Os argumentos do escritório Schiefler Advocacia foram acolhidos pela decisão liminar em razão da preterição dos aprovados em concurso público por comissionados e terceirizados.
Na última sexta-feira (25/06/2021), a 14ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo (TJSP) determinou à Prefeitura de São Paulo a nomeação de 7 arquitetos aprovados no concurso de QEAG. A decisão foi proferida pelo Juiz Randolfo de Campos que, em sede liminar, acatou os argumentos apresentados pelo escritório Schiefler Advocacia e reconheceu a preterição arbitrária e imotivada dos candidatos aprovados em concurso público em decorrência de contratação sistemática de comissionados e terceirizados para desempenho das funções típicas do cargo de QEAG, na especialidade de arquitetura.
O concurso público foi lançado pela Prefeitura de São Paulo em outubro de 2018 e previa nomeação imediata de 58 arquitetos para o Quadro de Profissionais de Engenharia, Arquitetura, Agronomia e Geologia (QEAG). Ocorre que, mesmo com o andamento regular e homologação do certame em agosto de 2019 e a solicitação de mais de uma centena de nomeações pelas Secretarias Municipais, todas recusadas pela Prefeitura, os candidatos aprovados não foram convocados para assumir o cargo. Diante da evidente demanda por estes profissionais sem as devidas nomeações e de indícios da contratação reiterada de comissionados para desempenho destas funções, o caso tomou repercussão e foi, inclusive, noticiado pela imprensa em fevereiro desde ano.
Diante disto, os candidatos aprovados propuseram ação judicial para ter seu direito à nomeação devidamente reconhecido, uma vez que há provas do preenchimento dos cargos efetivos por comissionados e terceirizados, prática ilícita que configura a preterição dos concursados, nos termos do Tema nº 784 do STF.
A partir da análise da extensa documentação apresentada a fim de provar as irregularidades cometidas pela Prefeitura de São Paulo, a 14ª Vara da Fazenda Pública reconheceu o direito dos autores e determinou a nomeação de sete arquitetos em até 30 dias. Nas palavras do Juiz Randolfo de Campos, “tamanha é a preterição arbitrária e imotivada que vem sendo levada a efeito pelo Município que, numa análise perfunctória, é possível afirmar que a totalidade dos candidatos aprovados dentro do número de vagas para o cargo de arquiteto do QEAG no concurso regido pelo Edital n. 00/2018 têm direito à nomeação imediata.”
A decisão, que determinou a nomeação dos candidatos aprovados dentro do número de vagas, bem como vedou que a Prefeitura de São Paulo nomeie novos comissionados e firme novos contratos cujo objeto contemple as funções do cargo de QEAG, na especialidade de arquitetura, causou nova repercussão na imprensa.
Em notícia publicada no portal G1, foi divulgada a determinação de integração dos arquitetos aos quadros da prefeitura e as reconhecida irregularidades cometidas pela municipalidade. Nela, foi destacada a decisão de que “a ocupação precária, por comissão, terceirização, ou contratação temporária, de atribuições próprias do exercício de cargo efetivo vago, para o qual há candidatos aprovados em concurso público vigente, configura ato administrativo eivado de desvio de finalidade” e, por consequência, os candidatos devem ser imediatamente nomeados.
A decisão proferida no processo nº 1033732-58.2021.8.26.0053 representa uma vitória para os candidatos que, desde a aprovação no concurso, constatavam que terceirizados e comissionados atuavam como se arquitetos da Prefeitura fossem, mesmo sem aprovação no concurso. Enquanto isso, eles, que se submeterem a um acirrado certame com milhares de candidatos, tinham a nomeação solicitada pelas Secretarias e recusada pela Prefeitura com o argumento de que não havia recursos orçamentários – embora, como reconheceu o juízo, “a nomeação dos servidores concursados poderá reduzir os gastos que o Município atualmente realiza na contratação de empresas de engenharia e arquitetura”.
Agora se aguarda o cumprimento da decisão pela Prefeitura de São Paulo, que tem 30 dias para realizar a nomeação dos sete autores da ação beneficiados com a decisão liminar.
O planejamento sucessório não é destinado apenas a famílias empresárias, mas também a todos aqueles que queiram planejar e organizar a sua sucessão.
Se há algo inescapável na vida é a sua finitude. O Sindicato dos Cemitérios e Crematórios Particulares do Brasil (Sincep) encomendou uma pesquisa inédita em 2018 sobre a percepção dos brasileiros acerca da morte[1]https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45596113. Entre os principais resultados, destaca-se que 74% das pessoas afirmam não falar sobre a morte no cotidiano e que os brasileiros, em sua grande maioria, associam o assunto a sentimentos como tristeza (63%), dor (55%), saudade (55%), sofrimento (51%) e medo (44%).
No entanto, o cenário de incertezas pelo qual a sociedade está passando em virtude da pandemia causada pelo novo coronavírus amplificou a importância da discussão sobre o futuro, trazendo de volta a reflexão sobre os instrumentos jurídicos capazes de assegurar o planejamento sucessório e a perpetuação do patrimônio.
Segundo informações extraídas do Family Business Institute em seu sítio eletrônico[2]Disponível em: http://www.familybusinessinstitute.com/index.php/Succession-Planning/. Acesso em: 30/5/2021., aproximadamente 70% das empresas familiares se extinguem quando sua administração passa da primeira para a segunda geração. Este percentual aumenta para 88% quando as empresas passam da segunda para a terceira geração, demonstrando a importância de discutir e planejar a sucessão de uma maneira ordenada.
É importante observar que o planejamento sucessório não é destinado apenas a famílias empresárias, mas também a todos aqueles que queiram planejar e organizar a sua sucessão.
Mas, afinal, o que é o planejamento sucessório?
O planejamento sucessório pode ser compreendido como um conjunto de medidas empreendidas para organizar a sucessão hereditária de bens e direitos previamente ao falecimento do titular dos bens[3]TEPEDINO, Gustavo. NEVARES, Ana Luiza Maia. MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Fundamentos do Direito Civil – Direito das sucessões. Vol. 7. Editora Forense: São Paulo. 2020.. Ou seja, podem ser adotados um ou vários instrumentos jurídicos que permitam a utilização de estratégias voltadas para a transferência eficaz e eficiente do patrimônio.
É considerado um instrumento preventivo, que poderá abarcar não somente questões patrimoniais, mas também questões existenciais relevantes ao titular do planejamento, como, por exemplo, a destinação do corpo após o falecimento ou a destinação do acervo sucessório digital.
Qual é a finalidade do planejamento sucessório?
Grosso modo, o planejamento sucessório terá por finalidade otimizar o processo de transmissão dos bens, segundo a realidade circundante de quem planeja e dos seus herdeiros, de modo a evitar custos econômicos e emocionais, além da demora que um inventário pode trazer.
É considerado um instrumento preventivo que vem ganhando cada vez mais destaque e importância atualmente, justamente porque se insere em um contexto muito mais amplo, visando atender a uma nova realidade social em que o instituto do Direito das Sucessões, isoladamente, não alcança plenamente as aspirações sociais, já que está em descompasso com a sociedade contemporânea.
Como é feito o planejamento sucessório?
Qualquer decisão a respeito do planejamento sucessório deve ser tomada de maneira livre e consciente, longe das amarras e pressões familiares e com a orientação de um corpo jurídico que atue nesta área.
Ao contrário do que muitos pensam, definir os critérios para o planejamento, com clareza das opções e adequação às peculiaridades do caso concreto e, principalmente, aos interesses do titular dos bens e daqueles que os receberão, pode se consubstanciar em uma experiência libertadora – e, em muitos casos, longe de ser uma decisão irrevogável ou definitiva, pode ser modificada no decorrer da vida e das mudanças familiares[4]JUNIOR EHRHARDT, Marcos. Planejamento sucessório na perspectiva do advogado. In: TEIXEIRA, Daniele Chaves (Coord). Arquitetura do planejamento sucessório. Belo Horizonte: Fórum, 2021. p. 297. Tomo … Continue reading.
Antes de mais nada, é preciso entender as reais necessidades e desejos do titular do patrimônio. Após esta etapa, faz-se uma auditoria de todo o acervo de bens (sejam eles móveis, imóveis, tangíveis, intangíveis, físicos ou digitais, no Brasil e no exterior). Regularizados e estabelecidos os valores, identificam-se os direitos de eventual cônjuge ou companheiro, mapeiam-se os herdeiros e os demais sucessores e, eventualmente, terceiros a serem contemplados. Todas estas etapas são de suma importância para que se realize um planejamento sucessório bem-sucedido, minimizando riscos e impactos negativos futuros.
Interesses e objetivos do titular dos bens nem sempre estarão em sintonia com as aspirações e expectativas dos herdeiros ou cônjuge/companheiro, criando-se áreas de atrito que podem, por vezes, comprometer o andamento do planejamento. Diante deste impasse, a transparência, a confiança e a comunicação entre todos os membros da família e o corpo jurídico são imprescindíveis para que se possa estruturar uma sucessão que atenda às finalidades e objetivos do titular do patrimônio e dos seus sucessores.
Quais são os instrumentos que podem ser utilizados para um planejamento sucessório?
Embora não haja na legislação um capítulo específico que trate do planejamento sucessório, existem vários instrumentos comuns do direito civil e empresarial que podem ser empregados para realizar a vontade do titular do patrimônio de planejar a transição dos bens – o qual pode, inclusive, fazer a transferência ainda em vida.
