A URP, abreviação para Unidade de Referência de Preços (URP), é um indexador econômico que, até fevereiro de 1989, orientou reajustes, em relação à taxa de inflação, de preços e de salários. Instituída no âmbito do Plano Bresser, a URP tem impacto significativo na remuneração de servidores, tendo sido objeto de muitas discussões jurídicas até os dias atuais.
Eduardo Schiefler[1]Eduardo Schiefler – Advogado no escritório Schiefler Advocacia. Mestrando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). … Continue reading
Matheus Dezan[2]Matheus Dezan – Estagiário de Direito no escritório Schiefler Advocacia. Bacharelando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (FD|UnB). Editor Assistente da Editoria … Continue reading
O objetivo deste artigo é analisar o pagamento da URP (Unidade de Referência de Preço) de fevereiro de 1989, mais conhecida como URP/1989, que foi instituída, no âmbito do Plano Bresser[3]CPDOC. Verbete “Plano Bresser” do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Disponível em: … Continue reading, pelo Decreto-Lei n.º 2.335/1987[4]BRASIL. Decreto-Lei n.º 2.335, 12 de junho de 1987. Dispõe sobre o congelamento de preços e aluguéis, reajustes mensais de salários e vencimentos, institui a Unidade de Referência de Preços … Continue reading, revogado pela Lei n.º 7.730/1989[5]BRASIL. Lei n.º 7.730, de 31 de janeiro de 1989. Institui o cruzado novo, determina congelamento de preços, estabelece regras de desindexação da economia e dá outras providências. Divisão de … Continue reading. Resumidamente, a URP/1989 é um indexador econômico que até fevereiro de 1989 orientou reajustes, em relação à taxa de inflação, de preços e de salários.
A importância da análise desta verba se dá em razão de que, por força de decisão liminar da Ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia, primeira relatora do Mandado de Segurança n.º 28.819/DF, impetrado pelo Sindicato dos Trabalhadores da Fundação Universidade de Brasília (SINTFUB/DF), os servidores públicos da Universidade de Brasília (UnB), instituição federal de ensino superior, recebem, mensalmente, desde o ano de 2010, o pagamento da URP/1989.
Ainda vigente, esta decisão teve por objetivo, “considerando a natureza alimentar da parcela da URP/89, paga aos substituídos durante alguns anos, suspender os efeitos dos atos […] dos quais resulte diminuição, suspensão e/ou retirada daquela parcela da remuneração dos servidores substituídos, e/ou que impliquem a devolução dos valores recebidos àquele título, até a decisão final da presente ação, com a consequente devolução das parcelas eventualmente retidas desde o ajuizamento desta”. Além disso, a então Ministra relatora também consignou em sua decisão que, “ao apreciar alegação de desrespeito à liminar que concedi no Mandado de Segurança n. 26.156, asseverei que a observância do que decidido importava no pagamento da parcela discutida na forma como vinha sendo realizada antes da prolação dos atos impugnados, ou seja, incluídos todos os substituídos (sem distinção quanto à época de ingresso na Fundação Universidade de Brasília) e sem sua absorção por reajustes salariais posteriores.”.
Nesse cenário, uma questão que vem ganhando espaço em julgamentos recentes do STF diz respeito ao fato de que os servidores públicos (técnicos administrativos ou docentes) da Universidade de Brasília (UnB) que, quando redistribuídos para outras instituições federais de ensino superior públicas em razão da Lei n.º 8.112/1990[6]BRASIL. Lei n.º 8.112/1990, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Diário Oficial … Continue reading, deixam de receber o pagamento mensal da URP de fevereiro de 1989.
Isso porque, no entendimento de algumas instituições de ensino superior para as quais os servidores públicos da Universidade de Brasília (UnB) são redistribuídos, este deslocamento acarretaria a interrupção do vínculo entre esses servidores públicos e a Universidade de Brasília (UnB), de modo que a decisão liminar da Ministra Cármen Lúcia no âmbito do Mandado de Segurança n.º 28.819/DF deixaria de abarcá-los.
Isto é, para essas instituições, os servidores transferidos deixariam, em razão da redistribuição, de ser beneficiários do Mandado de Segurança n.º 28.819/DF. Assim, uma vez redistribuídos, os servidores públicos não mais perceberiam o pagamento mensal da URP de fevereiro de 1989.
Notadamente, é preciso notar que os atos administrativos das instituições federais de ensino superior que suprimem o pagamento mensal da URP/1989 dos servidores públicos redistribuídos da Universidade de Brasília (UnB) ignoram que, por força do artigo 37, XV, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988)[7]BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 05 out. 1988, p. 1. e do artigo 37, I e II, da Lei n.º 8.112/1990 (Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União – Servidores Federais), a redistribuição ocorre, sempre, em razão do interesse da Administração, e não dos servidores públicos, motivo pelo qual se assegura a equivalência dos vencimentos e dos subsídios.
Por essa razão, não é lícito que a Administração Pública, isto é, as instituições federais de ensino superior, suprima o pagamento mensal da URP de fevereiro de 1989 dos servidores públicos redistribuídos, originariamente, da Universidade de Brasília (UnB). Confiram-se os dispositivos:
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988)
Art. 37. […]: XV – o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV deste artigo e nos arts. 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I;
Lei n.º 8.112/1990
Art. 37. Redistribuição é o deslocamento de cargo de provimento efetivo, ocupado ou vago no âmbito do quadro geral de pessoal, para outro órgão ou entidade do mesmo Poder, com prévia apreciação do órgão central do SIPEC, observados os seguintes preceitos:
I – interesse da administração;
II – equivalência de vencimentos;
[…]
Isso faz com que a referida supressão viole a garantia de irredutibilidade de subsídios e de vencimentos dos servidores públicos, bem como ignore que a redistribuição não ocorre no interesse exclusivo dos servidores públicos — mesmo que eles tenham demandado a redistribuição —, mas de acordo com o interesse da Administração, que deve, por essa razão, arcar com o ônus econômico-financeiro dessa redistribuição.
É dizer: a Administração jamais procederá à redistribuição de um servidor público se não for do interesse administrativo, não podendo — e a jurisprudência pátria é pacífica nesse sentido — ser compelida a redistribuir um servidor (para tanto, existem outros institutos aplicáveis e oponíveis à Administração, como a remoção para acompanhar cônjuge e a licença por motivo de afastamento de cônjuge, com exercício provisório, por exemplo).
Naturalmente, existem situações em que o interesse da Administração e o do servidor estão alinhados no sentido da redistribuição (o que é até desejável, já que torna o deslocamento legítimo e mitiga o risco de desgaste interno no serviço público). Entretanto, este alinhamento não é requisito para a redistribuição, bastando, entre eles, apenas o interesse da Administração, de sorte que a redistribuição promovida após a solicitação do próprio servidor não tem o potencial de descaracterizá-la como uma medida administrativa efetivamente adotada no interesse da Administração — e, como tal, portadora de consequências que impactam a esfera jurídica dos servidores.
Assim, a supressão do pagamento mensal da URP de fevereiro de 1989 dos servidores públicos redistribuídos da Universidade de Brasília (UnB) viola, a um só tempo, os princípios da confiança, da legítima expectativa, da boa-fé e da segurança jurídica — uma vez que esses servidores públicos, munidos de boa-fé, supuseram, desde o princípio, que a redistribuição a que se submetiam corresponderia àquela positivada pelo artigo 37 da Lei n.º 8.112/1990, que estabelece requisitos e garantias em favor dos servidores públicos, a exemplo da equivalência de seus vencimentos.
O Ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski apreciou, ao menos em cinco ocasiões, no âmbito das Reclamações n.º 36.499/RN[8]STF. Ag. Reg. Emb. Decl. Recl. n.º 36.499/RN. Relator Ministro Ricardo Lewandowski. Órgão Julgador: Segunda Turma. Julgado em: 08 mar. 2021., n.º 41.780/GO[9]STF. Ag. Reg. Recl. n.º 41.780/GO. Relator Ministro Ricardo Lewandowski. Órgão Julgador: Segunda Turma. Julgado em: 15 mar. 2021., n.º 45.760/CE, n.º 45.828/GO[10]STF. Recl. n.º 45.760/CE. Relator Ministro Ricardo Lewandowski. Órgão Julgador: Segunda Turma. Julgado em: 12 mar. 2021., n.º 46.478/MG [11]STF, Recl n.º 46.478 / MG, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, 5 de maio de 2021.e n.º 47.652/RJ[12]STF. Recl. n.º 47.652/RJ. Relator Ministro Ricardo Lewandowski. Órgão Julgador: Segunda Turma. Julgado em: 30 jun. 2021., a questão da manutenção ou da supressão do pagamento da URP/1989 aos servidores públicos redistribuídos da Universidade de Brasília (UnB) para outras instituições de ensino superior públicas.
Nesses processos, decidiu-se que a supressão em questão afronta a autoridade da decisão liminar da Ministra Cármen Lúcia no âmbito do Mandado de Segurança n.º 28.819/DF, do mesmo modo que viola a garantia à irredutibilidade dos subsídios e dos vencimentos dos servidores públicos redistribuídos, positivada pelo artigo 37, XV, da Constituição de 1988 e pelo artigo 37, II, da Lei n.º 8.112/1990. Do mesmo modo, o ato administrativo que suprime o pagamento da verba vai de encontro aos princípios da confiança, da legítima expectativa, da boa-fé e da segurança jurídica, uma vez que é preciso que a redistribuição observe, sempre, o artigo 37, II, da Lei n.º 8.112/1990.
Destarte, assenta-se o entendimento de que os servidores públicos transferidos da Universidade de Brasília (UnB) para outras instituições federais de ensino têm o direito de continuar recebendo, após a sua redistribuição, o pagamento da URP de fevereiro de 1989, sem que esse pagamento seja, de qualquer forma, suprimido, suspenso ou interrompido, ao menos até o julgamento do mérito do Mandado de Segurança n.º 28.819/DF.
