A dificuldade de precisar os requisitos e a extensão da aplicabilidade pode levar à utilização equivocada de ambos os institutos.
Victoria Magnani[1]
Diante do contexto de pandemia vivenciado atualmente, bem como da alteração substancial na situação econômico-financeira de diversos empregadores decorrente dos impactos da Covid-19, uma leva de rescisões de contratos de trabalho vem sendo justificada por meio dos institutos da força maior e do fato do príncipe. Essa aplicação demonstrou ser, na maioria das vezes, equivocada, sobretudo devido à dificuldade de precisar os requisitos e a extensão da aplicabilidade dos dois institutos.
Tendo em vista o cenário de controvérsias que circunda a caracterização e aplicação da força maior e do fato do príncipe trabalhista, bem como da ausência de consenso acerca da possibilidade, ou não, de justificar eventual rescisão de contrato de trabalho no atual cenário pandêmico, com fundamento nos arts. 486, 501 e 502 da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), traz-se aqui uma sistematização dos requisitos definidores de uma e outra situação, bem como dos reflexos práticos que uma dispensa por força maior ou fato do príncipe pode ocasionar.
A Força Maior
Acerca do instituto da força maior, tem-se que o estado de calamidade decorrente da pandemia da Covid-19 foi equiparado, por meio da edição da Medida Provisória nº 927, à hipótese de força maior, conforme se depreende do art. 1º, parágrafo único, do texto normativo. Ainda que posteriormente a referida Medida tenha perdido sua eficácia, a discussão em torno do instituto permanece, visto que a definição desta depende, eminentemente, da interpretação do caso concreto.
A força maior, definida no art. 501 da CLT como “todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente”, constitui-se como hipótese de extinção contratual ocasionada por fatores tidos como excepcionais, que independem da conduta das partes[2]. Dessa maneira, cumpre destacar que a imprevidência do empregador tem o condão de excluir a razão de força maior, nos termos do § 1º do art. 501 da CLT, além de não serem aplicados os reflexos decorrentes do referido instituto aos acontecimentos que não afetem substancialmente a situação econômico-financeira da empresa (art. 501, § 2º).
Especificamente no que tange à rescisão contratual decorrente de motivo de força maior, a CLT dispõe no seu artigo 502 que, ocorrendo motivo de força maior que determine a extinção da empresa, ou de um dos estabelecimentos em que trabalhe o empregado, será assegurada a este, quando despedido, uma indenização na forma do supracitado artigo, que será distinta em se tratando de trabalhador estável, não estável e com contrato por prazo determinado.
Cumpre ressaltar que a sistemática indenizatória celetista sofreu grandes modificações com o advento da Constituição Federal de 1988, que instituiu a obrigatoriedade do sistema indenizatório do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). Nos termos da Súmula nº 98 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que atesta a equivalência jurídica dos dois sistemas indenizatórios, é possível concluir que a redução da indenização prevista nos incisos do art. 502 da CLT equivale, dentro da sistemática atual, ao percentual rescisório pago sobre os depósitos contratuais do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).
Dessa forma, nos termos do art. 18, §§ 1º e 2º, da Lei Federal nº 8.036/90, que dispõe sobre o regime do FGTS, quando a dispensa ocorrer por força maior a multa indenizatória decai de 40% (quarenta por cento) para 20% (vinte por cento) sobre o valor total dos depósitos realizados na conta vinculada do FGTS durante a vigência do contrato de trabalho.
Especificamente no contexto da pandemia de Covid-19, em um primeiro momento parece que a rescisão contratual fundada em motivo de força maior geraria dois efeitos principais, sendo eles a redução da indenização do FGTS de 40% (quarenta por cento) para 20% (vinte por cento) e a perda do direito ao aviso-prévio indenizado, uma vez que se trata de situação imprevisível e inevitável, da qual foi vítima não apenas o trabalhador, mas, também, a empresa.
