia indenização em dinheiro pelo valor de mercado do bem (30 vezes maior do que o pago) – malfere o princípio da proteção da confiança e, via de consequência, acarreta a ilicitude da tredestinação. Quadro fático que desnuda também conduta infensa à moralidade administrativa, ao princípio da motivação do ato administrativo e situação contrária ao princípio da vedação do enriquecimento ilícito, na medida em que a modificação da destinação do bem, a um só tempo, suprimiu a motivação declarada do ato e trouxe ganhos expressivos à Administração Municipal em detrimento do direito à justa indenização constitucionalmente garantida à parte expropriada (art. 5º, XXIV, CRFB). 4. À vista de que há pedido de indenização, subsidiário ao de retrocessão, e tendo em conta que os imóveis expropriados encontram-se ocupados pelos prédios-sede das empresas cessionárias (fls. 637/663), tem-se que a opção reparatória seja a mais alinhada ao princípio da razoabilidade. 5. Sentença reformada. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.[6]
Como o ato de desapropriação é discricionário, o elemento de motivação é requisito de sua validade e só é preenchido se estiver exposta de forma explícita, conforme os termos do Enunciado 4. Espera-se, assim, que, com este enunciado chancelado por grandes especialistas do Direito Administrativo, o Poder Público se sinta compelido a cumprir com o seu dever de motivação dos atos administrativos e, caso descumpra, que o Poder Judiciário, quando provocado, reconheça a nulidade do ato administrativo por vício de motivação.
Ademais, como salientado, o cumprimento deste dever de motivação adequada do ato administrativo viabiliza a sindicância destes atos, principalmente no que se refere a eventual desvio de finalidade em sua prática. Isso porque, conhecendo-se de forma clara, explícita e congruente o motivo do ato, o particular que tiver seu direito à propriedade cerceado de forma arbitrária, em ato administrativo viciado, possuirá os meios necessários para demonstrar a existência do vício que enseja a sua nulidade.
Com isso, o Poder Judiciário terá, igualmente, maior segurança de avaliar a adequação do ato sem invadir a sua esfera de competência, o que poderia ocorrer em caso de avançar sobre o mérito do ato administrativo. A identificação de arbitrariedade estará vinculada à existência de um desvio de finalidade, que será facilmente aferido a partir da motivação contida no ato, sendo ela apropriada e subsumida aos tipos previstos em lei, bem como à destinação dada ao bem nos termos da motivação do ato de desapropriação.
A bem da verdade, o Enunciado 4 reforça a teoria dos motivos determinantes, construção doutrinária que defende, nas palavras de EDUARDO ANDRÉ CARVALHO SCHIEFLER, MATHEUS LOPES DEZAN e FABIANO HARTMANN PEIXOTO, que:
[…] a validade das decisões administrativas guarda vínculo sincrético com os pressupostos objetivos que as constituem. Significa dizer que a decisão administrativa, ainda que discricionária, deve operar sobre motivos verdadeiros, existentes e corretamente qualificados, a fim de produzir efeitos válidos no mundo jurídico. Revelada a falsidade, a inexistência ou a inadequada qualificação dos motivos de fato expostos pelo administrador, de modo que não haja nexo lógico entre esses elementos fáticos e os motivos legais elencados, far-se-á inválido o ato administrativo.[7]
A teoria dos motivos determinantes também é reconhecida pela jurisprudência pátria, como se vê do seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP):
MANDADO DE SEGURANÇA. Pretensão voltada a assegurar a renovação de licença de funcionamento e exercício de atividade comercial Indeferimento administrativo que se baseia no fato de que o imóvel em questão foi declarado de utilidade pública para fins de desapropriação. Óbice que não prevalece, pois a declaração de utilidade pública, por si só, não tem o condão de afastar a emissão do alvará, no caso dos autos, se preenchidos os demais requisitos para a licença de funcionamento e exercício da atividade. Não havendo notícia de imissão na posse pelo poder público, a não renovação da licença, sob a justificativa de interesse público, para a finalidade desapropriatória, consiste em ato desprovido de amparo legal. Aplica-se ao caso a teoria dos motivos determinantes, com o entendimento de que mesmo os atos discricionários, se forem motivados, ficam vinculados a esses motivos como causa determinante de seu cometimento e se sujeitam ao confronto da existência e legitimidade dos motivos indicados. Havendo desconformidade entre os motivos determinantes e a realidade, o ato é inválido. Sentença de procedência mantida. Reexame necessário não provido.[8]
O Enunciado 4 se mostra, assim, um passo relevante à proteção dos particulares contra atos de desapropriação praticados de forma arbitrária, dotando-os de meios para demonstrar eventual ilicitude. Confere, também, segurança ao Poder Judiciário para aferir a legalidade do ato sem extrapolar sua competência jurisdicional. Por fim, estimula a Administração Pública a ser cautelosa e diligente na prática dos seus atos, atingindo a finalidade a que se propõe dentro dos limites legais.
Confira também os Comentários já publicados sobre o Enunciado 2 e o Enunciado 3 da 1ª Jornada de Direito Administrativo, os quais também versam sobre o instituto da desapropriação.
[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros Editores. p. 889.