Referências[+]
↑1 | Eduardo Schiefler – Advogado no escritório Schiefler Advocacia. Mestrando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Integrante do Grupo de Estudos em Direito Público (GEDIP/UFSC). Integrante do Grupo de Pesquisa em Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial (DRIA.UnB). Autor do livro “Processo Administrativo Eletrônico” (2019) e de artigos acadêmicos, especialmente na área de Direito Administrativo e Tecnologia. |
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↑2 | Matheus Dezan – Estagiário de Direito no escritório Schiefler Advocacia. Bacharelando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (FD|UnB). Editor Assistente da Editoria Executiva da Revista dos Estudantes de Direito da Universidade de Brasília (RED|UnB). Membro do Grupo de Pesquisa certificado pelo CNPq Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial (DR.IA|UnB). Membro do Grupo de Estudos em Direito e Economia (GEDE|UnB|IDP). Membro do Grupo de Pesquisa em Hermenêutica do Direito Administrativo e Políticas Públicas (HDAPP|UniCeub). Monitor da disciplina “Direito Processual Civil 1”, ministrada pelo docente Marcus Flávio Horta Caldeira na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (FD|UnB). Monitor da disciplina “Direito Comercial 1”, ministrada pela docente Amanda Athayde na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (FD|UnB). |
↑3 | CPDOC. Verbete “Plano Bresser” do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/plano-bresser. Acesso em: 02 jul. 2021. |
↑4 | BRASIL. Decreto-Lei n.º 2.335, 12 de junho de 1987. Dispõe sobre o congelamento de preços e aluguéis, reajustes mensais de salários e vencimentos, institui a Unidade de Referência de Preços (URP), e dá outras providências. Divisão de Orçamento, Finanças e Contabilidade (DOFC), Poder Executivo, Brasília, DF, 009214, 13 jun. 1987, p. 2. |
↑5 | BRASIL. Lei n.º 7.730, de 31 de janeiro de 1989. Institui o cruzado novo, determina congelamento de preços, estabelece regras de desindexação da economia e dá outras providências. Divisão de Orçamento, Finanças e Contabilidade (DOFC), Poder Executivo, Brasília, DF, 01 fev. 1989, p. 1745. |
↑6 | BRASIL. Lei n.º 8.112/1990, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 19 abr. 1991, p. 1. |
↑7 | BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 05 out. 1988, p. 1. |
↑8 | STF. Ag. Reg. Emb. Decl. Recl. n.º 36.499/RN. Relator Ministro Ricardo Lewandowski. Órgão Julgador: Segunda Turma. Julgado em: 08 mar. 2021. |
↑9 | STF. Ag. Reg. Recl. n.º 41.780/GO. Relator Ministro Ricardo Lewandowski. Órgão Julgador: Segunda Turma. Julgado em: 15 mar. 2021. |
↑10 | STF. Recl. n.º 45.760/CE. Relator Ministro Ricardo Lewandowski. Órgão Julgador: Segunda Turma. Julgado em: 12 mar. 2021. |
↑11 | STF, Recl n.º 46.478 / MG, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, 5 de maio de 2021. |
↑12 | STF. Recl. n.º 47.652/RJ. Relator Ministro Ricardo Lewandowski. Órgão Julgador: Segunda Turma. Julgado em: 30 jun. 2021. |
Os argumentos do escritório Schiefler Advocacia foram acolhidos pela decisão liminar em razão da preterição dos aprovados em concurso público por comissionados e terceirizados.
Na última sexta-feira (25/06/2021), a 14ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo (TJSP) determinou à Prefeitura de São Paulo a nomeação de 7 arquitetos aprovados no concurso de QEAG. A decisão foi proferida pelo Juiz Randolfo de Campos que, em sede liminar, acatou os argumentos apresentados pelo escritório Schiefler Advocacia e reconheceu a preterição arbitrária e imotivada dos candidatos aprovados em concurso público em decorrência de contratação sistemática de comissionados e terceirizados para desempenho das funções típicas do cargo de QEAG, na especialidade de arquitetura.
O concurso público foi lançado pela Prefeitura de São Paulo em outubro de 2018 e previa nomeação imediata de 58 arquitetos para o Quadro de Profissionais de Engenharia, Arquitetura, Agronomia e Geologia (QEAG). Ocorre que, mesmo com o andamento regular e homologação do certame em agosto de 2019 e a solicitação de mais de uma centena de nomeações pelas Secretarias Municipais, todas recusadas pela Prefeitura, os candidatos aprovados não foram convocados para assumir o cargo. Diante da evidente demanda por estes profissionais sem as devidas nomeações e de indícios da contratação reiterada de comissionados para desempenho destas funções, o caso tomou repercussão e foi, inclusive, noticiado pela imprensa em fevereiro desde ano.
Diante disto, os candidatos aprovados propuseram ação judicial para ter seu direito à nomeação devidamente reconhecido, uma vez que há provas do preenchimento dos cargos efetivos por comissionados e terceirizados, prática ilícita que configura a preterição dos concursados, nos termos do Tema nº 784 do STF.
A partir da análise da extensa documentação apresentada a fim de provar as irregularidades cometidas pela Prefeitura de São Paulo, a 14ª Vara da Fazenda Pública reconheceu o direito dos autores e determinou a nomeação de sete arquitetos em até 30 dias. Nas palavras do Juiz Randolfo de Campos, “tamanha é a preterição arbitrária e imotivada que vem sendo levada a efeito pelo Município que, numa análise perfunctória, é possível afirmar que a totalidade dos candidatos aprovados dentro do número de vagas para o cargo de arquiteto do QEAG no concurso regido pelo Edital n. 00/2018 têm direito à nomeação imediata.”
A decisão, que determinou a nomeação dos candidatos aprovados dentro do número de vagas, bem como vedou que a Prefeitura de São Paulo nomeie novos comissionados e firme novos contratos cujo objeto contemple as funções do cargo de QEAG, na especialidade de arquitetura, causou nova repercussão na imprensa.
Em notícia publicada no portal G1, foi divulgada a determinação de integração dos arquitetos aos quadros da prefeitura e as reconhecida irregularidades cometidas pela municipalidade. Nela, foi destacada a decisão de que “a ocupação precária, por comissão, terceirização, ou contratação temporária, de atribuições próprias do exercício de cargo efetivo vago, para o qual há candidatos aprovados em concurso público vigente, configura ato administrativo eivado de desvio de finalidade” e, por consequência, os candidatos devem ser imediatamente nomeados.
A decisão proferida no processo nº 1033732-58.2021.8.26.0053 representa uma vitória para os candidatos que, desde a aprovação no concurso, constatavam que terceirizados e comissionados atuavam como se arquitetos da Prefeitura fossem, mesmo sem aprovação no concurso. Enquanto isso, eles, que se submeterem a um acirrado certame com milhares de candidatos, tinham a nomeação solicitada pelas Secretarias e recusada pela Prefeitura com o argumento de que não havia recursos orçamentários – embora, como reconheceu o juízo, “a nomeação dos servidores concursados poderá reduzir os gastos que o Município atualmente realiza na contratação de empresas de engenharia e arquitetura”.
Agora se aguarda o cumprimento da decisão pela Prefeitura de São Paulo, que tem 30 dias para realizar a nomeação dos sete autores da ação beneficiados com a decisão liminar.
Em entrevista ao 'Brasil de Fato', a advogada falou sobre a ilegalidade nas contratações reiteradas de comissionados durante a vigência do concurso público.
É preciso que o particular tenha conhecimento de qual finalidade será dada ao seu bem desapropriado, o que viabiliza a sindicância do ato administrativo e, sendo o caso, sua impugnação por meio do Poder Judiciário.
Enunciado 4 – O ato declaratório da desapropriação, por utilidade ou necessidade pública, ou por interesse social, deve ser motivado de maneira explícita, clara e congruente, não sendo suficiente a mera referência à hipótese legal.
O direito à propriedade é reconhecido como direito individual fundamental, previsto no caput do artigo 5º da Constituição Federal e reiterado no inciso XXII do mesmo artigo.
Este direito é, no entanto, mitigado, nos termos do inciso XXIV do artigo 5º da CF/88, na hipótese de haver reconhecida necessidade ou utilidade pública, ou, ainda, interesse social, no uso daquele bem, hipótese em que o Poder Público poderá desapropriá-lo, desde que respeitado o procedimento legal previsto e que haja justa indenização.
É como explica CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO ao tratar do instituto da desapropriação:
Do ponto de vista teórico, pode-se dizer que desapropriação é o procedimento através do qual o Poder Público compulsoriamente despoja alguém de uma propriedade e a adquire, mediante indenização, fundado em um interesse público. Trata-se, portanto, de um sacrifício de direito imposto ao desapropriado.[1]
Além de estar expressamente previsto no artigo 5º, inciso XXIV, da Constituição de 1988, o instituto da desapropriação é regulado, no caso de utilidade pública, pelo Decreto-Lei nº 3.365 de 1941, e, no caso de interesse social, pela Lei nº 4.132/1962.
No caso de utilidade pública, a legislação prevê, nos termos do seu artigo 5º[2], um rol de hipóteses que fundamente a existência de utilidade pública apta a motivar a desapropriação. No mesmo sentido, a Lei nº 4.132/1962 prevê em seu artigo 2º[3] as hipóteses de interesse social que, se preenchidas, fundamentam igualmente a desapropriação.
Tendo em vista a existência das hipóteses legais, o Poder Público tem se valido da mera remissão às hipóteses previstas em lei como meio de fundamentar os atos de desapropriação, sem se desincumbir do ônus de explicitar de maneira explícita, clara e congruente, nos termos do § 1º do artigo 50 da Lei Federal nº 9.784/1999, os motivos que ensejam a prática do ato.
O do artigo 50 da Lei Federal nº 9.784/1999, que dispõe sobre os processos administrativos no âmbito da Administração Pública Federal, é claro:
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: […]
§ 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.
É preciso que o particular, cujo direito sobre aquela propriedade é mitigado ou retirado, tenha conhecimento claro e expresso da razão pela qual a sua propriedade foi escolhida pelo Poder Público como meio de satisfação de uma necessidade ou utilidade pública, ou de um interesse social.
Mais do que isso: é preciso que o particular tenha conhecimento de qual finalidade será dada ao seu bem desapropriado, o que viabiliza a sindicância do ato administrativo e, sendo o caso, sua impugnação por meio do Poder Judiciário.
Nesse sentido, com o intuito de reconhecer a obrigatoriedade da devida motivação dos atos de desapropriação, evitando-se a ocorrência de arbitrariedades e viabilizando a sindicância do ato por particulares e pelo Poder Judiciário, quando provocado, a 1ª Jornada de Direito Administrativo do Conselho da Justiça Federal aprovou o Enunciado 4, que contém o seguinte teor:
Enunciado 4
O ato declaratório da desapropriação, por utilidade ou necessidade pública, ou por interesse social, deve ser motivado de maneira explícita, clara e congruente, não sendo suficiente a mera referência à hipótese legal.
Por meio desse enunciado, pretende-se consolidar e espraiar o entendimento de que o dever de motivação do ato administrativo de desapropriação só é satisfeito se forem apresentadas, de forma clara, explícita e congruente, as razões que levaram à prática do ato declaratório de desapropriação.
