A LGPD, agora em parcial vigor, institui regime jurídico devotado à disciplina das operações de tratamento de dados realizadas por entes que compõem o poder público, dos quais se espera que envidem esforços para garantir efetivas prestações estatais para concretizar as normas de proteção de dados pessoais.
Matheus Lopes Dezan[i]
Em 18 de setembro de 2020, sexta-feira, iniciou-se a parcial[ii] produção de vigor pela Lei Federal nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, usualmente denominada Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)[iii]. Cessa o período de vacatio legis da LGPD após extenso processo legislativo. Isso porque, em 29 de abril de 2020, fora adiada a vigência parcial da LGPD para 03 de maio de 2021, por força do 4º artigo da Medida Provisória nº 959[iv]. Contudo, o Congresso Nacional, em 26 de agosto de 2020, optou pela remoção do artigo 4º da MP nº 959/2020 durante votação acerca da conversão dessa MP em Lei Ordinária Federal nº 14.058, sancionada pela Casa Civil na última sexta-feira, 18 de setembro.
Em face do exposto, vigora parcialmente a LGPD, lei que serve de eixo ao sistema normativo brasileiro de proteção de dados pessoais, provocando importantes alterações para as relações público-privadas[v], sobretudo em face do contexto de uma administração pública eletronizada[vi].
A LGPD E A ORDEM CONSTITUCIONAL
A LGPD regula as operações de tratamento de dados pessoais realizadas por agentes públicos e privados, isto é, regula operações tais quais as de acesso, de coleta, de armazenamento, de processamento e de compartilhamento de dados pessoais (informações que versam sobre atributos da pessoa natural identificada ou identificável – artigo 5º, I, LGPD). Instituem-se, pois, garantias normativas postas em defesa do titular de dados tratados.
Nesse sentido, a fim de tornar efetiva a proteção que confere à categoria de dados pessoais, a LGPD busca dar concreção a normas constitucionais fundamentais. Para isso, afirma como fundamentos seus o respeito à privacidade, ao livre desenvolvimento da personalidade (corolário lógico-jurídico do respeito à dignidade humana, positivado pelo inciso III do artigo 1º da CF/88), aos direitos de autonomia informacional da personalidade, às liberdades de expressão, de informação e de comunicação, à intimidade, à honra, à imagem e a outros direitos fundamentais que servem de axioma à nova lei de proteção de dados (artigos 1º e 2º, LGPD).
Do mesmo modo, operações de tratamento de dados pessoais devem observar, em regra, diretrizes normativas de finalidade, de adequação, de necessidade, de livre acesso, de qualidade de dados, de transparência, de segurança, de não discriminação e outras diretrizes afirmadas pela doutrina estudiosa de temas afeitos à proteção de dados pessoais e positivadas pela LGPD (artigo 6º, LGPD).
Precisamente, no que concerne a operações de tratamento de dados pessoais realizadas pelo poder público, importa a observância das diretrizes positivadas em lei para que haja adequação das relações público-privadas às premissas de um Estado efetivamente Democrático e de Direito, que age em atenção à proteção de direitos fundamentais individuais e coletivos e em prol do interesse público.
Há, no entanto, especificidades próprias do regime jurídico criado pela LGPD e devotado aos órgãos e entidades administrativas, que merecem mais profunda abordagem em tópico apartado.
O TRATAMENTO DE DADOS PELO PODER PÚBLICO
O capítulo IV da LGPD é dedicado à instituição de novo regime normativo para a regulação das operações tratamento de dados pessoais executadas pelo poder público. Trata-se de regime jurídico distinto daquele por meio dos quais são disciplinadas as pessoas jurídicas de direito privado, o que se justifica em razão das particularidades de prerrogativa que a administração pública ostenta.
De pronto, pode-se destacar que o tratamento de dados pelo poder público deve atender a finalidades públicas, com respaldo no interesse público, a fim de que seja possível a execução das atribuições legais do poder público, tais como a execução de políticas públicas, a prestação de serviços públicos e administração da res publica (artigo 23, LGPD). Em todos os casos, deve-se lembrar, observam-se os fundamentos e princípios da LGPD e resguardam-se os direitos do titular dos dados tratos, que deve ser informado sobre os usos que se fazem dos dados tratados por entidades administrativas, bem como deve ter acesso a essas informações em veículos de fácil acesso, sobretudo em portais governamentais em sites da internet (artigo 23, I, LGPD). Ainda, o exercício dos direitos do titular de dados deve ocorrer com amparo no remédio constitucional do Habeas Data, nas disposições da Lei Geral do Processo Administrativo e, ainda, na Lei de Acesso à Informação, todos integrantes do sistema normativo de proteção de dados pessoais ordenado pela LGPD (artigo 23, § 3º, LGPD).
Esse mesmo regime jurídico de direito público disciplina a prestação de serviços notariais e de registros, do mesmo modo que disciplina a execução, por empresas públicas e por sociedades de economia mista, de serviços e políticas públicos (artigo 23, §§ 4º e 5º e artigo 24, parágrafo único, LGPD). Nesses casos, os dados tratados devem ser armazenados em formato interoperável, de modo que seja possível o compartilhamento de dados pessoais entre órgãos da administração pública, para a execução de políticas públicas. O compartilhamento de dados entre entidades administrativas e empresas privadas é estritamente vedado pela LGPD, salvo em casos excepcionais, sendo sempre devida comunicação acerca do compartilhamento à autoridade nacional e ao titular dos dados (artigos 24 e 25, LGPD).
Sem embargos, empresas públicas e sociedades de economia mista que atuam em regime privado de concorrência devem observar a disciplina normativa própria de entidades privadas (artigo 24, caput, LGPD).
Não se aplicam as normas da LGPD quando o tratamento de dados pessoais ocorrer para fins de segurança nacional, de defesa nacional e de segurança do Estado, bem como para fins investigação e de repressão de infrações penais. Dessa forma, em caso de a administração pública tratar dados pessoais para uma das finalidades elencadas, não é devida a aplicação das normas da LGPD.
Similarmente, a LGPD concebe a possibilidade de a administração pública tratar dados pessoais sem o consentimento do titular dos dados tratados para a execução de políticas públicas previstas em lei, em regulamentos ou em contratos, convênios e outros, bem como a para fins de proteção da saúde pela autoridade sanitária, mesmo que sem consentimento do titular de dados (artigo 7º, III e IX, LGPD). De todo modo, é necessário assegurar ao titular dos dados tratados acesso facilitado às informações sobre essas operações de tratamento de dados, tais como informações sobre as formas de tratamento, sobre a identidade dos agentes de tratamento, sobre a finalidade do tratamento e sobre os direitos do titular (artigo 9º, LGPD).
A AUTORIDADE NACIONAL DE PROTEÇÃO DE DADOS
Para fiscalizar o cumprimento das normas positivadas pela LGPD, previu-se a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), criada sem aumento de despesas e vinculada à Presidência da República (artigo 55-A, LGPD). A despeito dessa vinculação, em torno da qual pairam inesgotáveis debates, garante-se à ANPD autonomia técnico-decisória. Do mesmo modo, a autoridade nacional instituída por lei possui natureza jurídica transitória, sendo possível, em momento posterior, que a ANPD seja transformada em entidade da administração pública federal indireta, disciplinada por regime autárquico e especial (artigos 55-A, § 1º, e 55-B, LGPD).
Figuram dentre as competências da ANPD aquelas de zelar pela proteção de dados pessoais e pelo respeito aos segredos comerciais e industriais – sobretudo em caso de haver necessidade de auditar operações de tratamento de dados, como provê o artigo 20 da LGPD – de elaborar diretrizes da Política Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade e de aplicar sanções em caso de descumprimento das ordens legais (artigo 55-J, LGPD). Ademais, editou-se recentemente o Decreto nº 10.474, de 26 de agosto de 2020, que regulamenta com maior especificidade a estrutura e as atribuições da ANPD[vii].
