Exclusão Extrajudicial de Sócio em Sociedade Limitada
1. SUA EMPRESA É UMA SOCIEDADE LIMITADA (LTDA)?
A Sociedade Empresária de Responsabilidade Limitada (LTDA.) representa o tipo societário mais utilizado na praxe comercial brasileira, e é sobre ela que iremos tratar neste artigo. Se sua empresa for uma sociedade anônima (S/A), a exclusão extrajudicial de sócios é um tema mais delicado e, em razão da inexistência de previsão legal, existe intensa divergência doutrinária e jurisprudencial sobre a (i)legalidade da expulsão[1].
No entanto, a partir do momento em que constituídas, uma dúvida que sempre surge aos empreendedores é: o quadro societário só pode sofrer alterações voluntárias, por unanimidade dos sócios, ou um sócio pode deliberar pela exclusão de outro(s) sócios(s), mesmo contra a vontade do excluído? E, nesse último caso, é necessário acionar a Justiça?
2. DOS REQUISITOS PARA A EXCLUSÃO DOS SÓCIOS NAS SOCIEDADES LIMITADAS.
Existem três formas de saída de um sócio de uma sociedade: (i) uma na qual o próprio sócio que deseja se retirar pede para sair da empresa por meio do exercício do direito de retirada (artigo 1.029 do Código Civil), (ii) duas, em que o sócio comete falta grave e é expulso por meio de ação judicial ajuizada com este fim (artigo 1.030 do Código Civil) e (iii) três, pela qual os demais quotistas utilizam-se do percentual majoritário do capital social (mais de 50%) para, comprovada a existência de justa causa, excluir extrajudicialmente o sócio contra sua vontade (artigo 1.085 do Código Civil).
Em relação ao direito de retirada, a própria Constituição Federal de 1988 traz, em seu artigo 5°, XX, que “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”, podendo o sócio que assim desejar utilizar-se de seu direito de retirada, saindo por vontade própria do quadro societário da pessoa jurídica, mesmo que os demais sócios não concordem com a saída dele. Se a sociedade for de tempo determinado, é necessário ajuizar ação para comprovar justa causa e, sendo de tempo indeterminado, basta o pedido extrajudicial com antecedência mínima de 60 (sessenta dias), conforme artigo 1.029 do Código Civil.
Por outro lado, a exclusão extrajudicial do sócio (retirada forçada), foi expressamente prevista no artigo 1.085 do Código Civil de 2002, no qual se estabeleceu que: “(…) quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa”.
Observa-se que, para ser possível a exclusão extrajudicial de um sócio do quadro societário, é necessária a verificação de três pressupostos: previsão no contrato social, que o sócio a ser excluído detenha menos da metade do capital social e haja justa causa. Vamos analisar cada um deles.
- Previsão no contrato social: deve haver previsão expressa no contrato social de que os sócios podem ser excluídos extrajudicialmente e, se não houver, será necessário ajuizar ação judicial (artigo 1.030 do Código Civil). A previsão legal contida no artigo 1.085 do Código Civil não supre a omissão, interpretando-se a ausência como discordância dos sócios pela sua aplicação.
- O sócio a ser excluído deve deter menos da metade do capital social: o artigo 1.085 do Código Civil exige quórum de maioria do capital social para a exclusão do sócio, tornando impossível que um sócio detentor de mais da metade do capital (mais de 50%) seja excluído extrajudicialmente. Assim, apenas sócios que detenham 49,999%, ou menos, das quotas sociais podem ser excluídos desta forma.
- Deve haver justa causa: Para ser excluído de uma sociedade, o sócio deve estar atrapalhando a atividade comercial, não bastando para tal a simples desavença ou desentendimento pessoal entre os sócios (a famosa “quebra de affectio societatis”). Como diz a Lei, o sócio deve ter cometido “ato de inegável gravidade” que esteja “pondo em risco a continuidade da empresa”.