E, para tanto, como explica CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, é necessário que a Administração exponha a regra de direito no qual a desapropriação se funda e, também, os fatos e a correlação lógica para com o caso concreto:
A motivação integra a “formalização” do ato, sendo um requisito formalístico dele (cf. ns. 53 e ss.). É a exposição dos motivos, a fundamentação na qual são enunciados (a) a regra de Direito habilitante, (b) os fatos em que o agente se estribou para decidir e, muitas vezes, obrigatoriamente, (c) a enunciação da relação de pertinência lógica entre os fatos ocorridos e o ato praticado. Não basta, pois, em uma imensa variedade de hipóteses, apenas aludir ao dispositivo legal que o agente tomou como base para editar o ato. Na motivação transparece aquilo que o agente apresenta como “causa” do ato administrativo[4]
E continua o ilustre doutrinador ao afirmar que, “se se tratar de ato praticado no exercício de competência discricionária, salvo alguma hipótese excepcional, há de se entender que o ato não motivado está irremissivelmente maculado de vício e deve ser fulminado por inválido, já que a Administração poderia, ao depois, ante o risco de invalidação dele, inventar algum motivo, ‘fabricar’ razões lógicas para justificá-lo e alegar que as tomou em consideração quando da prática do ato”.
A jurisprudência dos Tribunais brasileiros reconhece a importância e a imprescindibilidade de que os atos administrativos de desapropriação sejam motivados:
REEXAME NECESSÁRIO – AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO – UTILIDADE PÚBLICA – AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DO ATO EXPROPRIATÓRIO – INEXISTÊNCIA DE FINALIDADE PÚBLICA – SENTENÇA CONFIRMADA. – Na ação de desapropriação, não pode apreciação judicial recair sobre a validade do ato expropriatório ou analisar e solucionar questionamentos acerca de posse e domínio; contudo, pode o Poder Judiciário verificar se a declaração de utilidade pública é motivada e se constitui instrumento hábil aos fins expropriatórios, cumprindo com a finalidade pública – Ainda que o decreto expropriatório seja ato discricionário da Administração, nele o princípio da motivação deve estar presente, como em qualquer ato administrativo, uma vez que é condição “sine qua non” para viabilizar o controle de legalidade e da juridicidade de todo e qualquer ato exarado no exercício da função administrativa – Comprovado, nos autos de ação de reintegração de posse, com trânsito em julgado, que a área situada na propriedade dos expropriados não integra o Plano Rodoviário do Município de Chácara, não há motivos para a desapropriação para fins de “regularização do sistema viário do Município”.[5]
APELAÇÃO CIVEL. DESAPROPRIAÇÃO AMIGÁVEL. DIREITO DE RETROCESSÃO. TREDESTINAÇÃO ILÍCITA. DEVER DE INDENIZAR. 1. O instituto da desapropriação, modalidade de intervenção supressiva da propriedade que se legitima a partir do reconhecimento da sua função social, terá lugar, nos termos do artigo 5º, XXIV, da Constituição da República, quando, mediante procedimento legalmente estabelecido, verificar-se necessidade ou utilidade pública, ou interesse social; e a sua consolidação dependerá, via de regra, de prévia e justa indenização em dinheiro. 2. Nada obstante, quando o ente público desistir dos fins a que se destinava a desapropriação, liberando-a de qualquer finalidade que atenda ao interesse público tredestinação ilícita -, surge para o expropriado o direito de reaver o bem (retrocessão) ou o de obter indenização correspondente à diferença do preço atual da coisa com o do valor recebido à época da expropriação, nos termos do artigo 519 do Código Civil de 2002. 3. Caso concreto em que a parte autora somente aceitou a desapropriação amigável e pelo preço vil praticado em razão da finalidade pública específica que seria dada ao imóvel. De modo que a violação de legítima expectativa da parte autora – que, não fosse a finalidade pública anunciada, evidentemente preferiria a… justa e prévia indenização em dinheiro pelo valor de mercado do bem (30 vezes maior do que o pago) – malfere o princípio da proteção da confiança e, via de consequência, acarreta a ilicitude da tredestinação. Quadro fático que desnuda também conduta infensa à moralidade administrativa, ao princípio da motivação do ato administrativo e situação contrária ao princípio da vedação do enriquecimento ilícito, na medida em que a modificação da destinação do bem, a um só tempo, suprimiu a motivação declarada do ato e trouxe ganhos expressivos à Administração Municipal em detrimento do direito à justa indenização constitucionalmente garantida à parte expropriada (art. 5º, XXIV, CRFB). 4. À vista de que há pedido de indenização, subsidiário ao de retrocessão, e tendo em conta que os imóveis expropriados encontram-se ocupados pelos prédios-sede das empresas cessionárias (fls. 637/663), tem-se que a opção reparatória seja a mais alinhada ao princípio da razoabilidade. 5. Sentença reformada. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.[6]
Como o ato de desapropriação é discricionário, o elemento de motivação é requisito de sua validade e só é preenchido se estiver exposta de forma explícita, conforme os termos do Enunciado 4. Espera-se, assim, que, com este enunciado chancelado por grandes especialistas do Direito Administrativo, o Poder Público se sinta compelido a cumprir com o seu dever de motivação dos atos administrativos e, caso descumpra, que o Poder Judiciário, quando provocado, reconheça a nulidade do ato administrativo por vício de motivação.
Ademais, como salientado, o cumprimento deste dever de motivação adequada do ato administrativo viabiliza a sindicância destes atos, principalmente no que se refere a eventual desvio de finalidade em sua prática. Isso porque, conhecendo-se de forma clara, explícita e congruente o motivo do ato, o particular que tiver seu direito à propriedade cerceado de forma arbitrária, em ato administrativo viciado, possuirá os meios necessários para demonstrar a existência do vício que enseja a sua nulidade.
Com isso, o Poder Judiciário terá, igualmente, maior segurança de avaliar a adequação do ato sem invadir a sua esfera de competência, o que poderia ocorrer em caso de avançar sobre o mérito do ato administrativo. A identificação de arbitrariedade estará vinculada à existência de um desvio de finalidade, que será facilmente aferido a partir da motivação contida no ato, sendo ela apropriada e subsumida aos tipos previstos em lei, bem como à destinação dada ao bem nos termos da motivação do ato de desapropriação.
A bem da verdade, o Enunciado 4 reforça a teoria dos motivos determinantes, construção doutrinária que defende, nas palavras de EDUARDO ANDRÉ CARVALHO SCHIEFLER, MATHEUS LOPES DEZAN e FABIANO HARTMANN PEIXOTO, que:
[…] a validade das decisões administrativas guarda vínculo sincrético com os pressupostos objetivos que as constituem. Significa dizer que a decisão administrativa, ainda que discricionária, deve operar sobre motivos verdadeiros, existentes e corretamente qualificados, a fim de produzir efeitos válidos no mundo jurídico. Revelada a falsidade, a inexistência ou a inadequada qualificação dos motivos de fato expostos pelo administrador, de modo que não haja nexo lógico entre esses elementos fáticos e os motivos legais elencados, far-se-á inválido o ato administrativo.[7]
A teoria dos motivos determinantes também é reconhecida pela jurisprudência pátria, como se vê do seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP):
MANDADO DE SEGURANÇA. Pretensão voltada a assegurar a renovação de licença de funcionamento e exercício de atividade comercial Indeferimento administrativo que se baseia no fato de que o imóvel em questão foi declarado de utilidade pública para fins de desapropriação. Óbice que não prevalece, pois a declaração de utilidade pública, por si só, não tem o condão de afastar a emissão do alvará, no caso dos autos, se preenchidos os demais requisitos para a licença de funcionamento e exercício da atividade. Não havendo notícia de imissão na posse pelo poder público, a não renovação da licença, sob a justificativa de interesse público, para a finalidade desapropriatória, consiste em ato desprovido de amparo legal. Aplica-se ao caso a teoria dos motivos determinantes, com o entendimento de que mesmo os atos discricionários, se forem motivados, ficam vinculados a esses motivos como causa determinante de seu cometimento e se sujeitam ao confronto da existência e legitimidade dos motivos indicados. Havendo desconformidade entre os motivos determinantes e a realidade, o ato é inválido. Sentença de procedência mantida. Reexame necessário não provido.[8]
O Enunciado 4 se mostra, assim, um passo relevante à proteção dos particulares contra atos de desapropriação praticados de forma arbitrária, dotando-os de meios para demonstrar eventual ilicitude. Confere, também, segurança ao Poder Judiciário para aferir a legalidade do ato sem extrapolar sua competência jurisdicional. Por fim, estimula a Administração Pública a ser cautelosa e diligente na prática dos seus atos, atingindo a finalidade a que se propõe dentro dos limites legais.
Confira também os Comentários já publicados sobre o Enunciado 2 e o Enunciado 3 da 1ª Jornada de Direito Administrativo, os quais também versam sobre o instituto da desapropriação.
[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros Editores. p. 889.
[2] Art. 5o Consideram-se casos de utilidade pública:
a) a segurança nacional;
b) a defesa do Estado;
c) o socorro público em caso de calamidade;
d) a salubridade pública;
e) a criação e melhoramento de centros de população, seu abastecimento regular de meios de subsistência;
f) o aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, das águas e da energia hidráulica;
g) a assistência pública, as obras de higiene e decoração, casas de saude, clínicas, estações de clima e fontes medicinais;
h) a exploração ou a conservação dos serviços públicos;
i) a abertura, conservação e melhoramento de vias ou logradouros públicos; a execução de planos de urbanização; o parcelamento do solo, com ou sem edificação, para sua melhor utilização econômica, higiênica ou estética; a construção ou ampliação de distritos industriais;
j) o funcionamento dos meios de transporte coletivo;
k) a preservação e conservação dos monumentos históricos e artísticos, isolados ou integrados em conjuntos urbanos ou rurais, bem como as medidas necessárias a manter-lhes e realçar-lhes os aspectos mais valiosos ou característicos e, ainda, a proteção de paisagens e locais particularmente dotados pela natureza;
l) a preservação e a conservação adequada de arquivos, documentos e outros bens moveis de valor histórico ou artístico;
m) a construção de edifícios públicos, monumentos comemorativos e cemitérios;
n) a criação de estádios, aeródromos ou campos de pouso para aeronaves;
o) a reedição ou divulgação de obra ou invento de natureza científica, artística ou literária;
p) os demais casos previstos por leis especiais.
[3] Art. 2º Considera-se de interesse social:
I – o aproveitamento de todo bem improdutivo ou explorado sem correspondência com as necessidades de habitação, trabalho e consumo dos centros de população a que deve ou possa suprir por seu destino econômico;
II – a instalação ou a intensificação das culturas nas áreas em cuja exploração não se obedeça a plano de zoneamento agrícola, VETADO;
III – o estabelecimento e a manutenção de colônias ou cooperativas de povoamento e trabalho agrícola:
IV – a manutenção de posseiros em terrenos urbanos onde, com a tolerância expressa ou tácita do proprietário, tenham construído sua habilitação, formando núcleos residenciais de mais de 10 (dez) famílias;
V – a construção de casa populares;
VI – as terras e águas suscetíveis de valorização extraordinária, pela conclusão de obras e serviços públicos, notadamente de saneamento, portos, transporte, eletrificação armazenamento de água e irrigação, no caso em que não sejam ditas áreas socialmente aproveitadas;
VII – a proteção do solo e a preservação de cursos e mananciais de água e de reservas florestais.