Pode-se dividir os instrumentos em cinco grandes grupos – que serão analisados mais a fundo em um novo artigo:
1) Instrumentos de natureza contratual: contrato de compra e venda entre ascendente e descendente, contrato de doação, contrato de mandato, contrato de comodato, seguro de vida, pacto antenupcial e alteração do regime de bens;
2) Instrumentos de natureza real: usufruto, direito real de uso e direito real de habitação;
3) Instrumentos de natureza societária: constituição de sociedade holding, acordo de sócios, acordo de quotistas, governança corporativa, conselho e administração, conselho de família, transformação, incorporação, cisão e fusão;
4) Instrumento de natureza financeira: constituição de previdência privada, fundos de investimentos e seguro de vida;
5) Instrumentos de natureza sucessória: testamento, codicilo, legados, testamento vital, cessão de direitos hereditários e deserdação.
Como se percebe, há uma infinidade de instrumentos que podem ser utilizados quando da realização de um planejamento sucessório. É necessário analisar detalhadamente o caso concreto e a composição familiar para que se construa um planejamento sólido com instrumentos capazes de abarcar os anseios de todo o grupo familiar.
Nos próximos artigos da unidade de Planejamento Patrimonial, Família e Sucessões, abordaremos mais detalhadamente os principais instrumentos utilizados para a construção de um planejamento sucessório.
Caso você tenha alguma dúvida, entre em contato com um dos especialistas da área através do nosso e-mail contato@schiefler.adv.br.
Referências[+]
↑1 | https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45596113 |
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↑2 | Disponível em: http://www.familybusinessinstitute.com/index.php/Succession-Planning/. Acesso em: 30/5/2021. |
↑3 | TEPEDINO, Gustavo. NEVARES, Ana Luiza Maia. MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Fundamentos do Direito Civil – Direito das sucessões. Vol. 7. Editora Forense: São Paulo. 2020. |
↑4 | JUNIOR EHRHARDT, Marcos. Planejamento sucessório na perspectiva do advogado. In: TEIXEIRA, Daniele Chaves (Coord). Arquitetura do planejamento sucessório. Belo Horizonte: Fórum, 2021. p. 297. Tomo II. |
Essa forma de testar pode ser feita de próprio punho ou mediante processo mecânico, desde que, regra geral, seja lido e assinado pelo testador, na presença de três testemunhas, que devem assinar o documento.
Maria Luisa Machado Porath[1]
É comum no cinema a cena na qual uma pessoa, geralmente idosa ou em fase terminal de uma doença, redige um testamento, ou somente a leitura desse instrumento após a sua morte. Mas você sabe como funciona o testamento particular? Para que serve? E quais as suas vantagens e desvantagens? Deseja descobrir se vale a pena para você elaborar um testamento particular?
O que é o testamento particular
Primeiro, é importante entender o que é o testamento. Em linhas gerais, o testamento é um documento em que uma pessoa manifesta suas vontades para depois de sua morte. De acordo com a lei, podemos subdividir as formas de elaborar um testamento do seguinte modo:
- Ordinária[2]:
– Testamento público;
– Testamento cerrado; e
– Testamento particular (e testamento particular simplificado ou emergencial). - Extraordinária ou Especial[3]:
– Testamento marítimo;
– Testamento aeronáutico;
– Testamento militar.
A via ordinária é conhecida assim porque todas as pessoas que têm capacidade de testar podem fazer uso dela. Já a extraordinária (ou especial) é restrita a determinadas circunstâncias em que a pessoa se encontra. O foco deste artigo é o testamento particular, mas se você quer saber sobre outras formas de testamento, você encontrará mais informações no artigo “COVID-19 e o planejamento sucessório: a busca por testamento e suas diferentes espécies”.
Conforme a subdivisão apresentada acima, é possível compreender que o testamento particular é uma das formas ordinárias de fazer um testamento. Ainda, é válido mencionar que ele tem uma particularidade: quando o testador – pessoa que deseja externalizar sua última vontade – estiver em circunstâncias excepcionais que o impeçam de fazer uso de testemunhas, é possível elaborar o que se chama de testamento particular simplificado ou emergencial[4].
Por exemplo, caso alguém esteja doente e venha a falecer na ausência de testemunhas, ou se esteja perdido numa trilha – ou se encontre em outras situações extraordinárias como estas –, o Código Civil autoriza que a pessoa elabore um testamento emergencial de próprio punho, isto é, manuscrito pelo próprio testador. Para isso, é necessário que conste no documento a assinatura do testador e a circunstância excepcional que fez com que a pessoa escrevesse o testamento dessa forma.
Ainda que não seja o propósito deste artigo abordar os testamentos no contexto da pandemia decorrente da COVID-19, é oportuno registrar que alguns juristas entendem que a situação pandêmica constitui uma das circunstâncias excepcionais que justificam o uso do testamento de emergência, mesmo que o testador não esteja doente. Isso porque o ser humano está sob o risco de ser contaminado pelo novo coronavírus a qualquer momento, e o temor de ser surpreendido pela morte pode induzi-lo ao desejo de se prevenir, patrimonial ou extrapatrimonialmente. Contudo, dentre os pesquisadores que defendem o uso do testamento particular simplificado nessas circunstâncias, alguns entendem que o documento caducará – ou seja, não poderá produzir efeitos – se o testador, ao sobreviver, não transformar o testamento simplificado em uma das formas ordinárias vistas acima, nos 90 dias subsequentes[5].
Para que serve o testamento particular
No testamento particular – assim como nas outras formas de testar –, o testador pode:
- Fazer um planejamento sucessório;
- Dispor de seu patrimônio da melhor forma que lhe interessar, desde que respeite o limite de 50% em caso de herdeiros necessários;
- Incluir cláusulas, por exemplo:
– condicionais (ex.: o carro X será de A, se ele se formar no ensino superior);
– com encargo ou modais (ex.: o carro X será de A, desde que cumpra Y);
– de inalienabilidade (ex.: o carro X é de A, porém não poderá vendê-lo até que complete a Y anos);
– de substituição testamentária[6] (ex.: o carro é de A, mas na falta deste, será de B). - Deixar conselhos, recomendações etc. (conteúdo não patrimonial);
- Revogar antigos testamentos;
- Complementar outros testamentos;
- Reconhecer filhos (ressalta-se: ainda que o testamento seja essencialmente revogável, o reconhecimento de filhos não o é. Isso significa dizer que, uma vez reconhecido o filho, não é possível desfazer esse ato!);
- Complementar a sucessão legítima, por exemplo, ao distribuir os bens aos herdeiros necessários;
Acima, são apenas alguns exemplos do que o testador pode fazer ao elaborar um testamento. A verdade é que se trata de um documento jurídico que dá ampla liberdade à pessoa que deseja manifestar a sua última vontade.
Como funciona o testamento particular
O testamento particular pode ser elaborado de próprio punho ou mediante processo mecânico (ex.: escrito em um computador)[7]. Caso seja feito da primeira forma, é necessário que seja lido e assinado pelo testador, na presença de ao menos três testemunhas, que também devem assinar o testamento. Já se for feito mediante processo mecânico, é preciso que o testador assine e leia o documento na presença de três testemunhas, que também devem assiná-lo. Além disso, não pode conter rasuras nem espaços em branco, para que não dê margem a acréscimos simulados por terceiros.
Uma informação importante: pelo fato de o Código Civil não impor que o testamento mediante processo mecânico seja escrito pelo testador, é possível que um terceiro o digite, desde que não interfira na vontade da pessoa que deseja fazer o testamento[8]. Destaca-se também a possibilidade de ser redigido em língua estrangeira, desde que as testemunhas a compreendam. Ainda, caso você se sinta confortável, poderá escrever e reescrever o seu testamento ao longo dos dias, dos meses e até dos anos. Assim, terá seu tempo para refletir sobre as disposições de sua última vontade!
Depois de elaborado e assinado pelo testador e pelas testemunhas, deve-se armazenar o testamento em lugar seguro. E se você tiver alguém de sua confiança, é indicado informar a esta pessoa onde o documento está armazenado. Isso porque uma das desvantagens do testamento particular – conforme será visto no tópico abaixo – é que o testador fica responsável pelo seu armazenamento, sem que haja qualquer registro público de sua confecção.
Traçando um paralelo com o mundo das artes, a ópera Gianni Schicchi, do compositor italiano Giacomo Puccini, retrata com humor a situação de uma família deserdada pelo patriarca recém-falecido, mas que encontra o testamento particular na casa do testador e com má-fé consegue alterar a sua última vontade. Portanto, para evitar que o seu testamento seja extraviado, é importante adotar medidas extras de segurança!
Após o seu falecimento, se a existência do testamento particular for de conhecimento de terceiros, os herdeiros, os legatários ou o testamenteiro – pessoa escolhida pelo testador que será responsável por fazer cumprir suas últimas vontades – devem requerer a publicação do testamento particular em juízo[9]. Uma vez feito esse requerimento, o juiz intimará as testemunhas que assinaram o testamento. Se elas confirmarem a sua existência e reconhecerem suas assinaturas, o documento será confirmado; ou seja, terá validade. Caso não seja possível o seu reconhecimento, o testamento não terá validade e, portanto, não produzirá efeitos no mundo jurídico[10].
É válido destacar que, se ao menos uma testemunha puder reconhecer o testamento e a sua assinatura, o juiz poderá confirmar o testamento particular, caso entenda que há prova suficiente de sua veracidade. No entanto, na ausência de todas as testemunhas, infelizmente, o testamento particular não poderá ser confirmado pelo juiz.