Nada obstante, as sanções de multa previstas pela LGPD, e passíveis de serem aplicadas pela ANPD, apenas vigoram a partir de 1º de agosto de 2021, período reservado à estruturação da ANPD, o que apenas recentemente se iniciou.
UM PANORAMA GERAL
Em suma, a LGPD, agora em parcial vigor, institui regime jurídico devotado à disciplina das operações de tratamento de dados realizadas por entes que compõem o poder público. Consequentemente, espera-se que a administração pública, imergida no contexto de eletronização de seus atos, envide esforços, como o tem feito desde 2018, no sentido de convergir a sua estrutura interna para as disposições inauguradas pela LGPD, de modo que seja possível garantir efetivas prestações estatais em consonância com a ordem constitucional, concretizada pelas normas de proteção de dados pessoais.
QUADRO COMPARATIVO
Notas de fim de página
[i] Estagiário de Direito em Schiefler Advocacia. Bacharelando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Membro do Laboratório de Políticas Públicas e Internet (LAPIN). Membro do Grupo de Pesquisa certificado pelo CNPq Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial (DR.IA/UnB). Membro do Grupo de Estudos em Direito e Economia (GEDE/UnB/IDP). Membro do Grupo de Pesquisa em Hermenêutica do Direito Administrativo e Políticas Públicas (HDAPP/UniCeub). Membro do Grupo Bioethik: Grupo de Pesquisas em Bioética.
[ii] Por força do inciso I do artigo 65 da LGPD, os artigos 55-A, 55-B, 55-C, 55-D, 55-E, 55-F, 55-G, 55-H, 55-I, 55-J, 55-K, 55-L, 58-A e 58-B vigoram desde 28 de dezembro de 2018, e os artigos 52, 53 e 54, que versam acerca das sanções administrativas a serem aplicadas pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados a infratores da Lei, por força do inciso I-A do artigo 65 da LGPD, vigoram apenas a partir de 1º de agosto de 2021. A redação da MP 959/2020, portanto, apenas modificou a redação do inciso II do artigo 65 da LGPD, que cuida da vigência dos demais artigos da lei.
[iii] BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm. Acesso em: 21 ago. 2020.
[iv] BRASIL. Medida Provisória nº 959, de 29 de abril de 2020. Estabelece a operacionalização do pagamento do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda e do benefício emergencial mensal de que trata a Medida Provisória nº 936, de 1º de abril de 2020, e prorroga a vacatio legis da Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, que estabelece a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2250977. Acesso em: 21 ago. 2020.
[v] SCHIEFLER, Gustavo Henrique Carvalho. Diálogos público-privados. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.
[vi] SCHIEFLER, Eduardo André Carvalho. Processo administrativo eletrônico. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.
[vii] BRASIL. Decreto nº 10.474, de 26 de agosto de 2020. Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança da Autoridade Nacional de Proteção de Dados e remaneja e transforma cargos em comissão e funções de confiança. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-10.474-de-26-de-agosto-de-2020-274389226. Acesso em: 21 ago. 2020.
Read MoreRobôs proferirem decisões administrativas é decerto inovador. A necessidade de motivação, não.
Nesta terça-feira (1º de setembro de 2020), Eduardo Schiefler e Matheus Dezan publicaram o artigo “A decisão administrativa robótica e o dever de motivação” no Portal Jurídico JOTA, o qual pode ser visualizado neste link.
O artigo também contou com a participação do Professor Fabiano Hartmann, da Universidade de Brasília (UnB), e é resultado das pesquisas do grupo Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial (DR.IA/UnB), liderado pelo Prof. Fabiano.
Em razão da relevância do tema, vamos republicá-lo na íntegra, com a autorização dos autores:
A decisão administrativa robótica e o dever de motivação
Por Eduardo Schiefler, Fabiano Hartmann Peixoto e Matheus Lopes Dezan
A tecnologia está transformando a sociedade e isso não é segredo para ninguém.
A despeito de a prosperidade tecnológica não se desenvolver de modo uniforme ou impactar de forma heterogênea todos os campos de vida humana, havendo rotinas mais ou menos impactadas pela incidência de ferramentas tecnológico-operacionais, o fato inconteste é que há muito tempo a aplicação massiva das tecnologias no cotidiano dos seres humanos já deixou de ser apenas uma hipótese para se tornar uma questão de quando ou em que grau seremos impactados.
E o direito administrativo não foi poupado. Não havia dúvidas que a tecnologia se desenvolveria a ponto de permear o regime jurídico administrativo. A questão é que esse campo, costumeiramente tido por imutável e perene, em razão de sua principiologia própria, está sendo bombardeado por constantes transformações que almejam (e com razão) trazer mais eficiência e controle à Administração Pública.
Por conta desse cenário, vemos com naturalidade e animação as discussões cada vez mais frequentes sobre o uso de ferramentas tecnológicas pelo poder público. Não se surpreende, portanto, que elas tenham sido levadas à I Jornada de Direito Administrativo do Conselho da Justiça Federal, ocorrida entre os dias 3 e 7 de agosto de 2020, com o objetivo de discutir posições interpretativas sobre as normas jurídicas (lei, jurisprudência e doutrina) e, ao final, produzir e publicar enunciados[1].
Na ocasião, após a aprovação na comissão temática, a reunião Plenária da I Jornada de Direito Administrativo votou e aprovou o Enunciado 12, segundo o qual “A decisão administrativa robótica deve ser suficientemente motivada, sendo a sua opacidade motivo de invalidação.”.
Fazendo uma reflexão sobre o texto aprovado, verifica-se que, embora o tema de decisões administrativas robóticas seja realmente inovador — e enfrente, evidentemente, críticas por seu caráter disruptivo —, o Enunciado 12 não inova no campo do direito administrativo.
Explica-se: a questão de robôs proferirem decisões administrativas é decerto inovadora. A necessidade de que as decisões administrativas sejam motivadas, todavia, não o é. E, mais do que isso, não basta que sejam motivadas as decisões administrativas, pois importa que sejam suficientemente motivadas — e isso não é, repita-se, novidade.
Trata-se de consequência direta do arcabouço jurídico-constitucional trazido à ordem normativa brasileira pela Constituição Federal de 1988, que transfigurou a relação público-privada e que conferiu ampla gama de novos direitos aos cidadãos e de deveres à administração pública brasileira. É dizer: a Constituição modificou a maneira com que os indivíduos particulares se relacionam com o poder público, assim como a tecnologia também o pretende fazer.
É nesse exato sentido que se entende que o Enunciado 12 não inova na ciência do direito administrativo:
Seja uma decisão administrativa manualmente redigida, seja uma decisão eletrônica ou, ainda, seja uma decisão robótica, elas devem apresentar motivação suficiente, sem escusas para o contrário, sob pena de serem inválidas perante as prescrições do ordenamento jurídico brasileiro.
Isso porque a motivação das decisões administrativas é requisito formalístico de validade dos atos administrativos decisórios[2], dado que o regramento dos atos da administração pública (imperativo fortalecido pela nova sistemática de direito administrativo inaugurada pela ordem constitucional de 1988) exige que a gestão da res publica ocorra de modo responsivo e transparente — o que, de certo modo, é favorecido pela adoção cada vez mais frequente de processos administrativos eletrônicos[3] e de sistemas de inteligência artificial pela administração. Nesse comento, o registro formal dos motivos de fato e de direito que orientaram o processo de tomada de decisão é medida que se impõe, para que seja desimpedido, como deve ser, o controle jurídico e social sobre os atos administrativos[4].