No que tange à redução da indenização rescisória, cabe destacar que o art. 502 da CLT, que trata especificamente da força maior enquanto motivo de rescisão de contrato de trabalho, estabelece, já no seu caput, um requisito essencial para viabilizar sua aplicação: o motivo de força maior que determine a extinção da empresa, ou de um dos estabelecimentos em que trabalhe o empregado.
Cumpre fazer, aqui, um parêntese: apesar da redação do art. 502 condicionar a hipótese de força maior à extinção da empresa ou de um de seus estabelecimentos, tem-se que, devido ao amplo processo de setorização decorrente do modelo de produção globalizado, não é aconselhável uma interpretação literal do dispositivo em questão. Em virtude do fenômeno crescente de setorização das empresas, que implica em uma divisão destas em unidades quase que autônomas (os “setores”), condicionar a aplicação da força maior à extinção da empresa como um todo, ou mesmo de um estabelecimento inteiro, seria medida contraproducente, uma vez que tal restrição não corresponde à realidade atual. Isso porque, em verdade, é muito mais plausível que ocorra a extinção de um único setor produtivo em decorrência de episódio de força maior do que a completa extinção da empresa em questão.
Dessa forma, recomenda-se uma interpretação mais ampla do art. 502 da CLT, que abranja também, para caracterização da força maior, a noção de “extinção do setor produtivo” no qual laborava o empregado.
Sob essa perspectiva, se o motivo de força maior for suficiente para ocasionar a extinção da empresa ou de um de seus setores, caberá a aplicação do art. 18, § 2º, da Lei Federal nº 8.036/90, segundo o qual, quando ocorrer despedida decorrente de força maior, o empregador deverá depositar na conta vinculada do trabalhador no FGTS importância igual a 20% (vinte por cento) do montante de todos os depósitos realizados durante a vigência do contrato de trabalho, em oposição aos 40% (quarenta por cento) exigidos para a rescisão sem justa causa.
O aviso-prévio indenizado, por sua vez, possui natureza jurídica de uma indenização substitutiva pelo descumprimento da obrigação de concessão do período desse aviso, cuja função é a de evitar rescisões abruptas[3]. Tendo em vista que se trata de uma indenização que decorre da rescisão contratual, no caso específico da rescisão de contrato de trabalho motivada por força maior, é o caso de aplicação do sistema indenizatório regulado pelo art. 502 da CLT e art. 18, § 2º, da Lei Federal nº 8.036/90, segundo o qual a indenização rescisória decorrente de força maior seria reduzida pela metade.
Isso porque, apesar da imprevisibilidade da situação não vitimar somente o trabalhador, mas também a empresa, não seria razoável privar o empregado do direito ao aviso-prévio indenizado, uma vez que este subsiste até mesmo na hipótese de culpa recíproca, ainda que reduzido à metade, nos termos do art. 484 da CLT e da Súmula nº 14 do Tribunal Superior do Trabalho. Logo, não seria coerente que a força maior fosse mais prejudicial ao trabalhador do que um cometimento de falta grave por parte desse, como o que ocorre na hipótese de culpa recíproca[4].
Do mesmo modo não seria justificável, sob o ponto de vista do cenário de calamidade atual, que o aviso prévio fosse indenizado de forma integral, uma vez que a empresa foi igualmente vítima das circunstâncias, também fazendo jus à medida protetiva que resguarde seus direitos. Assim, a solução mais adequada parece ser a do cabimento do aviso prévio indenizado, reduzido, porém, à metade.
Portanto, em caso de extinção da empresa ou de setor produtivo desta, requisito inafastável para aplicação do art. 502 da CLT, conclui-se que, se o contrato for rescindido com base na força maior, deverá o empregador depositar na conta vinculada do trabalhador no FGTS importância igual a 20% (vinte por cento) do montante de todos os depósitos realizados durante a vigência do contrato de trabalho, a título de indenização rescisória, além de ser cabível o aviso-prévio indenizado para rescisão fundada em força maior, sendo este, contudo, reduzido à metade.