Vantagens e desvantagens do testamento particular
Após entender o conceito de testamento particular, notadamente no que diz respeito à sua finalidade e funcionalidade, é possível elencar alguns pontos positivos e negativos dessa forma de testar:
A imagem acima ilustra apenas algumas vantagens e desvantagens do testamento particular. Para um aprofundamento do tema, recomenda-se uma consulta jurídica com uma advogada (ou um advogado) especialista em direito das sucessões. De modo geral, o testamento particular possui requisitos mais simples que as outras formas testamentárias. Em contrapartida, tem uma menor segurança jurídica, uma vez que não necessita do poder público para a sua confecção.
Conclusão
A proposta deste artigo foi contextualizar o testamento particular, já que foi muito lembrado no contexto da pandemia decorrente da COVID-19. Em síntese, essa forma de testar pode ser feita de próprio punho ou mediante processo mecânico, desde que, regra geral, seja lido e assinado pelo testador, na presença de três testemunhas, que também devem assinar o documento.
Conforme visto no tópico anterior, o testamento particular possui vantagens e desvantagens que devem ser ponderadas quando da escolha da forma testamentária. Por conseguinte, não é possível afirmar se vale ou não a pena elaborar um testamento particular, porque depende do seu propósito, da sua vida pessoal. Portanto, essa escolha deve ser baseada única e exclusivamente no objetivo para depois de sua morte!
Caso você tenha interesse na confecção de um testamento particular, ainda que seja possível elaborá-lo sem um serviço jurídico, é recomendável uma consulta jurídica com especialista em direito sucessório. Dessa forma, o risco de o testamento particular conter alguma cláusula passível de ser anulada diminui consideravelmente. Como informado, o testamento particular é uma das formas mais precárias na esfera jurídica, o que exige que a sua escolha seja cercada de medidas seguras para que a sua última vontade manifestada em vida tenha a garantia de que será atendida.
[1] Bacharelanda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Licenciada e Bacharela em Teatro pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC — 2015). Estagiária na Schiefler Advocacia. E-mail: malu.mporath@gmail.com.
[2] Art. 1.862, CC. São testamentos ordinários: I – o público; II – o cerrado; III – o particular.
[3] Art. 1.886, CC. São testamentos especiais: I – o marítimo; II – o aeronáutico; III – o militar.
[4] Art. 1.879, CC. Em circunstâncias excepcionais declaradas na cédula, o testamento particular de próprio punho e assinado pelo testador, sem testemunhas, poderá ser confirmado, a critério do juiz.
[5] Enunciado 611, da VII Jornada de Direito Civil. O testamento hológrafo simplificado, previsto no art. 1.879 do Código Civil, perderá sua eficácia se, nos 90 dias subsequentes ao fim das circunstâncias excepcionais que autorizaram a sua confecção, o disponente, podendo fazê-lo, não testar por uma das formas testamentárias ordinárias.
[6] Art. 1.947, CC. O testador pode substituir outra pessoa ao herdeiro ou ao legatário nomeado, para o caso de um ou outro não querer ou não poder aceitar a herança ou o legado, presumindo-se que a substituição foi determinada para as duas alternativas, ainda que o testador só a uma se refira.
Art. 1.948, CC Também é lícito ao testador substituir muitas pessoas por uma só, ou vice-versa, e ainda substituir com reciprocidade ou sem ela.
[7] Art. 1.876, CC. O testamento particular pode ser escrito de próprio punho ou mediante processo mecânico.
§ 1 o Se escrito de próprio punho, são requisitos essenciais à sua validade seja lido e assinado por quem o escreveu, na presença de pelo menos três testemunhas, que o devem subscrever.
2 o Se elaborado por processo mecânico, não pode conter rasuras ou espaços em branco, devendo ser assinado pelo testador, depois de o ter lido na presença de pelo menos três testemunhas, que o subscreverão.
[8] DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. 7 ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2021.
[9] Art. 1.877, CC. Morto o testador, publicar-se-á em juízo o testamento, com citação dos herdeiros legítimos.
[10] Art. 1.878, CC Se as testemunhas forem contestes sobre o fato da disposição, ou, ao menos, sobre a sua leitura perante elas, e se reconhecerem as próprias assinaturas, assim como a do testador, o testamento será confirmado.
Parágrafo único. Se faltarem testemunhas, por morte ou ausência, e se pelo menos uma delas o reconhecer, o testamento poderá ser confirmado, se, a critério do juiz, houver prova suficiente de sua veracidade.
Read MoreOs relacionamentos homoafetivos possuem os mesmos direitos previstos para relacionamentos heteroafetivos, de sorte que que inexiste motivo legal para impedir a adoção.
Maria Luisa Machado Porath[1]
No dia 25 de março, comemora-se o Dia Nacional do Orgulho Gay, data criada com o objetivo de dar voz à luta contra a homofobia. Em comemoração a essa data, a proposta de hoje é responder os seguintes questionamentos: “Posso adotar sendo homossexual? E qual é o procedimento de adoção no Brasil? Apenas casais podem adotar ou pessoas solteiras também?”.
Durante muito tempo, tanto o casal homoafetivo quanto pessoas não heterossexuais ficaram à margem da sociedade. Essa exclusão refletiu no Direito das Famílias, no sentido de que a Constituição Federal apenas considerava como entidade familiar aquelas advindas de um relacionamento entre homem e mulher. Em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF)[2] reconheceu, por unanimidade, a união estável entre casais do mesmo sexo como entidade familiar. Com isso, as relações homoafetivas passaram a ter reconhecidos todos os direitos previstos na lei da união estável, que considera como entidade familiar uma convivência duradoura, pública e contínua.
A partir desta decisão, que atribuiu aos relacionamentos homoafetivos os mesmos direitos previstos para relacionamentos heteroafetivos, foi sedimentado o entendimento que inexiste motivo legal para impedir a adoção por casais homoafetivos. Desde então, para fins de adoção, são aplicados os mesmos requisitos aos casais heteroafetivos e homoafetivos, os quais serão explicitados nos tópicos a seguir.
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), quais são os requisitos para quem deseja adotar?
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- Maiores de 18 (dezoito) anos de idade, independentemente do estado civil;
- Em regra, não pode ser ascendente (pai, mãe, avó, avô…) nem irmão ou irmã do adotando (criança ou adolescente a ser adotada);
- Ser, ao menos, 16 (dezesseis) anos mais velho que o adotando;
- Se um casal desejar adotar, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, devidamente comprovada;
- No caso de divorciados, judicialmente separados ou de ex-companheiros que desejam adotar em conjunto, assim podem fazê-lo, desde que se tenha iniciado o estágio de convivência com o adotando ainda na constância da sociedade conjugal (matrimônio ou união estável). Além disso, é necessário que haja acordo sobre guarda e regime de convivência (antigamente chamado de regime de visitas).
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Dos requisitos acima, é perceptível que o Estatuto da Criança e do Adolescente permite a adoção uniparental. Pelo fato de que não há vedação de que pessoas não heterossexuais possam adotar, portanto, uma pessoa homossexual solteira, por exemplo, pode solicitar a adoção.
Qual é o procedimento de adoção no Brasil?
De início, cabe informar que este artigo não tem o propósito de explicar a fundo o procedimento de adoção no Brasil, pois ele é composto por diversas características próprias e densas. Para um entendimento profundo do tema, recomenda-se uma consulta com uma advogada ou um advogado especialista em Direito das Famílias. Abaixo, segue um passo a passo sintético, com base no ECA, de como funciona a adoção no Brasil:
1) Comparecimento à Vara de Família, Infância e Juventude:
Quem deseja adotar, deve se dirigir à Vara de Família, Infância e Juventude da comarca em que reside e questionar os documentos necessários para o pedido de habilitação; geralmente, são os seguintes:
i) documentos pessoais do(s) adotante ou da(s) adotante(s);
ii) comprovante de residência;
iii) comprovante de vínculo afetivo (se adoção conjunta);
iv) comprovante de renda;
v) certidão de antecedentes criminais;
vi) atestado de sanidade física e mental; etc.
2) Requerimento de Habilitação:
Com a documentação em mãos, inicia-se a etapa de petição inicial de habilitação (ou pedido de adoção). Nesse estágio, serão analisados os documentos apresentados pelo Ministério Público. É possível que o promotor requeira documentações complementares.
Com o prosseguimento do processo, os postulantes à adoção serão avaliados por uma equipe interdisciplinar do Poder Judiciário, como psicólogos, assistentes sociais, etc. Ainda, há necessidade de que participem do programa de preparação para adoção.
Após esse período de estudo psicossocial e da participação no programa, a autoridade judiciária analisará o requerimento de habilitação. É válido destacar que o prazo máximo para a conclusão da habilitação à adoção é de 120 (cento e vinte) dias, prorrogável por igual período, mediante decisão fundamentada da autoridade judiciária. Além disso, o deferimento da habilitação é válido por 3 (três anos), mas pode ser renovado pelo mesmo período. Portanto, é importante ficar atento ao prazo!
3) Ingresso no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento:
Uma vez habilitados, são cadastrados no sistema e inseridos numa espécie de lista de espera. Quando houver compatibilidade, o Poder Judiciário entra em contato. Se houver interesse, os(as) adotantes se apresentam ao adotando (ou à adotanda) e iniciam uma convivência monitorada, com passeios breves.
4) Período de Convivência:
Se positiva a etapa de conhecimento, é permitido que a criança ou o(a) adolescente passe a morar com a família. Importa mencionar que esse período tem prazo máximo de 90 (noventa) dias, prorrogável por igual período. O Poder Judiciário e a sua equipe de profissionais acompanharão todo esse “período de teste”.