Assim, compreende-se que, no caso da exclusão extrajudicial (art. 1.085 do Código Civil), apenas os sócios que detenham participação inferior a 50% poderão ser atingidos, uma vez que é necessário a deliberação de mais da metade do capital social. Caso o sócio que se queira excluir possua 50% + 1 quota, ou em qualquer caso, na hipótese de inexistir previsão expressa da exclusão extrajudicial no contrato social, será necessário ajuizar ação judicial para demonstrar a falta grave cometida por ele (artigo 1.030 do Código Civil).
Uma dúvida que se põe neste ponto é: se nenhum sócio possuir mais de 50% do capital social, ainda é possível excluir os demais sócios? E a resposta é positiva, pois o artigo 1.085 do Código Civil apenas menciona que o quórum deve ser de maioria do capital social, sem distinção. Assim, os sócios podem unir suas participações para, juntos, excluírem o quotista faltoso. Por exemplo, em uma empresa com 10 sócios em que cada um possua 10% do capital social, é possível realizar a exclusão extrajudicial de qualquer um deles, desde que haja voto favorável de pelo menos 6 (60%, mais de 50%) quotistas.
Além disso, o sócio deve ter cometido um ato que efetivamente tenha afetado o bom andamento da empresa, não bastando para tal a alegação de mera quebra de “affectio societatis”, quebra de confiança ou outros argumentos genéricos deste tipo. O pretenso excluído deve estar descumprindo suas obrigações assumidas ou atrapalhando o desenvolvimento da empresa (por exemplo, dificultando vendas, desviando clientela, esvaziando o patrimônio da sociedade, dificultando relacionamento com credores, devedores e fornecedores, tumultuando assembleias/reuniões, etc.).
Se qualquer destes pressupostos não estiver presente, a exclusão do sócio será considerada ilegal e passível de ser levada ao Poder Judiciário, que pode até mesmo anular a deliberação e ordenar a recondução do sócio ao quadro societário.
3. DO PROCEDIMENTO PARA EXCLUSÃO DE SÓCIO DE LTDAS.
Estando presentes os requisitos, a exclusão do sócio pode ser decidida em uma reunião ou assembleia convocada especificamente para esse propósito. Nesse caso, o sócio deverá ser notificado com antecedência suficiente para que possa exercer seu direito de defesa.
Vale lembrar que a assembleia de sócios, disposta no artigo 1.072 do Código Civil, é obrigatória apenas para sociedades com mais de 10 sócios. Em sociedades com até 10 sócios, as deliberações podem ser realizadas em reuniões.
A realização da assembleia/reunião, convocada nos termos do contrato social e da Lei, bem como a garantia de prazo para que o sócio apresente sua defesa, são pontos bastante relevantes: o sócio excluído deve ter efetivamente a oportunidade de ser notificado com antecedência e se defender das acusações imputadas. Se não lhe for permitido o direito de contraditório e ampla defesa, a deliberação também poderá ser anulada pelo Poder Judiciário.
Após a realização da reunião ou assembleia e a decisão pela exclusão do sócio, a ata e a alteração do contrato social devem ser encaminhadas à Junta Comercial para arquivamento, uma vez que a exclusão do sócio naturalmente implica mudanças no quadro societário.
Além disso, ao se resolver em relação a um sócio, deverão ser pagos a ele o valor de sua quota (apuração e pagamento de haveres). O artigo 1.031 do Código Civil afirma que, salvo disposição contrária no contrato social, o valor será calculado com base na situação patrimonial da sociedade, por meio de balanço especialmente levantado. Determina-se, ainda, a redução do capital social, salvo se os sócios remanescentes suprirem o valor da quota, e o pagamento dos haveres no prazo de 90 (noventa) dias a partir da resolução, prevalecendo a disposição do contrato social, se contrária.
