
O SÓCIO ESTÁ PEDINDO DOCUMENTOS SIGILOSOS E CONFIDENCIAIS DA EMPRESA, PRECISO GARANTIR O ACESSO?
Uma dúvida que muitos administradores (inclusive sócio-administradores) têm quando questionados pelos sócios da empresa sobre a documentação social é se devem garantir o acesso integral e irrestrito às informações, inclusive as consideradas confidenciais e sigilosas.
Geralmente, a dúvida surge quando há algum tipo de tensão na sociedade, e um dos sócios desconfia do administrador ou dos outros sócios, e passa a atuar agressivamente, fazendo pedidos de exibição e elaboração de documentos de forma constante e injustificada.
De todo modo, a resposta a essa pergunta depende do tipo de sociedade adotado pelos sócios. Neste texto, trataremos das mais comuns no cenário brasileiro: sociedades empresariais de responsabilidade limitada (LTDA.) e sociedades anônimas (S/A ou companhias).
O dever de prestação de contas e exibição de documentos nas limitadas
Sempre se deve ter em mente que, regra geral, o acesso às informações e documentos das sociedades limitadas é um direito amplo e irrestrito do sócio. A ideia é que o administrador gerencia bens alheios (da sociedade), dos quais os sócios, por terem aportado valores na empresa, têm legítimo interesse em fiscalizar, inclusive imotivadamente.
Por isso, o Código Civil é bastante claro quando indica a necessidade de disponibilização aos sócios das seguintes informações: balanços patrimoniais e de resultado econômico, inventário anual, contas justificadas (artigo 1.020 do Código Civil), livros e documentos a eles referentes, estado de caixa e carteira da sociedade (artigo 1.021 do Código Civil), atas de assembleia ou reunião de sócios, contrato social, acordo de sócios e todos os demais documentos que devam surtir efeitos perante terceiros.
No entanto, como todo direito, existe a possibilidade do exercício abusivo (artigo 187 do Código Civil) do direito de exigir informações sociais.
E o exercício abusivo dos direitos de fiscalização dos sócios, como adiantado, costuma acontecer por razões políticas internas à sociedade, quando um sócio briga com os demais e passa a exigir documentos injustificadamente apenas para causar intriga, atrapalhar a gestão da empresa, desviar os esforços dos administradores para satisfazer seus pedidos mirabolantes e criar ares de ilegalidade, geralmente esperando alguma negativa dos administradores para fazer-se de vítima perante o Poder Judiciário.
Geralmente, nestes contextos, o sócio insatisfeito, por não ter provas de nenhuma ilegalidade na empresa, passa a exigir acesso a documentos e informações sigilosas, cujo acesso restringe-se à administração executiva da sociedade, apenas para obter uma negativa e ajuizar ação judicial contra os seus desafetos. Tratam-se de documentos relativos a segredos industriais, aqueles que não estão previstos em lei (para além dos listados acima) ou aqueles que sequer existem, e que o sócio exige a confecção por mero capricho.
Este tipo de atitude não deve ser tolerada, e os sócios e administradores que se sentirem ameaçados por atos desta natureza não só podem se recusar a fornecer o acesso aos documentos, como têm o dever de proibir que eles sejam apresentados aos sócios requisitantes.
Isso porque, sendo sigilosos, não deve ser franqueado o acesso amplo e irrestrito às informações que, se vazadas, podem causar dano ao patrimônio da sociedade ou beneficiar indevidamente os concorrentes. Neste sentido, a doutrina corrobora:
“(…) o abuso pode se positivar através de repetitivos e infundados pedidos de informações à administração social, turbando a normal condução da empresa ou exigindo gastos desarrazoados no atendimento de solicitações desprovidas de utilidade ou de escassa utilidade para o solicitante: a hipótese aqui, segundo anota António Menezes Cordeiro, é de desequilíbrio no exercício do direito de informação, pois “o sócio, para uma vantagem mínima, pede elementos que irão provar um esforço máximo à sociedade”. (ADAMEK, Marcelo Vieira von. Abuso de minoria em direito societário, São Paulo: Malheiros, 2014. pg. 241.)
