NOVA LEI DE LICITAÇÕES: TRÊS NOVIDADES QUE VOCÊ PRECISA CONHECER
A nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021) foi publicada em 1º de abril de 2021, após longos anos de debates e espera. Além de incorporar entendimentos já consolidados em Tribunais e conhecimentos provindos da doutrina, o novo diploma legal trouxe inovações que certamente promoverão uma transformação profunda na prática deste campo do direito administrativo brasileiro. Neste texto, selecionamos três novidades que, em breve, devem promover grandes alterações na dinâmica das licitações e dos contratos públicos, e que, por isso, você precisa conhecer.
Modalidades de Licitações
Uma das novidades mais notáveis da Lei nº 14.133/2021 diz respeito às modalidades de licitações previstas (art. 28), a saber: I) pregão; II) concorrência; III) concurso; IV) leilão; V) diálogo competitivo.
Em contraste com a Lei nº 8.666/93, a nova Lei extingue as modalidades de tomada de preços e convite, mantendo a previsão de concorrência, concurso e leilão, incorporando o pregão (antes em lei especial) e criando a modalidade do diálogo competitivo.
Ainda que, à primeira vista, possa parecer que a inovação tenha ocorrido de forma “tímida”, a nova Lei unifica os regimes em apenas um diploma e altera o critério para a definição das modalidades. Diferentemente da Lei nº 8.666/93, agora o valor estimado da contratação não é mais um critério de definição da modalidade, que passa a ser definida precipuamente pela natureza do objeto a ser licitado (conforme a previsão nos artigos 18 a 27). Da mesma forma, a simplificação das modalidades também reflete uma ampliação dos casos de contratação direta, havendo modificações das hipóteses de dispensa e de inexigibilidade de licitação.
Assim, se de um lado essas modificações parecem introduzir novos ares para a dinâmica das licitações, a novidade stricto sensu ficou a cargo da modalidade de “Diálogo Competitivo”. Segundo o art. 6º da Lei, que traz a definição dos seus principais conceitos, o diálogo competitivo deve ser entendido da seguinte forma:
XLII – diálogo competitivo: modalidade de licitação para contratação de obras, serviços e compras em que a Administração Pública realiza diálogos com licitantes previamente selecionados mediante critérios objetivos, com o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às suas necessidades, devendo os licitantes apresentar proposta final após o encerramento dos diálogos.
Como se pode perceber, essa modalidade traz a permissão de que os próprios licitantes, previamente selecionados por critérios objetivos, possam contribuir para o desenvolvimento de alternativas que atendam às necessidades almejadas para uma determinada contratação pública. Dessa forma, a proposta final será apresentada somente após a conclusão dos diálogos e debates, de modo a induzir a criação de uma solução conjunta entre os setores públicos e privados – seguindo uma tendência de “horizontalização” já existente no direito administrativo brasileiro (vide, por exemplo, os Procedimentos de Manifestação de Interesse). As diretrizes gerais de funcionamento do instituto foram previstas no art. 32 da Lei, porém, certamente, haverá ainda muitas dúvidas acerca de sua condução, cabendo à construção doutrinária e jurisprudencial um importante papel para a eficácia dessa novidade.
As expectativas apontam que essa nova modalidade poderá contribuir especialmente para a contratação de objetos complexos, para os quais os antigos modelos de licitação eram insuficientes e resultavam, não raramente, em problemas de execução contratual. Essa é, portanto, uma novidade que possui potencial para beneficiar sobremaneira a qualidade dos contratos da Administração Pública – e que você precisa conhecer.
Inversão de fases: julgamento anterior à habilitação
Outra novidade relevante é a trazida pelo o art. 17 da nova Lei, que prevê, como regra geral, que as licitações deverão seguir uma sequência em que a fase de julgamento antecede a fase de habilitação. Com isso, a ordem “antiga” – em que primeiro ocorria a habilitação e depois o julgamento, conforme a Lei nº 8.666/93 – ainda será possível, porém, somente mediante ato motivado que torne explícitos os benefícios decorrentes de tal sequência (art. 17, §1º, da Lei nº 14.133/2021).
Embora essa chamada “inversão de fases” não chegue a ser uma novidade no ordenamento jurídico, uma vez que já era praticada na Lei nº 10.520/2002 (Lei do Pregão), a sua generalização afigura-se alvissareira para a desburocratização dos certames públicos. Com a sua extensão, como regra geral, a todas as modalidades de licitação, é possível que a condução de certames licitatórios se torne, na sua maior porção, mais simples e mais célere.