Todos estes pontos (alteração do quadro societário e diminuição ou recomposição do capital social) podem ser resolvidos em uma mesma alteração ao contrato social. O pagamento dos haveres, por sua vez, também pode se dar de forma extrajudicial e nos termos do que estiver previsto no contrato social, não sendo necessário ajuizar ação de apuração de haveres contra o excluído.
4. CONCLUSÃO
Em conclusão, a exclusão extrajudicial de sócio em sociedade limitada configura-se como um procedimento sensível e rigorosamente regulamentado pela legislação brasileira. As disposições do Código Civil estabelecem requisitos essenciais para a exclusão, que deve ocorrer por justa causa e com base em critérios objetivos previstos no contrato social. A exigência de justa causa protege o sócio de arbitrariedades e assegura que a exclusão ocorra somente quando os atos do sócio representem um risco grave à continuidade da sociedade.
O procedimento para exclusão deve ser realizado de forma transparente, garantindo o direito de defesa ao sócio em questão. A realização de reunião ou assembleia específica, com registro e arquivamento da decisão na Junta Comercial, resguarda o processo e assegura a conformidade com os requisitos legais. Ademais, a previsão do pagamento de haveres ao sócio excluído, de acordo com o descrito no contrato social, reforça o compromisso da legislação em equilibrar os interesses dos sócios remanescentes e do sócio retirado.
[1] Desfavoravelmente, há STJ – Recurso Especial 1.459.190/SP. Comentário por Marcelo Vieira von Adamek. Revista de Direito Civil Contemporâneo. vol. 33. ano 9. p. 447-473. São Paulo: Ed. RT, out./dez. 2022.
Read MoreSe a Administração Pública deixar de pagar por mais de 90 dias, a empresa contratada não precisa de autorização judicial para suspender a execução das suas obrigações contratuais.
Enunciado 6 – O atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração Pública autoriza o contratado a suspender o cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação, mesmo sem provimento jurisdicional.
As licitações e contratos administrativos firmados pela Administração Pública direta e por parcela[1] da Administração indireta são regidos, regra geral, pela Lei Federal nº 8.666/1993, que estabelece normas gerais pertinentes a obras, serviços, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Esta Lei prevê, em seu artigo 78, diversas hipóteses que constituem motivo para a rescisão do contrato administrativo celebrado com a Administração Pública. Para o que interessa ao assunto que se está abordando, vale transcrever in verbis o inciso XV do artigo 78:
Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato:
[…]
XV – o atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação;
A regra é clara: se o Poder Público não cumprir com a contraprestação financeira acordada em contrato, por mais de 90 dias, a empresa contratada está autorizada a rescindir o contrato, o que só pode ser realizado por decisão judicial, ou a suspender o cumprimento das suas obrigações, ou seja, autoriza-se a suspensão do contrato até o cumprimento por parte da Administração. Este dispositivo trata de ferramenta extremamente valiosa para as empresas contratadas, as quais estão situadas em uma posição de fragilidade jurídica em comparação às prerrogativas da Administração em matéria de contrato administrativo.
A bem da verdade, o artigo 78, inciso XV, da Lei nº 8.666/1993 positiva e atrai ao campo das licitações e contratos administrativos a oponibilidade da exceção do contrato não cumprido, também conhecida como exceptio non adimpleti contractus.
Em matéria de direito privado, esta hipótese está prevista nos artigos 476 e 477 do Código Civil[2], os quais vedam a possibilidade de que algum dos contratantes exija, antes de cumprida a sua obrigação, o implemento da do outro. Já no que toca ao campo dos contratos administrativos, MARÇAL JUSTEN FILHO entende que “A exceptio non adimpleti contractus adquire configuração específica no campo dos contratos administrativos”, sendo admitida a recusa do contratado em desempenhar as suas obrigações “quando a Administração incorrer em atraso superior a noventa dias do pagamento de obras, serviços ou fornecimento já realizados (art. 78, XV)”[3].
Por óbvio, a hipótese de rescisão/suspensão contratual ventilada não é aplicada sem que haja controvérsia sobre os seus efeitos e, especialmente, sobre a possibilidade de que a empresa contratada simplesmente decida, proativamente, suspender a execução das suas obrigações contratuais.