VIII – a utilização de áreas, locais ou bens que, por suas características, sejam apropriados ao desenvolvimento de atividades turísticas.
[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros Editores. p. 408.
[5] TJ-MG – REEX: 10145041594469001 Juiz de Fora, Relator: Luís Carlos Gambogi, Data de Julgamento: 10/07/2014, Câmaras Cíveis / 5ª CÂMARA CÍVEL.
[6] TJ-RS – AC: 70059513366 RS, Relator: Marlene Marlei de Souza, Data de Julgamento: 16/05/2019, Terceira Câmara Cível.
[7] SCHIEFLER, Eduardo André Carvalho; HARTMANN PEIXOTO, Fabiano; DEZAN, Matheus Lopes. A decisão administrativa robótica e o dever de motivação. JOTA, 2020. Disponível em: https://www.jota.info/coberturas-especiais/inova-e-acao/a-decisao-administrativa-robotica-e-o-dever-de-motivacao-01092020. Acesso em 21 out. 2020.
[8] TJ-SP – REEX: 30002117820138260244 SP 3000211-78.2013.8.26.0244, Relator: Paulo Dimas Mascaretti, Data de Julgamento: 28/01/2015, 8ª Câmara de Direito Público.
Read MoreO enunciado aprovado traz a lume os princípios da inafastabilidade do Poder Judiciário, da economia processual e da celeridade, uma vez que destacou a possibilidade de que o Poder Judiciário acuse a existência de irregularidades no âmbito do processo administrativo ou que invalidem a lisura do ato administrativo de declaração de utilidade pública.
Enunciado 3 – Não constitui ofensa ao artigo 9º do Decreto-Lei nº 3.365/1941 o exame por parte do Poder Judiciário, no curso do processo de desapropriação, da regularidade do processo administrativo de desapropriação e da presença dos elementos de validade do ato de declaração de utilidade pública.
O enunciado aprovado consolida o entendimento de que o exame por parte do Poder Judiciário, no curso do processo de desapropriação, da regularidade do processo administrativo de desapropriação e da presença dos elementos de validade do ato de declaração de utilidade pública não ofende o artigo 9º do Decreto-Lei nº 3.365/1941.
O Decreto-Lei nº 3.365/1941, conhecido como a Lei Geral das Desapropriações, foi editado com a finalidade de disciplinar as desapropriações realizadas em atendimento ao interesse público em todo o território nacional, como se pode ler do seu artigo 1º[1]. Para que um bem seja desapropriado – e, conforme o artigo 2º[2], todos os bens podem sê-lo –, é preciso que seja declarada a sua utilidade pública. Trata-se de um instrumento jurídico que permite a transferência de um bem de titularidade privada para o Estado, quando haja justificativa fundamentada no interesse público.
A declaração de utilidade é uma prerrogativa do Poder Executivo, prevista neste dispositivo legal na forma de decreto do Presidente da República, Governador, Interventor ou Prefeito (artigo 6º[3]), embora o artigo 8º[4] preveja a possibilidade de o Poder Legislativo tomar a iniciativa da desapropriação.
O processo de desapropriação, portanto, deve iniciar como um processo administrativo, de iniciativa do Poder Executivo ou, excepcionalmente, do Poder Legislativo. Na hipótese, porém, de não haver, no curso desse processo administrativo, acordo entre as partes, isto é, entre o particular proprietário e o poder público interessado na desapropriação do bem, faz-se mister que o Estado intente uma ação judicial, conforme prevê o artigo 10:
Art. 10. A desapropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judicialmente, dentro de cinco anos, contados da data da expedição do respectivo decreto e findos os quais este caducará.
Esta ação judicial é disciplinada nos artigos 11 a 30 do Decreto-Lei, e se destina precipuamente à determinação do valor da indenização a ser paga ao proprietário expropriado, com base em perícia técnica (art. 14). Nesses artigos são instituídos os procedimentos que devem ser observados pelo magistrado para levar a efeito a desapropriação em caso de desacordo.
Entres os mencionados artigos, são estabelecidos critérios de competência para o ajuizamento da ação, requisitos da petição inicial, condições para a legitimidade do magistrado, instruções para a designação de perito, os procedimentos que devem ser observados em caso de urgência, entre outros aspectos procedimentais.
Destaca-se, porém, o artigo 20 da norma:
Art. 20. A contestação só poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação do preço; qualquer outra questão deverá ser decidida por ação direta.
Sendo a ação judicial de iniciativa do Poder Público, a contestação é, neste caso, invariavelmente do particular proprietário cujo bem é alvo do processo de desapropriação, mas, como se depreende do texto do artigo 20, qualquer questão que não constitua um vício do processo judicial ou a impugnação do preço ofertado pelo bem deve ser objeto de uma ação judicial própria e apartada.
Acontece que, ao se referir apenas a vício do processo judicial, omitindo-se sobre os eventuais vícios do processo administrativo com que se inicia o processo de desapropriação por interesse público, o artigo 20 deu azo a que se interpretasse que estes últimos vícios (administrativos) somente poderiam ser questionados em ação autônoma. Esta interpretação se reforçava pela equivocada exegese da restrição contida no artigo 9º, in verbis:
Art. 9º Ao Poder Judiciário é vedado, no processo de desapropriação, decidir se se verificam ou não os casos de utilidade pública.
Segundo este artigo, cabe tão-somente ao Poder Executivo a decisão sobre o mérito de uma desapropriação por utilidade pública, isto é, é sua prerrogativa determinar se no caso concreto está configurada uma ou mais hipóteses presentes no artigo 5º do Decreto-Lei, que justamente elenca os casos de utilidade pública. Esta decisão é exclusivamente administrativa e fica assim resguardada do exame de mérito por parte do Poder Judiciário (mérito do ato administrativo). Na ação judicial prevista nos artigos 11 a 30, portanto, não estaria o juiz autorizado a avaliar os fundamentos apresentados no ato administrativo que determinou a utilidade pública do imóvel a ser desapropriado, nem eventuais vícios cometidos nesta fase administrativa.
Pois bem. Como se viu em relação ao artigo 20, pode o réu alegar, na contestação, apenas vícios do processo judicial. Seguindo esse entendimento se encontram precedentes nos Tribunais de Justiça pátrios, a exemplo do seguinte:
APELAÇÃO – DESAPROPRIAÇÃO – Alegação de que o decreto municipal que declarou o imóvel desapropriado de utilidade pública deveria ter se lastreado em prévio procedimento administrativo, padecendo de nulidade – Na via estreita da ação de desapropriação, de cognição limitada, as matérias suscetíveis de discussão cingem-se a eventuais vícios processuais e ao preço do bem cuja expropriação se pretende, não subsistindo espaço para questionamentos tocantes à existência, ou não, de utilidade pública, muito menos para a declaração de nulidade do decreto expropriatório – Inteligência conjunta dos artigos 9º e 20 do Decreto-lei nº 3.365/1941 – Decreto Municipal nº 1844, de 13 de novembro de 2012, que declarou de utilidade pública a área descrita na inicial, discriminando os seus proprietários, ante a necessidade de construção de um posto de saúde e de uma creche (fls. 13/14), casos reputados de utilidade pública pelo artigo 5º, g e h, do Decreto-lei nº 3.365/1941 – Requisitos coessenciais à higidez do ato expropriatório contemplados – Sentença mantida – Recurso desprovido.[5]
Diante desta restrição imposto à atuação do Poder Judiciário, pode-se perguntar, porém, se no curso do processo judicial de desapropriação poderia o magistrado examinar eventuais vícios que inquinassem o processo administrativo de desapropriação. É nesse contexto que foi aprovado o Enunciado nº 3 no âmbito da 1ª Jornada de Direito Administrativo do Conselho da Justiça Federal:
Enunciado 3
Não constitui ofensa ao artigo 9º do Decreto-Lei nº 3.365/1941 o exame por parte do Poder Judiciário, no curso do processo de desapropriação, da regularidade do processo administrativo de desapropriação e da presença dos elementos de validade do ato de declaração de utilidade pública.
O Enunciado 3 consolida o entendimento de que o proprietário do imóvel objeto do processo de desapropriação, ao verificar a presença de irregularidades no processo administrativo ou de vícios hábeis a invalidar o ato de declaração de utilidade pública, pode provocar o próprio juiz responsável pelo processo judicial previsto no artigo 10 e disciplinado nos artigos 11 a 30 com vistas à sua revisão e eventual anulação, sem a necessidade de intentar nova ação judicial. Ou seja, sem que houvesse a violação do artigo 9º da norma.
O enunciado aprovado, portanto, traz a lume o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, insculpido no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição de 1988, in verbis: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Além disso, o texto do enunciado também ressalta o princípio da economia processual e da celeridade, este previsto no inciso LXXVIII do artigo 5º da CF/1988[6], uma vez que destacou a possibilidade de que o Poder Judiciário acuse a existência de irregularidades no âmbito do processo administrativo ou que invalidem a lisura do ato administrativo de declaração de utilidade pública – isso, repita-se, sem que haja violação à vedação contida no artigo 9º do Decreto-Lei nº 3.365/1941.
Dessa forma, o Enunciado 3 da 1ª Jornada de Direito Administrativo interpreta a vedação do artigo 9º do Decreto-Lei nº 3.365/1941 de maneira que não impeça que o proprietário de um bem que seja objeto de um processo de desapropriação alegue, no âmbito do processo judicial instaurado na hipótese de desacordo entre as partes (artigo 10 mencionado), eventuais irregularidades perpetradas na fase do processo administrativo de desapropriação ou a ausência de elementos de validade do ato de declaração de utilidade pública, quando seja o caso.
[1] Art. 1º A desapropriação por utilidade pública regular-se-á por esta lei, em todo o território nacional.
[2] Art. 2º Mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.
[3] Art. 6º A declaração de utilidade pública far-se-á por decreto do Presidente da República, Governador, Interventor ou Prefeito.
[4] Art. 8º O Poder Legislativo poderá tomar a iniciativa da desapropriação, cumprindo, neste caso, ao Executivo, praticar os atos necessários à sua efetivação.
[5] TJ-SP 00060569720128260238 SP 0006056-97.2012.8.26.0238, Relator: Marcos Pimentel Tamassia, Data de Julgamento: 24/10/2017, 1ª Câmara de Direito Público.
[6] Art. 5º […] LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Read MoreO enunciado aprovado consolida o entendimento de que é legitimo o exercício da autotutela administrativa, sem autorização judicial, para a proteção de bens públicos ocupados ilegalmente, desde que respeitados alguns requisitos.