5) Constituição de uma nova família:
Depois do período de convivência, os pretendentes têm 15 (quinze) dias para propor a ação de adoção. A autoridade judiciária terá 120 (cento e vinte) dias para analisar o caso e proferir decisão. Na impossibilidade de que seja proferida dentro desse prazo, é permitido que se prorrogue, uma única vez, por igual período. Sendo a sentença positiva, será determinado que se confeccione uma nova certidão de nascimento, momento em que terá os mesmos direitos de um filho biológico.
Conclusão
Diante dos princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção à família, o STF julgou constitucional a união estável de casais homoafetivos. Essa decisão repercutiu em diversas esferas do mundo jurídico, inclusive na adoção.
Antes da decisão do STF, era comum que pessoas não heterossexuais, ainda que estivessem num relacionamento homoafetivo, adotarem sozinhas. Isso porque, como o relacionamento não era reconhecido como uma entidade familiar, a adoção conjunta era legalmente inviabilizada, enquanto que a adoção uniparental se manteve permitida. Isso não trazia solidez para a família e o casal não podia, livremente, assumir a existência de duas mães ou dois pais.
Desse modo, a criança ou o(a) adolescente adotado (ou adotada) permanecia sem referência jurídica exata de quem eram seus pais ou suas mães e isso causava insegurança extrema no núcleo familiar. Hoje, pela proteção constitucional à família, o casal homoafetivo pode adotar sem que precise omitir a sua relação amorosa.
Quanto ao procedimento de adoção no Brasil, não há distinção entre casal homoafetivo ou não. Isso se deve ao fato de que, após incansáveis lutas, a relação homoafetiva foi reconhecida como uma entidade familiar.
[1] Bacharelanda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Licenciada e Bacharela em Teatro na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) — 2015. Estagiária na Schiefler Advocacia. E-mail: malu.mporath@gmail.com
[2] União homoafetiva como entidade familiar. Disponível em: <https://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional/cms/destaquesNewsletter.php?sigla=newsletterPortalInternacionalJurisprudencia&idConteudo=193683>. Acesso em 17 de março de 2021.
Read MoreSogro e sogra são chamados de parentes por afinidade pois, quando quando você contrai matrimônio ou constitui união estável, você e seus sogros - assim como seus cunhados - formam um vínculo familiar.
Maria Luisa Machado Porath[1]
No dia 10 de março, comemora-se o Dia do Sogro. A data foi criada no intuito de homenagear a figura do sogro e desmistificar a sua tradicional ideia de rigidez. Aproveitamo-nos dessa data comemorativa para respondermos ao seguinte questionamento: se eu me divorciar, o vínculo com os meus sogros permanece? É válido esclarecermos esse assunto, porque você já deve ter escutado a famosa frase “sogros são para a vida inteira”.
Para melhor elucidação sobre o tema, faz-se necessária a análise do quadro esquemático da relação parental:

Quadro Esquemático da Relação de Parentesco
Parentesco de Sogro e Sogra
Sogro e sogra são chamados de parentes por afinidade[2]. Isso se deve ao fato de que, quando você contrai matrimônio ou constitui união estável, você e seus sogros – assim como seus cunhados – formam um vínculo familiar e se tornam, legalmente, parentes afins. Ou seja, esta relação deriva exclusivamente de disposição legal, sem relação de sangue. De forma resumida, “[…] somos parentes dos parentes da nossa esposa (do nosso marido) ou da nossa companheira (do nosso companheiro)”[3].
Para fins de curiosidade, no idioma inglês, sogro e sogra são chamados respectivamente de father-in-law e mother-in-law; o que faz muito sentido, porque traduzidos literalmente, significam “pai de acordo a lei” e “mãe de acordo com a lei”[4]. Dessa maneira, fica mais simples entender como funciona o parentesco referente ao sogro e à sogra.
O Código Civil[5] afirma que os ascendentes e os descendentes são parentes em linha reta. São chamados assim, porque a parentalidade é direta; isto é, uma linha reta que existe diretamente entre pai e filho, por exemplo. A norma[6] também declara que o parentesco por afinidade em linha reta não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável. Agora, com todas as informações expostas, é possível enquadrar o sogro e a sogra, foco deste artigo, na seguinte relação de parentesco:
- O(a) cônjuge ou companheiro (ou companheira) possui vínculo de afinidade com o parente do outro (ou da outra);
- O parentesco por afinidade se refere apenas aos ascendentes (por exemplo, seu sogro e sua sogra), aos descendentes (seu enteado ou sua enteada) e aos irmãos do cônjuge (seu cunhado ou sua cunhada);
- O parentesco por afinidade em linha reta não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável;
- Pelo quadro esquemático do item anterior, nota-se que o sogro e a sogra são parentes por afinidade em linha reta (linha vertical);
- Logo, havendo dissolução do casamento ou da união estável, o sogro e a sogra permanecem como seus parentes.
- O mesmo ocorre em situações de falecimento do seu (ou da sua) cônjuge.
Implicação Jurídica sobre a inexistência do termo “ex-sogro” e “ex-sogra”
Primeiro, é válido destacar que, apesar de haver parentalidade entre os afins, não existe obrigação legal dos parentes por afinidade prestarem alimentos tampouco pleitearem direitos hereditários. Ressalta-se, ainda, que os parentes por afinidades não podem servir como testemunhas, apenas como informantes (que não têm a obrigação legal de dizerem a verdade)[7]. Além disso, há vedação explícita de matrimônio ou de reconhecimento de união estável entre[8]:
- sogro (ou sogra) e nora (ou genro);
- enteado (ou enteada) e madrasta (ou padrasto); e
- todas as outras formas que englobam a parentalidade consanguínea ou civil em linha reta.
Isso se justifica pelo fato de que, ainda que você se divorcie ou dissolva a união estável, o seu vínculo de parentesco com o seu sogro e a sua sogra permanece.
Para melhor assimilação, vamos a um caso prático:
Maria era casada com João. O pai de João e sogro de Maria, Lucas, com o passar do tempo, apaixonou-se por Maria (e vice-versa). Assim, Maria se divorciou de João para ficar com o seu sogro. Passado algum tempo, Maria e Lucas quiseram contrair matrimônio. No entanto, descobriram que, juridicamente, não podem se casar ou estabelecer união estável. Portanto, apesar de se relacionarem e morarem juntos, esse relacionamento é nulo aos olhos do mundo jurídico[9].
Esse impedimento possui fundamento moral: eventual repúdio da sociedade à constituição de uma relação amorosa entre: i) sogro (ou sogra) e nora (ou genro); ii) padrasto (ou madrasta) e enteada (ou enteado). Para compreender isso, vamos resgatar a ideia de father-in-law e mother-in-law. Por definição, seriam seus pais pela lei, ou “segundos pais”! Portanto, como não se pode casar com seus pais, igualmente é impossível com seus sogros. Além disso, esse impedimento tem o objetivo de evitar alguma situação de vantagem ou a conquista de algum direito, decorrente de uma aproximação afetiva.
Mas como fica a partilha de bens quando a relação entre sogro e nora, como no exemplo acima, existe de fato?
Sendo impossível o reconhecimento de matrimônio ou de união estável entre os parentes afins em linha reta, a partilha de bens, em caso de falecimento ou de rompimento da relação, não ocorrerá. Portanto, em caso de falecimento, um dos meios possíveis do outro convivente herdar os bens seria através de disposição de última vontade: testamento.
No entanto, para evitar enriquecimento ilícito de alguma parte, entende-se que seja possível a avaliação dos bens para fins de indenizar a parte lesada. Note-se que nada tem a ver com o regime de bens; trata-se puramente de uma reparação civil.
Importa mencionar que, em casos de boa-fé dos nubentes (por exemplo, quando desconhecem o fato de serem sogro e nora), embora seja um casamento nulo, os seus efeitos são produzidos até o dia da sentença anulatória[10]. Isso significa que, enquanto não houver uma sentença anulando o casamento, os efeitos decorrentes desse vínculo conjugal serão mantidos (é o que se chama de casamento putativo). Rolf Madaleno, de maneira prática, explica que o casamento putativo é aquele que a lei reconhece os efeitos jurídicos a aquele que o contraiu de boa-fé, mesmo sendo nulo ou anulável[11]. Depois de anulado, a relação de parentesco entre os afins é mantida.
Conclusão
Em síntese, os sogros serão considerados parentes para a vida inteira, ainda que o(a) cônjuge faleça ou que haja o divórcio. Portanto, “uma vez sogra, para sempre sogra! E uma vez sogro, para sempre sogro!”.
É válido resgatar que a implicação jurídica da inexistência do termo “ex sogros” tem mais a ver com impedimentos legais[12] e, principalmente, com a impossibilidade de matrimônio entre o sogro (ou a sogra) e a nora (ou o genro). Entretanto, caso essa relação amorosa exista de fato, não sucede a partilha dos bens; entende-se viável a indenização dos bens à outra parte, com o fundamento de evitar o enriquecimento sem causa. Frisa-se que, hipótese de matrimônio de boa-fé, os efeitos dessa relação perdurarão até o momento da sentença anulatória.
Caso você (ou alguém que conheça) esteja passando por uma situação semelhante, é importante que consulte uma advogada (ou um advogado) especialista na área de direito de família e sucessões. Dessa forma, o seu caso poderá ser analisado minuciosamente, a fim de que seja solucionado da melhor forma possível.