Por outro lado, caso não haja a extinção da empresa (ou de um de seus setores), o entendimento aplicável parece se aproximar muito mais da solução proposta pela Lei nº 14.020/2020 (originada da Medida Provisória nº 936/2020), norma esta que regula as possibilidades de redução proporcional da jornada de trabalho e de salário, bem como de suspensão temporária do contrato de trabalho durante o período de calamidade pública decorrente da pandemia do novo coronavírus.
O Fato do Príncipe
Outro instituto tornado relevante em função da situação atual é o factum principis, ou fato do príncipe. No âmbito trabalhista, o fato do príncipe diz respeito a uma situação excepcional disposta no art. 486 da CLT, na qual há “paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade”.
O instituto é uma espécie do gênero força maior, também denominado de “força maior imprópria”. Na seara trabalhista, o fato do príncipe possui como requisitos para sua caracterização, além dos inerentes à força maior própria, que são a imprevisibilidade, a inevitabilidade e a ausência de concurso do empregador para a ocorrência do evento; a existência de ato da administração que cause dano específico, de impacto direto e significativo à condição econômica da empresa[5].
Reconhecida a ocorrência de fato do príncipe trabalhista, o pagamento da indenização rescisória devida ficará a cargo do governo responsável pela paralisação do trabalho, seja ele municipal, estadual ou federal. Destaca-se que são raras as alegações de fato do príncipe no âmbito trabalhista, e ainda mais rara a procedência de tais alegações.
Contudo, caso reste caracterizada a hipótese de fato do príncipe, cumpre ressaltar que a sua abrangência restringe-se à indenização rescisória prevista no regime do FGTS, não sendo possível transmitir os demais encargos trabalhistas ao governo responsável pela paralisação do trabalho. Assim, não será toda e qualquer verba rescisória devida pelo empregador no momento da rescisão contratual que será repassada à autoridade administrativa que emitiu o ato de paralisação, mas tão somente a multa rescisória prevista na Lei Federal nº 8.036/90.
Especificamente quanto à possibilidade de aplicação do instituto do fato do príncipe no contexto de crise sanitária decorrente da pandemia de Covid-19, frisa-se que tal possibilidade foi expressamente vedada pela já mencionada Lei nº 14.020/20 que, em seu art. 29, dispõe:
Não se aplica o disposto no art. 486 da CLT […] na hipótese de paralisação ou suspensão de atividades empresariais determinada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal para o enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus […].
Ademais, para além de dispositivo expresso de lei, a aplicação do factum principis no contexto de pandemia esbarra no necessário caráter específico do dano causado, uma vez que, apesar de direto e significativo, o prejuízo ocasionado pelo ato administrativo que determina a paralisação das atividades não é direcionado a um ou outro grupo em particular. Pelo contrário, observa-se que as determinações emanadas pelas autoridades administrativas visando a contenção do vírus Sars-Cov-2 possuem um caráter generalista, atingindo os mais diversos setores econômicos e sociais.
Conclui-se, assim, acerca da (im)possibilidade de aplicação dos institutos da força maior e do fato do príncipe como justificativas à rescisão de contratos de trabalho no cenário da pandemia da Covid-19, que a força maior só poderá ser aplicada, com todas as ressalvas expostas e mediante evidente caracterização de todos os seus requisitos essenciais, para casos em que haja extinção da empresa, de estabelecimento desta ou de um de seus setores produtivos. Quanto ao fato do príncipe, destaca-se a sua inaplicabilidade, tendo em vista a vedação expressa introduzida pela Lei nº 14.020/20, que obsta a aplicação do instituto enquanto justificativa para rescisão do contrato de trabalho.
[1] Victoria Magnani – Graduanda em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Bolsista voluntária do Programa Institucional de Iniciação Científica – PIBIC UFSC no campo do Direito Ambiental do Trabalho. Membro do Grupo de Pesquisa em Meio Ambiente, Trabalho e Sustentabilidade – GP METAS.
[2] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18 ed. rev. e amp. – São Paulo: LTr, 2019.
[3]JORGE NETO, Francisco Ferreira; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Direito do Trabalho. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2019.