Enunciado 2 – O administrador público está autorizado por lei a valer-se do desforço imediato sem necessidade de autorização judicial, solicitando, se necessário, força policial, contanto que o faça preventivamente ou logo após a invasão ou ocupação de imóvel público de uso especial, comum ou dominical, e não vá além do indispensável à manutenção ou restituição da posse (art. 37 da Constituição Federal; art. 1.210, §1º, do Código Civil; art. 79, § 2º, do Decreto-Lei n. 9.760/1946; e art. 11 da Lei n. 9.636/1998).
Os bens públicos são bens jurídicos móveis ou imóveis pertencentes a pessoas jurídicas de direito público, e são utilizados pela administração pública como meios instrumentais para a satisfação das necessidades da sociedade. Nesse sentido, o Código Civil os classifica em três categorias:
Art. 99. São bens públicos:
I – os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;
II – os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;
III – os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.
Estes bens públicos, embora sob a titularidade do Estado, são destinados exclusivamente ao atendimento das demandas sociais. Em lição especializada sobre o tema, Marçal Justen Filho ensina que “O Estado não recebe os bens para a satisfação de seus próprios interesses. Sempre se trata de utilizar os bens para promover os direitos fundamentais da população. Os bens públicos são atribuídos ao Estado para fins de sua proteção e para fruição democrática e adequada de suas utilidades.”[1]. O Estado, portanto, incumbido do dever de proteção dos bens em seu poder, deve resguardá-los de uso impróprio e garantir a sua fruição para o proveito e atendimento do interesse público em geral.
Há circunstâncias, porém, em que os bens públicos, sejam eles de uso comum, de uso especial ou dominicais, são invadidos e ocupados por particulares que não têm autorização legal para deles fazer uso, alterando indevidamente a destinação legal do uso desses bens. Isso incorre em turbação ou esbulho dos bens públicos.
Nessas circunstâncias, um dos institutos para a proteção de posses é a possibilidade de autotutela quando um bem for invadido ou utilizado indevidamente, que vale inclusive para particulares. Esta previsão encontra-se no artigo 1.210 do Código Civil:
Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.
§ 1º O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.
§ 2º Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobre a coisa.
Além do direito de desforço imediato de caráter geral, o Estado detém esse direito, também, com fundamento no dever da administração pública de atender aos princípios da legalidade e da eficiência[2], legitimando a autotutela para a proteção do patrimônio público quando este for indevidamente utilizado. Esta previsão, para o que importa ao assunto em comento, já havia sido regulamentada pelo Decreto-Lei nº 9.760/1946[3] e pela Lei nº 9.636/1998[4], que previram o direito de o administrador público exercer a proteção de bens públicos sem a necessidade de determinação judicial prévia.
Com o objetivo de trazer maior clareza a este instituto e ampliar a divulgação da tese entre os órgãos e entes administrativos, o tema foi debatido na I Jornada de Direito Administrativo do Conselho da Justiça Federal, tendo sido votado e aprovado o Enunciado 2 com o seguinte teor:
Enunciado 2
O administrador público está autorizado por lei a valer-se do desforço imediato sem necessidade de autorização judicial, solicitando, se necessário, força policial, contanto que o faça preventivamente ou logo após a invasão ou ocupação de imóvel público de uso especial, comum ou dominical, e não vá além do indispensável à manutenção ou restituição da posse (art. 37 da Constituição Federal; art. 1.210, §1º, do Código Civil; art. 79, § 2º, do Decreto-Lei n. 9.760/1946; e art. 11 da Lei n. 9.636/1998)
O enunciado aprovado, que sintetiza os dispositivos legais citados anteriormente, consolida o entendimento de que é legitimo o exercício da autotutela administrativa, ou seja, sem a necessidade de autorização judicial, por parte do administrador público para a proteção de bens públicos ocupados ilegalmente, desde que exercida com proporcionalidade e razoabilidade e desde que faça preventivamente ou imediatamente após a invasão ou ocupação ilícita.
Como era de se esperar, este entendimento já vinha sendo adotado pelos Tribunais brasileiros, como é o caso do Superior Tribunal de Justiça (STJ), órgão jurisdicional competente para uniformizar a interpretação de leis federais.
É o caso do julgamento do REsp 1.071.741, de relatoria do Ministro Herman Benjamin, no qual o STJ ressaltou o dever do administrador público de utilizar-se de todas as medidas possíveis e cabíveis para assegurar a proteção dos bens públicos sob a sua tutela. Confira-se:
9. Diante de ocupação ou utilização ilegal de espaços ou bens públicos, não se desincumbe do dever-poder de fiscalização ambiental (e também urbanística) o Administrador que se limita a embargar obra ou atividade irregular e a denunciá-la ao Ministério Público ou à Polícia, ignorando ou desprezando outras medidas, inclusive possessórias, que a lei põe à sua disposição para eficazmente fazer valer a ordem administrativa e, assim, impedir, no local, a turbação ou o esbulho do patrimônio estatal e dos bens de uso comum do povo, resultante de desmatamento, construção, exploração ou presença humana ilícitos.
10. A turbação e o esbulho ambiental-urbanístico podem e no caso do Estado, devem ser combatidos pelo desforço imediato, medida prevista atualmente no art. 1.210, § 1º, do Código Civil de 2002 e imprescindível à manutenção da autoridade e da credibilidade da Administração, da integridade do patrimônio estatal, da legalidade, da ordem pública e da conservação de bens intangíveis e indisponíveis associados à qualidade de vida das presentes e futuras gerações.[5]
Ademais, a doutrina também é esclarecedora sobre o tema. Segundo os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles, o desforço imediato é a medida recomendável e se justifica em razão do princípio da autoexecutoriedade dos atos públicos:
Observamos que a utilização indevida de bens públicos por particulares, notadamente a ocupação de imóveis, pode – e deve – ser repelida por meios administrativos, independentemente de ordem judicial, pois o ato de defesa do patrimônio público, pela Administração, é autoexecutável, como o são, em regra, os atos de polícia administrativa, que exigem execução imediata, amparada pela força pública, quando isto for necessário.[6]
O princípio da autoexecutoriedade dos atos praticados pela administração pública, portanto, vai ao encontro do exposto anteriormente, atribuindo aos atos administrativos o poder de serem executados sem o aval prévio do Poder Judiciário, desde que haja previsão legal para tanto ou situação excepcional de urgência.
Assim, em consonância com a jurisprudência e a doutrina especializada, o texto do Enunciado 2 é categórico ao autorizar o emprego do desforço imediato pela administração pública em casos de invasão ilegal de imóveis públicos, desde que o administrador o faça preventivamente ou logo após a invasão ou ocupação de imóvel público de uso especial, comum ou dominical, e não vá além do indispensável à manutenção ou restituição da posse.
[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 1118.
[2] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: […]
[3] Art. 79. A entrega de imóvel para uso da Administração Pública Federal direta compete privativamente à Secretaria do Patrimônio da União – SPU. […]
§ 2º O chefe de repartição, estabelecimento ou serviço federal que tenha a seu cargo próprio nacional, não poderá permitir, sob pena de responsabilidade, sua invasão, cessão, locação ou utilização em fim diferente do que lhe tenha sido prescrito.
[4] Art. 11. Caberá à SPU a incumbência de fiscalizar e zelar para que sejam mantidas a destinação e o interesse público, o uso e a integridade física dos imóveis pertencentes ao patrimônio da União, podendo, para tanto, por intermédio de seus técnicos credenciados, embargar serviços e obras, aplicar multas e demais sanções previstas em lei e, ainda, requisitar força policial federal e solicitar o necessário auxílio de força pública estadual.
[5] STJ, REsp 1.071.741/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/03/2009, DJe 16/12/2010.
[6] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 640.
Read MoreO enunciado aprovado é categórico ao destacar a necessidade de uma seleção imparcial quando ocorrer a restrição do número de participantes no Procedimento de Manifestação de Interesse - PMI, visando-se, assim, o atendimento ao disposto no artigo 37, caput, como também o efetivo alcance do interesse público.
Enunciado 1 – A autorização para apresentação de projetos, levantamentos, investigações ou estudos no âmbito do Procedimento de Manifestação de Interesse, quando concedida mediante restrição ao número de participantes, deve se dar por meio de seleção imparcial dos interessados, com ampla publicidade e critérios objetivos.
O Procedimento de Manifestação de Interesse – PMI é um procedimento consultivo-colaborativo, regido no âmbito federal pelo Decreto nº 8.428/2015, por meio do qual a Administração Pública possibilita que particulares elaborem e aprofundem estudos e projetos que servirão de parâmetro para uma projetada contratação pública, geralmente na área de delegação de utilidades públicas (concessões, PPPs, etc)[1].
Este diálogo público-privado tem como objetivo facilitar o planejamento da contratação pública para a Administração Pública, pois permite que haja a participação ativa dos próprios interessados em atendê-la, os quais, sendo especialistas no tema demandado, possuem a expertise necessária para identificar a demanda e adequar o projeto a esta, minimizando custos e riscos.
De tal modo, embora não seja vinculativo e não enseje qualquer direito de preferência em uma licitação pública futura, surge o questionamento sobre o possível favorecimento do interessado que participa solitariamente deste procedimento administrativo, e não em conjunto com outros potenciais concorrentes.
Em um primeiro momento, o Decreto Federal nº 8.428/2015, que regulamenta este procedimento no âmbito federal, vedava a aposição de qualquer restrição sobre o número de interessados em participar da elaboração dos projetos no Procedimento de Manifestação de Interesse. Ou seja, o decreto continha a regra de que qualquer interessado poderia remeter o seu projeto, sem a possibilidade de a Administração estipular um número limitado de participantes. Assim, em primeiro momento, essa vedação à restrição ocorria porque entendida como teoricamente benéfica, visto que a elaboração de diversos projetos e a participação de diversos interessados poderiam facilitar a elaboração de um projeto final mais consistente e/ou dificultaria um possível favorecimento de determinado interessado nesta etapa preliminar de planejamento contratual.
Contudo, na prática, essa vedação à limitação de participantes acabou por gerar uma situação indesejada: nos casos em que havia um grande número de projetos apresentados, a Administração Pública deparou-se com dificuldades para analisá-los, tornando-se até mesmo ineficaz em sua análise, assim como muitos projetos apresentados eram precários, o que, isoladamente ou em conjunto, não atendiam ao objetivo deste procedimento.
Diante deste contexto, o Decreto Federal nº 10.104/2019 alterou o inciso I do artigo 6º do Decreto Federal nº 8.428/2015, de forma a possibilitar que a Administração Pública, analisado o caso em concreto, limite o número de interessados no Procedimento de Manifestação de Interesse. In verbis:
Art. 6º A autorização para apresentação de projetos, levantamentos, investigações e estudos:
I – poderá ser conferida com exclusividade ou a número limitado de interessados; (Redação dada pelo Decreto nº 10.104, de 2019)
O objetivo de tal alteração é que a Administração Pública, podendo limitar o número de interessados, valha-se de tal faculdade, quando necessário, para deter maior capacidade institucional na análise dos projetos apresentados no PMI.