[2] Art. 5o Consideram-se casos de utilidade pública:
a) a segurança nacional;
b) a defesa do Estado;
c) o socorro público em caso de calamidade;
d) a salubridade pública;
e) a criação e melhoramento de centros de população, seu abastecimento regular de meios de subsistência;
f) o aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, das águas e da energia hidráulica;
g) a assistência pública, as obras de higiene e decoração, casas de saude, clínicas, estações de clima e fontes medicinais;
h) a exploração ou a conservação dos serviços públicos;
i) a abertura, conservação e melhoramento de vias ou logradouros públicos; a execução de planos de urbanização; o parcelamento do solo, com ou sem edificação, para sua melhor utilização econômica, higiênica ou estética; a construção ou ampliação de distritos industriais;
j) o funcionamento dos meios de transporte coletivo;
k) a preservação e conservação dos monumentos históricos e artísticos, isolados ou integrados em conjuntos urbanos ou rurais, bem como as medidas necessárias a manter-lhes e realçar-lhes os aspectos mais valiosos ou característicos e, ainda, a proteção de paisagens e locais particularmente dotados pela natureza;
l) a preservação e a conservação adequada de arquivos, documentos e outros bens moveis de valor histórico ou artístico;
m) a construção de edifícios públicos, monumentos comemorativos e cemitérios;
n) a criação de estádios, aeródromos ou campos de pouso para aeronaves;
o) a reedição ou divulgação de obra ou invento de natureza científica, artística ou literária;
p) os demais casos previstos por leis especiais.
[3] Art. 2º Considera-se de interesse social:
I – o aproveitamento de todo bem improdutivo ou explorado sem correspondência com as necessidades de habitação, trabalho e consumo dos centros de população a que deve ou possa suprir por seu destino econômico;
II – a instalação ou a intensificação das culturas nas áreas em cuja exploração não se obedeça a plano de zoneamento agrícola, VETADO;
III – o estabelecimento e a manutenção de colônias ou cooperativas de povoamento e trabalho agrícola:
IV – a manutenção de posseiros em terrenos urbanos onde, com a tolerância expressa ou tácita do proprietário, tenham construído sua habilitação, formando núcleos residenciais de mais de 10 (dez) famílias;
V – a construção de casa populares;
VI – as terras e águas suscetíveis de valorização extraordinária, pela conclusão de obras e serviços públicos, notadamente de saneamento, portos, transporte, eletrificação armazenamento de água e irrigação, no caso em que não sejam ditas áreas socialmente aproveitadas;
VII – a proteção do solo e a preservação de cursos e mananciais de água e de reservas florestais.
VIII – a utilização de áreas, locais ou bens que, por suas características, sejam apropriados ao desenvolvimento de atividades turísticas.
[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros Editores. p. 408.
[5] TJ-MG – REEX: 10145041594469001 Juiz de Fora, Relator: Luís Carlos Gambogi, Data de Julgamento: 10/07/2014, Câmaras Cíveis / 5ª CÂMARA CÍVEL.
[6] TJ-RS – AC: 70059513366 RS, Relator: Marlene Marlei de Souza, Data de Julgamento: 16/05/2019, Terceira Câmara Cível.
[7] SCHIEFLER, Eduardo André Carvalho; HARTMANN PEIXOTO, Fabiano; DEZAN, Matheus Lopes. A decisão administrativa robótica e o dever de motivação. JOTA, 2020. Disponível em: https://www.jota.info/coberturas-especiais/inova-e-acao/a-decisao-administrativa-robotica-e-o-dever-de-motivacao-01092020. Acesso em 21 out. 2020.
[8] TJ-SP – REEX: 30002117820138260244 SP 3000211-78.2013.8.26.0244, Relator: Paulo Dimas Mascaretti, Data de Julgamento: 28/01/2015, 8ª Câmara de Direito Público.
Read MoreO enunciado aprovado traz a lume os princípios da inafastabilidade do Poder Judiciário, da economia processual e da celeridade, uma vez que destacou a possibilidade de que o Poder Judiciário acuse a existência de irregularidades no âmbito do processo administrativo ou que invalidem a lisura do ato administrativo de declaração de utilidade pública.
Enunciado 3 – Não constitui ofensa ao artigo 9º do Decreto-Lei nº 3.365/1941 o exame por parte do Poder Judiciário, no curso do processo de desapropriação, da regularidade do processo administrativo de desapropriação e da presença dos elementos de validade do ato de declaração de utilidade pública.
O enunciado aprovado consolida o entendimento de que o exame por parte do Poder Judiciário, no curso do processo de desapropriação, da regularidade do processo administrativo de desapropriação e da presença dos elementos de validade do ato de declaração de utilidade pública não ofende o artigo 9º do Decreto-Lei nº 3.365/1941.
O Decreto-Lei nº 3.365/1941, conhecido como a Lei Geral das Desapropriações, foi editado com a finalidade de disciplinar as desapropriações realizadas em atendimento ao interesse público em todo o território nacional, como se pode ler do seu artigo 1º[1]. Para que um bem seja desapropriado – e, conforme o artigo 2º[2], todos os bens podem sê-lo –, é preciso que seja declarada a sua utilidade pública. Trata-se de um instrumento jurídico que permite a transferência de um bem de titularidade privada para o Estado, quando haja justificativa fundamentada no interesse público.
A declaração de utilidade é uma prerrogativa do Poder Executivo, prevista neste dispositivo legal na forma de decreto do Presidente da República, Governador, Interventor ou Prefeito (artigo 6º[3]), embora o artigo 8º[4] preveja a possibilidade de o Poder Legislativo tomar a iniciativa da desapropriação.
O processo de desapropriação, portanto, deve iniciar como um processo administrativo, de iniciativa do Poder Executivo ou, excepcionalmente, do Poder Legislativo. Na hipótese, porém, de não haver, no curso desse processo administrativo, acordo entre as partes, isto é, entre o particular proprietário e o poder público interessado na desapropriação do bem, faz-se mister que o Estado intente uma ação judicial, conforme prevê o artigo 10:
Art. 10. A desapropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judicialmente, dentro de cinco anos, contados da data da expedição do respectivo decreto e findos os quais este caducará.
Esta ação judicial é disciplinada nos artigos 11 a 30 do Decreto-Lei, e se destina precipuamente à determinação do valor da indenização a ser paga ao proprietário expropriado, com base em perícia técnica (art. 14). Nesses artigos são instituídos os procedimentos que devem ser observados pelo magistrado para levar a efeito a desapropriação em caso de desacordo.