[1] Bacharelanda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Licenciada e Bacharela em Teatro na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) — 2015. Estagiária na Schiefler Advocacia. E-mail: malu.mporath@gmail.com
[2] Art. 1.595, CC. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade.
- 1o O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro.
[3] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo Filho. Novo Curso de Direito Civil, volume 6: direito de família – 9. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 696.
[4] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito civil: direito de família. 37. Ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 299.
[5] Art. 1.591, CC. São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes.
[6] §2, art. 1.595, CC. Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável.
[7] § 2º São impedidos: I – o cônjuge, o companheiro, o ascendente e o descendente em qualquer grau e o colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consanguinidade ou afinidade, salvo se o exigir o interesse público ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de outro modo a prova que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito;
[8] Art. 1.521. Não podem casar: […] II – os afins em linha reta;
[9] Apelação – Pedido de autorização judicial para o casamento – Sentença de improcedência – Insurgência dos requerentes – Não cabimento – Existência de parentesco por afinidade entre os autores, na qualidade de enteada e ex-padrasto – Vínculo que configura o impedimento legal previsto no artigo 1.521, inc. II do CC, de caráter intransponível – Precedentes deste Egrégio Tribunal – Sentença mantida – Recurso improvido. (TJ-SP – AC: 10086288320198260037 SP 1008628-83.2019.8.26.0037, Relator: HERTHA HELENA DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 23/09/2020, 2ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 23/09/2020)
[10] Art. 1.561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória. § 1 o Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão. § 2 o Se ambos os cônjuges estavam de má-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só aos filhos aproveitarão.
[11] MADALENO, Rolf. Direito de Família – 7 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 149.
[12] Os parentes afins não são iguais ou equiparados aos parentes consanguíneos; são equivalentes, mas diferentes. Assim, o enteado não é igual ao filho, jamais nascendo para o primeiro, em virtude de tal situação, direitos e deveres que são próprios do estado de filiação. O parentesco afim tem por fito muito mais o estabelecimento de uma situação jurídica de impedimentos e deveres, por razões morais. O parentesco afim é normalmente considerado, pelo legislador e pela administração da justiça, para impedir a aquisição de algum direito ou situação de vantagem, em virtude da aproximação afetiva que termina por ocorrer entre os parentes afins e suas respectivas famílias. Assim ocorre, além do direito civil, no direito eleitoral, no direito administrativo, no direito processual, principalmente em hipóteses que presumivelmente ocorreria conflito de interesses. Não há entre parentes afins obrigação de alimentos, no direito brasileiro (LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil: Famílias, 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 192).
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Em entrevista ao 'Brasil de Fato', a advogada falou sobre a ilegalidade nas contratações reiteradas de comissionados durante a vigência do concurso público.

A solução jurídica levará em consideração a propriedade exclusiva do bem imóvel e a presunção de esforço comum do casal.
Maria Luisa Machado Porath[1]
Imagine o seguinte cenário: você, solteiro, comprou um bem imóvel e o financiou. Certo tempo depois, estabelece união estável ou casa com alguém. Por algum motivo, a relação se rompe. Já se perguntou o que acontecerá com o bem imóvel financiado e que foi adquirido de forma exclusiva por você antes do casamento ou da união estável?
Esse é um questionamento válido e extremamente comum. Através de uma leitura superficial, pode-se chegar ao seguinte pensamento: se o bem imóvel financiado foi comprado antes da constância do casamento ou da união estável e o regime pactuado foi o de comunhão parcial de bens, o ex-cônjuge ou o ex-companheiro não possui direito sobre ele. Contudo, como veremos a seguir, não podemos seguir por essa linha de raciocínio. Assim, necessário se faz uma análise mais detalhada sobre o assunto.
A (In)Comunicabilidade dos Bens no Regime de Comunhão Parcial de Bens
De forma geral, no regime de comunhão parcial de bens, ocorre a comunicabilidade daqueles bens que foram adquiridos de forma onerosa, por um cônjuge ou pelos dois, na constância da união estável ou do casamento[2]. Essa questão possui fundamento na presunção de esforço comum do casal: de forma financeira ou emocional, presume-se ajuda mútua.
Isso significa dizer que, em regra, tudo o que for adquirido antes da conjugalidade se mantém como patrimônio particular. Por esse motivo, muitas pessoas possuem aquele pensamento externalizado na introdução.
No entanto, tratando-se de bem imóvel financiado, a situação muda um pouco de cenário. Isso porque, apesar do imóvel ter sido adquirido de forma exclusiva por um dos cônjuges antes da conjugalidade, o vencimento e o adimplemento das parcelas adentram na relação conjugal e impactam a vida do casal. E é nesse ponto que precisamos resgatar a presunção de esforço comum ao longo da relação.
Nesse sentido, qual a solução jurídica para o caso?
A solução jurídica levará em consideração tanto a propriedade exclusiva do bem imóvel – nesse artigo, não se discute se a propriedade de bem imóvel financiado é de fato do comprador – e a presunção de esforço comum do casal[3]. Regra geral, os Tribunais vêm entendendo do mesmo modo que Maria Berenice Dias (2020, p. 729), a qual afirma que
Adquirido bem mediante financiamento é preciso identificar o número de prestações quitadas durante a vigência da união. É esta a fração do bem a ser partilhado. Não se leva em conta o montante desembolsado, mas a percentagem do bem adquirido. Ficando um com o bem, o outro deve perceber o valor correspondente à metade da fração que foi paga durante o período de convívio, proporcionalmente ao número de parcelas pagas[4].
Exemplificando: Maria, solteira, adquiriu um imóvel de forma exclusiva em 2010 e realizou um financiamento de 15 anos. Em 2014, casou com João, sob o regime de comunhão parcial de bens. Em 2020, o casal se divorciou. Como se dará a partilha do imóvel financiado?
Solução de acordo com o entendimento adotado acima: De início, cabe ressaltar que a propriedade do bem imóvel permanece com Maria, uma vez que adquiriu-o de forma exclusiva. Quanto à partilha, deve-se distinguir as parcelas adimplidas antes e durante o casamento. Aquelas que foram adimplidas na constância do matrimônio devem ser divididas em 50%, correspondente à fração de cada ex-cônjuge. Assim, Maria ficará com a propriedade do imóvel e precisará indenizar João em 50% das parcelas adimplidas ao longo do casamento, devido à presunção do esforço comum do casal.
No entanto, salienta-se que esse é o entendimento majoritário; ou seja, há posições contrárias. Até o momento, o artigo analisou a questão sob o parâmetro de uma pessoa solteira ter adquirido um imóvel financiado antes do matrimônio ou da união estável. Entretanto, e se o casal comprou um imóvel mediante financiamento na constância da relação? Nesse caso, ainda que o imóvel financiado esteja no nome de um dos ex-cônjuges/ex-companheiros, ou que a contribuição financeira para essa aquisição tenha sido desigual, o imóvel será partilhado em 50% para cada ex-cônjuge ou ex-companheiro, conforme já fundamentado no tópico anterior[5]; ainda, os dois devem partilhar as parcelas pendentes, porque as dívidas também são comunicáveis[6].
Conclusão
Conforme aponta Maria Berenice Dias e decisões majoritárias de Tribunais, a partilha de imóvel financiado adquirido antes do casamento ou da união estável, sob o regime de comunhão parcial de bens, incide sobre as parcelas quitadas na constância do casamento ou da união estável. A solução jurídica, de forma geral, é que o proprietário do imóvel necessita indenizar o ex-cônjuge ou o ex-companheiro em 50% do que foi pago ao longo da relação.
Já na situação em que o imóvel financiado foi adquirido durante a relação matrimonial ou de união estável, as dívidas decorrentes das parcelas vincendas devem também ser partilhadas em 50% para cada ex-cônjuge ou ex-companheiro.
Frisa-se que essa explanação não substitui a importância de consultar um advogado ou uma advogada especialista em direito de família e sucessões. O presente artigo é apenas uma breve e simples contextualização do caso, a fim de responder questionamentos mais globais. Portanto, se você se encontra numa situação parecida ou deseja evitar futuras complicações, é recomendável realizar uma consulta jurídica. Só assim o seu caso poderá ser solucionado da maneira mais específica possível.
[1] Bacharelanda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Licenciada e Bacharela em Teatro na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) — 2015. Estagiária na Schiefler Advocacia. E-mail: malu.mporath@gmail.com
[2] Art. 1.658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes.
[3] FAMÍLIA. AÇÃO DE DIVÓRCIO. Sentença que julgou procedente a ação e improcedente a reconvenção. Irresignação da ré. Alegação de que as partes viveram em união estável por quatro anos antes de se casarem. Requisitos necessários ao reconhecimento da união estável não comprovados. Partilha. Casamento celebrado no regime da comunhão parcial de bens. Imóvel adquirido pelo autor antes do casamento, mas cujo preço foi pago de forma parcelada. Direito da ré à partilha do valor correspondente às parcelas pagas durante a constância do casamento e até o momento em que a ré deixou o lar conjugal, por constituir patrimônio comum (art. 1.658 do CC). Sentença reformada em parte. Sucumbência recíproca caracterizada, mais intensa da ré. Recurso parcialmente provido. (TJ-SP – AC: 10004448620168260153 SP 1000444-86.2016.8.26.0153, Relator: Alexandre Marcondes, Data de Julgamento: 28/10/2020, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 28/10/2020)
[4] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 13ª ed. rev. ampl. e atual. Salvador – Bahia: Editora JusPodivm, 2020, p. 729.
