
POR QUE E COMO TRANSFORMAR UMA SOCIEDADE LIMITADA EM UMA SOCIEDADE ANÔNIMA?
1. Introdução
O ordenamento jurídico brasileiro traz diversos tipos societários para compor o mercado empresarial. A Sociedade Empresária de Responsabilidade Limitada (LTDA.) e a Sociedade Anônima (S.A.) são amplamente utilizadas no mercado empresarial brasileiro, tendo estratégias constitutivas diferentes, ou seja, o motivo pelo qual se constitui uma ou outra segue uma lógica específica.
Nesse sentido, é possível realizar a transformação de uma Sociedade Limitada (LTDA.) em Sociedade Anônima (S.A.) por motivação estratégica, como, por exemplo, o aumento do capital social e do número de sócios, a obtenção de financiamentos mais robustos, a reestruturação interna para atrair potenciais investidores externos ou até mesmo a preparação para potencial futuro lançamento de valores mobiliários na bolsa de valores.
2. Diferenças entre Sociedade Limitada e Sociedade Anônima
Primeiramente, é importante a compreensão das diferenças entre os dois tipos societários, considerando o seu real impacto na atividade econômica exercida.
A Sociedade de Responsabilidade Limitada é regida pelo Código Civil de 2002 (artigos 1.052 a 1.087) e de maneira supletiva pelas normas das sociedades simples, além de poder seguir os dispositivos das Lei das Sociedades Anônimas, de forma supletiva, se assim estipulado no seu contrato social, e possui estrutura jurídica menos complexa e mais flexível.
Nesse sentido, tem-se que o ato constitutivo para uma Sociedade Limitada é o contrato social, e o capital social estabelecido neste divide-se em quotas, as quais representam a participação de cada sócio no empreendimento. Portanto, cada sócio possui responsabilidade limitada à sua participação societária, desde que o capital social esteja integralizado, respondendo todos eles solidariamente pela integralização, caso algum sócio deixe de transferir as quantias prometidas no ato da constituição da sociedade ou do aumento de capital.
Além disso, por sua estrutura de quotas, a entrada de novos sócios em uma LTDA. pode ser mais complexa, dependendo da alteração do contrato social e da aprovação dos sócios, sujeitando-se ao que estiver disciplinado no ato constitutivo (regra geral, na omissão, a entrada de terceiros ao quadro societário depende da não oposição por 25% do capital social – artigo 1.057 do CC/02). Por isso e pelo fato de o Código Civil pouco disciplinar sobre direito dos sócios minoritários, as LTDAs. são menos atrativas para investidores profissionais.
Já a Sociedade Anônima, tanto de capital aberto quanto fechado, é regida por Lei específica (Lei n° 6.404/76), que define requisitos de governança mais complexos rígidos e formais, em espécie societária originariamente voltada para a captação de investimento externo. No que se refere à abrangência desta captação, as Sociedades Anônimas podem ser divididas em duas categorias: capital aberto, quando opera na bolsa de valores ou no mercado de balcão, ou capital fechado, quando não oferta valores mobiliários ao público em geral.
Em relação ao ato constitutivo, o Estatuto Social traz vida à S.A. e nele divide-se o capital social em ações, que podem ser ordinárias ou preferenciais (trazendo vantagem ao acionista, como, por exemplo, prioridade na distribuição de dividendos, em troca da retirada do direito de voto). Ademais, diferentemente do que ocorre na LTDA., na Sociedade Anônima, os acionistas têm responsabilidade limitada ao preço de emissão das ações que adquiriram. A responsabilidade de cada acionista termina no ato da compra das ações, sem possibilidade de responsabilização solidária caso algum(ns) do(s) acionista(s) não integralize(m) os valores prometidos.
Sobre a possibilidade de novos acionistas e investidores, as Sociedades Anônimas de capital fechado, mesmo sem acesso ao mercado de capitais (bolsa de valores e mercado de balcão), ainda oferecem maior facilidade para atraí-los. Novos acionistas podem ser incluídos mediante a compra de ações sem a necessidade de uma alteração estatutária, tornando o processo mais ágil.
Além disso, a Sociedade Anônima é espécie empresarial cujo vínculo societário se forma por razões exclusivamente comerciais, importando muito pouco “quem” é o acionista. Assim, diferente das Limitadas, a livre circulação de ações é considerada premissa essencial e só pode ser restringida se seguidas determinadas regras, e apenas se a S/A for de capital fechado (artigo 36 da Lei nº 6.404/76).
Outra diferença reside na impossibilidade (segundo entendimento majoritário) de, nas Sociedades Anônimas, realizar a exclusão de sócio minoritário. Diferente do Código Civil, a Lei nº 6.404/76 não prevê a possibilidade de a maioria do capital social expulsar um acionista, ainda que ele esteja atrapalhando o desenvolvimento da empresa ou descumprindo suas obrigações sociais (ressalvado em caso de remissão em S.A de capital aberto). O máximo que se pode fazer é, por meio de assembleia geral, suspender direitos do acionista até que a obrigação seja cumprida (artigo 120 da Lei nº 6.404/76).
Também é de se destacar que, enquanto nas LTDAs. a forma de distribuição ou retenção de lucros é assunto a ser livremente estipulado no contrato social, nas S.A. o assunto é mais delicado, visto que a Lei nº 6.404/76: (i) não prevê a possibilidade de distribuição desproporcional de lucros (a participação no capital social deve refletir o mesmo percentual de dividendos); e (ii) exige que o Estatuto Social preveja distribuição mínima de lucros sob pena de, na omissão, se ver obrigada a distribuir ao menos 50% do lucro líquido, salvo concordância unânime de todos os acionistas na S.A. de capital fechado (artigo 202 da Lei nº 6.404/76).