Essa limitação do número de interessados, contudo, acentua o risco de desvirtuamento do procedimento e esbarra também no critério de escolha dos interessados.
O decreto trouxe a possibilidade jurídica de restringir o número de participantes, mas como escolher quem irá participar? Pode a Administração Pública escolher arbitrariamente quem deseja que participe?
Esta temática foi objeto de debates na 1ª Jornada de Direito Administrativo, do Conselho da Justiça Federal, ocorrida em agosto de 2020. Na ocasião, o conjunto de especialistas em Direito Administrativo, que participou do evento, formou consenso em aprovar o seguinte enunciado:
Enunciado 1
A autorização para apresentação de projetos, levantamentos, investigações ou estudos no âmbito do Procedimento de Manifestação de Interesse, quando concedida mediante restrição ao número de participantes, deve se dar por meio de seleção imparcial dos interessados, com ampla publicidade e critérios objetivos.
Portanto, a comunidade jurídica dedicada ao Direito Administrativo formou consenso no sentido de que, embora a opção em adotar o Procedimento de Manifestação de Interesse seja um ato discricionário da Administração Pública, a escolha dos participantes deve necessariamente ser realizada a partir de uma seleção imparcial, com critérios objetivos e ampla publicidade.
Este entendimento era defendido por Gustavo Schiefler, em sua obra Diálogos Público-Privados, conforme:
“Assim, se, por alguma razão justificada, o objetivo da administração pública é selecionar um único participante para a elaboração colaborativa dos estudos técnicos que darão origem a determinado projeto, não poderá simplesmente analisar os diferentes candidatos e motivar a sua escolha de exclusividade a partir de critérios racionais, adequados e objetivos. Há um elemento essencial para essa operação, que não pode ser afastado: os critérios de eleição devem ser previamente conhecidos pelos interessados, o que remete, justamente, ao lançamento de um edital e à promoção de um processo seletivo análogo à licitação pública. Esse é o procedimento-padrão previsto na legislação para os casos em que é preciso escolher apenas um dentre vários potenciais fornecedores ou prestadores de serviços.
Ainda que não se pretenda a contratação do particular, mas somente a concessão de uma autorização qualificada para que realize estudos e projetos, haverá de ser conduzido um chamamento público para a sua eleição, sob pena de violação do princípio da isonomia e da impessoalidade. E este chamamento público, que conterá as regras de qualificação e seleção, terá de ser necessariamente aberto a todo o conjunto de eventuais interessados. Não se descarta, na hipótese dos diálogos prévios às licitações públicas, que excepcionalmente apenas um particular seja eleito para a interlocução; essa seleção, no entanto, como regra, deverá ser antecedida de um procedimento aberto e isonômico. Sendo viável a competição, não há como obter uma decisão legítima de exclusão de participantes sem que haja o confronto entre os diferentes potenciais interessados – especialmente em diálogos público-privados cujo resultado pode conferir benefícios econômicos substanciais, como é o caso do procedimento de manifestação de interesse (PMI), em que o participante pode obter o ressarcimento pelos dispêndios incorridos nos estudos, que podem chegar a cifras milionárias.”[2]
Diante deste entendimento, nos casos onde for adotado o Procedimento de Manifestação de Interesse e a Administração Pública optar por limitar o número de participantes, é imperioso que seja prestigiado o princípio da impessoalidade na escolha dos participantes, mediante procedimento objetivo e dotado de publicidade, similar, embora simplificado, à lógica adotada no âmbito das próprias licitações públicas, regida pela Lei Federal nº 8.666/1993.
Vale ressaltar que este tema já foi objeto de preocupação das instâncias técnicas do Tribunal de Contas da União (TCU), como se verifica do relatório do Acórdão nº 1096/2019 – Plenário:
Tratam os autos de acompanhamento do primeiro estágio de desestatização, relativo à concessão do lote rodoviário que compreende os segmentos das rodovias BR-364/365/GO/MG entre as cidades de Jataí/GO e Uberlândia/MG, segundo o rito da Instrução Normativa-TCU 46/2004.
[…]
367. Nesse contexto, de viabilizar um novo corredor logístico pela BR-364, foi lançado o Edital de Chamamento Público nº 3/2014 com vistas à elaboração dos estudos para a concessão da BR-364/GO/MG, no trecho entre o entroncamento com a BR-060 (A) (Jataí) até o entroncamento com a BR-153 (A) / 262 (A) (Comendador Gomes) […].
369. No entanto, a única empresa que levou adiante a elaboração dos estudos, por meio do procedimento de manifestação de interesses (PMI) decorrente do Edital de Chamamento Público 3/2014, privilegiou o corredor logístico preexistente (BR-364/365/GO/MG) em detrimento da alternativa que permitiria reduzir os custos logísticos (BR-364/GO/MG) entre as áreas produtoras do centro-oeste e os polos consumidores e exportadores do sudeste.
370. Ocorre que a empresa responsável pelos estudos (EGP) faz parte do grupo empresarial que administra a concessão da BR-050/GO/MG (MGO Rodovias) e, para os interesses desse grupo (peça 60) , a viabilização de um corredor logístico alternativo pela BR-364/GO/MG teria efeitos negativos para seu resultado, uma vez que sua concessão capta o tráfego proveniente do corredor logístico atual (BR-364/365/GO/MG) , a partir de Uberlândia/MG, com direção ao Estado de São Paulo, passando por duas praças de pedágio.
371. Há que se registrar, por conseguinte, a existência de conflito de interesses no processo de escolha dos trechos rodoviários que constaram dos estudos de viabilidade apresentados ao TCU e, ainda, que o corredor logístico da BR-364/365/GO/MG, a ser contemplado com investimentos de aproximadamente R$ 2 bilhões (ref. julho/2016) ao longo de trinta anos, não é aquele que otimiza a cadeia logística nacional, de acordo com o planejamento governamental existente para o setor de transportes.[3]
É nesse sentido que o enunciado aprovado é categórico ao destacar a necessidade de uma seleção imparcial quando ocorrer a restrição do número de participantes, visando-se, assim, o atendimento ao disposto no artigo 37, caput, como também o efetivo alcance do interesse público.
Outro ponto a ser destacado, sobre a necessidade de isonomia na escolha dos interessados, é o fato de que essa restrição deve ser encarada como uma exceção à regra de ampla abertura à participação de interessados, uma vez que a diminuição desse universo poderá acarretar uma diminuição na competitividade em uma licitação futura, baseada nos projetos apresentados, fato que reforça a necessidade de adoção de um procedimento objetivo e isonômico entre os interessados.
Nesse sentido, a tese fixada no Enunciado 1 da 1ª JDA do Conselho da Justiça Federal consolida o entendimento de que, de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, quando ocorrer a restrição de interessados no Procedimento de Manifestação de Interesse, a Administração Pública deverá adotar critérios objetivos e isonômicos na escolha dos participantes.
[1] Conforme conceitua Gustavo Schiefler, o PMI é um procedimento administrativo consultivo “por meio do qual a Administração Pública organiza em regulamento a oportunidade para que particulares, por conta e risco, elaborem modelagens com vistas à estruturação da delegação de utilidades públicas, geralmente por via de concessão comum ou de parceria público-privada, requerendo, para tanto, que sejam apresentados estudos e projetos específicos, conforme diretrizes predefinidas, que sejam úteis à licitação pública e ao respectivo contrato, sem que seja garantido o ressarcimento pelos respectivos dispêndios, a adoção do material elaborado ou o lançamento da licitação pública, tampouco qualquer vantagem formal do participante sobre outros particulares.”. Cf. SCHIEFLER, Gustavo Henrique Carvalho. Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. p. 97.
[2] SCHIEFLER, Gustavo Henrique Carvalho. Diálogos Público-Privados. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018. p. 184 e 185.
[3] TCU, Acórdão 1096/2019 – Plenário. Relator Ministro Bruno Dantas, julgado em 15/05/2019.
Read MoreA LGPD, agora em parcial vigor, institui regime jurídico devotado à disciplina das operações de tratamento de dados realizadas por entes que compõem o poder público, dos quais se espera que envidem esforços para garantir efetivas prestações estatais para concretizar as normas de proteção de dados pessoais.
Matheus Lopes Dezan[i]
Em 18 de setembro de 2020, sexta-feira, iniciou-se a parcial[ii] produção de vigor pela Lei Federal nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, usualmente denominada Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)[iii]. Cessa o período de vacatio legis da LGPD após extenso processo legislativo. Isso porque, em 29 de abril de 2020, fora adiada a vigência parcial da LGPD para 03 de maio de 2021, por força do 4º artigo da Medida Provisória nº 959[iv]. Contudo, o Congresso Nacional, em 26 de agosto de 2020, optou pela remoção do artigo 4º da MP nº 959/2020 durante votação acerca da conversão dessa MP em Lei Ordinária Federal nº 14.058, sancionada pela Casa Civil na última sexta-feira, 18 de setembro.
Em face do exposto, vigora parcialmente a LGPD, lei que serve de eixo ao sistema normativo brasileiro de proteção de dados pessoais, provocando importantes alterações para as relações público-privadas[v], sobretudo em face do contexto de uma administração pública eletronizada[vi].
A LGPD E A ORDEM CONSTITUCIONAL
A LGPD regula as operações de tratamento de dados pessoais realizadas por agentes públicos e privados, isto é, regula operações tais quais as de acesso, de coleta, de armazenamento, de processamento e de compartilhamento de dados pessoais (informações que versam sobre atributos da pessoa natural identificada ou identificável – artigo 5º, I, LGPD). Instituem-se, pois, garantias normativas postas em defesa do titular de dados tratados.
Nesse sentido, a fim de tornar efetiva a proteção que confere à categoria de dados pessoais, a LGPD busca dar concreção a normas constitucionais fundamentais. Para isso, afirma como fundamentos seus o respeito à privacidade, ao livre desenvolvimento da personalidade (corolário lógico-jurídico do respeito à dignidade humana, positivado pelo inciso III do artigo 1º da CF/88), aos direitos de autonomia informacional da personalidade, às liberdades de expressão, de informação e de comunicação, à intimidade, à honra, à imagem e a outros direitos fundamentais que servem de axioma à nova lei de proteção de dados (artigos 1º e 2º, LGPD).
Do mesmo modo, operações de tratamento de dados pessoais devem observar, em regra, diretrizes normativas de finalidade, de adequação, de necessidade, de livre acesso, de qualidade de dados, de transparência, de segurança, de não discriminação e outras diretrizes afirmadas pela doutrina estudiosa de temas afeitos à proteção de dados pessoais e positivadas pela LGPD (artigo 6º, LGPD).
Precisamente, no que concerne a operações de tratamento de dados pessoais realizadas pelo poder público, importa a observância das diretrizes positivadas em lei para que haja adequação das relações público-privadas às premissas de um Estado efetivamente Democrático e de Direito, que age em atenção à proteção de direitos fundamentais individuais e coletivos e em prol do interesse público.