Entres os mencionados artigos, são estabelecidos critérios de competência para o ajuizamento da ação, requisitos da petição inicial, condições para a legitimidade do magistrado, instruções para a designação de perito, os procedimentos que devem ser observados em caso de urgência, entre outros aspectos procedimentais.
Destaca-se, porém, o artigo 20 da norma:
Art. 20. A contestação só poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação do preço; qualquer outra questão deverá ser decidida por ação direta.
Sendo a ação judicial de iniciativa do Poder Público, a contestação é, neste caso, invariavelmente do particular proprietário cujo bem é alvo do processo de desapropriação, mas, como se depreende do texto do artigo 20, qualquer questão que não constitua um vício do processo judicial ou a impugnação do preço ofertado pelo bem deve ser objeto de uma ação judicial própria e apartada.
Acontece que, ao se referir apenas a vício do processo judicial, omitindo-se sobre os eventuais vícios do processo administrativo com que se inicia o processo de desapropriação por interesse público, o artigo 20 deu azo a que se interpretasse que estes últimos vícios (administrativos) somente poderiam ser questionados em ação autônoma. Esta interpretação se reforçava pela equivocada exegese da restrição contida no artigo 9º, in verbis:
Art. 9º Ao Poder Judiciário é vedado, no processo de desapropriação, decidir se se verificam ou não os casos de utilidade pública.
Segundo este artigo, cabe tão-somente ao Poder Executivo a decisão sobre o mérito de uma desapropriação por utilidade pública, isto é, é sua prerrogativa determinar se no caso concreto está configurada uma ou mais hipóteses presentes no artigo 5º do Decreto-Lei, que justamente elenca os casos de utilidade pública. Esta decisão é exclusivamente administrativa e fica assim resguardada do exame de mérito por parte do Poder Judiciário (mérito do ato administrativo). Na ação judicial prevista nos artigos 11 a 30, portanto, não estaria o juiz autorizado a avaliar os fundamentos apresentados no ato administrativo que determinou a utilidade pública do imóvel a ser desapropriado, nem eventuais vícios cometidos nesta fase administrativa.
Pois bem. Como se viu em relação ao artigo 20, pode o réu alegar, na contestação, apenas vícios do processo judicial. Seguindo esse entendimento se encontram precedentes nos Tribunais de Justiça pátrios, a exemplo do seguinte:
APELAÇÃO – DESAPROPRIAÇÃO – Alegação de que o decreto municipal que declarou o imóvel desapropriado de utilidade pública deveria ter se lastreado em prévio procedimento administrativo, padecendo de nulidade – Na via estreita da ação de desapropriação, de cognição limitada, as matérias suscetíveis de discussão cingem-se a eventuais vícios processuais e ao preço do bem cuja expropriação se pretende, não subsistindo espaço para questionamentos tocantes à existência, ou não, de utilidade pública, muito menos para a declaração de nulidade do decreto expropriatório – Inteligência conjunta dos artigos 9º e 20 do Decreto-lei nº 3.365/1941 – Decreto Municipal nº 1844, de 13 de novembro de 2012, que declarou de utilidade pública a área descrita na inicial, discriminando os seus proprietários, ante a necessidade de construção de um posto de saúde e de uma creche (fls. 13/14), casos reputados de utilidade pública pelo artigo 5º, g e h, do Decreto-lei nº 3.365/1941 – Requisitos coessenciais à higidez do ato expropriatório contemplados – Sentença mantida – Recurso desprovido.[5]
Diante desta restrição imposto à atuação do Poder Judiciário, pode-se perguntar, porém, se no curso do processo judicial de desapropriação poderia o magistrado examinar eventuais vícios que inquinassem o processo administrativo de desapropriação. É nesse contexto que foi aprovado o Enunciado nº 3 no âmbito da 1ª Jornada de Direito Administrativo do Conselho da Justiça Federal:
Enunciado 3
Não constitui ofensa ao artigo 9º do Decreto-Lei nº 3.365/1941 o exame por parte do Poder Judiciário, no curso do processo de desapropriação, da regularidade do processo administrativo de desapropriação e da presença dos elementos de validade do ato de declaração de utilidade pública.
O Enunciado 3 consolida o entendimento de que o proprietário do imóvel objeto do processo de desapropriação, ao verificar a presença de irregularidades no processo administrativo ou de vícios hábeis a invalidar o ato de declaração de utilidade pública, pode provocar o próprio juiz responsável pelo processo judicial previsto no artigo 10 e disciplinado nos artigos 11 a 30 com vistas à sua revisão e eventual anulação, sem a necessidade de intentar nova ação judicial. Ou seja, sem que houvesse a violação do artigo 9º da norma.
O enunciado aprovado, portanto, traz a lume o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, insculpido no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição de 1988, in verbis: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Além disso, o texto do enunciado também ressalta o princípio da economia processual e da celeridade, este previsto no inciso LXXVIII do artigo 5º da CF/1988[6], uma vez que destacou a possibilidade de que o Poder Judiciário acuse a existência de irregularidades no âmbito do processo administrativo ou que invalidem a lisura do ato administrativo de declaração de utilidade pública – isso, repita-se, sem que haja violação à vedação contida no artigo 9º do Decreto-Lei nº 3.365/1941.
Dessa forma, o Enunciado 3 da 1ª Jornada de Direito Administrativo interpreta a vedação do artigo 9º do Decreto-Lei nº 3.365/1941 de maneira que não impeça que o proprietário de um bem que seja objeto de um processo de desapropriação alegue, no âmbito do processo judicial instaurado na hipótese de desacordo entre as partes (artigo 10 mencionado), eventuais irregularidades perpetradas na fase do processo administrativo de desapropriação ou a ausência de elementos de validade do ato de declaração de utilidade pública, quando seja o caso.