Ademais, a distintiva importância conferida à motivação das decisões administrativas para a ordem jurídica contemporânea pode ser adequadamente exemplificada pela construção doutrinária da teoria dos motivos determinantes, a qual preceitua que a validade das decisões administrativas guarda vínculo sincrético com os pressupostos objetivos que as constituem. Significa dizer que a decisão administrativa, ainda que discricionária, deve operar sobre motivos verdadeiros, existentes e corretamente qualificados, a fim de produzir efeitos válidos no mundo jurídico. Revelada a falsidade, a inexistência ou a inadequada qualificação dos motivos de fato expostos pelo administrador, de modo que não haja nexo lógico entre esses elementos fáticos e os motivos legais elencados, far-se-á inválido o ato administrativo.
Nada obstante, a instrução veiculada pelo Enunciado 12 aprovado na I Jornada de Direito Administrativo evidencia a imbricação entre requisitos de ordens jurídica e técnica impostos às decisões administrativas robóticas. Importa, dessa forma, que o sistema decisório automatizado seja apto a operar com linguagem natural[5] e com a logicidade do sistema de normas positivadas, de modo tal que dê forma à exposição satisfatória das razões de fato e de direito que guiaram o processo de tomada de decisão.
Trata-se de meio de preconizar a transparência das decisões administrativas robóticas como que vinculada à construção automatizada da forma de apresentação do conteúdo decisório, para que seja válido o ato administrativo operado de forma tão singular e, por vezes, epistemologicamente opaco. É por essa razão que a transparência das decisões administrativas robóticas depende de que o sistema de explicação de critérios decisórios produza resultados satisfatórios à cognição não somente do teor da decisão, mas dos fundamentos fáticos, jurídicos e tecnológicos que a compõe.
Inclusive, esse é o mesmo raciocínio que a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) desenvolve ao tratar das decisões tomadas unicamente com base em tratamento automatizado de dados pessoais (artigo 20, § 1º), aqui aplicada por analogia. Na prática, a LGPD garante ao titular dos dados o acesso a “informações claras e adequadas a respeito dos critérios e dos procedimentos utilizados para a decisão automatizada”.
O raciocínio, como dito, é o mesmo. Mas no campo das decisões administrativas o imperativo de se ter motivação expressa e correlacionada com a realidade dos fatos se impõe pela natureza peculiar da atuação administrativa, que tem por objetivo precípuo a satisfação dos direitos fundamentais dos cidadãos. É dizer, a própria razão de existir da administração pública depende do atendimento aos direitos dos indivíduos. É isto que confere legitimidade à sua atuação e é, assim, que o dever de motivação se torna fundamental para a manutenção do Estado Democrático de Direito.
Portanto, ainda que não promova inovações em matéria de direito administrativo (uma vez que todas as espécies de decisões administrativas exigem motivação), o Enunciado 12 da I Jornada de Direito Administrativo do Conselho da Justiça Federal é uma novidade muito bem-vinda, pois ressalta a importância de discutir a inserção da tecnologia na administração pública, que é inevitável, assim como os seus impactos na relação público-privada e nos direitos dos cidadãos.
[1] Disponível em: <https://www.cjf.jus.br/cjf/noticias/2020/07-julho/i-jornada-de-direito-administrativo-sera-realizada-em-ambiente-virtual-entre-os-dias-3-e-7-de-agosto>. Acesso em 15 de agosto de 2020.
[2] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 408.
[3] SCHIEFLER, Eduardo André Carvalho. Processo administrativo eletrônico. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. p. 43.
[4] SCHIEFLER, Gustavo Henrique Carvalho. Diálogos público-privados. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018. p. 175.
[5] HARTMANN PEIXOTO, Fabiano; MARTINS DA SILVA, Roberta Zumblick. Inteligência artificial e direito. 1. ed. Curitiba: Alteridade Editora, 2019. p. 82.
EDUARDO SCHIEFLER – Advogado. Mestrando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Integrante do Grupo de Estudos em Direito Público (GEDIP/UFSC). Integrante do Grupo de Pesquisa em Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial (DR.IA/UnB). Autor do livro “Processo Administrativo Eletrônico” (2019). E-mail: [email protected]
FABIANO HARTMANN PEIXOTO – Doutor em Direito. Professor da Faculdade de Direito e do PPGD-UnB. Líder do Grupo de Pesquisa DR.IA. Coordenador do Projeto Victor (IA-STF) e Projeto Mandamus (IA-TJRR)
MATHEUS LOPES DEZAN – Bacharelando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Integrante do Grupo de Pesquisa em Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial (DR.IA/UnB). Integrante do Laboratório de Políticas Públicas e Internet (LAPIN). Integrante do Grupo de Estudos em Bioética e Biodireito (Bioethik/UFES). Membro do Grupo de Pesquisa em Análise Econômica do Direito (GEDE/UnB-IDP). E-mail: [email protected]
Read MoreComo garantir que pais e filhos continuem a conviver, se há obrigatoriedade de cada um permanecer em sua própria residência?
FAMÍLIA: CONVIVÊNCIA FAMILIAR EM ÉPOCA DA PANDEMIA DE COVID-19
Laísa Santos[1]
Maria Luisa Machado Porath[2]
No atual cenário de pandemia, a principal recomendação difundida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é que, todos aqueles que puderem, fiquem em casa e apenas saiam em situações excepcionais. Essa medida visa a evitar a disseminação do vírus e o consequente esgotamento do sistema de saúde.
Mas, diante dessa situação, como fica a convivência familiar dos pais que não detêm a guarda ou não possuem como residência fixa do filho a sua moradia?
O Código Civil, em seu artigo 1.589[3], determina que o pai ou a mãe que não estiver com os filhos poderá visitá-los e tê-los em sua companhia – conforme acordado com o outro genitor ou fixado pelo juiz.
A convivência familiar tem a finalidade de manter os laços afetivos entre pais e filhos, ainda que já não haja mais convivência conjugal. Nessa toada, o art. 1.630 do Código Civil aduz que os filhos, enquanto menores, estão sujeitos ao poder familiar. Em complemento, o art. 1.634 da mesma norma traz que compete a ambos os pais, independentemente da situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar.
Nesse sentido, a convivência familiar decorre do direito-dever do poder familiar. Ou seja, toda criança tem o direito de manter o laço afetivo e a convivência com seus pais; e, todo pai ou mãe, através do exercício do poder familiar, tem o dever de zelar pelo filho – sendo esse, inclusive, um dever passível de execução judicial, até mesmo com imposição de multa pecuniária[4].
A crise decorrente do COVID-19 afetou de forma estrondosa as relações familiares. Assim, remanesceu a dúvida sobre a continuidade da manutenção da convivência familiar em época de pandemia e distanciamento social. Como garantir que pais e filhos continuem a conviver, se há obrigatoriedade de cada um permanecer em sua própria residência?
Adianta-se: não há uma resposta pronta, genérica, a ser aplicada a qualquer caso. É primordial que se analise a situação de cada seio familiar, a fim de que se encontre a melhor solução para o impasse.
Inicialmente, é válido destacar que o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) emitiu um documento com recomendações para a proteção das crianças e dos adolescentes durante a pandemia do COVID-19. Dentre as orientações, o CONANDA defendeu que, para evitar o risco à saúde dos menores, as visitas e o período de convivência deveriam ser, preferencialmente, substituídos por meios de comunicação telefônica ou on-line[5].
Evidentemente, se houver uma relação saudável entre os genitores, o bom senso surgirá de forma natural. Para se chegar a um denominador comum, é mister que, além dessas recomendações, façam-se alguns questionamentos, como: quem tem mais condições, nesse momento, de praticar o distanciamento social? Qual dos genitores se expõe menos ao risco de contágio diante da impossibilidade de home office?