Atualmente um símbolo da burocracia, é consenso que a fase de habilitação representa uma desgastante etapa tanto para os licitantes quanto para as Comissões de Licitação. Com a inversão das fases, o licitante passará a concentrar-se primordialmente na proposta técnica a ser apresentada, deixando as trabalhosas tarefas de reunião e conferência de documentos de habilitação somente para o caso de já ter-se sagrado vencedor da etapa de julgamento. Além disso, a regularidade fiscal, em qualquer caso, somente será exigida “em momento posterior ao julgamento das propostas, e apenas do licitante mais bem classificado” (art. 63, III). Somada à preferência pela realização de modo eletrônico (art. 17, §2º, da Lei nº 14.133/2021), a antecedência da fase de julgamento sobre a fase de habilitação possivelmente irá estabelecer-se como um importante marco da efetividade e da celeridade das licitações brasileiras.
Portal Nacional de Contratações Públicas – PNCP
Com a finalidade de promover a transparência nas contratações públicas e aprofundar o processo de digitalização da Administração, o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) merece destaque como novidade e total atenção da comunidade jurídica.
A nova Lei de Licitações previu o PNCP no Capítulo I do seu Título V – Disposições Gerais, fixando a sua destinação e funcionalidades a serem oferecidas. Assim, com a proposta de ser o site oficial e centralizado das contratações públicas, o PNCP será, sem dúvidas, um arrojado passo de modernização das licitações brasileiras, avançando sobre uma frente já aberta, por exemplo, pelo site “ComprasNet”, de utilização do Governo Federal.
Igualmente em linha com a regra de preferência pela realização eletrônica dos certames, o Portal seguirá o formato de dados abertos, com a obrigatoriedade de manter um repositório de informações e documentos de abrangência nacional, a ser gerido pelo “Comitê Gestor da Rede Nacional de Contratações Públicas”, com representantes de todos os entes da Federação (art. 174, § 1º, da Lei nº 14.133/2021). A sua importância, no entanto, vai além de um mero repositório virtual, pois a Lei preceitua que a divulgação no PNCP será “condição indispensável para a eficácia” dos contratos públicos e seus aditamentos (art. 94, caput, da Lei nº 14,133/2021). Assim, se, por um lado, o PNCP é um locus juridicamente relevante para a eficácia dos contratos, por outro, as incertezas sobre o início do seu efetivo funcionamento acende um alerta para a aplicabilidade imediata da própria Lei nº 14.133/2021. Pois, diferentemente de outras previsões legais de implementação imediata, o Portal Nacional de Contratações Públicas ainda depende de sua estruturação no mundo material da Web. Como à eficácia da lei não é dado aguardar a criação do Portal, e como a própria lei não previu alternativas para este “período de transição”, é certo que a aplicação da nova Lei de Licitações terá um início fora do esquadro ideal do dever-ser. Neste sentido, temos que concordar com Schiefler, para quem “a nova Lei de Licitações já vigora entre nós, embora desacompanhada do PNCP”, não sendo este um problema impeditivo de sua aplicabilidade, para o qual se oferecem inúmeras soluções pragmáticas que cumprem o objetivo da lei.
Assim, diante das expectativas de efetivação do Portal Nacional de Contratações Públicas, só nos resta aguardar, com esperança, que essa novidade da nova Lei de Licitações possa, no futuro próximo, cumprir um importante papel de aprimoramento da accountability das contratações públicas. Fato indiscutível, no entanto, é que essa é uma previsão nova e sem precedentes para o direito administrativo brasileiro.
Por fim, apenas a título exemplificativo, poder-se-ia ainda mencionar novidades que aqui não foram contempladas, mas que certamente trarão mudanças nas licitações e contratações públicas, como: i) a criação do “agente de contratação” e da “comissão de contratação”; ii) a alteração nos critérios de julgamento das propostas; iii) a ampliação dos casos de contratação direta; iv) a exigência de programas de integridade para contratações de grande vulto; v) a previsão de novos regimes de execução contratual; vi) as alterações no Código Penal; e vii) a introdução e confirmação de métodos alternativos de solução de conflitos, como o comitê de resolução de disputas e a arbitragem. Porém, como já dito inicialmente, este não é um texto que se propôs a exaurir todas as novidades da Lei nº 14.133/2021, mas tão somente informar aquelas que o leitor não poderia deixar de conhecer – e que, agora, já conhece.