[1] Art. 1º A desapropriação por utilidade pública regular-se-á por esta lei, em todo o território nacional.
[2] Art. 2º Mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.
[3] Art. 6º A declaração de utilidade pública far-se-á por decreto do Presidente da República, Governador, Interventor ou Prefeito.
[4] Art. 8º O Poder Legislativo poderá tomar a iniciativa da desapropriação, cumprindo, neste caso, ao Executivo, praticar os atos necessários à sua efetivação.
[5] TJ-SP 00060569720128260238 SP 0006056-97.2012.8.26.0238, Relator: Marcos Pimentel Tamassia, Data de Julgamento: 24/10/2017, 1ª Câmara de Direito Público.
[6] Art. 5º […] LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Read MoreO enunciado aprovado consolida o entendimento de que é legitimo o exercício da autotutela administrativa, sem autorização judicial, para a proteção de bens públicos ocupados ilegalmente, desde que respeitados alguns requisitos.
Enunciado 2 – O administrador público está autorizado por lei a valer-se do desforço imediato sem necessidade de autorização judicial, solicitando, se necessário, força policial, contanto que o faça preventivamente ou logo após a invasão ou ocupação de imóvel público de uso especial, comum ou dominical, e não vá além do indispensável à manutenção ou restituição da posse (art. 37 da Constituição Federal; art. 1.210, §1º, do Código Civil; art. 79, § 2º, do Decreto-Lei n. 9.760/1946; e art. 11 da Lei n. 9.636/1998).
Os bens públicos são bens jurídicos móveis ou imóveis pertencentes a pessoas jurídicas de direito público, e são utilizados pela administração pública como meios instrumentais para a satisfação das necessidades da sociedade. Nesse sentido, o Código Civil os classifica em três categorias:
Art. 99. São bens públicos:
I – os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;
II – os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;
III – os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.
Estes bens públicos, embora sob a titularidade do Estado, são destinados exclusivamente ao atendimento das demandas sociais. Em lição especializada sobre o tema, Marçal Justen Filho ensina que “O Estado não recebe os bens para a satisfação de seus próprios interesses. Sempre se trata de utilizar os bens para promover os direitos fundamentais da população. Os bens públicos são atribuídos ao Estado para fins de sua proteção e para fruição democrática e adequada de suas utilidades.”[1]. O Estado, portanto, incumbido do dever de proteção dos bens em seu poder, deve resguardá-los de uso impróprio e garantir a sua fruição para o proveito e atendimento do interesse público em geral.
Há circunstâncias, porém, em que os bens públicos, sejam eles de uso comum, de uso especial ou dominicais, são invadidos e ocupados por particulares que não têm autorização legal para deles fazer uso, alterando indevidamente a destinação legal do uso desses bens. Isso incorre em turbação ou esbulho dos bens públicos.
Nessas circunstâncias, um dos institutos para a proteção de posses é a possibilidade de autotutela quando um bem for invadido ou utilizado indevidamente, que vale inclusive para particulares. Esta previsão encontra-se no artigo 1.210 do Código Civil:
Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.
§ 1º O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.
§ 2º Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa.
Além do direito de desforço imediato de caráter geral, o Estado detém esse direito, também, com fundamento no dever da administração pública de atender aos princípios da legalidade e da eficiência[2], legitimando a autotutela para a proteção do patrimônio público quando este for indevidamente utilizado. Esta previsão, para o que importa ao assunto em comento, já havia sido regulamentada pelo Decreto-Lei nº 9.760/1946[3] e pela Lei nº 9.636/1998[4], que previram o direito de o administrador público exercer a proteção de bens públicos sem a necessidade de determinação judicial prévia.
Com o objetivo de trazer maior clareza a este instituto e ampliar a divulgação da tese entre os órgãos e entes administrativos, o tema foi debatido na I Jornada de Direito Administrativo do Conselho da Justiça Federal, tendo sido votado e aprovado o Enunciado 2 com o seguinte teor:
Enunciado 2
O administrador público está autorizado por lei a valer-se do desforço imediato sem necessidade de autorização judicial, solicitando, se necessário, força policial, contanto que o faça preventivamente ou logo após a invasão ou ocupação de imóvel público de uso especial, comum ou dominical, e não vá além do indispensável à manutenção ou restituição da posse (art. 37 da Constituição Federal; art. 1.210, §1º, do Código Civil; art. 79, § 2º, do Decreto-Lei n. 9.760/1946; e art. 11 da Lei n. 9.636/1998)
O enunciado aprovado, que sintetiza os dispositivos legais citados anteriormente, consolida o entendimento de que é legitimo o exercício da autotutela administrativa, ou seja, sem a necessidade de autorização judicial, por parte do administrador público para a proteção de bens públicos ocupados ilegalmente, desde que exercida com proporcionalidade e razoabilidade e desde que faça preventivamente ou imediatamente após a invasão ou ocupação ilícita.
Como era de se esperar, este entendimento já vinha sendo adotado pelos Tribunais brasileiros, como é o caso do Superior Tribunal de Justiça (STJ), órgão jurisdicional competente para uniformizar a interpretação de leis federais.
É o caso do julgamento do REsp 1.071.741, de relatoria do Ministro Herman Benjamin, no qual o STJ ressaltou o dever do administrador público de utilizar-se de todas as medidas possíveis e cabíveis para assegurar a proteção dos bens públicos sob a sua tutela. Confira-se:
9. Diante de ocupação ou utilização ilegal de espaços ou bens públicos, não se desincumbe do dever-poder de fiscalização ambiental (e também urbanística) o Administrador que se limita a embargar obra ou atividade irregular e a denunciá-la ao Ministério Público ou à Polícia, ignorando ou desprezando outras medidas, inclusive possessórias, que a lei põe à sua disposição para eficazmente fazer valer a ordem administrativa e, assim, impedir, no local, a turbação ou o esbulho do patrimônio estatal e dos bens de uso comum do povo, resultante de desmatamento, construção, exploração ou presença humana ilícitos.
