TJRJ reconhece direito à nomeação de candidatos de concurso da transpetro aprovados em cadastro de reserva
No dia 31/05/2021, a 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) negou provimento ao recurso de apelação interposto pela Transpetro e manteve sentença proferida pela 28ª Vara Cível da Comarca da Capital, que julgou procedente a ação ajuizada por candidatos aprovados em cadastro de reserva de concurso público da Transpetro para o cargo de Contador Júnior (RJ) para que avançassem às etapas posteriores do certame.
No caso, foi comprovada a ocorrência de terceirização indevida de atividades que deveriam ser desempenhadas pelos candidatos aprovados no concurso em questão, se estes fossem nomeados ao cargo. Dessa forma, configurou-se a preterição arbitrária e imotivada pela administração, fazendo surgir o direito à nomeação dos candidatos aprovados no concurso.
Em seu voto, o Desembargador Relator reconheceu que “Durante o prazo de validade do certame, a apelante celebrou contrato de terceirização de mão de obra, para “prestação de serviços de execução contábil e fiscal”. O “memorial descritivo” indica que o trabalho deve ser realizado por 40 profissionais (fls. 211/218). Esse quantitativo de servidores não concursados, portanto, gera direito subjetivo à nomeação dos recorridos, conforme reconhecido pela sentença.” (grifo nosso).
A REGRA DO CONCURSO PÚBLICO E A PRETERIÇÃO DE CANDIDATOS
A Constituição Federal estabelece que a aprovação prévia em concurso público é a regra para a investidura em cargo ou emprego público. Na prática, isso significa que as atividades públicas devem ser desempenhadas por servidores aprovados em concurso público, ressalvadas as exceções previstas em lei – como no caso dos cargos em comissão, por exemplo.
A ideia, com isso, é garantir que o provimento de cargos públicos esteja alinhado com os princípios da isonomia, da impessoalidade e da moralidade administrativa. Por essas razões, havendo a demanda de pessoal e disponibilidade orçamentária, a Administração Pública deve sempre buscar a realização de concurso público ou, se houver candidatos aprovados aguardando a nomeação, a convocação destes.
Aplicando essa regra, o Supremo Tribunal Federal (STF) fixou o Tema 784, que consolida três hipóteses em que o candidato pode acionar o Poder Judiciário para que seja reconhecido o seu direito à nomeação. Nessas hipóteses, ocorre o que o STF denominou como “preterição arbitrária e imotivada por parte da administração, caracterizada por comportamento tácito ou expresso do Poder Público capaz de revelar a inequívoca necessidade de nomeação”. São elas:
- Quando a aprovação ocorrer dentro do número de vagas do edital;
- Quando houver preterição na nomeação por não observância da ordem de classificação;
- Quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos aprovados fora das vagas de forma arbitrária e imotivada por parte da administração.
Vale ressaltar, como expressamente reconhecido pelo STF, que a ocorrência de preterição beneficia tanto candidatos aprovados dentro do número de vagas quanto candidatos em cadastro de reserva, desde que seja comprovado que o candidato foi diretamente prejudicado, e que a sua nomeação deixou de ocorrer em razão da preterição promovida pela administração.
O CASO CONCRETO
No presente caso, os candidatos foram aprovados em cadastro de reserva de concurso público promovido pela Transpetro para o cargo de Contador Júnior (RJ). Todavia, diante da demanda de pessoal para o desempenho das atribuições deste cargo, em vez de nomear os candidatos aprovados em concurso, a Transpetro decidiu contratar funcionários terceirizados, burlando, assim, a regra do concurso público.
Em virtude disso, os candidatos aprovados no certame e diretamente prejudicados pela terceirização das atividades do cargo propuseram ação judicial. O processo foi distribuído para a 28ª Vara Cível da Comarca da Capital que, em primeira instância, julgou procedentes os pedidos formulados pelos candidatos, determinando a sua nomeação ao cargo para o qual foram aprovados em cadastro de reserva. Inclusive, uma das candidatas foi imediatamente convocada, enquanto os demais foram admitidos para convocação, conforme as suas respectivas classificações.
Na sentença, o magistrado afirmou que, “embora a mera aprovação em concurso público não atribua ao demandante direito à contratação, a contratação a título precário de mão-de-obra terceirizada, como ocorreu na hipótese, faz surgir o direito subjetivo público à contratação dos concursados em condição de suplentes, conforme previsto no Edital, em razão da fraude à Constituição da República e à lei, como forma de evitar a burla à obrigatoriedade do concurso público.” (grifo nosso).
E, nessa mesma linha, seguiu: “Ainda que a contratação se submeta ao poder discricionário da Administração, constata-se, in casu, que a contratação pela ré de terceirizados para o exercício de funções que pressupõem a formação superior em Ciências Contábeis só vem a confirmar a existência de vagas e a necessidade dos referidos serviços.” (grifos nossos).
Diante disso, a Transpetro interpôs recurso de apelação, levando a matéria à apreciação da 13ª Câmara Cível do TJRJ. Todavia, a referida Corte negou provimento ao recurso interposto, mantendo a sentença proferida em seus integrais termos.
As decisões foram baseadas nas provas e fundamentos apresentados pelo escritório Schiefler Advocacia.