Infelizmente, o que se percebe rotineiramente é a falta de diálogo efetivo entre ex casais. Pais que não seguem as orientações para evitar o contágio da doença ou que se aproveitam dessa medida para fomentar campanhas de afastamento do outro genitor em relação ao filho são alguns dos exemplos que impactam negativamente na vida e no desenvolvimento das crianças. Nesses casos, acima de tudo, recomenda-se o registro de qualquer tentativa de acordo acerca do bem-estar do filho; até mesmo para se evitar uma eventual falsa alegação de alienação parental.
Mas, afinal, não havendo composição amigável entre os pais, quais as possibilidades jurídicas a serem adotadas?
O Direito, por si só, é incapaz de antever todos os cenários da vida. No entanto, nesse momento de pandemia, o judiciário vem respondendo às demandas judiciais de maneira ágil e, quase sempre, priorizando o equilíbrio entre as relações, bem como o melhor interesse dos menores frente à atual situação.
Há decisões, por exemplo, que substituem a convivência e a visita pessoal do genitor e determinam a realização do contato de modo virtual, pautando-se na segurança do menor e nas recomendações do Ministério da Saúde. Veja-se decisão recentemente proferida pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR):
[…] 5. Diante do conhecimento público e notório quanto à pandemia do Coronavírus (COVID-19) que assola o mundo e o país, bem como considerando as diversas restrições determinadas pelos poderes públicos para fins de contenção da proliferação do vírus (orientação de isolamento, evitar aglomerações, suspensão das atividades de shoppings centers, cuidados na higienização, etc.), oportuno acolher o pedido formulado, a fim de restringir, temporariamente e excepcionalmente, o direito de visitação paterno, de modo a evitar que a criança seja retirada do seu lar de referência neste período, expondo-se à contaminação do vírus, assim como os seus familiares e demais pessoas do seu convívio social.
A medida é necessária no caso em apreço considerando a informação de que a criança reside com pessoa enquadrada em grupo de risco, de acordo com a classificação do Ministério da Saúde, já estando, inclusive, em isolamento domiciliar.Friso, novamente, que se trata de uma medida temporária, num momento em que os cuidados para com a criança devem ser adotados por ambos os pais, não se rompendo por completo o convívio com nenhum dos genitores, ainda que esse contato se dê de forma virtual. Neste caso, pensando no bem estar da criança e visando evitar a ruptura do vínculo paterno-filial, adequado que se mantenha o convívio paterno de forma segura mediante chamada de vídeo nos mesmos dias de visitação acordados entre as partes[6].”
Indo ao encontro do que foi decidido no estado do Paraná, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) assim também decidiu:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. VISITA PATERNA AOS FILHOS MENORES. COVID-19. VISITAS NO MODO VIRTUAL. O convívio com o pai não guardião é indispensável ao desenvolvimento sadio das crianças e adolescentes. Situação excepcional configurada pela pandemia de COVID-19 e recomendação do Ministério da Saúde para manutenção do distanciamento social que apontam para o acerto da decisão recorrida, ao determinar contato do pai com o filho por meio de visita virual diária, pelo menos por ora. Medida direcionada não só à proteção individual, mas à contenção do alastramento da doença. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO, EM DECISÃO MONOCRÁTICA[7].
Diferentemente das decisões acima destacadas, há posicionamentos jurisprudenciais diversos que entendem devida a manutenção da convivência e da visitação dos genitores, desde que ausente comprovação de risco à saúde e ao bem-estar do menor. Nesse sentido, foi decisão também proferida no TJRS, demonstrando a peculiaridade de cada caso:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DIVÓRCIO LITIGIOSO. VISITAÇÃO MATERNA. MANUTENÇÃO. SUSPENSÃO INDEVIDA. A fim de preservar a necessária convivência entre mãe e filha, deve ser mantida a regulamentação da visitação materna, nos moldes estipulados em audiência. Descabida a pretensão de suspensão da visitação diante do evento COVID-19, uma vez que ausente comprovação de que as visitas da mãe importariam risco à saúde e ao bem-estar da criança, presumindo-se que empreenderá todos cuidados necessários para a respectiva preservação. Manutenção da adequada convivência da mãe com a filha menor. Precedentes do TJRS. Agravo de instrumento desprovido[8].
Independentemente da situação e do relacionamento entre os genitores, o bom senso deveria se sobressair a todos os impasses eventualmente existentes com a finalidade de se buscar o melhor interesse do menor. Caso não seja possível, há outros meios de resolução dos conflitos, como a mediação extrajudicial – podendo ser realizada inclusive por videoconferência – , com o objetivo de que os pais consigam firmar um acordo.
Na impossibilidade de qualquer tentativa extrajudicial, pode-se recorrer à via judicial para a regulamentação do período de convivência. Nesse caso, o juiz, a seu critério e com base no ordenamento jurídico, analisará com impessoalidade a situação em concreto.
É preciso salientar que há diversos outros meios para a manutenção da convivência entre os menores e os genitores, ainda que seja definida a suspensão temporária da convivência física. Com o advento da tecnologia, é possível a realização temporária de telefonemas e videochamadas em dias e horários pré-determinados, imperando para a análise o bom senso e a boa-fé dos genitores. Distância física não representa, necessariamente, distanciamento afetivo. Assim, os meios virtuais, neste momento de confinamento, podem ser instrumentos para manter os laços afetivos entre pais e filhos.
Desse modo, por mais que o contato pessoal reste prejudicado, o convívio familiar se mantém, ainda que de forma temporariamente diversa. Pode-se estipular, inclusive, que após a pandemia o genitor que teve seu período de convivência restrito tenha um convívio mais longo como forma de “compensação”.
Frisa-se: não existe uma única resposta certa que abranja todos os tipos de situações. O direito de convivência nos moldes convencionais é primordial, salvo casos em que haja risco de saúde dos filhos, dos pais ou das demais pessoas que residam com o menor. O importante é que os genitores tentem, na medida do possível, buscar a solução mais benéfica para o menor, considerando todas as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e as necessidades dos infantes.
[1] Advogada. Pós-Graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI). Especialista em Planejamento Sucessório pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e da Comissão de Direito de Família da OAB/SC. Co-autora do livro “Desafios Contemporâneos do Direito de Família e Sucessões” (2018) e de artigos.
[2] Estagiária do escritório Schiefler Advocacia. Graduanda da sétima fase em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Graduada em Licenciatura e Bacharelado em Teatro na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) – 2015.
[3] O parágrafo único desse mesmo artigo afirma que esse direito também se estende aos avós, a critério do juiz, conforme o interesse do menor. Apesar de não ser o foco do estudo, é válido mencionar que as recomendações aqui expostas também podem ser aplicadas, de acordo com o caso concreto, a situações de convivência familiar entre avós e netos.
[4] MADALENO, Rolf. Direito de família. 7. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 456.