10. A turbação e o esbulho ambiental-urbanístico podem e no caso do Estado, devem ser combatidos pelo desforço imediato, medida prevista atualmente no art. 1.210, § 1º, do Código Civil de 2002 e imprescindível à manutenção da autoridade e da credibilidade da Administração, da integridade do patrimônio estatal, da legalidade, da ordem pública e da conservação de bens intangíveis e indisponíveis associados à qualidade de vida das presentes e futuras gerações.[5]
Ademais, a doutrina também é esclarecedora sobre o tema. Segundo os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles, o desforço imediato é a medida recomendável e se justifica em razão do princípio da autoexecutoriedade dos atos públicos:
Observamos que a utilização indevida de bens públicos por particulares, notadamente a ocupação de imóveis, pode – e deve – ser repelida por meios administrativos, independentemente de ordem judicial, pois o ato de defesa do patrimônio público, pela Administração, é autoexecutável, como o são, em regra, os atos de polícia administrativa, que exigem execução imediata, amparada pela força pública, quando isto for necessário.[6]
O princípio da autoexecutoriedade dos atos praticados pela administração pública, portanto, vai ao encontro do exposto anteriormente, atribuindo aos atos administrativos o poder de serem executados sem o aval prévio do Poder Judiciário, desde que haja previsão legal para tanto ou situação excepcional de urgência.
Assim, em consonância com a jurisprudência e a doutrina especializada, o texto do Enunciado 2 é categórico ao autorizar o emprego do desforço imediato pela administração pública em casos de invasão ilegal de imóveis públicos, desde que o administrador o faça preventivamente ou logo após a invasão ou ocupação de imóvel público de uso especial, comum ou dominical, e não vá além do indispensável à manutenção ou restituição da posse.
[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 1118.
[2] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: […]
[3] Art. 79. A entrega de imóvel para uso da Administração Pública Federal direta compete privativamente à Secretaria do Patrimônio da União – SPU. […]
§ 2º O chefe de repartição, estabelecimento ou serviço federal que tenha a seu cargo próprio nacional, não poderá permitir, sob pena de responsabilidade, sua invasão, cessão, locação ou utilização em fim diferente do que lhe tenha sido prescrito.
[4] Art. 11. Caberá à SPU a incumbência de fiscalizar e zelar para que sejam mantidas a destinação e o interesse público, o uso e a integridade física dos imóveis pertencentes ao patrimônio da União, podendo, para tanto, por intermédio de seus técnicos credenciados, embargar serviços e obras, aplicar multas e demais sanções previstas em lei e, ainda, requisitar força policial federal e solicitar o necessário auxílio de força pública estadual.
[5] STJ, REsp 1.071.741/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/03/2009, DJe 16/12/2010.
[6] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 640.
Read MoreO testamento, de forma geral, é o ato de manifestação de última vontade de uma pessoa, e pode tratar inclusive sobre o conteúdo intangível do falecido, guardado em espaço virtual, como senhas, redes sociais e contas na internet.
Maria Luisa Machado Porath[1]
Você já refletiu sobre o que deseja fazer com as suas contas nas redes sociais após o seu falecimento? Ou então com aquelas fotografias ou livros digitais que coleciona de forma tão cuidadosa? Refletir sobre a herança digital, sobretudo devido ao surgimento de novas profissões, como os influencers digitais, é de extrema importância para que se destine os seus bens digitais[2] conforme a sua vontade.
Mas o que é Herança Digital?
Destaca-se que, apesar do Código Civil ter entrado em vigor em 2002, a sua estrutura, em muitos aspectos, já nasceu “ultrapassada”. Isso é perceptível principalmente no Direito Sucessório, uma vez que não acompanhou o avanço tecnológico da sociedade. Em termos práticos, o atual Código Civil não abarca o conceito de Herança Digital.
Portanto, a fim de compreender esse termo, deve-se apoiar em pesquisas jurídicas, como doutrinas e Projetos de Lei (PL). Por exemplo, o PL nº 8562/2017[3] conceitua herança digital como todo conteúdo intangível — que não se pode tocar — do falecido, guardado em espaço virtual, e transmissível aos herdeiros. Por exemplo:
- senhas;
- redes sociais;
- contas da internet;
- qualquer bem e serviço virtual e digital de titularidade do falecido.
Entretanto, o professor Pablo Malheiros Cunha Frota[4] entende de modo diverso. Ele declara que por se tratar de direito personalíssimo[5] do falecido, a transmissibilidade automática aos herdeiros se torna impossível; assim, deveria ser extinto quando do falecimento. Exceto, claro, se o falecido expressamente se manifestar sobre, por exemplo, em testamento.
Por que o Testamento é importante para a Herança Digital?
Inicialmente, destaca-se que o testamento, de forma geral, é o ato de manifestação de última vontade de uma pessoa acerca do destino dos seus bens e de outros assuntos de caráter não patrimonial[6]. No nosso Código Civil de 2002, temos as seguintes espécies de testamento:
- Público — escrito e registrado por um tabelião, conforme as declarações do testador[7];
- Particular — escrito pelo testador, de próprio punho ou por processo mecânico[8];
- De urgência — considerado uma “subdivisão” do testamento particular, possui maior flexibilidade quanto aos seus requisitos, uma vez que é utilizado somente em casos de grave risco à vida do testador[9];
- Cerrado/Secreto — escrito pelo testador (ou por outra pessoa, a seu rogo, e por aquele assinado) e somente terá validade se aprovado pelo tabelião[10].