[4] FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa; MARANHÃO, Ney. Covid-19: Força Maior e Fato do Príncipe. Editora RTM, 2020. Acesso em: 26 de jun. de 2020.
[5] GASIOLA, Gustavo Gil. O fato do príncipe no sistema de tutela dos contratos administrativos. In Revista digital de direito administrativo, v. 1, n. 1, p.69-84, 2014. Acesso em: 22 jun. 2020.
Read MoreA liminar afetava mais de cinquenta professores de diversas especialidades no Instituto Federal da Paraíba - IFPB.
A Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região suspendeu decisão liminar concedida em Ação Civil Pública que determinava a anulação das nomeações de mais de cinquenta professores de diversas especialidades aprovados em concurso público realizado pelo Instituto Federal da Paraíba – IFPB.
O concurso para professor do IFPB, cujo edital foi lançado em dezembro de 2018, atravessou regularmente todas as suas fases até a realização da prova de desempenho didático. Contudo, após a divulgação do resultado desta última etapa, os problemas iniciaram. Isso porque, num primeiro momento, a instituição de ensino e a banca organizadora do concurso se recusaram a entregar as cópias das gravações aos candidatos.
Diante de inúmeras reclamações dirigidas ao Ministério Público Federal, o órgão editou recomendação ao IFPB para franquear acesso às gravações de vídeos a todos os candidatos solicitantes e reabrir o prazo recursal, preservando o direito ao contraditório substantivo.
Seguindo a recomendação do MPF, o Instituto lançou edital permitindo que todos os interessados em ter acesso ao vídeo de sua prova de desempenho fizessem solicitação por e-mail. Ademais, o IFPB reabriu o prazo de recurso após a entrega dos vídeos, seguindo estritamente as orientações do órgão ministerial.
Acontece que, dos mais de 1.054 candidatos que realizaram a prova de desempenho, 35 notificaram a banca e o IFPB de que a gravação entregue continha falhas que inviabilizavam seu uso.
Nesta circunstância, a fim de preservar o direito destes candidatos de se utilizarem do vídeo para eventual interposição de recurso, o IFPB oportunizou a esses 35 candidatos que refizessem a prova de desempenho. No entanto, em diversos casos, os candidatos optaram em não refazer a prova e manter-se com a nota já anteriormente atribuída – anuindo com a nota conferida pela banca de concurso. Ao todo, 19 candidatos optaram por manter sua nota e 16 realizaram nova prova de desempenho.
Ocorre que após a adoção destas medidas, o MPF tomou conhecimento de que outros dois candidatos, além dos 35 que haviam notificado a banca e tiveram a oportunidade de refazer a prova de desempenho didático, a seu critério, também tiveram problemas com sua gravação e não haviam sido incluídos na lista das gravações defeituosas, motivo pelo qual também não puderam refazer a prova.
Diante desta circunstância, após a homologação do concurso público e da nomeação e posse de cerca de mais de quarenta novos professores na instituição, o MPF decidiu por ajuizar ação civil pública requerendo o refazimento de todas as provas de desempenho (didáticas) dos dezenove diferentes códigos de especialidade (seguramente mais de 500 novas provas de desempenho).
Na sequência, o juízo recebeu a ação e determinou que todas as nomeações decorrentes deste concurso público, nos dezenove códigos de vaga indicados, fossem integralmente anuladas, bem como determinou o refazimento de todas estas provas de desempenho.
Para os candidatos aprovados, a decisão foi dramática e estarrecedora.
Muitos deles vieram de outras regiões do país, do sul, sudeste, norte. Alguns haviam pedido exoneração dos cargos anteriormente ocupados, demissão de seus antigos empregos. Gastaram suas poupanças para viabilizar a mudança para a Paraíba. Eles haviam se submetido a todas as fases do concurso público, prova escrita, prova de desempenho e apresentação de seus títulos e sido devidamente aprovados e convocados pelo próprio IFPB, após a homologação do concurso. Aceitaram este desafio e missão que é a docência e ficaram sem chão ao saber que suas nomeações haviam sido anuladas sem que sequer tivessem a oportunidade de apresentar sua defesa ao juízo – inclusive porque, se o tivessem feito, possivelmente a decisão liminar com caráter anulatório jamais teria sido concedida.