[5] […] 18. Que crianças e adolescentes filhos de casais com guarda compartilhada ou unilateral não tenham sua saúde e a saúde da coletividade submetidas à risco em decorrência do cumprimento de visitas ou período de convivência previstos no acordo estabelecido entre seus pais ou definido judicialmente. Para tanto, devem ser observadas as seguintes orientações: a. As visitas e os períodos de convivência devem, preferencialmente, ser substituídos por meios de comunicação telefônica ou on-line, permitindo que a convivência seja mantida; b. O responsável que permanece com a criança deve manter o outro informado com regularidade e não impedir a comunicação entre a criança ou adolescente com o outro responsável; c. Em casos que se opte pela permissão de visitas ou períodos de convivência, responsáveis que tenham voltado de viagem ou sido expostos à situações de risco de contágio devem respeitar o período de isolamento de 15 dias antes que o contato com a criança ou o adolescente seja realizado; d. O deslocamento da criança ou do adolescente deve ser evitado; e. No caso de acordada a visita ou permissão para o período de convivência, todas as recomendações de órgãos oficiais devem ser seguidas; f. O judiciário, a família e o responsáveis devem se atentar, ao tomarem decisões relativas à permissão de visitas ou períodos de convivência, ao melhor interesse da criança e do adolescente, incluindo seu direito à saúde e à vida, e à saúde da coletividade como um todo
[6] TJPR, Autos n. 0018199-09.2019.8.16.0188, Relatora Juíza Fernanda Maria Zerbeto, 3ª Vara de Família e Sucessões da comarca de Curitiba, Data da decisão:20/03/2020
[7] TJRS, Agravo de Instrumento, Nº 70084141001, Sétima Câmara Cível, Relator: Vera Lucia Deboni, Julgado em: 16-04-2020
[8] TJRS, Agravo de Instrumento, Nº 70084149186, Sétima Câmara Cível, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em: 23-04-2020
Read MoreA chegada das audiências de conciliação on-line para tratar de seus conflitos, seja em âmbito administrativo ou judicial, é uma realidade pretendida, um pouco distante, mas cada vez mais próxima e já autorizada.
A Lei Federal nº 13.994/2020 previu uma relevante adaptação evolutiva e tecnológica: a audiência de conciliação em ambiente virtual nos Juizados Especiais Cíveis, estendendo-se a autorização aos Juizados Especiais da Fazenda Pública e aos Juizados Especiais Federais.
Gustavo Henrique Carvalho Schiefler[1]
Há uma utilidade inerente às audiências de conciliação quando as partes estão abertas ao diálogo, ainda que em posições firmes e contrapostas. A razão é simples: no evento de autocomposição, um terceiro intermedeia o processo de troca de informações e facilita que as partes compreendam seus interesses recíprocos, e não somente as posições, que criem opções aceitáveis, empreguem critérios objetivos e, ao fim, estruturem uma solução legítima para o problema. O acordo abrange a ideia de superação da solução potencial que decorreria da sentença, que naturalmente apresenta riscos às partes, pois depende inteiramente do entendimento de um terceiro imparcial.
As conciliações em Juizado Especial Cível que conduzi como estagiário e estudante de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), há mais de 10 anos, representaram a minha primeira experiência como ator do sistema de Justiça. Empolgava-me a quantidade e a qualidade dos acordos que eram alcançados quando as partes despiam-se de suas armaduras, quando ouviam o problema relatado por um terceiro, a partir de orientação legal e oportunidade para o diálogo.
Obviamente, muitas audiências de conciliação duravam trinta segundos e eram inúteis à resolução da controvérsia. Mas, quando venciam a resistência inicial, o acordo era comum. Se por um lado existem críticas relevantes em relação à obrigatoriedade da audiência de conciliação quando uma das partes expressa e antecipadamente nega o seu interesse em buscar um acordo[2], por outro é incontroverso o seu potencial e que um sem número de casos é encerrado adequadamente pela via consensual.
Aliás, o peso às partes e a ineficácia de inúmeras audiências de conciliação obrigatórias e presenciais são apenas sintomas de que este evento necessita de uma reformulação conceitual, ou melhor, de uma evolução estrutural.
Neste contexto, a transição das audiências para o ambiente virtual é desejada e previsível. A referência do momento é a Lei Federal nº 13.994/2020. Elogia-se efusivamente a inovação normativa segundo a qual os Juizados Especiais Cíveis estão agora autorizados a realizar as suas audiências de conciliação em ambiente virtual, por intermédio das tecnologias de transmissão de imagem e som.
É o que dispõe o recém-inserido § 2º do artigo 22 da Lei Federal nº 9.099/1995:
“Art. 22. […] §2º É cabível a conciliação não presencial conduzida pelo Juizado mediante o emprego dos recursos tecnológicos disponíveis de transmissão de sons e imagens em tempo real, devendo o resultado da tentativa de conciliação ser reduzido a escrito com os anexos pertinentes.”
A inovação é aderente a uma realidade nacional: a cultura tecnológica. Sem ignorar a carente categoria dos excluídos digitais, fato é que os brasileiros são adeptos e vocacionados aos meios de comunicação em ambiente virtual, com mais de 420 milhões dispositivos digitais, sendo 230 milhões celulares ativos e 180 milhões computadores (desktops, notebooks ou tablets), segundo estatísticas divulgadas em abril de 2019 pela Fundação Getúlio Vargas – FGV[3].
A prova derradeira de que a cultura tecnológica ocupa espaço cada vez mais integrado ao cotidiano do brasileiro e incorpora um progresso pujante à realidade socioeconômica veio com os tempos pandêmicos. É com a transmissão de áudios, vídeos e textos por dispositivos eletrônicos que se viabiliza a temporada de distanciamento social. É pelos smartphones, tablets, notebooks e computadores que nos comunicamos com aqueles que estão em isolamento domiciliar ou hospitalar em razão da COVID-19. É com videoconferências que nos organizamos profissionalmente ou aproveitamos momentos de descontração com familiares afastados.
De contatos a contratos, de diálogos a negociações, de serviços a pagamentos, de notícias a políticas públicas, os relacionamentos deslocaram-se de vez para um ambiente multimídia, universal e interligado: a internet. Nada mais natural que o locus para a resolução de controvérsias também seja deslocado a esse ambiente.
Os atendimentos remotos ao cliente, por meio de chats e e-mails, ou mesmo a resolução de controvérsias intermediada por plataformas eletrônicas especializadas, já são uma realidade. A novidade é que o fomento ao consenso on-line entre partes litigantes não representa mais uma exclusividade da iniciativa privada. A Lei Federal nº 13.994/2020 é prova de que o estado brasileiro, pouco a pouco, vem descobrindo as benesses do emprego de ferramentas eletrônicas para dirimir as controvérsias, expressão de uma tendência internacional denominada Online Dispute Resolution (ODR).
Como consultor jurídico da Mediação Online (MOL), empresa vencedora do Prêmio Conciliar é Legal, de 2018, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pelos resultados obtidos com sua plataforma tecnológica de serviços de negociação, conciliação e mediação em ambiente virtual, participei de alguns eventos que confirmaram esta tendência.
Desde o lançamento da campanha “A Justiça Não Vai Parar”, pela referida empresa, há algumas semanas, percebi um interesse genuíno de diversos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs) e Núcleos Permanentes de Mediação e Conciliação (Nupemecs) por uma solução que permitisse a virtualização estruturada das audiências de autocomposição.
Para além da recente autorização legal específica aos Juizados Especiais Cíveis, nota-se uma pretensão abrangente em favor da efetiva instauração de audiências on-line em todas as espécies de processos judiciais, seja em audiências de autocomposição pelo rito ordinário ou mesmo em audiências de instrução e julgamento.
Com a gratuidade do uso da plataforma tecnológica e dos serviços oferecidos durante a sobredita campanha, as dúvidas jurídicas mais básicas e comuns da administração judiciária, geralmente vinculadas ao processo de contratação pública, foram rapidamente superadas. Não havendo necessidade de se conversar sobre “como contratar” uma plataforma tecnológica que permita a realização estruturada e integrada dessas audiências, passou-se diretamente ao diálogo sobre as funcionalidades e sobre “como melhorar” as audiências de autocomposição no Brasil.
E neste contexto, não há espaço para dúvida. A virtualização das audiências de autocomposição nos processos judiciais brasileiros representa uma verdadeira adaptação evolutiva do Poder Judiciário.