Para fins de aprofundamento do tema, indica-se a leitura do artigo que trata do conceito de testamento e suas diferentes espécies.
Acerca de sua importância, enquanto não houver norma específica sobre a herança digital, o testamento se mostra um instrumento eficiente para suprir essas lacunas jurídicas. Se entendermos que os bens digitais são passíveis de transmissibilidade, compras de jogos, livros, etc. por aplicativos como Google Play e Apple, poderiam ser discriminados no testamento.
Questão controversa: os usuários são proprietários desses bens ou possuem mera licença de uso, conforme previsto nos Termos de Adesão de algumas empresas?
Caso se entenda pela primeira opção, a transmissibilidade desses bens aos herdeiros é lícita e, por conseguinte, passível de discriminação no testamento. Contudo, na segunda hipótese, os usuários têm apenas a licença de uso e, nesse caso, por ser um direito personalíssimo, a sua extinção virá com a morte.
Lojas como Google Play e Apple, por exemplo, entendem que o usuário detém apenas a licença de uso. Desse modo, a sucessão restaria prejudicada, eis que a transmissibilidade aos herdeiros seria impossível, de acordo com os contratos de adesão das empresas.
Ressalta-se que, no Brasil, essa cláusula de intransmissibilidade poderá ser caracterizada como abusiva, porque tende a ferir o princípio da função social da herança — redistribuição da riqueza do falecido. Isso, claro, se tomarmos como verdadeira a opção de que o usuário é proprietário dos bens digitais.
Uma alternativa, portanto, seria estabelecer um contrato particular com as empresas. No entanto, sabemos que, na prática, isso se torna praticamente inviável. Nesse sentido, o testamento se torna uma opção palpável no nosso mundo jurídico brasileiro.
Independentemente de como for resolvida a controvérsia da intransmissibilidade dos bens digitais, é possível determinar no testamento quais as destinações de suas contas nas redes sociais. Por exemplo, se deseja excluir, transformar em memorial e dentre outras opções elencadas pelo testador. Isso se comprova pelo fato de que no testamento, consoante informado no início desse item, pode-se elencar tanto bens patrimoniais quanto não patrimoniais.
Enquanto não realizo um testamento, o que posso fazer para proteger as minhas informações virtuais ainda em vida?
Algumas redes sociais, nos seus termos de uso e políticas, mencionam possibilidades de como proceder com a sua conta após o seu falecimento. Por exemplo:
- Facebook — você pode configurar para excluir de forma permanente a sua conta ou indicar um contato herdeiro que também poderá solicitar a remoção de sua conta ou transformá-la num memorial[11];
- Instagram — após o seu falecimento, os familiares próximos poderão solicitar a exclusão da conta ou transformá-la em memorial. Até o momento, setembro de 2020, não há informação sobre você decidir o que fazer com a sua conta após seu falecimento, como no Facebook[12].
- Twitter — de modo bem semelhante ao Instagram, após o seu falecimento, familiares próximos poderão solicitar a remoção de sua conta. Igualmente, até o momento, não há como configurar o que fazer com a sua própria conta após seu falecimento[13].
- Google — você pode configurar para a sua conta ser permanentemente excluída após um período de inatividade (3, 6, 12 ou 18 meses), através do gerenciamento de conta inativa. Quando o prazo estiver perto, você será notificado sobre a possível remoção da conta; assim, poderá, novamente, adiar por mais certo período. Ainda, poderá indicar até 10 pessoas que serão igualmente notificadas[14].
- Linkedin — no site, a empresa não deixa claro se o perfil será excluído após solicitação de algum ente querido ou se apenas não será mais exibido na timeline de quem preencheu o formulário. Em alguns sites, encontra-se a informação de que o Linkedin, de fato, exclui o perfil da pessoa falecida. Porém, no seu termo de uso e política, não fica explícita essa informação[15].
- TikTok — até o momento, não há informação sobre como proceder em caso de falecimento de algum usuário da rede social. Nos termos de uso e política, somente se menciona que é vedado ao TikTok utilizar dados e informações que infrinjam os direitos de personalidade de qualquer pessoa, incluindo falecida.
Se quiser fazer um testamento que trate dos meus bens digitais, como posso proceder?
Conforme já mencionado, a herança digital ainda é um campo incerto. Nesse sentido, tratar de direito sucessório de bens digitais requer muita cautela e uma análise individualizada. Portanto, se você deseja expressar a sua vontade quanto à destinação de seus bens digitais, apesar de não obrigatório, é recomendável realizar uma consulta jurídica com especialista na área de sucessões.
Assim, o testamento estará alinhado aos seus requisitos legais e poderá refutar eventuais alegações de vícios tanto materiais quanto à sua forma. Ou seja, a tarefa da advogada ou do advogado especialista em direito sucessório consiste em esclarecer quais bens poderão ser herdados através do testamento e quais ainda perduram controvérsia acerca da sua transmissibilidade e elencar os caminhos possíveis. Ademais, também pode auxiliar na redação do documento, a fim de que não reste dúvidas quanto à vontade do testador. Caso contrário, a sua manifestação de última vontade pode não ter amparo legal e, por conseguinte, ser considerada nula.
[1] Graduanda da sétima fase em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Integrante do Grupo de Estudos em Meios Consensuais da UFSC (GEMC). Graduada em Licenciatura e Bacharelado em Teatro na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) — 2015.
[2] Bens digitais pode ser definido como “uma espécie de software de computador que, como qualquer outro, é transmitido de uma máquina para outra na forma de fluxos de elétrons, denominados bits. Cada conjunto de oito bits forma um byte”. (SANTOS, Bruno Damasceno Ferreira. Bem digital – natureza e regime jurídico do objeto do comércio eletrônico on-line. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39450/bem-digital-natureza-e-regime-juridico-do-objeto-do-comercio-eletronico-on-line>. Acesso em 11 set. 2020).