Em alguns casos, a decisão inicialmente proferida continha argumentos adicionais que revelavam o seu equívoco. Num dos cargos, por exemplo, nenhum candidato havia refeito a prova de desempenho. Pelo contrário: o único candidato que havia manifestado problemas com sua gravação tinha sido nomeado e empossado no cargo sendo, ele próprio, prejudicado pela iniciativa do MPF e pela decisão do juízo.
Sensível a estes argumentos e, especialmente, ao manifesto prejuízo que o IFPB teria caso aquela decisão fosse mantida, com mais de 4.943 alunos que passariam a não ter professores para lecionar disciplinas imprescindíveis para sua formação, a Quarta Turma do TRF-5 reconheceu o descabimento desta decisão e determinou a manutenção das nomeações daqueles professores aprovados no concurso público.
Dentre os fundamentos da decisão proferida em sede recursal, que contou com a atuação do escritório Schiefler Advocacia, o Desembargador Relator argumentou pelo descabimento da medida de anulação das nomeações ante a inexistência de demonstração objetiva de que o refazimento das provas ensejou em benefício indevido aos candidatos (notadamente porque somente 16 refizeram as provas e sequer se tem notícia de que estes todos haviam sido nomeados). A bem da verdade, dezenas de candidatos que não refizeram as provas estavam efetivamente sendo prejudicados por aquela decisão. Ademais, como bem inserido no voto, aprovado por unanimidade, as alterações previstas na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, notadamente o previsto no artigo 21, o qual estabeleceu o princípio da conservação, devendo-se manter, se possível o ato administrativo praticado. E encerra: ainda que se mostrasse imprescindível anular o ato administrativo, tal medida deve se realizar “modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais”.
Ao final, os professores aprovados no concurso público e empossados no cargo poderão, ao menos até o fim do trâmite judicial, concentrar suas energias na atividade para a qual toda a atividade administrativa, no IFPB, foi engendrada: o exercício do magistério.
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Read MoreAinda que exista norma infraconstitucional limitando a jornada semanal para a acumulação de cargos públicos, a regularidade da acumulação depende apenas da compatibilidade de horários.
É de conhecimento comum que, em regra, os cargos públicos são inacumuláveis. Trata-se de restrição imposta pelo inciso XVI do artigo 37 da Constituição Federal, segundo o qual só é possível uma mesma pessoa ocupar um único cargo, sendo que, para ocupar outro, faz-se necessário a sua exoneração do anterior.
Leia-se o referido inciso XVI do artigo 37 da Constituição Federal:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[…]
XVI – é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:
a) a de dois cargos de professor;
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;
A leitura do dispositivo, portanto, não deixa dúvidas sobre a impossibilidade de acumulação de cargos públicos, assim como estabelece uma exceção que, a princípio, também seria de interpretação fácil. No entanto, a exceção permitida pela Constituição recebe contornos não tão simples na prática administrativa.
Como se depreende dos grifos conscientemente inseridos, o inciso XVI do artigo 37 estabelece somente dois critérios gerais que devem ser respeitados: (i) estar entre as profissões dispostas no rol de alíneas do inciso XVI e, ao mesmo tempo, (ii) comprovar a compatibilidade de horários.
Ou seja, uma primeira interpretação – e que é a mais correta, como se verá – leva a crer que é irrelevante o fato de que a jornada semanal do indivíduo que ocupa dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, quando somadas, perfaz mais de 60 horas: basta que seja demonstrada a compatibilidade de horários.
Acontece que, como dito, a aplicação prática da exceção trazida pelo texto constitucional não é tão simples como aparenta ser na teoria. E é por essa razão que, há muito tempo, o Poder Judiciário se debruça sobre o tema.