Comunicações não presenciais são mais econômicas, céleres, seguras e, comumente, mais eficientes. Para ficar em apenas um exemplo sobre a economicidade desta solução, ilustre-se que o preço de duas passagens de metrô, economizado por uma audiência presencial substituída pela audiência virtual, é aproximadamente equivalente ao preço de dois gigabytes de internet móvel para um smartphone, suficientes para as comunicações virtuais de uma semana regular; e as três ou cinco horas investidas entre o deslocamento antecedente e o retorno à residência para a participação em uma audiência presencial são substituídas por trinta a sessenta minutos da audiência virtual. Economia de tempo, economia de recursos.
O futuro das ODRs é promissor. As audiências on-line nos Juizados Especiais Cíveis devem ser apenas o início de uma transformação normativa e cultural na condução dos processos pelo Poder Judiciário brasileiro, que precisa alcançar especialmente as causas em que contende a administração pública.
Como advogado atuante na área de direito administrativo, vivencio também o lado oposto do entusiasmo com as audiências de conciliação. A partir do rigoroso e preconceituoso dogma de que a indisponibilidade do interesse público impediria qualquer transação pela administração pública, percebo o alívio da classe com despachos que negam a realização da audiência de conciliação.
O alívio quando uma audiência de conciliação não é agendada ou é cancelada num processo contra a administração pública não decorre de um espírito bélico que seria inerente à advocacia brasileira, mas de um verdadeiro sentimento de autopreservação, tanto de interesses próprios como dos clientes, já que audiências neste contexto infelizmente costumam durar trinta segundos, em tentativa infrutífera[4].
Sendo o estado brasileiro o maior litigante nacional, a chegada das audiências de conciliação on-line para tratar de seus conflitos, seja em âmbito administrativo ou judicial, é uma realidade pretendida, um pouco distante, mas cada vez mais próxima e já autorizada.
Autorizada porque, vale recordar, a Lei Federal nº 9.099/1995, que recebeu a inovação das audiências virtuais, é aplicável subsidiariamente aos Juizados Especiais da Fazenda Pública (vide artigos 15 e 27 da Lei Federal nº 12.153/2009) e aos Juizados Especiais Federais (vide artigo 1º da Lei Federal nº 10.259/2001). Portanto, a interpretação jurídica mais adequada é que os Juizados Especiais da Fazenda Pública (JEFPs) e os Juizados Especiais Federais (JEFs) também estão autorizados a realizar audiências on-line.
Deseja-se um implementação efetiva. Por enquanto, fica o anúncio de que a transposição da audiência de conciliação ao ambiente virtual é uma adaptação evolutiva do Poder Judiciário, que aumentará a eficácia do evento, seja pela economia de recursos e de tempo, pela diminuição das ausências ou pelo aumento dos níveis quantitativos e qualitativos dos acordos.
Com o tempo, a virtualização das audiências contribuirá para a confirmação de que o acesso à justiça nem sempre depende de um juiz togado, ou mesmo de um árbitro. Nada contra o trabalho dos magistrados e dos árbitros brasileiros, que, em regra, entregam boa jurisdição à comunidade, mas tudo em favor das alternativas prévias, como a pacificação das controvérsias pela internet, em exercício institucional e intermediado de autotutela.
Texto originalmente publicado em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/conciliacao-online-nos-juizados-especiais-e-uma-adaptacao-evolutiva-do-judiciario-11052020
[1] Advogado. Doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP). Educação Executiva pela Harvard Law School (Program on Negotiation). Pesquisador Visitante sobre arbitragem com administração pública no Max-Planck-Institut, em Hamburgo (Alemanha).
[2] Cf. CARREIRÃO, Bruno de Oliveira. Audiências de Conciliação são inúteis. Será que vocês já estão preparados para essa conversa? Portal Jurídico Investidura, Florianópolis/SC, 28 Abr. 2020. Disponível em: investidura.com.br/biblioteca-juridica/colunas/pitacos-de-um-advogado-rabugento/337834-audiencias-de-conciliacao-sao-inuteis-sera-que-voces-ja-estao-preparados-para-essa-conversa. Acesso em: 03 Mai. 2020
[3] Cf. 30ª Pesquisa Anual de Administração e Uso de Tecnologia da Informação nas Empresas, realizada pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP). Disponível em: << https://eaesp.fgv.br/ensinoeconhecimento/centros/cia/pesquisa>> Acesso em 3. Mar. 2020.
[4] Uma importante novidade neste cenário encontra-se na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), com a inserção recente do seu artigo 26, que permite expressamente a celebração de compromissos pela administração pública para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público.
Read MoreÉ preciso ficar atento às eventuais mudanças que a pandemia gerará no cotidiano familiar, bem como às alternativas jurídicas aptas a buscar a readequação momentânea e o reequilíbrio dessas relações.
Laísa Santos[1]
Gustavo Schiefler[2]
É inegável que o caos provocado pela pandemia da COVID-19 afetou não só a rotina e a economia do mundo, mas também as relações familiares.
Durante o período de quarentena, por exemplo, várias cidades da China registraram um recorde no número de pedidos de divórcios. Em alguns distritos, todos os horários disponíveis em escritórios locais estão superlotados para tratar sobre o assunto[3]. Já na França, o governo anunciou nesta segunda-feira (30/03) que pagará quartos de hotel para vítimas de violência doméstica e abrirá centros de aconselhamento após dados mostrarem que o número de casos de abusos subiu consideravelmente durante a primeira semana de quarentena[4].
No Brasil, pode-se esperar um grande impacto nas relações familiares dentro de algumas poucas semanas. Pagamento de pensões alimentícias, visitas e períodos de convivência sofrerão alterações. A reorganização da rotina, da convivência com o cônjuge, dos dias em que cada genitor permanecerá com as crianças ou com os idosos e a forma de prestar alimentos também passará por modificações e readequações.
Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça concedeu, nesta última quarta-feira (25/03), habeas corpus coletivo para todos os presos por dívidas alimentícias no país em virtude da pandemia da COVID-19[5]. Com essa decisão, todos os devedores passarão a cumprir a sanção em regime domiciliar. As condições de cumprimento, entretanto, ainda serão estipuladas pelos juízes estaduais, inclusive quanto a sua duração.
Assim como o Tribunal de Justiça do Paraná[6], o Tribunal de São Paulo[7] também restringiu a convivência física entre pai e filho em situações que colocariam o menor ou familiares em risco de contrair a doença.
Já o juiz Iolmar Alves Baltazar, da 1ª vara de Balneário Piçarras, no litoral norte de Santa Catarina, negou nesta terça (31/03) o pedido de uma mãe que pretendia levar seu filho pequeno a Londres para conhecer a família do pai. Nesta situação específica, além de o genitor ter se recusado a assinar a autorização da viagem, o fator decisivo para a negativa foi a pandemia do novo coronavírus.
Na decisão, o juiz ressaltou a importância da viagem para conhecer o parentesco paterno. Todavia, argumentou que no momento pelo qual atravessa a humanidade frente à presente pandemia, uma viagem internacional ao continente europeu violaria, inclusive, o melhor interesse e proteção da criança em questão[8].
Já na 1ª vara da família e registro civil da capital do Recife, o magistrado Clicério Bezerra celebrou um casamento de forma virtual na terça-feira (17/03). Segundo ele, foi a forma encontrada para tentar evitar a proliferação do coronavírus, impedindo aglomerações e, ao mesmo tempo, impedindo a frustração dos noivos[9].
Não há dúvidas sobre os impactos que a pandemia e o isolamento social trarão para as relações familiares. E é exatamente por implicar repentinas mudanças e, consequentemente, conflitos, que situações como as expostas chegarão ao Poder Judiciário, a quem caberá resolver de maneira ágil e adequada, buscando priorizar o equilíbrio entre as relações bem como o melhor interesse da criança frente à atual situação imposta por esta pandemia.