[5] Art. 1.660. Entram na comunhão: I – os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;
[6] Art. 1.663. A administração do patrimônio comum compete a qualquer dos cônjuges.
§ 1 o As dívidas contraídas no exercício da administração obrigam os bens comuns e particulares do cônjuge que os administra, e os do outro na razão do proveito que houver auferido.
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A empresa estatal é uma pessoa jurídica de direito privado, que precisa atender à finalidade pública para a qual foi criada, ao mesmo tempo em que também precisa acompanhar os padrões de eficiência impostos pelo mercado.
Enunciado 8 – O exercício da função social das empresas estatais é condicionado ao atendimento da sua finalidade pública específica e deve levar em conta os padrões de eficiência exigidos das sociedades empresárias atuantes no mercado, conforme delimitações e orientações dos §§1º a 3º do art. 27 da Lei 13.303/2016.
As empresas denominadas estatais, abrangidas nesse conceito as empresas públicas e as sociedades de economia mista, assim como as suas subsidiárias, exigem, para sua criação, autorização legislativa, nos termos do artigo 37, inciso XIX, da Constituição de 1988.
Para que seja viabilizada a criação de uma empresa estatal, para além de lei específica que a autorize, a Constituição de 1988 determina que a referida exploração direta da atividade econômica em questão por parte do Estado deverá ser necessária aos imperativos da segurança nacional ou atender a relevante interesse coletivo[1], motivo pelo qual o artigo 173, § 1º, inciso I, exige que o estatuto jurídico da estatal disponha sobre “sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade”.
A Lei nº 13.303/2016 (conhecida como “Lei das Estatais”), por sua vez, em seu artigo 2º, § 1º, reforça a necessidade de que haja, na lei que autoriza a criação de uma determinada estatal, a indicação clara do relevante interesse coletivo ou do imperativo de segurança nacional que se insere entre os seus fins institucionais, sendo precisamente essa a conceituação de “função social” trazida pelo diploma legal no caput do artigo 27.
Contudo, cumpre destacar que as estatais não exercem função social em razão da Lei nº 13.303/2016, mas, sim, das próprias particularidades que envolvem esse grupo de entidades da Administração Pública indireta. As empresas estatais devem estar voltadas à consecução da finalidade social relevante e ao atendimento da função social, uma vez que são esses objetivos que levaram o Estado a exercer atividade econômica de forma direta em primeiro lugar[2].
A Lei das Estatais, portanto, ao apresentar um conceito preciso para a “função social”, não fez mais do que explicitar de forma inequívoca uma concepção que já estava presente no texto constitucional. Da leitura dos dispositivos citados, observa-se que a Lei nº 13.303/2016 está em perfeita consonância com o disposto na Constituição Federal acerca da função social das estatais:
Lei nº 13.303/2016
Art. 27. A empresa pública e a sociedade de economia mista terão a função social de realização do interesse coletivo ou de atendimento a imperativo da segurança nacional expressa no instrumento de autorização legal para a sua criação.
Constituição Federal
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:
I – sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade;
Além disso, o artigo 27 da Lei nº 13.303/2016 traz, em seus parágrafos[3], orientações gerais sobre como a função social das empresas estatais deve ser atingida. Nos termos do § 1º, a realização do interesse coletivo a que se dedica a estatal deverá visar ao alcance do bem-estar econômico e à alocação socialmente eficiente dos recursos geridos pela empresa, orientando-se de maneira economicamente justificada.
O § 2º do artigo 27, por sua vez, impõe às estatais o dever de adotar práticas de sustentabilidade ambiental e de responsabilidade social corporativa compatíveis com o mercado em que atuam, enquanto o § 3º autoriza a sua atuação em atividades culturais, sociais, esportivas, educacionais e de inovação tecnológica, desde que comprovadamente vinculadas ao fortalecimento de sua marca e observando, no que couber, as normas de licitação e contratos da Lei nº 13.303/2016.
Todas as orientações trazidas pelos parágrafos, contudo, devem respeitar a delimitação do caput do artigo 27: o interesse público que deu origem à estatal.
Nesse sentido, ressalta-se que, ao mesmo tempo em que as empresas estatais estão condicionadas pela sua função social, havendo subordinação desta à finalidade pública que ensejou a criação da estatal, não é possível ampliar ou estender de forma irrestrita a função social para abranger objetivos públicos distintos daqueles que justificaram a própria constituição da empresa pública ou sociedade de economia mista em questão.
Explica-se: a empresa estatal está integralmente condicionada à sua função social. Ao mesmo tempo em que não é possível ignorar ou desviar-se da função social imposta pela lei que autorizou a criação da estatal, tampouco é possível que a função social extrapole o objetivo ou a finalidade pública que ensejou a criação dessa empresa.
Ademais, é preciso ter em conta que a adstrição da atuação das estatais à sua função social não decorre apenas do disposto no artigo 27 da Lei nº 13.303/2016, mas, antes, deriva da própria natureza da empresa estatal. Sendo necessário a presença de interesse público relevante para permitir ao Estado o exercício da atividade econômica de forma direta, o atendimento à função social é imperioso para que seja possível concretizar esse interesse. Ao mesmo tempo, não é possível expandir a função social da empresa estatal de forma a extrapolar o objetivo ou a finalidade pública que ensejou sua criação, visto que seria incompatível com o texto constitucional uma ampliação irrestrita da função social, que abrangesse objetivos públicos distintos daqueles que motivaram a criação da empresa estatal.
Dessa forma, observa-se que, mesmo sendo a empresa estatal uma pessoa jurídica de direito privado (e, portanto, pertencente ao mercado), existem circunstâncias que a diferenciam das demais. A estatal possui finalidades públicas específicas previstas na lei que autorizou a sua criação, as quais devem ser atendidas, não sendo possível ter o seu escopo ampliado para além da finalidade que motivou a sua criação.
Ou seja, a empresa estatal é uma pessoa jurídica de direito privado, que precisa atender à finalidade pública para a qual foi criada, ao mesmo tempo em que, evidentemente, também precisa acompanhar os padrões de eficiência impostos pelo mercado. A empresa estatal, portanto, é uma organização que é impactada, concomitantemente, pelo Direito Público e pelo Direito Privado.
É nessa linha que se insere o Enunciado 8, aprovado na I Jornada de Direito Administrativo do Conselho da Justiça Federal, que dispõe o seguinte:
Enunciado 8
O exercício da função social das empresas estatais é condicionado ao atendimento da sua finalidade pública específica e deve levar em conta os padrões de eficiência exigidos das sociedades empresárias atuantes no mercado, conforme delimitações e orientações dos §§1º a 3º do art. 27 da Lei 13.303/2016.
O enunciado aprovado, que traduz precisamente o objetivo e alcance da função social das empresas estatais, reforça o conteúdo dos dispositivos legais presentes na Constituição Federal e na chamada Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016) que versam sobre o tema. Concomitantemente, destaca-se que, ainda que haja uma finalidade pública específica, inerente à condição de estatal, estas empresas não podem furtar-se do atendimento aos padrões de eficiência exigidos das sociedades empresárias atuantes no mercado.
Conclui-se, assim, que as empresas estatais devem ter sua atuação sempre pautada pela função social definida em seus estatutos, bem como pela finalidade pública que lhes deu origem, sendo por esta limitadas e orientadas, mas sem esquecer, também, dos padrões de eficiência exigidos pelo mercado – os quais, naturalmente, fazem parte da rotina de uma empresa privada.
[1] Art. 173, caput, da Constituição de 1988.
[2] Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 33. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 553.
[3] Art. 27. […] § 1º A realização do interesse coletivo de que trata este artigo deverá ser orientada para o alcance do bem-estar econômico e para a alocação socialmente eficiente dos recursos geridos pela empresa pública e pela sociedade de economia mista, bem como para o seguinte:
I – ampliação economicamente sustentada do acesso de consumidores aos produtos e serviços da empresa pública ou da sociedade de economia mista;
II – desenvolvimento ou emprego de tecnologia brasileira para produção e oferta de produtos e serviços da empresa pública ou da sociedade de economia mista, sempre de maneira economicamente justificada.
§ 2º A empresa pública e a sociedade de economia mista deverão, nos termos da lei, adotar práticas de sustentabilidade ambiental e de responsabilidade social corporativa compatíveis com o mercado em que atuam.
Read MoreRefletir sobre os impactos dos seus investimentos no regime de bens adotado é de suma importância, porque impacta, inclusive, em seus herdeiros necessários num futuro direito sucessório.
Maria Luisa Machado Porath[1]
Você já pensou qual será a destinação dos seus investimentos em caso de divórcio ou falecimento? A depender do caminho seguido, as consequências serão diversas. Ainda que não almeje o rompimento conjugal, refletir sobre os impactos dos seus investimentos no regime de bens adotado – no caso do presente artigo, regime de comunhão parcial de bens – é de suma importância, porque impacta, inclusive, em seus herdeiros necessários num futuro direito sucessório.
Para efeitos deste artigo, o que são considerados investimentos?
De forma simplificada, é considerado investimento o capital aplicado com o intuito de obter rendimentos a um certo prazo. Há múltiplas possibilidades de investimentos, por exemplo:
- renda fixa: tesouro direto, CDB, poupança…;
- renda variável: ações, fundos de investimentos…;
- previdência privada aberta: ofertada a qualquer pessoa, como VGBL e o PGBL;
- previdência privada fechada (fundos de pensão): ofertada a uma categoria específica ou a funcionários de uma empresa;
Destaca-se que o artigo não tem o condão de conceituar a fundo os tipos de investimentos, uma vez que o foco se trata dos seus impactos jurídicos no âmbito do regime de comunhão parcial de bens.