É o caso, por exemplo, do Recurso Especial nº 1767955/RJ, julgado em abril de 2019, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Pautado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), prevaleceu na Corte o entendimento de que o único requisito para a acumulação de “cargos acumuláveis” (de acordo com a Constituição, com o perdão da repetição) depende apenas da compatibilidade de horários. Veja-se:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS REMUNERADOS. ÁREA DA SAÚDE. LIMITAÇÃO DA CARGA HORÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. REQUISITO ÚNICO. AFERIÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRECEDENTES DO STF. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A Primeira Seção desta Corte Superior tem reconhecido a impossibilidade de acumulação remunerada de cargos ou empregos públicos privativos de profissionais da área de saúde quando a jornada de trabalho for superior a 60 (sessenta) horas semanais.
2. Contudo, ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal, reiteradamente, posicionam-se “[…] no sentido de que a acumulação de cargos públicos de profissionais da área de saúde, prevista no art. 37, XVI, da CF/88, não se sujeita ao limite de 60 horas semanais previsto em norma infraconstitucional, pois inexiste tal requisito na Constituição Federal” (RE 1.094.802 AgR, Relator Min. Alexandre de Moraes, Primeira Turma, julgado em 11/5/2018, DJe 24/5/2018).
3. Segundo a orientação da Corte Maior, o único requisito estabelecido para a acumulação é a compatibilidade de horários no exercício das funções, cujo cumprimento deverá ser aferido pela administração pública. Precedentes do STF.
4. Adequação do entendimento da Primeira Seção desta Corte ao posicionamento consolidado no Supremo Tribunal Federal sobre o tema.
5. Recurso especial a que se nega provimento.[1]
O Tribunal de Contas da União (TCU) também segue o mesmo entendimento. Assim o foi ao decidir, em fevereiro de 2019, que “a questão da incompatibilidade de horários entre os cargos acumuláveis deve ser estudada caso a caso, sem a limitação objetiva de 60 horas semanais”:
9. De início, insta destacar que, com base na denominação dos cargos exercidos pelos interessados, a acumulação dessas ocupações é permitida. Tal situação encontra amparo na redação atual da alínea ‘c’, inciso XVI, do art. 37 da Constituição Federal de 1988, resguardada no período anterior à EC 19/98 pelo Art. 17, § 2º, do ADCT, uma vez que, tanto os cargos que os interessados exercem na União, quanto nas outras esferas, são privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas.
10. No que concerne às respostas encaminhadas pela Unidade Jurisdicionada, verificou-se que as escalas de horários dos vínculos são compatíveis.
[…]
23. Desse modo, com base nos Acórdãos 1.338/2011-TCU-Plenário, de relatoria do Ministro Augusto Nardes, e 1.168/2012-TCU-Plenário, de relatoria do Ministro José Jorge, nos quais se firmou o entendimento de que a questão da incompatibilidade de horários entre os cargos acumuláveis deve ser estudada caso a caso, sem a limitação objetiva de 60 horas semanais, conclui-se que inexiste irregularidade nas admissões das interessadas.
24. Nota-se que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a exemplo dos julgamentos do MS 24.540/DF e do MS 26.085/DF, está alinhada às referidas decisões deste Tribunal, ou seja, a acumulação de cargos, para as situações permitidas constitucionalmente, está condicionada à compatibilidade de horários.
25. Portanto, com base no conjunto de verificações a que os atos foram submetidos não foi possível constatar qualquer óbice a apreciação pela legalidade, cabendo proposta para que sejam considerados legais.[2]
Ademais, o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) pela inexistência de limitação de carga horária superior a 60 horas semanais, que já vinha sendo adotada pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Tribunal de Contas da União, foi reafirmado recentemente pela Suprema Corte, ocasião em que foi julgado o Tema 1081 de repercussão geral, referente à “Possibilidade de acumulação remunerada de cargos públicos, na forma do art. 37, inciso XVI, da Constituição Federal, quando há compatibilidade de horários”.