Especificamente com relação à proteção da saúde dos infantes, é necessário o bom senso dos pais que transitaram por locais de risco ou que tiveram contatos com pessoas que possuem sintomas ou testaram positivo para o vírus em manter distanciamento temporário dos seus filhos. Igualmente, é importante que sejam seguidas as orientações dadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e do município e/ou estado sobre a circulação em estabelecimentos públicos ou privados.
Por outro lado, pais que mantêm a guarda da criança ou que estão responsáveis por ela nesse período de quarentena devem utilizar de toda a tecnologia disponível para que haja a manutenção do contato e dos laços com o outro genitor. Assim como determinou a juíza do Paraná no caso supracitado, os aparatos digitais podem ser o caminho para remediar os impasses existentes, visto que a convivência virtual pode auxiliar a manter aquilo o que a Constituição Federal garante a toda a criança e adolescente, qual seja, o direito de se relacionar e desenvolver em contato com ambos os núcleos familiares.
Necessário ressaltar que o distanciamento físico não representa, na maioria dos casos, em distanciamento afetivo. Os meios virtuais podem – e devem – ser instrumentos para aumentar os laços afetivos entre pais e filhos.
Outro ponto delicado a ser enfrentado em breve pelo judiciário é quanto ao pagamento das pensões alimentícias. Inevitavelmente a reviravolta econômica trará severas consequências no pagamento das verbas alimentícias, impactando a realidade das famílias com o agravamento das dívidas.
Para aqueles que pagam sob um percentual dos seus rendimentos líquidos, embora possa existir uma redução do salário, a questão estará mais facilmente resolvida. Todavia, em relação aos trabalhadores autônomos ou empresários que enfrentarão quedas ou interrupções do trabalho, é provável que haja uma corrida ao judiciário para ajuizar ações revisionais que objetivem a diminuição do valor pago.
Essas e outras tantas situações evidenciam brevemente os impactos que a COVID-19 têm nas relações familiares. Diante deste contexto, é preciso ficar atento às eventuais mudanças que a pandemia gerará no cotidiano familiar, bem como às alternativas jurídicas aptas a buscar a readequação momentânea e o reequilíbrio dessas relações.
[1] Advogada, graduada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), pós-graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI) e especialista em Planejamento Sucessório pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
[2] Advogado. Doutor em Direito do Estado (USP). Mestre e graduado em Direito (UFSC).
[3] https://www.bbc.com/portuguese/internacional-52012304. Acesso em 26/03/2020.
[4] https://www.poder360.com.br/internacional/franca-colocara-vitimas-de-violencia-domestica-em-hoteis/. Acesso em 31/03/2020.
[5] http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/STJ-estende-liminar-e-concede-prisao-domiciliar-a-todos-os-presos-por-divida-alimenticia-no-pais.aspx. Acesso em 26/03/2020.
[6] […] A medida é necessária no caso em apreço considerando a informação de que a criança reside com pessoa enquadrada em grupo de risco, de acordo com a classificação do Ministério da saúde, já estando, inclusive, em isolamento domiciliar. Friso, novamente, que se trata de uma medida temporária, num momento em que os cuidados para com a criança devem ser adotados por ambos os pais, não se rompendo por completo o convívio com nenhum dos genitores, ainda que esse contato se dê de forma virtual. Neste caso, pensando no bem-estar da criança e visando evitar a ruptura do vínculo paterno-filial, adequado que se mantenha o convívio paterno de forma segura mediante chamada de vídeo nos mesmos dias de visitação acordados entre as partes. (TJPR, Juíza Fernanda Maria Zerbeto Assis Monteiro, Decisão 20/03/2020).
[7] […] Como no momento vivenciamos situações de excepcionalidade, dadas as restrições de locomoção de pessoas em todos os continentes, a situação a que a autora se refere guarda perfeita relação de pertinência. Em razão da pandemia decorrente da propagação do coronavírus, é realmente recomendável, por força da profissão exercida pelo requerido. As visitas do pai a filha até o dia 21 de março ficam suspensas, a partir da data ele deverá exercer o seu direito normalmente, caso não tenha apresentado nenhum dos sintomas da gripe causada pelo coronavírus”. (TJSP, 1014033-60.2018.8.26.0482, Juiz Eduardo Gesse, Decisão 18/03/2020)
[8]https://www.tjsc.jus.br/web/imprensa/-/negado-pedido-de-mae-que-queria-fazer-turismo-com-filho-no-exterior-em-plena-pandemia?inheritRedirect=true&redirect=%2F. Acesso em 31/03/2020.
[9]https://www.leiaja.com/noticias/2020/03/20/em-tempo-de-covid-19-juiz-realiza-casamento-virtual. Acesso em 31/03/2020.
Read MoreA crise que se instalou no Brasil pode servir como gatilho para o desenvolvimento de uma nova administração pública: mais digital do que nunca.
Está em todos os jornais. Todas as redes sociais. Todos os grupos de WhatsApp. Todas os canais de televisão.
Os países em todo o planeta estão envidando esforços para tentar conter o contágio desenfreado do COVID-19 entre a população, principalmente entre aquela considerada “de risco”. Para tanto, os governos estão expedindo normas que visam à diminuição das interações sociais, como a suspensão dos serviços públicos “não essenciais” e do transporte público coletivo, o fechamento de fronteiras e, em alguns casos, até mesmo a proibição do trânsito de cidadãos nas ruas, entre outras medidas.
Como era de se esperar, o Brasil não está isento da crise mundial que se instalou. Os cidadãos brasileiros estão assistindo aos seus governantes adotarem medidas extremas para frear o contágio e tentar “dilui-lo” ao longo do tempo, para evitar a saturação do sistema de saúde, que não possui condições de atender uma demanda generalizada de pacientes em estado grave.
Uma das medidas adotadas, como salientado, foi a suspensão de alguns serviços públicos que demandam a presença física dos servidores e da população, os quais proporcionariam um ambiente propício para o contágio do COVID-19. Além disso, houve um movimento nacional para viabilizar e implementar o home office de servidores públicos, com o intuito de evitar tanto o contágio como a paralisação total da atividade administrativa.
E foi justamente nesse momento de crise que veio à tona a importância de existir processos administrativos eletrônicos e serviços públicos em formato digital, que estejam à disposição dos cidadãos brasileiros. A simbiose desses instrumentos permite a efetividade das medidas até o momento adotadas por algumas administrações públicas: o home office dos servidores e a continuidade dos serviços públicos cuja presença física do destinatário é prescindível.
A propósito, algumas aplicações digitais já foram desenvolvidas e adotadas pelas administrações públicas para fazer frente ao contágio do COVID-19.
É o caso do Município de Florianópolis, que lançou, no dia 16 de março, o programa “Alô, Saúde”, responsável por oferecer atendimento pré-clínico por meio de telefone e aplicativos, 24 horas por dia, aos moradores da capital catarinense que estejam cadastrados nos centros de saúde do município. O atendimento pode ser realizado por meio de telefone, WhatsApp, website ou aplicativo de celular (iOS e Android), sendo possível marcar consultas, solucionar dúvidas sobre o sistema de saúde e resultados de exames[1].
No âmbito nacional, o Ministério da Saúde também desenvolveu aplicativo que visa à divulgação de informações sobre o COVID-19 e ao combate às fake news relacionadas à doença. Por meio do aplicativo “Coronavírus – SUS” (também disponível em iOS e Android), o cidadão pode conhecer dicas de prevenção, descrição de sintomas, formas de transmissão e mapa de unidades de saúde, por exemplo[2].