Com o objetivo de trazer mais clareza a esse instituto, tão importante para fortalecer a segurança jurídica no âmbito dos contratos administrativos e evitar que os contratados sejam obrigados a manter execução contratual em franco prejuízo, este tema foi objeto de discussão na I Jornada de Direito Administrativo do Conselho da Justiça Federal, tendo sido aprovado o Enunciado 6 com o seguinte teor:
Enunciado 6
O atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração Pública autoriza o contratado a suspender o cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação, mesmo sem provimento jurisdicional.
De acordo com o texto do enunciado aprovado, que repete em boa parte o conteúdo do dispositivo legal, um detalhe, que já foi objeto de controvérsia, torna-o importante ferramenta para tornar mais clara e efetiva a incidência da hipótese do inciso XV do artigo 78 da Lei nos casos concretos: a prescindibilidade de que a empresa contratada obtenha autorização judicial para suspender o cumprimento das suas obrigações contratuais.
Ao que parece, o Enunciado 6 busca consolidar ainda mais o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no paradigmático julgamento do REsp nº 910.802/RJ, de relatoria da Ministra Eliana Calmon, segundo o qual a Lei nº 8.666/1993 não exige a obtenção de provimento jurisdicional para que o contrato esteja autorizado a optar pela suspensão da execução contratual. Confira-se:
[…] 4. Com o advento da Lei 8.666/93, não tem mais sentido a discussão doutrinária sobre o cabimento ou não da inoponibilidade da exceptio non adimpleti contractus contra a Administração, ante o teor do art. 78, XV, do referido diploma legal. Por isso, despicienda a análise da questão sob o prisma do princípio da continuidade do serviço público.
5.Se a Administração Pública deixou de efetuar os pagamentos devidos por mais de 90 (noventa) dias, pode o contratado, licitamente, suspender a execução do contrato, sendo desnecessária, nessa hipótese, a tutela jurisdicional porque o art. 78, XV, da Lei 8.666/93 lhe garante tal direito.
6.Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, provido.
(STJ, REsp 910.802/RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/06/2008)
Como era de se esperar, tendo em vista a função do STJ de uniformizar as interpretações dos Tribunais brasileiros atinentes à legislação federal, este acórdão balizou o entendimento de que o provimento jurisdicional é desnecessário nessas hipóteses. Cita-se como exemplo mais um julgado do STJ, que faz referência expressa ao REsp nº 910.802/RJ:
[…] 10. O Superior Tribunal de Justiça consagra entendimento no sentido de que a regra de não-aplicação da exceptio non adimpleti contractus, em sede de contrato administrativo, não é absoluta, tendo em vista que, após o advento da Lei 8.666/93, passou-se a permitir sua incidência, em certas circunstâncias, mormente na hipótese de atraso no pagamento, pela Administração Pública, por mais de noventa dias (art. 78, XV). A propósito: AgRg no REsp 326.871/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJ de 20.2.2008; RMS 15.154/PE, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 2.12.2002. Além disso, não merece prosperar o fundamento do acórdão recorrido de que as empresas necessitariam pleitear judicialmente a suspensão do contrato, por inadimplemento da Administração Pública. Isso, porque, conforme bem delineado pela Ministra Eliana Calmon no julgamento do REsp 910.802/RJ (2ª Turma, DJe de 6.8.2008), “condicionar a suspensão da execução do contrato ao provimento judicial, é fazer da lei letra morta”. […]
11.Recurso especial parcialmente provido, apenas para afastar a multa aplicada em sede de embargos declaratórios.