Há, no entanto, especificidades próprias do regime jurídico criado pela LGPD e devotado aos órgãos e entidades administrativas, que merecem mais profunda abordagem em tópico apartado.
O TRATAMENTO DE DADOS PELO PODER PÚBLICO
O capítulo IV da LGPD é dedicado à instituição de novo regime normativo para a regulação das operações tratamento de dados pessoais executadas pelo poder público. Trata-se de regime jurídico distinto daquele por meio dos quais são disciplinadas as pessoas jurídicas de direito privado, o que se justifica em razão das particularidades de prerrogativa que a administração pública ostenta.
De pronto, pode-se destacar que o tratamento de dados pelo poder público deve atender a finalidades públicas, com respaldo no interesse público, a fim de que seja possível a execução das atribuições legais do poder público, tais como a execução de políticas públicas, a prestação de serviços públicos e administração da res publica (artigo 23, LGPD). Em todos os casos, deve-se lembrar, observam-se os fundamentos e princípios da LGPD e resguardam-se os direitos do titular dos dados tratos, que deve ser informado sobre os usos que se fazem dos dados tratados por entidades administrativas, bem como deve ter acesso a essas informações em veículos de fácil acesso, sobretudo em portais governamentais em sites da internet (artigo 23, I, LGPD). Ainda, o exercício dos direitos do titular de dados deve ocorrer com amparo no remédio constitucional do Habeas Data, nas disposições da Lei Geral do Processo Administrativo e, ainda, na Lei de Acesso à Informação, todos integrantes do sistema normativo de proteção de dados pessoais ordenado pela LGPD (artigo 23, § 3º, LGPD).
Esse mesmo regime jurídico de direito público disciplina a prestação de serviços notariais e de registros, do mesmo modo que disciplina a execução, por empresas públicas e por sociedades de economia mista, de serviços e políticas públicos (artigo 23, §§ 4º e 5º e artigo 24, parágrafo único, LGPD). Nesses casos, os dados tratados devem ser armazenados em formato interoperável, de modo que seja possível o compartilhamento de dados pessoais entre órgãos da administração pública, para a execução de políticas públicas. O compartilhamento de dados entre entidades administrativas e empresas privadas é estritamente vedado pela LGPD, salvo em casos excepcionais, sendo sempre devida comunicação acerca do compartilhamento à autoridade nacional e ao titular dos dados (artigos 24 e 25, LGPD).
Sem embargos, empresas públicas e sociedades de economia mista que atuam em regime privado de concorrência devem observar a disciplina normativa própria de entidades privadas (artigo 24, caput, LGPD).
Não se aplicam as normas da LGPD quando o tratamento de dados pessoais ocorrer para fins de segurança nacional, de defesa nacional e de segurança do Estado, bem como para fins investigação e de repressão de infrações penais. Dessa forma, em caso de a administração pública tratar dados pessoais para uma das finalidades elencadas, não é devida a aplicação das normas da LGPD.
Similarmente, a LGPD concebe a possibilidade de a administração pública tratar dados pessoais sem o consentimento do titular dos dados tratados para a execução de políticas públicas previstas em lei, em regulamentos ou em contratos, convênios e outros, bem como a para fins de proteção da saúde pela autoridade sanitária, mesmo que sem consentimento do titular de dados (artigo 7º, III e IX, LGPD). De todo modo, é necessário assegurar ao titular dos dados tratados acesso facilitado às informações sobre essas operações de tratamento de dados, tais como informações sobre as formas de tratamento, sobre a identidade dos agentes de tratamento, sobre a finalidade do tratamento e sobre os direitos do titular (artigo 9º, LGPD).
A AUTORIDADE NACIONAL DE PROTEÇÃO DE DADOS
Para fiscalizar o cumprimento das normas positivadas pela LGPD, previu-se a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), criada sem aumento de despesas e vinculada à Presidência da República (artigo 55-A, LGPD). A despeito dessa vinculação, em torno da qual pairam inesgotáveis debates, garante-se à ANPD autonomia técnico-decisória. Do mesmo modo, a autoridade nacional instituída por lei possui natureza jurídica transitória, sendo possível, em momento posterior, que a ANPD seja transformada em entidade da administração pública federal indireta, disciplinada por regime autárquico e especial (artigos 55-A, § 1º, e 55-B, LGPD).
Figuram dentre as competências da ANPD aquelas de zelar pela proteção de dados pessoais e pelo respeito aos segredos comerciais e industriais – sobretudo em caso de haver necessidade de auditar operações de tratamento de dados, como provê o artigo 20 da LGPD – de elaborar diretrizes da Política Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade e de aplicar sanções em caso de descumprimento das ordens legais (artigo 55-J, LGPD). Ademais, editou-se recentemente o Decreto nº 10.474, de 26 de agosto de 2020, que regulamenta com maior especificidade a estrutura e as atribuições da ANPD[vii].
Nada obstante, as sanções de multa previstas pela LGPD, e passíveis de serem aplicadas pela ANPD, apenas vigoram a partir de 1º de agosto de 2021, período reservado à estruturação da ANPD, o que apenas recentemente se iniciou.
UM PANORAMA GERAL
Em suma, a LGPD, agora em parcial vigor, institui regime jurídico devotado à disciplina das operações de tratamento de dados realizadas por entes que compõem o poder público. Consequentemente, espera-se que a administração pública, imergida no contexto de eletronização de seus atos, envide esforços, como o tem feito desde 2018, no sentido de convergir a sua estrutura interna para as disposições inauguradas pela LGPD, de modo que seja possível garantir efetivas prestações estatais em consonância com a ordem constitucional, concretizada pelas normas de proteção de dados pessoais.
QUADRO COMPARATIVO
Notas de fim de página
[i] Estagiário de Direito em Schiefler Advocacia. Bacharelando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Membro do Laboratório de Políticas Públicas e Internet (LAPIN). Membro do Grupo de Pesquisa certificado pelo CNPq Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial (DR.IA/UnB). Membro do Grupo de Estudos em Direito e Economia (GEDE/UnB/IDP). Membro do Grupo de Pesquisa em Hermenêutica do Direito Administrativo e Políticas Públicas (HDAPP/UniCeub). Membro do Grupo Bioethik: Grupo de Pesquisas em Bioética.
[ii] Por força do inciso I do artigo 65 da LGPD, os artigos 55-A, 55-B, 55-C, 55-D, 55-E, 55-F, 55-G, 55-H, 55-I, 55-J, 55-K, 55-L, 58-A e 58-B vigoram desde 28 de dezembro de 2018, e os artigos 52, 53 e 54, que versam acerca das sanções administrativas a serem aplicadas pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados a infratores da Lei, por força do inciso I-A do artigo 65 da LGPD, vigoram apenas a partir de 1º de agosto de 2021. A redação da MP 959/2020, portanto, apenas modificou a redação do inciso II do artigo 65 da LGPD, que cuida da vigência dos demais artigos da lei.
[iii] BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm. Acesso em: 21 ago. 2020.
[iv] BRASIL. Medida Provisória nº 959, de 29 de abril de 2020. Estabelece a operacionalização do pagamento do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda e do benefício emergencial mensal de que trata a Medida Provisória nº 936, de 1º de abril de 2020, e prorroga a vacatio legis da Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, que estabelece a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2250977. Acesso em: 21 ago. 2020.
[v] SCHIEFLER, Gustavo Henrique Carvalho. Diálogos público-privados. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.
[vi] SCHIEFLER, Eduardo André Carvalho. Processo administrativo eletrônico. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.
[vii] BRASIL. Decreto nº 10.474, de 26 de agosto de 2020. Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança da Autoridade Nacional de Proteção de Dados e remaneja e transforma cargos em comissão e funções de confiança. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-10.474-de-26-de-agosto-de-2020-274389226. Acesso em: 21 ago. 2020.
Read MoreA Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça uniformizou o entendimento da Corte sobre a polêmica extensão da penalidade de perda da função pública em virtude de ato de improbidade administrativa, prevista no artigo 12 da Lei nº 8.429/1992.
Recentemente, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) uniformizou o entendimento da Corte sobre a polêmica extensão da penalidade de perda da função pública em virtude de ato de improbidade administrativa, prevista no artigo 12 da Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa).
Em Embargos de Divergência opostos em sede do Recurso Especial nº 1701967/RO[1], o Superior Tribunal de Justiça definiu que a penalidade em questão atinge não só o cargo ocupado pelo infrator no momento da prática da conduta ímproba, mas também se estende ao cargo público eventualmente ocupado por este no momento do trânsito em julgado da sentença condenatória (artigo 20 da Lei de Improbidade Administrativa[2]).
A controvérsia foi julgada por maioria pelo colegiado dos órgãos especializados em Direito Público, tendo sido analisada em razão de divergência existente entre a Primeira e Segunda Turmas da Corte. No voto vencedor, o Ministro Francisco Falcão afirma que a sanção de perda do cargo tem por objetivo afastar dos quadros da Administração Pública o agente que apresentou conduta ímproba e carência ética para o exercício da função pública. Por essa lógica, defendeu que a penalidade em questão deve abranger toda e qualquer atividade que o agente esteja exercendo no momento do trânsito em julgado da sentença condenatória.
Considerando que o objetivo da perda do cargo é o de salvaguardar a Administração de agentes que demonstrem “pouco ou nenhum apreço pelos princípios regentes da atividade administrativa”[3], a penalidade deve atingir não só o cargo ocupado no momento da prática do ato ímprobo, como também eventual outra função pública que esteja sendo exercida, uma vez que a improbidade não está ligada ao cargo em si, mas à própria atuação desse agente na Administração Pública.
Portanto, prevaleceu o entendimento que vinha sendo adotado pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, que pode ser representado pelo seguinte julgado:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL. COBRANÇA DE PROPINA. […] PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA. ART. 12 DA LEI 8.429/1992. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. SÚMULA 7/STJ. […]
5. A Lei 8.429/1992 objetiva coibir, punir e afastar da atividade pública todos os agentes que demonstraram pouco apreço pelo princípio da juridicidade, denotando uma degeneração de caráter incompatível com a natureza da atividade desenvolvida.
6. A sanção de perda da função pública visa a extirpar da Administração Pública aquele que exibiu inidoneidade (ou inabilitação) moral e desvio ético para o exercício da função pública, abrangendo qualquer atividade que o agente esteja exercendo ao tempo da condenação irrecorrível.
7. Não havendo violação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, modificar o quantitativo da sanção aplicada pela instância de origem, no caso concreto, enseja reapreciação dos fatos e provas, obstado nesta instância especial (Súmula 7/STJ).
8. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.[4]
No caso analisado e julgado, discute-se a extensão da sanção de perda da função pública à ex-policial federal que se encontrava exercendo o cargo de Defensor Público ao tempo do trânsito em julgado da sentença condenatória.