[3] Foi apensado ao PL 7742/2017 e, posteriormente, arquivado nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.
[4] Parecer na indicação 016/2017 – Alteração no Código Civil. Disponível em: <https://www.iabnacional.org.br/pareceres/pareceres-votados/016-2017>. Acesso em 09 set. 2020.
[5] Somente a pessoa específica pode exercer. Ou seja, é intransferível e deve ser isento de vícios de consentimento, tais como a coerção.
[6] Art. 1.857, § 2° CC. São válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas se tenha limitado.
[7] Art. 1.864. São requisitos essenciais do testamento público: I – ser escrito por tabelião ou por seu substituto legal em seu livro de notas, de acordo com as declarações do testador, podendo este servir-se de minuta, notas ou apontamentos; II – lavrado o instrumento, ser lido em voz alta pelo tabelião ao testador e a duas testemunhas, a um só tempo; ou pelo testador, se o quiser, na presença destas e do oficial; III – ser o instrumento, em seguida à leitura, assinado pelo testador, pelas testemunhas e pelo tabelião. Parágrafo único. O testamento público pode ser escrito manualmente ou mecanicamente, bem como ser feito pela inserção da declaração de vontade em partes impressas de livro de notas, desde que rubricadas todas as páginas pelo testador, se mais de uma.
Art. 1.865. Se o testador não souber, ou não puder assinar, o tabelião ou seu substituto legal assim o declarará, assinando, neste caso, pelo testador, e, a seu rogo, uma das testemunhas instrumentárias.
Art. 1.866. O indivíduo inteiramente surdo, sabendo ler, lerá o seu testamento, e, se não o souber, designará quem o leia em seu lugar, presentes as testemunhas.
Art. 1.867. Ao cego só se permite o testamento público, que lhe será lido, em voz alta, duas vezes, uma pelo tabelião ou por seu substituto legal, e a outra por uma das testemunhas, designada pelo testador, fazendo-se de tudo circunstanciada menção no testamento
[8] Art. 1.876 CC. O testamento particular pode ser escrito de próprio punho ou mediante processo mecânico. § 1 o Se escrito de próprio punho, são requisitos essenciais à sua validade seja lido e assinado por quem o escreveu, na presença de pelo menos três testemunhas, que o devem subscrever. § 2 o Se elaborado por processo mecânico, não pode conter rasuras ou espaços em branco, devendo ser assinado pelo testador, depois de o ter lido na presença de pelo menos três testemunhas, que o subscreverão.
Art. 1.877. Morto o testador, publicar-se-á em juízo o testamento, com citação dos herdeiros legítimos.
Art. 1.878. Se as testemunhas forem contestes sobre o fato da disposição, ou, ao menos, sobre a sua leitura perante elas, e se reconhecerem as próprias assinaturas, assim como a do testador, o testamento será confirmado. Parágrafo único. Se faltarem testemunhas, por morte ou ausência, e se pelo menos uma delas o reconhecer, o testamento poderá ser confirmado, se, a critério do juiz, houver prova suficiente de sua veracidade.
Art. 1.880. O testamento particular pode ser escrito em língua estrangeira, contanto que as testemunhas a compreendam.
[9] Art. 1.879. Em circunstâncias excepcionais declaradas na cédula, o testamento particular de próprio punho e assinado pelo testador, sem testemunhas, poderá ser confirmado, a critério do juiz.
[10] Art. 1.868. O testamento escrito pelo testador, ou por outra pessoa, a seu rogo, e por aquele assinado, será válido se aprovado pelo tabelião ou seu substituto legal, observadas as seguintes formalidades: I – que o testador o entregue ao tabelião em presença de duas testemunhas; II – que o testador declare que aquele é o seu testamento e quer que seja aprovado; III – que o tabelião lavre, desde logo, o auto de aprovação, na presença de duas testemunhas, e o leia, em seguida, ao testador e testemunhas; IV – que o auto de aprovação seja assinado pelo tabelião, pelas testemunhas e pelo testador. Parágrafo único. O testamento cerrado pode ser escrito mecanicamente, desde que seu subscritor numere e autentique, com a sua assinatura, todas as paginas.
Art. 1.869. O tabelião deve começar o auto de aprovação imediatamente depois da última palavra do testador, declarando, sob sua fé, que o testador lhe entregou para ser aprovado na presença das testemunhas; passando a cerrar e coser o instrumento aprovado. Parágrafo único. Se não houver espaço na última folha do testamento, para início da aprovação, o tabelião aporá nele o seu sinal público, mencionando a circunstância no auto.
Art. 1.870. Se o tabelião tiver escrito o testamento a rogo do testador, poderá, não obstante, aprová-lo.
Art. 1.871. O testamento pode ser escrito em língua nacional ou estrangeira, pelo próprio testador, ou por outrem, a seu rogo.
Art. 1.872. Não pode dispor de seus bens em testamento cerrado quem não saiba ou não possa ler.
Art. 1.873. Pode fazer testamento cerrado o surdo-mudo, contanto que o escreva todo, e o assine de sua mão, e que, ao entregá-lo ao oficial público, ante as duas testemunhas, escreva, na face externa do papel ou do envoltório, que aquele é o seu testamento, cuja aprovação lhe pede.
Art. 1.874. Depois de aprovado e cerrado, será o testamento entregue ao testador, e o tabelião lançará, no seu livro, nota do lugar, dia, mês e ano em que o testamento foi aprovado e entregue.
Art. 1.875. Falecido o testador, o testamento será apresentado ao juiz, que o abrirá e o fará registrar, ordenando seja cumprido, se não achar vício externo que o torne eivado de nulidade ou suspeito de falsidade.