Read MoreEm duas situações, os servidores temporários também farão jus aos direitos garantidos para os servidores efetivos: nas hipóteses em que há previsão legal e/ou contratual ou em caso de desvirtuamento da contratação temporária.
Eduardo Schiefler[1]
Marcelo John Cota de Araújo Filho[2]
Em maio de 2020, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) apreciou o Tema 551 da repercussão geral e fixou a tese de que “Servidores temporários não fazem jus a décimo terceiro salário e férias remuneradas acrescidas do terço constitucional, salvo (I) expressa previsão legal e/ou contratual em sentido contrário, ou (II) comprovado desvirtuamento da contratação temporária pela Administração Pública, em razão de sucessivas e reiteradas renovações e/ou prorrogações”.
A fixação da tese se deu por maioria, nos termos do voto elaborado pelo Ministro Alexandre de Moraes. O tema trata sobre a extensão de direitos dos servidores públicos efetivos aos servidores e empregados públicos contratados para atender necessidade temporária e excepcional da Administração Pública. Em outras palavras, servidores públicos temporários.
A distinção entre servidores públicos efetivos e servidores públicos temporários é importante para se determinar a gama de direitos que cada um dos grupos faz jus, uma vez que o artigo 39, § 3º, da Constituição Federal[3] indica um rol de direitos trabalhistas (artigo 7º da CF/88) inerentes aos servidores ocupantes de cargo público efetivo, que ingressaram por meio de concurso público.
Contudo, é preciso destacar que a contratação de pessoas para a execução de serviços de caráter temporário ou de natureza técnica especializada é uma faculdade concedida à Administração Pública pela própria Constituição Federal, em seu artigo 37, inciso IX[4]. Ou seja, nem sempre a Administração Pública contratará indivíduo por meio de concurso público, podendo, nos casos em que a necessidade não é permanente – mas temporária –, fazer uso da faculdade que a Constituição lhe conferiu para contratar mão de obra por tempo determinado.
Acontece que a contratação por tempo determinado, realizada com base nessas circunstâncias (atender necessidade temporária de excepcional interesse público), não investe o contratado de cargo público, o que não lhe garante automaticamente o gozo aos direitos previstos no artigo 7º e garantidos pelo § 3º do artigo 39, ambos da Constituição Federal.
Apesar disso, é necessário ressaltar que essa faculdade não pode ser utilizada como um mecanismo para que a Administração Pública negligencie os direitos dos trabalhadores vinculados a ela. Nesse sentido, contratar alguém sob a justificativa de interesse excepcional e realizar sucessivas e reiteradas renovações ou prorrogações constitui-se como um desvirtuamento da contratação temporária, não sendo possível utilizar esse argumento como supedâneo para negar direito a benefícios como o décimo terceiro e férias.
Inclusive, é importante salientar que o desvirtuamento da contratação temporária, como é o caso da renovação sucessiva de contratos temporários, também configura burla ao dever de realizar concurso público, insculpido no artigo 37, inciso II, da CF/88[5]. Nessa ocasião, os candidatos aprovados em concurso público para esses cargos que estão sendo ocupados indevidamente por temporários passam a ter direito subjetivo à nomeação, ainda que tenham sido aprovados para o cadastro de reserva.
De toda forma, voltando-se ao tema julgado pelo STF, o caso concreto analisado pelo Tribunal, para fixar a tese de repercussão geral, trata de uma servidora temporária que ajuizou ação de cobrança contra o Estado de Minas Gerais, alegando ter sido contratada para a função de Agente da Administração e ter exercido serviços no período entre dezembro de 2003 e março de 2009, sem nunca ter recebido 13º salário ou férias remuneradas. Ocorre que a contratação da profissional se deu por meio de contratos consecutivos e semestrais. Ou seja, após a contratação inicial fundada numa necessidade temporária e de excepcional interesse público, ocorreram prorrogações contratuais sucessivas a cada 6 meses por mais de 5 anos.
A conclusão, conforme se depreende da tese apresentada no voto do Ministro Alexandre de Moraes, é de que servidores temporários não fazem jus aos direitos garantidos para os servidores efetivos, porém, excepcionalmente em duas situações, os servidores temporários também farão jus: nas hipóteses em que há previsão legal e/ou contratual ou em caso de desvirtuamento da contratação temporária.
Dessa forma, destaca-se que os direitos reservados aos servidores públicos efetivos não são estendidos aos servidores temporários, a menos que tais direitos sejam reconhecidos por lei ou no instrumento contratual que institui o vínculo temporário, ou ainda que a contratação temporária seja desvirtuada em decorrência de sucessivas renovações ou prorrogações contratuais.
[1] Advogado no escritório Schiefler Advocacia. Mestrando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Integrante do Grupo de Estudos em Direito Público (GEDIP/UFSC). Integrante do Grupo de Pesquisa em Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial (DRIA.UnB). Autor do livro “Processo Administrativo Eletrônico” (2019) e de artigos acadêmicos, especialmente na área de Direito Administrativo e Tecnologia.
[2] Graduando em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), atualmente cursando o sexto período. Foi assessor de presidência e consultor de Negócios da Magna Empresa Júnior, além de representante discente do Conselho da Faculdade de Direito (CONFADIR) da UFU.
[3] Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes. […]
§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir.
[4] Art. 37. […] IX – a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;
[5] Art. 37. […] II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
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