De toda forma, embora se trate de uma uniformização da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é possível que, em algum momento, a questão seja levada ao Supremo Tribunal Federal (STF) para análise da constitucionalidade da extensão da penalidade.
Vale ressaltar, ainda, que a prática de ato de improbidade administrativa não acarreta, automaticamente, a necessidade de aplicação da penalidade de perda da função pública, uma vez que a própria Lei nº 8.429/1992 determina que o juiz deverá, na fixação das penas, levar em conta “a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente”.
Nesse sentido, considerando que o acórdão prolatado pela Primeira Seção do STJ ainda não foi disponibilizado (em 16/9/2020), ainda não está claro se o entendimento que prevaleceu, além de confirmar a abrangência da perda de função pública atualmente ocupada, também veda a hipótese de que um juiz, com base nos elementos do caso concreto e em atenção à razoabilidade e proporcionalidade entre conduta e sanção, restrinja a condenação ao cargo que serviu como instrumento para a prática do ato de improbidade.
[1] Informações obtidas por meio de notícia veiculada no site do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Cf. http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/16092020-Perda-de-funcao-publica-por-improbidade-atinge-qualquer-outro-cargo-ocupado-no-momento-da-condenacao-definitiva.aspx. Acesso em 16 set. 2020.
[2] Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual.
[3] ANDRADE, Landolfo. Aplicabilidade da sanção de perda da função pública sobre qualquer função exercida pelo agente ímprobo ao tempo do trânsito em julgado da decisão condenatória. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2019/07/23/sancao-perda-da-funcao-publica/.
[4] STJ, REsp 1297021/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/11/2013.
Read MoreRobôs proferirem decisões administrativas é decerto inovador. A necessidade de motivação, não.
Nesta terça-feira (1º de setembro de 2020), Eduardo Schiefler e Matheus Dezan publicaram o artigo “A decisão administrativa robótica e o dever de motivação” no Portal Jurídico JOTA, o qual pode ser visualizado neste link.
O artigo também contou com a participação do Professor Fabiano Hartmann, da Universidade de Brasília (UnB), e é resultado das pesquisas do grupo Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial (DR.IA/UnB), liderado pelo Prof. Fabiano.
Em razão da relevância do tema, vamos republicá-lo na íntegra, com a autorização dos autores:
A decisão administrativa robótica e o dever de motivação
Por Eduardo Schiefler, Fabiano Hartmann Peixoto e Matheus Lopes Dezan
A tecnologia está transformando a sociedade e isso não é segredo para ninguém.
A despeito de a prosperidade tecnológica não se desenvolver de modo uniforme ou impactar de forma heterogênea todos os campos de vida humana, havendo rotinas mais ou menos impactadas pela incidência de ferramentas tecnológico-operacionais, o fato inconteste é que há muito tempo a aplicação massiva das tecnologias no cotidiano dos seres humanos já deixou de ser apenas uma hipótese para se tornar uma questão de quando ou em que grau seremos impactados.
E o direito administrativo não foi poupado. Não havia dúvidas que a tecnologia se desenvolveria a ponto de permear o regime jurídico administrativo. A questão é que esse campo, costumeiramente tido por imutável e perene, em razão de sua principiologia própria, está sendo bombardeado por constantes transformações que almejam (e com razão) trazer mais eficiência e controle à Administração Pública.
Por conta desse cenário, vemos com naturalidade e animação as discussões cada vez mais frequentes sobre o uso de ferramentas tecnológicas pelo poder público. Não se surpreende, portanto, que elas tenham sido levadas à I Jornada de Direito Administrativo do Conselho da Justiça Federal, ocorrida entre os dias 3 e 7 de agosto de 2020, com o objetivo de discutir posições interpretativas sobre as normas jurídicas (lei, jurisprudência e doutrina) e, ao final, produzir e publicar enunciados[1].
Na ocasião, após a aprovação na comissão temática, a reunião Plenária da I Jornada de Direito Administrativo votou e aprovou o Enunciado 12, segundo o qual “A decisão administrativa robótica deve ser suficientemente motivada, sendo a sua opacidade motivo de invalidação.”.
Fazendo uma reflexão sobre o texto aprovado, verifica-se que, embora o tema de decisões administrativas robóticas seja realmente inovador — e enfrente, evidentemente, críticas por seu caráter disruptivo —, o Enunciado 12 não inova no campo do direito administrativo.
Explica-se: a questão de robôs proferirem decisões administrativas é decerto inovadora. A necessidade de que as decisões administrativas sejam motivadas, todavia, não o é. E, mais do que isso, não basta que sejam motivadas as decisões administrativas, pois importa que sejam suficientemente motivadas — e isso não é, repita-se, novidade.
Trata-se de consequência direta do arcabouço jurídico-constitucional trazido à ordem normativa brasileira pela Constituição Federal de 1988, que transfigurou a relação público-privada e que conferiu ampla gama de novos direitos aos cidadãos e de deveres à administração pública brasileira. É dizer: a Constituição modificou a maneira com que os indivíduos particulares se relacionam com o poder público, assim como a tecnologia também o pretende fazer.
É nesse exato sentido que se entende que o Enunciado 12 não inova na ciência do direito administrativo:
Seja uma decisão administrativa manualmente redigida, seja uma decisão eletrônica ou, ainda, seja uma decisão robótica, elas devem apresentar motivação suficiente, sem escusas para o contrário, sob pena de serem inválidas perante as prescrições do ordenamento jurídico brasileiro.
Isso porque a motivação das decisões administrativas é requisito formalístico de validade dos atos administrativos decisórios[2], dado que o regramento dos atos da administração pública (imperativo fortalecido pela nova sistemática de direito administrativo inaugurada pela ordem constitucional de 1988) exige que a gestão da res publica ocorra de modo responsivo e transparente — o que, de certo modo, é favorecido pela adoção cada vez mais frequente de processos administrativos eletrônicos[3] e de sistemas de inteligência artificial pela administração. Nesse comento, o registro formal dos motivos de fato e de direito que orientaram o processo de tomada de decisão é medida que se impõe, para que seja desimpedido, como deve ser, o controle jurídico e social sobre os atos administrativos[4].
Ademais, a distintiva importância conferida à motivação das decisões administrativas para a ordem jurídica contemporânea pode ser adequadamente exemplificada pela construção doutrinária da teoria dos motivos determinantes, a qual preceitua que a validade das decisões administrativas guarda vínculo sincrético com os pressupostos objetivos que as constituem. Significa dizer que a decisão administrativa, ainda que discricionária, deve operar sobre motivos verdadeiros, existentes e corretamente qualificados, a fim de produzir efeitos válidos no mundo jurídico. Revelada a falsidade, a inexistência ou a inadequada qualificação dos motivos de fato expostos pelo administrador, de modo que não haja nexo lógico entre esses elementos fáticos e os motivos legais elencados, far-se-á inválido o ato administrativo.
Nada obstante, a instrução veiculada pelo Enunciado 12 aprovado na I Jornada de Direito Administrativo evidencia a imbricação entre requisitos de ordens jurídica e técnica impostos às decisões administrativas robóticas. Importa, dessa forma, que o sistema decisório automatizado seja apto a operar com linguagem natural[5] e com a logicidade do sistema de normas positivadas, de modo tal que dê forma à exposição satisfatória das razões de fato e de direito que guiaram o processo de tomada de decisão.
Trata-se de meio de preconizar a transparência das decisões administrativas robóticas como que vinculada à construção automatizada da forma de apresentação do conteúdo decisório, para que seja válido o ato administrativo operado de forma tão singular e, por vezes, epistemologicamente opaco. É por essa razão que a transparência das decisões administrativas robóticas depende de que o sistema de explicação de critérios decisórios produza resultados satisfatórios à cognição não somente do teor da decisão, mas dos fundamentos fáticos, jurídicos e tecnológicos que a compõe.
Inclusive, esse é o mesmo raciocínio que a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) desenvolve ao tratar das decisões tomadas unicamente com base em tratamento automatizado de dados pessoais (artigo 20, § 1º), aqui aplicada por analogia. Na prática, a LGPD garante ao titular dos dados o acesso a “informações claras e adequadas a respeito dos critérios e dos procedimentos utilizados para a decisão automatizada”.
O raciocínio, como dito, é o mesmo. Mas no campo das decisões administrativas o imperativo de se ter motivação expressa e correlacionada com a realidade dos fatos se impõe pela natureza peculiar da atuação administrativa, que tem por objetivo precípuo a satisfação dos direitos fundamentais dos cidadãos. É dizer, a própria razão de existir da administração pública depende do atendimento aos direitos dos indivíduos. É isto que confere legitimidade à sua atuação e é, assim, que o dever de motivação se torna fundamental para a manutenção do Estado Democrático de Direito.
Portanto, ainda que não promova inovações em matéria de direito administrativo (uma vez que todas as espécies de decisões administrativas exigem motivação), o Enunciado 12 da I Jornada de Direito Administrativo do Conselho da Justiça Federal é uma novidade muito bem-vinda, pois ressalta a importância de discutir a inserção da tecnologia na administração pública, que é inevitável, assim como os seus impactos na relação público-privada e nos direitos dos cidadãos.
[1] Disponível em: I Jornada de Direito Administrativo será realizada em ambiente virtual, entre os dias 3 e 7 de agosto. Acesso em 15 de agosto de 2020.
[2] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 408.
[3] SCHIEFLER, Eduardo André Carvalho. Processo administrativo eletrônico. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. p. 43.
[4] SCHIEFLER, Gustavo Henrique Carvalho. Diálogos público-privados. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018. p. 175.
[5] HARTMANN PEIXOTO, Fabiano; MARTINS DA SILVA, Roberta Zumblick. Inteligência artificial e direito. 1. ed. Curitiba: Alteridade Editora, 2019. p. 82.
EDUARDO SCHIEFLER – Advogado. Mestrando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Integrante do Grupo de Estudos em Direito Público (GEDIP/UFSC). Integrante do Grupo de Pesquisa em Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial (DR.IA/UnB). Autor do livro “Processo Administrativo Eletrônico” (2019). E-mail: eduardo@schiefler.adv.br.
FABIANO HARTMANN PEIXOTO – Doutor em Direito. Professor da Faculdade de Direito e do PPGD-UnB. Líder do Grupo de Pesquisa DR.IA. Coordenador do Projeto Victor (IA-STF) e Projeto Mandamus (IA-TJRR)
MATHEUS LOPES DEZAN – Bacharelando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Integrante do Grupo de Pesquisa em Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial (DR.IA/UnB). Integrante do Laboratório de Políticas Públicas e Internet (LAPIN). Integrante do Grupo de Estudos em Bioética e Biodireito (Bioethik/UFES). Membro do Grupo de Pesquisa em Análise Econômica do Direito (GEDE/UnB-IDP). E-mail: matheus.ldezan@gmail.com
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