[11] O que acontecerá com minha conta do Facebook se eu falecer?. Disponível em: <https://www.facebook.com/help/103897939701143/>. Acesso 10 set. 2020.
[12] Como faço para denunciar a conta de uma pessoa falecida no Instagram?. Disponível em: <https://www.facebook.com/help/instagram/264154560391256?helpref=related>. Acesso em 10 set.2020.
[13] Como entrar em contato com o Twitter para falar sobre a conta de um familiar falecido. Disponível em: <https://help.twitter.com/pt/managing-your-account/contact-twitter-about-a-deceased-family-members-account>. Acesso em 10 set. 2020.
[14] Enviar uma solicitação a respeito da conta de um usuário falecido. Disponível em: <https://support.google.com/accounts/troubleshooter/6357590?hl=pt-BR>. Acesso em 10 set. 2020.
[15] Usuário falecido do LinkedIn. Disponível em: <https://www.linkedin.com/help/linkedin/answer/7285>. Acesso em 14 set. 2020.
Read MoreA Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça uniformizou o entendimento da Corte sobre a polêmica extensão da penalidade de perda da função pública em virtude de ato de improbidade administrativa, prevista no artigo 12 da Lei nº 8.429/1992.
Recentemente, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) uniformizou o entendimento da Corte sobre a polêmica extensão da penalidade de perda da função pública em virtude de ato de improbidade administrativa, prevista no artigo 12 da Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa).
Em Embargos de Divergência opostos em sede do Recurso Especial nº 1701967/RO[1], o Superior Tribunal de Justiça definiu que a penalidade em questão atinge não só o cargo ocupado pelo infrator no momento da prática da conduta ímproba, mas também se estende ao cargo público eventualmente ocupado por este no momento do trânsito em julgado da sentença condenatória (artigo 20 da Lei de Improbidade Administrativa[2]).
A controvérsia foi julgada por maioria pelo colegiado dos órgãos especializados em Direito Público, tendo sido analisada em razão de divergência existente entre a Primeira e Segunda Turmas da Corte. No voto vencedor, o Ministro Francisco Falcão afirma que a sanção de perda do cargo tem por objetivo afastar dos quadros da Administração Pública o agente que apresentou conduta ímproba e carência ética para o exercício da função pública. Por essa lógica, defendeu que a penalidade em questão deve abranger toda e qualquer atividade que o agente esteja exercendo no momento do trânsito em julgado da sentença condenatória.
Considerando que o objetivo da perda do cargo é o de salvaguardar a Administração de agentes que demonstrem “pouco ou nenhum apreço pelos princípios regentes da atividade administrativa”[3], a penalidade deve atingir não só o cargo ocupado no momento da prática do ato ímprobo, como também eventual outra função pública que esteja sendo exercida, uma vez que a improbidade não está ligada ao cargo em si, mas à própria atuação desse agente na Administração Pública.
Portanto, prevaleceu o entendimento que vinha sendo adotado pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, que pode ser representado pelo seguinte julgado:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL. COBRANÇA DE PROPINA. […] PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA. ART. 12 DA LEI 8.429/1992. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. SÚMULA 7/STJ. […]
5. A Lei 8.429/1992 objetiva coibir, punir e afastar da atividade pública todos os agentes que demonstraram pouco apreço pelo princípio da juridicidade, denotando uma degeneração de caráter incompatível com a natureza da atividade desenvolvida.
6. A sanção de perda da função pública visa a extirpar da Administração Pública aquele que exibiu inidoneidade (ou inabilitação) moral e desvio ético para o exercício da função pública, abrangendo qualquer atividade que o agente esteja exercendo ao tempo da condenação irrecorrível.
7. Não havendo violação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, modificar o quantitativo da sanção aplicada pela instância de origem, no caso concreto, enseja reapreciação dos fatos e provas, obstado nesta instância especial (Súmula 7/STJ).
8. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.[4]
No caso analisado e julgado, discute-se a extensão da sanção de perda da função pública à ex-policial federal que se encontrava exercendo o cargo de Defensor Público ao tempo do trânsito em julgado da sentença condenatória.
De toda forma, embora se trate de uma uniformização da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é possível que, em algum momento, a questão seja levada ao Supremo Tribunal Federal (STF) para análise da constitucionalidade da extensão da penalidade.
Vale ressaltar, ainda, que a prática de ato de improbidade administrativa não acarreta, automaticamente, a necessidade de aplicação da penalidade de perda da função pública, uma vez que a própria Lei nº 8.429/1992 determina que o juiz deverá, na fixação das penas, levar em conta “a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente”.
Nesse sentido, considerando que o acórdão prolatado pela Primeira Seção do STJ ainda não foi disponibilizado (em 16/9/2020), ainda não está claro se o entendimento que prevaleceu, além de confirmar a abrangência da perda de função pública atualmente ocupada, também veda a hipótese de que um juiz, com base nos elementos do caso concreto e em atenção à razoabilidade e proporcionalidade entre conduta e sanção, restrinja a condenação ao cargo que serviu como instrumento para a prática do ato de improbidade.
[1] Informações obtidas por meio de notícia veiculada no site do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Cf. http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/16092020-Perda-de-funcao-publica-por-improbidade-atinge-qualquer-outro-cargo-ocupado-no-momento-da-condenacao-definitiva.aspx. Acesso em 16 set. 2020.
[2] Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual.
[3] ANDRADE, Landolfo. Aplicabilidade da sanção de perda da função pública sobre qualquer função exercida pelo agente ímprobo ao tempo do trânsito em julgado da decisão condenatória. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2019/07/23/sancao-perda-da-funcao-publica/.
[4] STJ, REsp 1297021/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/11/2013.
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