Reflexos Jurídicos dos Investimentos no Regime de Comunhão Parcial de Bens
A comunicabilidade dos bens no regime de comunhão parcial de bens ocorre, em regra, apenas naqueles adquiridos de forma onerosa, por um ou pelos dois, na constância da união estável ou do casamento[2]. Ou seja, em geral, tudo o que for adquirido antes da conjugalidade se mantém como patrimônio particular. Destaca-se que não compete a este artigo destrinchar o regime em si; caso tenha interesse, recomenda-se a leitura do texto “Regime de bens: o que é, quais os tipos e como funcionam”.
- Divórcio
Regra geral, os investimentos realizados antes da constância do casamento ou da união estável não são partilhados. Entretanto, ressalta-se que os seus frutos sim. Por exemplo, Maria realizou um investimento de R$ 5.000,00 no ano de 2015, com prazo de 10 anos. Em 2016, ela se casou com João e, em 2020, divorciaram-se. Caso eles não tenham realizado pacto antenupcial, João terá direito aos frutos do investimento feito por Maria; ou seja, terá direito à partilha sobre o que renderam os R$ 5.000,00 iniciais.
No entanto, se os investimentos foram realizados durante o casamento ou a união estável deverão integrar a partilha. Por exemplo, Maria, casada com João, realiza um investimento de RS 5.000,00 em 2017. No ano de 2020, os dois se divorciam. No caso concreto, João terá direito a 50% do investimento e de seus frutos, ainda que não seja o titular da aplicação tampouco tenha utilizado quaisquer recursos próprios.
- Direito Sucessório
Após o falecimento do cônjuge, o sobrevivente é meeiro (é titular de 50% do patrimônio) dos bens adquirido onerosamente durante a constância do casamento ou da união estável. Contudo, no caso do regime de comunhão parcial de bens, o cônjuge sobrevivente será somente herdeiro dos bens particulares do falecido, ou seja, o consorte concorrerá com os demais herdeiros.
Caso tenha interesse no aprofundamento do tema, recomenda-se a leitura do artigo “As consequências sucessórias de acordo com cada regime de bens”.
No caso dos investimentos terem sido realizados antes da constância do casamento ou da união estável, o cônjuge sobrevivente terá direito à herança em concorrência com outros herdeiros necessários, por exemplo, os filhos. Já na situação em que os investimentos foram adquiridos durante o casamento ou a união estável, o cônjuge sobrevivente não terá direito à herança, eis que será meeiro sobre o investimento.
- Previdência Privada (VGBL e PGBL) integra a partilha no caso de divórcio e o direito sucessório?
Até recentemente, o Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) e o Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL), em tese, não integravam o direito sucessório e a partilha no caso de divórcio, por terem caráter de seguro de vida[3] e de pensão[4]. No entanto, em setembro de 2020, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Recurso Especial nº 1.698.774/RS, entendeu que, durante a fase de acumulação – em que é possível fazer aportes e resgates antecipados -, a previdência privada aberta possui natureza de aplicação financeira e não de pensão, como era entendido. A partir de então, a previdência privada aberta pode ser partilhada quando estiver na fase de acumulação em caso de regime de comunhão parcial de bens e de direito sucessório.
Além disso, registre-se que há seguradoras que vendem os planos como uma espécie de planejamento sucessório. Contudo, alguns podem ser contrários ao Código Civil e, inclusive, corre-se o risco de fraudar a legítima dos herdeiros necessários[5].
Quando isso acontece, existem decisões[6] que entendem que o plano da previdência privada carece de natureza securitária e, assim, pode ser pleiteado judicialmente, porque adquire o caráter de investimento. Portanto, para evitar dor de cabeça, é necessário cautela no momento de adquirir uma previdência privada, pois, a depender do caso concreto, é possível pleiteá-los judicialmente.
Conclusão
Como já mencionado, o artigo teve por objeto a explanação geral acerca dos reflexos dos investimentos no regime de comunhão parcial de bens. Nesse sentido, para que se tenha uma análise minuciosa do seu caso concreto, é importante realizar uma consulta jurídica com advogado ou advogada especialista na área de direito de família e sucessões. Dessa forma, muitas “surpresas desagradáveis” podem ser evitadas na hora da partilha de um inventário ou de um divórcio ou dissolução de união estável.
[1] Bacharelanda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Licenciada e Bacharela em Teatro na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) — 2015. Estagiária na Schiefler Advocacia. E-mail: malu.mporath@gmail.com
[2] Art. 1.658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes.
[3] No seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito.
[4] Art. 1.659. Excluem-se da comunhão: VII – as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
[5] Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.
Art. 1.847. Calcula-se a legítima sobre o valor dos bens existentes na abertura da sucessão, abatidas as dívidas e as despesas do funeral, adicionando-se, em seguida, o valor dos bens sujeitos a colação.
[6]AGRAVO DE INSTRUMENTO – Inventário – Determinação de retificação das declarações para inclusão dos valores existentes em nome da inventariante (esposa) em previdência privada (VGBL) – Insurgência da parte sob alegação de que se trata de bem particular, de natureza securitária, excluído da sucessão – Decisão mantida – Afastamento da alegação absoluta do caráter securitário – Necessidade de aferição da natureza da verba, que pode atuar como simples aplicação financeira, caso em que sujeita ao regime geral dos bens comuns, inclusive reconhecimento da meação e partilha. Recurso desprovido. (TJ-SP – AI: 20347284320178260000 SP 2034728-43.2017.8.26.0000, Relator: Enéas Costa Garcia, Data de Julgamento: 18/09/2017, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 18/09/2017)
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Como vetor de interpretação das normas infraconstitucionais a respeito de improbidade administrativa, o Enunciado pretende fazer indistintos os atos legislativos produzidos mediante exercício típico da função legislativa e os atos legislativos produzidos com amparo em exercício atípico da função administrativa.
Matheus Lopes Dezan[1]
Enunciado 7 – Configura ato de improbidade administrativa a conduta do agente público que, em atuação legislativa lato sensu, recebe vantagem econômica indevida.
Aos agentes públicos é devido preservar a moralidade, a probidade. É o que está prescrito no caput do artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988)[2], por força do qual há, para a Administração Pública, o dever de se ater ao princípio da moralidade, bem como lhe é devido observar os princípios da legalidade, da impessoalidade, da publicidade e da eficiência. Isso porque agentes públicos desempenham encargos administrativos, forma de manifestação do interesse público, que não se desvincula da moralidade e das prescrições que provêm da ordem jurídica[3].
Com efeito, a moralidade, ou probidade, é pressuposto de validade dos atos administrativos, de modo que se fazem inválidos os atos administrativos com vício de moralidade, de probidade[4]. Urge, contudo, notar que o que se denomina moral jurídica, moral pública ou, ainda, moral administrativa, distingue-se daquilo que se denomina moral comum, pois aquela repousa, necessariamente, sobre regras e sobre princípios do Direito que se impõem sobre os agentes públicos e sobre os terceiros que se relacionam com a Administração Pública[5].
Dessa forma, em caso de conduta de agente público lesar a moralidade, será viciado o ato administrativo e incorrerá o agente público em improbidade administrativa, infração legal sancionada com a suspensão de direitos políticos, com a perda da função pública, com a indisponibilidade de bens e/ou com a obrigatoriedade de ressarcimento ao erário, por determinação do § 4º do artigo 37 da CRFB/1988[6].
A Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992, ou Lei de Improbidade Administrativa (LIA), que dispõe acerca das sanções aplicáveis aos agentes públicos autores de atos ímprobos, concebe quatro hipóteses em acordo com as quais condutas de agentes públicos figuram como afrontosas à moralidade. Por força da Lei, é vedado a agente público i) auferir, em função de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade em entidades administrativas, vantagens patrimoniais indevidas, o que figura como enriquecimento ilícito (art. 9º); ii) lesar o erário, isto é, provocar dano patrimonial à Administração Pública (art. 10); iii) conceder, aplicar ou manter benefício financeiro ou tributário de modo indevido (art. 10-A); e iv) atentar contra os princípio da Administração Pública, registrados explícita ou implicitamente no ordenamento jurídico pátrio (art. 11).[7]
Nesse sentido, posto como vetor de interpretação do inciso I do artigo 9º da Lei de Improbidade Administrativa, o Enunciado nº 7 da I Jornada de Direito Administrativo do Conselho da Justiça Federal dispõe no sentido de que é vedado aos agentes públicos receber, em atuação legislativa lato sensu, vantagem econômica indevida, o que faz ímprobo o ato do agente público. Veja-se, a seguir, transcrição integral do Enunciado:
“Configura ato de improbidade administrativa a conduta do agente público que, em atuação legislativa lato sensu, recebe vantagem econômica indevida.”
Decerto, pode-se afirmar que a locução “atuação legislativa lato sensu”, empregada para compor o Enunciado nº 7, é desprovida de unívoco significado assentado por doutrina ou por jurisprudência, de modo que ao operador do Direito compete inquirir acerca da natureza jurídica do que sejam atos legislativos em sentido amplo e, pois, com amparo em recursos sintáticos e semânticos, conferir à locução sentido.