Do julgamento, fixou-se a tese de que “As hipóteses excepcionais autorizadoras de acumulação de cargos públicos previstas na Constituição Federal sujeitam-se, unicamente, a existência de compatibilidade de horários, verificada no caso concreto, ainda que haja norma infraconstitucional que limite a jornada semanal.”.
Ou seja, ainda que exista norma infraconstitucional (lei, decreto, resolução, portaria, etc.) limitando a jornada semanal para a acumulação de cargos públicos, a regularidade da acumulação depende apenas da compatibilidade de horários.
Depreende-se do exposto, portanto, que a jurisprudência dos Tribunais Superiores (STF e STJ), e também do TCU, permitem a acumulação de cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde nas hipóteses previstas no inciso XVI do artigo 37 da Constituição Federal, sem limitação de jornada semanal, bastando que o servidor demonstre a compatibilidade de horários.
[1] STJ, REsp 1767955/RJ, Rel. Ministro OG FERNANDES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/03/2019.
[2] TCU, Acórdão nº 1315/2019, Segunda Câmara, Relator Ministro André de Carvalho, julgado em 26/02/2019.
Read MorePara o STJ, a apresentação de CNH vencida não impede o candidato de realizar prova.
É certo que, no edital de todo concurso, haverá a exigência de apresentação de documento de identificação pessoal para a realização das provas e para a participação das eventuais outras etapas da competição.
Intuitivamente, e mesmo em raciocínio jurídico estrito, tende-se a concluir que os documentos de identificação pessoal a serem apresentados devem estar todos em seu prazo de validade.
Mas, no que toca especificamente à Carteira Nacional de Habilitação (CNH), será mesmo que o escorrimento de seu prazo de validade a invalida como documento de identificação pessoal para concurso público?
Vejamos.
A CNH encontra previsão legal no Código de Trânsito Brasileiro (Lei Federal nº 9.503/1997), o qual prevê, em seu artigo 159, caput e § 10, a validade daquela como documento de identificação pessoal. O mesmo dispositivo legal esclarece também que a validade do documento está condicionada à realização dos exames de aptidão física e mental, razão pela qual o documento deve ser renovado periodicamente.
A propósito, confira-se a íntegra dos mencionados textos legais:
Art. 159. A Carteira Nacional de Habilitação, expedida em modelo único e de acordo com as especificações do CONTRAN, atendidos os pré-requisitos estabelecidos neste Código, conterá fotografia, identificação e CPF do condutor, terá fé pública e equivalerá a documento de identidade em todo o território nacional.
[…]
§ 10. A validade da Carteira Nacional de Habilitação está condicionada ao prazo de vigência do exame de aptidão física e mental.
Da leitura do dispositivo em questão já se pode responder à questão ventilada: o que se expira após o prazo de validade do documento são os exames de aptidão e, por conseguinte, a capacidade jurídica para dirigir veículo automotor. Ou seja, uma interpretação plausível e válida é que o vencimento do prazo de validade dos exames de aptidão em nada prejudica seu caráter identificador da CNH.
É que em lugar algum do caput do artigo 159 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) extrai-se a existência de prazo de validade da CNH no que se refere à utilidade de identificação pessoal do portador e titular.
Assim, não se pode concluir noutro norte que não o de que a Carteira de Habilitação pode ser utilizada como documento de identificação pessoal mesmo que vencida. Inclusive, ela permanece sendo válida para a realização de provas de concurso público.
E bem por essa razão é que, nos casos em que o edital do certame veda a apresentação de documentos com a validade expirada, esta proibição não deve ser aplicada quando o documento em questão for a CNH com função de identificação pessoal, pois esta validade diz respeito apenas à capacidade de condução no trânsito.
E a jurisprudência não destoa desse entendimento.