(STJ, REsp 879.046/DF, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/05/2009, DJe 18/06/2009)
A jurisprudência dos demais Tribunais brasileiros está consoante o entendimento do STJ, como se verifica, exemplificativamente, da seguinte decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), que afastou multa imposta à empresa contratada pela Administração por ter interrompido a execução das suas obrigações:
[…] 3. O art. 78, inciso XV, da Lei 8.666/93 é claro ao consignar que é motivo de rescisão do contrato o atraso superior a 90 dias dos pagamentos devidos pela Administração, assegurando ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação.
4.Restando demonstrado que houve a entrega dos materiais médico-hospitalares pela apelada, conforme contratado, e que o atraso no pagamento, em período superior a 90 dias, se deu por responsabilidade exclusiva da Administração Pública, impõe-se o afastamento da multa aplicada, devendo ser restituída a glosa da fatura de pagamento pela medicação fornecida.
5.Não há necessidade de pronunciamento jurisdicional para suspensão de fornecimento de insumos à Administração Pública. No caso em análise, no mesmo dia em que foi recebida a nota de emprenho, a fornecedora notificou extrajudicialmente o Distrito Federal quanto à impossibilidade de cumprir com o prazo devido ao inadimplemento do ente estatal.
6.Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida.
(TJ-DF 07058804220198070018 DF 0705880-42.2019.8.07.0018, Relator: ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, Data de Julgamento: 27/05/2020, 5ª Turma Cível)
Os demais Tribunais brasileiros caminham no mesmo sentido, como se vê dos julgados dos Tribunais de Justiça dos Estados de Santa Catarina (TJSC), no qual se reconheceu que “Se a Administração Pública deixou de efetuar os pagamentos devidos por mais de 90 (noventa) dias, pode o contratado, licitamente, suspender a execução do contrato, sendo desnecessária, nessa hipótese, a tutela jurisdicional porque o art. 78, XV, da Lei 8.666/93 lhe garante tal direito” (MS 4006820-94.2018.8.24.0000, julgado em 21/05/2013), e do Rio de Janeiro (TJRJ), que reconheceu que “PODE O CONTRATADO, LICITAMENTE, SUSPENDER A EXECUÇÃO DO CONTRATO, SENDO DESNECESSÁRIA, NESSA HIPÓTESE, A TUTELA JURISDICIONAL PORQUE O ART. 78, XV, DA LEI 8.666/93 LHE GARANTE TAL DIREITO” (AI: 00508620920198190000, , Data de Julgamento: 11/02/2020).
Sobre o tema, são esclarecedores os ensinamentos de MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, a qual reconhece a licitude da suspensão contratual na hipótese em que a Administração não proceda ao pagamento em prazo superior a 90 dias:
A Lei nº 8.666/93 previu uma hipótese em que é possível, com critério objetivo, saber se é dado ou não ao particular suspender a execução do contrato. Trata-se da norma do artigo 78, inciso XV, segundo a qual constitui motivo para rescisão do contrato “o atraso superior a 90 dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimentos, ou parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação”.
Isto significa que, ultrapassados os 90 dias sem que a Administração efetue os pagamentos em atraso, é dado ao contratado, licitamente, suspender a execução do contrato.[4]
Assim, é de se observar que a doutrina caminha no sentido de que a obtenção de provimento jurisdicional não é requisito indispensável para que o contratado oponha a exceção de contrato não cumprido.
Nesse sentido, a tese fixada no Enunciado 6 aprovado na Jornada pacifica o entendimento de que, nos termos do ordenamento jurídico brasileiro (legislação, jurisprudência e doutrina), a empresa contratada está autorizada a suspender a execução das suas obrigações contratuais quando a Administração Pública deixar de realizar o pagamento devido por mais de 90 dias, sem que, para tanto, precise obter provimento jurisdicional.
[1] As licitações e contratos pertinentes às empresas públicas e às sociedades de economia mista são reguladas pela Lei Federal nº 13.303/2016, o que, todavia, não impede a aplicação do Enunciado 6 aos contratos regidos por esta norma.
[2] Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.
Art. 477. Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la.
[3] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 10. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. p. 559.
[4] PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito administrativo. 31. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
Read More