Paulo de Barros Carvalho distingue, como veículos introdutores de normas jurídicas à ordem jurídica, instrumentos primários e instrumentos secundários. Significa que, para que normas jurídicas integrem a ordem jurídica, é preciso que veículos, quais sejam os instrumentos primários e os instrumentos secundários, as introduzam[8]. Por essa razão, diferenciam-se os instrumentos primários de introdução de normas jurídicas à ordem jurídica e os instrumentos secundários de introdução de normas jurídicas à ordem jurídica. Estes, tais quais os decretos regulamentares, as instruções ministeriais, as circulares, as portarias, as ordens de serviço e outros atos administrativos normativos, subordinam-se àqueles, tais quais a lei constitucional, a lei complementar, a lei ordinária, a lei delegada, as medidas provisórias e o decreto-legislativo.[9]
Pode-se, com amparo nessa diferenciação, identificar que atos administrativos normativos fazem as vezes de veículos introdutores de normas jurídicas à ordem jurídica na condição de instrumentos secundários, e atos legislativos fazem as vezes de veículos introdutores de normas jurídicas à ordem jurídica na condição de instrumentos primários[10]/[11]. Delineia-se, dessa forma, esboço do que são, para o Enunciado nº 7, atos legislativos em sentido amplo e atos legislativos em sentido estrito.
Distinguem-se, em acordo com o Enunciado nº 7, atos legislativos em sentido amplo e atos legislativos em sentido estrito. A categoria atos legislativos em sentido amplo compreende tanto atos normativos que derivam do exercício típico da função legislativa, quanto atos normativos que derivam do exercício atípico da função legislativa, ao passo que a categoria atos legislativos em sentido estrito compreende atos normativos que derivam do exercício típico da função legislativa, somente. Importa salientar que se entende por exercício típico da função legislativa o exercício da função legislativa por agentes públicos que integram o Poder Legislativo, enquanto se entende por exercício atípico da função legislativa o exercício da função legislativa por agentes públicos que não integram o Poder Legislativo[12].
Para fins de inteligência do Enunciado nº 7, fala-se em atos legislativos em sentido amplo como veículos introdutores de normas jurídicas à ordem jurídica, sejam instrumentos primários, por exercício típico da função legislativa, sejam instrumentos secundários, por exercício atípico da função legislativa, e fala-se em atos legislativos em sentido estrito como veículos introdutores de norma jurídica à ordem jurídica na condição de instrumentos primários, somente, por exercício típico da função legislativa.
Por corolário, em razão do Enunciado nº 7, tanto o agente público que percebe vantagem econômica indevida para exercer de forma típica a função legislativa, quanto o público que percebe vantagem econômica indevida para exercer de forma atípica a função legislativa incorrem em improbidade administrativa.
Cumpre ressaltar que, a despeito da redação do Enunciado nº 7, concebe-se a possibilidade de que agentes públicos membros do Poder Legislativo incorram em improbidade administrativa, desde que os atos administrativos viciosos figurem como leis de efeitos concretos, assim compreendidos os atos normativos formalmente legislativos, mas materialmente administrativos. José dos Santos Carvalho Filho, ao discorrer sobre o exercício atípico da função administrativa por membros do Poder Legislativo por intermédio de leis de efeitos concretos, salienta que
[…] constituem função materialmente administrativas atividades desenvolvidas […] no Poder Legislativo, como as denominadas “leis de efeitos concretos”, atos legislativos que, ao invés de traçarem normas gerais e abstratas, interferem na órbita jurídica de pessoas determinadas, como, por exemplo, a lei que concede pensão vitalícia à viúva de ex-presidente.[13]
Trata-se, portanto, de exercício atípico da função administrativa cominado com exercício típico da função legislativa, o que fez possível, pois, antes mesmo de consolidar-se o entendimento expresso pelo Enunciado nº 7, a responsabilização de membros do Poder Legislativo por improbidade administrativa, pois que agentes públicos integram, na qualidade de agentes políticos[14], o Poder Legislativo. Fala-se, em suma, nesses restritos casos, em improbidade legislativa[15], ou seja, em improbidade administrativa por ato legislativo em sentido amplo.
Exemplo de lei de efeitos concretos é aquela que aumenta subsídios dos membros do Poder Legislativo. A esse respeito, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu, com amparo em doutrina de Pedro Roberto Decomain, que esses atos normativos ostentam aspecto formalmente legislativo, mas materialmente administrativo, de modo que se faz possível responsabilizar por improbidade administrativa esses agentes públicos:
Oportuno colacionar o seguinte excerto da obra: A ação por improbidade administrativa não é meio processual adequado para impugnar ato legislativo propriamente dito. Isso não significa, todavia, que todos os atos a que se denomina formalmente de “lei” estejam infensos ao controle jurisdicional por seu intermédio. Leis que usualmente passaram a receber a denominação de “leis de efeitos concretos”, e que são antes atos administrativos que legislativos, embora emanados do Poder Legislativos, podem ter sua eventual lesividade submetida a controle pela via da ação por improbidade administrativa. […] (Improbidade Administrativa. São Paulo: Dialética. 2007, p. 64 e 66).[16]
No mesmo sentido, há entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) que nega seguimento a Recurso Extraordinário interposto contra decisão que condenou os réus por improbidade administrativa configurada por ato legislativo de efeitos concretos:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONDENAÇÃO POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VEREADORES. MAJORAÇÃO DOS SUBSÍDIOS PARA A MESMA LEGISLATURA. PRECEDENTES. RECURSO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.[17]
Contudo, se se distinguem atos legislativos em sentido amplo e atos legislativos em sentido estrito como sendo, respectivamente, quaisquer atos normativos, e atos normativos que derivam do exercício típico da função legislativa, então, em acordo com o Enunciado nº 7, i) reitera-se a regra do inciso I do artigo 9º da Lei de Improbidade Administrativa e, ainda, ii) amplia-se, para além de hipóteses que tratam de improbidade administrativa por leis de efeitos concretos, a possibilidade de membros do Poder Legislativo serem responsabilizados por improbidade administrativa.
Notadamente, o que pretende o Enunciado nº 7 da I Jornada de Direito Administrativo do Conselho da Justiça Federal, como vetor de interpretação das normas infraconstitucionais a respeito de improbidade administrativa por percepção de vantagem econômica indevida (art. 9, I, LIA), é fazer indistintos os atos legislativos produzidos mediante exercício típico da função legislativa e os atos legislativos produzidos com amparo em exercício atípico da função administrativa, porque expande, para além das previsões doutrinárias e jurisprudenciais (improbidade administrativa por leis de efeitos concretos), as hipóteses de responsabilização dos agentes políticos por improbidade administrativa.
[1] Bacharelando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Membro do Grupo de Pesquisas Hermenêutica do Direito Administrativo e Políticas Públicas (HDAPP/UniCeub), certificado pelo CNPq. Membro do Grupo de Pesquisas Direito Racionalidade e Inteligência Artificial (DR.IA/UnB), certificado pelo CNPq. Membro do Grupo de Estudos Direito e Economia (GEDE/UnB/IDP), certificado pelo CNPq. Membro do Laboratório de Políticas Públicas e Internet (LAPIN). Estagiário em Schiefler Advocacia. E-mail: matheus.ldezan@gmail.com.
[2] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: […]
[3] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 80.
[4] Ato jurídico válido é ato jurídico adequado à ordem jurídica. Assim, atos administrativos ímprobos, porquanto contrários à ordem jurídica que lhes prescreve o dever de moralidade, são inválidos. Acerca da tese da correção, ou pretensão à correção, cf. ALEXY, Robert. Conceito e validade do direito. São Paulo: WMF Martins Fones, 2009, p. 92-97;149-155.
[5] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 83;93.
[6] Art. 37. […] § 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
[7] BRASIL. Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8429.htm. Acesso em: 23. nov. 2020.
[8] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 12. ed. rev. e amp. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 45-46.
[9] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 12. ed. rev. e amp. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 56-76.
[10] DEZAN, Sandro Lúcio. Fundamentos de direito administrativo disciplinar. 4. ed. rev. e atual. Curitiba: Juruá, 2019, p .130.
[11] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 161.
[12] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. ed. 31, rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2017, p. 2-3.
[13] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. ed. 31, rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2017, p. 5.
[14] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 71-73.
[15] MOÇA, Ricardo Benetti Fernandes. A Improbidade Administrativa por Atos Legislativos – Panorama atual e breves reflexões. Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/ricardo-benetti-fernandes-moca/a-improbidade-administrativa-por-atos-legislativos-panorama-atual-e-breves-reflexoes. Acesso em: 23. out. 2020.
[16] STJ, REsp 1.101.359/CE, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 9/11/2009.
[17] STF, RE 597.725, Relatora Min. Cármen Lúcia, publicado em 25/09/2012.
REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. Conceito e validade do direito. São Paulo: WMF Martins Fones, 2009, p. 92-97;149-155.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 23. nov. 2020.
BRASIL. Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8429.htm. Acesso em: 23. nov. 2020.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. ed. 31, rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2017, p. 5.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 12. ed. rev. e amp. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 45-46.
DEZAN, Sandro Lúcio. Fundamentos de direito administrativo disciplinar. 4. ed. rev. e atual. Curitiba: Juruá, 2019, p .130.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 80.
MOÇA, Ricardo Benetti Fernandes. A Improbidade Administrativa por Atos Legislativos – Panorama atual e breves reflexões. Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/ricardo-benetti-fernandes-moca/a-improbidade-administrativa-por-atos-legislativos-panorama-atual-e-breves-reflexoes. Acesso em: 23. out. 2020.
STF, RE 597.725, Relatora Min. Cármen Lúcia, publicado em 25/09/2012.
STJ, REsp 1.101.359/CE, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 9/11/2009.
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