Por fim, uma importante mudança operacional que ocorre quando uma LTDA. vira S.A é a forma de convocação e realização de assembleia geral. Diferente das limitadas, os acionistas das S.A. não podem se reunir em simples reunião (convocada na forma livremente estipulada no contrato social), mas devem, obrigatoriamente, realizar assembleia geral convocada na forma do artigo 124 da Lei nº 6.404/76, vedada a substituição por documento escrito.
3. Principais aspectos e impactos da transformação:
Compreendendo as principais diferenças entre os dois tipos societários, é necessário observar os impactos da transformação de uma sociedade limitada em uma sociedade anônima de capital fechado.
A priori, compreende-se que a transformação implica na mudança de regime jurídico, trazendo alterações significativas principalmente em relação à governança corporativa, transparência e prestação de contas. Assim, devem ser observados os seguintes pontos anteriormente à transformação:
- Capital Social e Ações: A transformação exige a adaptação do capital social existente para a forma de ações, o que implica na emissão e distribuição dessas ações entre os sócios que participavam da sociedade limitada.
- Estrutura de Governança: Uma das principais mudanças ao se adotar o regime de sociedade anônima é a necessidade de uma estrutura de governança mais robusta, com um conselho de administração (caso a empresa opte por instituí-lo), um conselho fiscal (ainda que não permanentemente operante) e uma diretoria.
- Relacionamento com acionistas minoritários: Nas LTDAs., qualquer sócio pode exigir a apresentação de livros e balanços empresariais. Nas S.A., esse direito é restringido ao âmbito judicial, desde que haja justo receio de fraudes (artigo 105 da Lei nº 6.404/76). Em compensação, os sócios minoritários das S.A. (até mesmo os que detêm apenas 5-10% do capital) recebem uma série de outros direitos não previstos nas LTDAs., como: exigir a adoção de voto múltiplo em assembleia de eleição do conselho e ajuizar ação de responsabilização do administrador ainda que contra a vontade da maioria do capital social.
- Responsabilidade de administradores e controlador: Diferente do que ocorre no Código Civil, a Lei nº 6.404/76 disciplina de forma minuciosa os deveres dos administradores e controladores das S.A. Se alguma norma for violada, caracterizando-se abuso do poder de controle ou má-administração, os acionistas minoritários terão maior segurança jurídica para responsabilizar o culpado, mesmo que contra a vontade do acionista majoritário.
- Aspectos Tributários: A transição para uma S.A. gera implicações fiscais e tributárias, podendo ser vantajoso em alguns casos, devido à possibilidade de melhores condições de captação de recursos e incentivos fiscais, mas desvantajosas em outros, em razão da complexidade do tipo societário, uma vez que demanda planejamento tributário específico e realizado por profissionais especializados para a diminuição da carga fiscal. Um ponto de extrema relevância é a escolha do regime tributário, uma vez que as LTDAs. possuem maior flexibilidade, podendo optar pelo Simples Nacional, Lucro Presumido ou o Lucro real, a depender do faturamento da sociedade, enquanto que ao se transformarem em Sociedades anônimas, as exigências se tornam mais rigorosas, prevalecendo o regime do Lucro Real, o qual exige um maior controle contábil, já que reflete o lucro líquido da sociedade.
- Forma de escrituração contábil: A Lei nº 6.404/76 trata de forma bastante minuciosa o regime fiscal das S.A., que é diferente do regime previsto no Código Civil. Algumas minúcias devem ser adequadas quando ocorre a transformação, como, por exemplo, a mudança do regime contábil “de caixa” para “de competência”, além da elaboração de outros documentos não exigíveis nas LTDAs.
Realizada a consideração e ponderação dos impactos da alteração do tipo societário e entendendo os sócios que a transformação é a melhor estratégia para a vida da sociedade, é necessário a realização de uma reunião ou assembleia geral de sócios para a aprovação da operação, cujo quórum é de unanimidade (artigo 1.114 do Código Civil). Após a aprovação, registra-se a alteração na Junta Comercial, atualizando os atos constitutivos da empresa, que passará a ser regida por um Estatuto Social.
Para isso, é essencial que os sócios: (i) convoquem regularmente a reunião/assembleia, (ii) estejam todos de acordo com a matéria, de forma unânime, (iii) estejam cientes de todas as implicações jurídicas, visto que as S.A. são tipos societários muito mais complexos do que as LTDAs., e isso trará consequências para o dia-a-dia da administração da sociedade, (iv) já tenham uma minuta de Estatuto Social elaborada, e (v) tenham definido como será realizada a administração da sociedade, a fim de elaborar as atas de eleição da diretoria e, sendo o caso, dos conselhos de administração e fiscal (e demais cargos estatutários).
4. Conclusão
Em conclusão, entende-se que a transformação de uma sociedade limitada em uma sociedade anônima de capital fechado é uma decisão estratégica que pode impulsionar o crescimento da empresa. No entanto, essa decisão exige um planejamento minucioso, incluindo uma análise das mudanças administrativas, das exigências legais e do impacto financeiro. Com uma estrutura de S.A., a sociedade poderá contar com uma base mais sólida para atrair investidores e enfrentar os desafios do mercado com maior capacidade competitiva, desde que ela esteja jurídica, contábil e financeiramente madura para tal.