Esses são apenas alguns exemplos – trazidos ao texto em razão da utilidade e por estarem mais próximo de quem vos escreve, nesse período de fundamental “quarentena social” – de como a crise instalada no país exaltou a necessidade de transformação da administração pública brasileira.
É o momento de salientarmos a importância da administração pública digital, a qual, por meio de processos administrativos eletrônicos e mediante o uso das tecnologias mais modernas, busca aumentar a eficiência, a transparência, a participação social, o controle, a simplificação da burocracia, a agilidade e qualidade na prestação de serviços públicos, etc.
Esses objetivos podem ser alcançados em razão de que a administração pública mais digitalizada fortalece, por exemplo, (1) a celeridade na expedição de intimações, no protocolo de petições e nas tomadas de decisões, (2) a avaliação de desempenho e produtividade dos servidores em tempo real, (3) a diminuição do tempo ocioso do processo parado na repartição pública, (4) a qualificação dos servidores para atuar numa administração pública mais tecnológica, (5) a diminuição dos impactos ambientais, (6) a mitigação de tarefas repetitivas e a consequente especialização das funções administrativas e (7) a tramitação simultânea ou paralela entre diversos órgãos públicos.
É preciso ressaltar, ainda, que o processo administrativo eletrônico, e consequentemente a administração pública digital, carregam potencial para “a incorporação célere de tecnologias contemporâneas disruptivas, apresentando-se como o primeiro passo rumo ao desenvolvimento de uma administração pública moderna e tecnológica, atenta aos anseios da sociedade da informação do século XXI, aos direitos fundamentais dos cidadãos e à prestação de serviços públicos digitais com qualidade”[3].
Alguns exemplos de tecnologias atualmente existentes e que podem ser aproveitadas pela administração pública digital que atua mediante processos administrativos eletrônicos são: (1) a computação em nuvem (cloud computing) nas entidades e órgãos públicos, (2) a utilização mais efetiva das redes sociais para alcançar a população mais distante da esfera administrativa, (3) o processamento de Big Data para conferir mais eficiência e qualidade aos serviços públicos, (4) a tecnologia blockchain nos processos de contratações públicas, mas não restrito a eles, e (5) o uso de ferramentas que operam com inteligência artificial.
Portanto, o desprezo das possibilidades e benefícios proporcionados à administração pública pelas tecnologias mais modernas é algo inadmissível diante da realidade que o início da terceira década do século XXI nos impõe. As tecnologias já fazem parte do cotidiano da sociedade brasileira e, em momentos de crise como esta, torna-se evidente a necessidade de repensar a administração pública tipicamente analógica.
O COVID-19 chegou ao país e, a partir de agora, resta saber se ele será o gatilho para o desenvolvimento de uma nova concepção de administração pública: mais digital do que nunca.
Eduardo Schiefler – Advogado no escritório Schiefler Advocacia, com atuação específica na área de Direito Administrativo. Mestrando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Integrante do Grupo de Estudos em Direito Público (GEDIP/UFSC). Integrante do Grupo de Pesquisa em Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial (DRIA.UnB). Colaborador do Portal Jurídico Investidura (PJI). Colaborador da Loja.Legal. Autor de artigos acadêmicos, especialmente na área de Direito Administrativo e Tecnologia.
[1] Disponível em: https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2020/03/16/florianopolis-lanca-servico-de-atendimento-virtual-para-casos-de-coronavirus-e-outras-doencas.ghtml. Acesso em 18 mar. 2020.
[2] Disponível em: https://www.unasus.gov.br/noticia/ministerio-da-saude-disponibiliza-aplicativo-sobre-o-coronavirus. Acesso em 18 mar. 2020.
[3] SCHIEFLER, Eduardo André Carvalho. Processo Administrativo Eletrônico. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. p. 157.
Texto originalmente publicado em: https://www.jota.info/coberturas-especiais/inova-e-acao/covid-19-e-a-importancia-da-administracao-publica-digital-18032020
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A advogada abordou tópicos referentes à Inteligência Artificial e ao Projeto VICTOR STF/UnB, do qual participa como pesquisadora.
A advogada Roberta Zumblick compôs painel sobre Processo e Tecnologia no II Congresso Brasileiro de Processo Civil, que ocorreu em Florianópolis nos dias 24, 25 e 26 de julho.
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Em sua mesa, que contou com a participação da Dra. Marina Polli e dos Drs. Erik Navarro e Bruno Bodart, Roberta Zumblick abordou tópicos referentes à Inteligência Artificial e ao Projeto VICTOR STF/UnB, do qual participa como pesquisadora.
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Coordenado pelo Prof. Pedro Miranda de Oliveira, o evento contou com mais de 120 renomados juristas e mais de 70 mesas, que discutiram temas relevantes e atuais do ponto de vista do direito processual civil e suas nuances. O número de inscrições superou 2.000 congressistas, alcançando o patamar de maior evento jurídico de 2019.
Temas importantes da atualidade, como inteligência artificial, tecnologia blockchain e Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) foram abordadas durante os dois dias de evento.
Registro da advogada Roberta Zumblick, em sua participação no EXPOJUD, Congresso de Inovação, Tecnologia e Direito para Ecossistema de Justiça, que aconteceu em Brasília (DF) nos dias 12 e 13 de junho.
O evento é o primeiro encontro sobre a revolução exponencial desse segmento, possuindo como objetivo a promoção de debates sobre inovação, tecnologia e empreendedorismo no âmbito do sistema judicial. Temas importantes da atualidade, como inteligência artificial, tecnologia blockchain e Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) foram abordadas durante os dois dias de evento.
Em seu painel, cujo moderador foi o Dr. Caio Moyses de Lima, Juiz Federal do TRF-1, a advogada analisou alguns aspectos que foram abordados em seu livro “Inteligência Artificial e Direito”, escrito em coautoria com o seu orientador de Mestrado, Prof. Fabiano Hartmann.
Read MoreA obra aborda a utilização em grande escala de ferramentas de Inteligência Artificial pelo Direito, dentro do contexto de um mundo cada vez mais alinhado à tecnologia.
Divulgamos a publicação do livro “Inteligência Artificial e Direito”, escrito pela advogada Roberta Zumblick, em coautoria com o seu orientador de Mestrado, Prof. Fabiano Hartmann.
A obra aborda a utilização em grande escala de ferramentas de Inteligência Artificial pelo Direito, dentro do contexto de um mundo cada vez mais alinhado à tecnologia. Este é o primeiro volume da coleção “Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial”, projeto do grupo de pesquisa DR.IA da Universidade de Brasília (UnB).
O livro foi publicado pela Editora Alteridade e já está disponível para aquisição no site: https://www.alteridade.com.br/
Read MoreEduardo apresentou um projeto de pesquisa dedicado a estudar a relação entre o Direito Administrativo e as novas tecnologias, inclusive a inteligência artificial.
Neste primeiro semestre de 2019, o advogado Eduardo Schiefler ingressou no curso de Mestrado da Universidade de Brasília (UnB), período em que será orientado pelo professor Dr. Fabiano Hartmann, coordenador do Grupo de Pesquisa em Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial (DR.IA UnB).
Eduardo apresentou um projeto de pesquisa dedicado a estudar a relação entre o Direito Administrativo e as novas tecnologias, inclusive a inteligência artificial. Dentre mais de 90 candidatos para a sua área, o advogado foi aprovado em 1º lugar na fase da Prova Dissertativa, em 1º lugar na fase de Análise de Projetos e, após a fase de entrevistas, terminou o processo seletivo classificado em 2º lugar.
Parabéns, Eduardo, que esse seja um período de grande aprendizado. A equipe do escritório Schiefler Advocacia lhe deseja muito sucesso!
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