Portanto, nas sociedades limitadas, cabe fornecimento de acesso apenas aos documentos previstos em Lei, ainda que o sócio não justifique a medida. Todos os demais pedidos devem ser legitimamente fundamentados, sob pena de ser totalmente lícita a negativa de disponibilização irrestrita ao solicitante, se o administrador desconfiar das intenções do sócio.
O dever de prestação de contas e exibição de documentos nas companhias
Tudo o que foi dito sobre abuso de direito de requisição de informação para as sociedades limitadas aplica-se às sociedades anônimas. Mas não apenas, pois neste tipo societário a Lei das S/A (Lei nº 6.404/1976) foi além e criou mecanismos de defesa da sociedade contra o sócio que exige documentos sigilosos de forma infundada.
Nas S/A, regra geral, o acionista não tem direito de, individualmente e por conta própria, exigir dos administradores a apresentação de balanços, inventários, livros e estado de caixa e carteira da empresa a qualquer tempo. Para exigir a entrega de tais informações, deve obedecer ao artigo 105 da Lei das S/A ou aguardar a confecção dos balanços e prestações de contas a serem realizadas anualmente na Assembleia Geral Ordinária.
Diz o artigo 105 da Lei das S/A que o acionista só pode exigir a análise dos livros da companhia a qualquer tempo se, (i) for detentor de ações representativas de 5% ou mais do capital social (sozinho ou em conjunto com outros acionistas), (ii) ajuizar ação judicial neste sentido, e (iii) apoiar o pedido em fundada suspeita de irregularidade ou cometimento de ilícitos por qualquer dos órgãos da companhia.
Ainda que seja o caso de fornecer o acesso ao acionista, cabe ao administrador da S/A ponderar, assim como no caso das limitadas, se o fornecimento da informação é seguro e se não pode causar dano à companhia. Neste sentido:
“O administrador deverá, no entanto, a todo tempo verificar se as informações estão sendo solicitadas no uso das prerrogativas que a LSA confere a essas pessoas, dado que esses poderes de solicitar informação não são ilimitados e algumas vezes são utilizados para razões extrassociais (v. § 298). Nesse sentido, em certos casos, o administrador poderá e mesmo deverá recusar certas informações solicitadas, por estar convicto de que serão utilizadas com desvio ou que sua prestação contrariaria o interesse social (v. § 298)” (AMY FILHO, Alfredo. PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Direito das companhias / coordenação – 2. ed., atual. e ref. – Rio de Janeiro: Forense, 2017. pg. 835.)
Os acionistas interessados, portanto, não podem simplesmente exigir os documentos do administrador como acontece nas sociedades limitadas, pois devem aguardar o momento certo para isso que, via de regra, é na assembleia geral ordinária (deliberação em que poderão inclusive votar para desaprovar as contas, se houver irregularidades).
Conclusões
Principalmente nas sociedades limitadas, mas também em alguns casos nas sociedades anônimas, o dever de prestação de informações e apresentação de documentos é bastante amplo. O sócio requisitante, no entanto, deve exercer seu direito de forma razoável.
Por isso, é sempre recomendável consultar um advogado especialista para analisar, caso a caso, se as informações e os documentos devem ser compartilhados. Além de tudo, certas medidas podem ser tomadas para resguardar os interesses da sociedade.
Em qualquer caso, sempre que a empresa for garantir acesso a informações e documentos confidenciais aos sócios, pode e deve: (i) exigir a assinatura de termo de confidencialidade (ou “non disclosure agreement”, NDA), para poder exigir multas em caso de repasse indevido a terceiros ou de uso em atividade concorrente, (ii) impor restrições ao acesso a fim de evitar o embaraço ao regular funcionamento da empresa e da atividade dos administradores, como definição de horário, local e forma de acompanhamento, e (iii) impor a possibilidade de serem extraídas cópias, mas impedindo que os documentos originais sejam retirados da sede e controle da empresa.