Em de setembro de 2019, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisou caso em que uma candidata foi impedida de realizar exame por ter apresentado CNH vencida, ocasião em que o fiscal de prova não permitiu a sua participação nesta fase do certame. Em sua decisão, o STJ concluiu pelo seguinte:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. UTILIZAÇÃO DE CNH VENCIDA COMO DOCUMENTO DE IDENTIDADE. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ CONSTITUÍDA. DILAÇÃO PROBATÓRIA NECESSÁRIA. RECURSO ORDINÁRIO DO PARTICULAR A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Cuida-se, na origem, de Mandado de Segurança impetrado em face de ato do Secretário de Estado de Administração Pública do Distrito Federal, em que se almeja a realização de nova prova objetiva para o cargo de Cirurgião Dentista em Concurso Público promovido pela Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, regido pelo Edital 1-SEAP/SES-NS de 28 de maio de 2014. Alega a impetrante, ter sido impedida de realizar o exame no dia previsto devido ao fato de ter apresentado, no momento da identificação, Carteira Nacional de Habilitação vencida, documento que teria sido recusado pelo fiscal de prova. яндекс
2. A controvérsia posta nos autos, refere-se à possibilidade de utilização da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), com prazo de validade expirado, como documento de identificação pessoal.
3. Em recente julgado da 1a Turma deste Superior Tribunal de Justiça, REsp. 1.805.381/AL, firmou-se a compreensão de que o prazo de validade constante da Carteira Nacional de Habilitação deve ser considerado estritamente para se determinar o período de tempo de vigência da licença para dirigir, até mesmo em razão de o art. 159, § 10, do Código de Trânsito Brasileiro, condicionar essa validade ao prazo de vigência dos exames de aptidão física e mental. Não se vislumbra qualquer outra razão para essa limitação temporal constante da CNH, que não a simples transitoriedade dos atestados de aptidão física e mental que pressupõem o exercício legal do direito de dirigir (REsp. 1.805.381/AL, Rel. Min. GURGEL DE FARIA, DJe 6.6.2019).
4. Nesse contexto, revela-se ilegal impedir candidato de realizar prova de concurso, sob o argumento de que o Edital exigia documento de identificação dentro do prazo de validade, uma vez que não foi observado o regime legal afeto ao documento utilizado. Acrescente-se, ainda, não haver violação ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório, mas tão somente a utilização dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade para se afastar a restrição temporal no uso da CNH para fins de identificação pessoal em sede de Concurso Público.[1]
Como se pode ver da decisão do Superior Tribunal de Justiça, órgão responsável pela uniformização da interpretação das normas federais, o vencimento da CNH não lhe retira a função de identificação pessoal, motivo pelo qual um candidato não pode ser impedido de realizar prova em razão de apresentar a CNH vencida.
Portanto, extrai-se do texto do Código de Trânsito Brasileiro e da jurisprudência pátria que a CNH vencida vale, sim, como documento de identificação pessoal para concurso público.
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O Poder Judiciário pode reexaminar questões e critérios de correção aplicados em concurso público?
[1] STJ RMS Nº 48.803 – DF (2015/0170636-6). Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO. Primeira Turma. Julgado em 03/09/2019.
Read MoreA autonomia gerencial da Administração Pública é princípio basilar do ordenamento jurídico, sendo a intervenção do Poder Judiciário medida excepcional, devida apenas em hipóteses de flagrante equívoco da banca examinadora.
A previsão de regras claras no edital e o cumprimento integral de suas disposições são medidas de extrema importância para todo e qualquer concurso público. É com a publicidade e a predefinição das fases e critérios avaliativos que os candidatos conseguem ter segurança e igualdade no processo avaliativo.
O conteúdo e a elaboração das questões aplicadas no concurso são de responsabilidade da banca avaliadora, e é responsabilidade dela, também, a observância do cumprimento do edital. Em regra, não cabe ao Poder Judiciário interferir no andamento e nos critérios adotados nos concursos públicos, pois essa definição está inserida no âmbito da discricionariedade administrativa.
E nos casos em que a própria banca comete erros no conteúdo ou na correção das questões aplicadas?
Em atenção a isso, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu, no julgamento do RE 632853, que originou o Tema nº 485, a tese com repercussão geral de que “não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e os critérios de correção utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade ou de inconstitucionalidade”.
Nesse sentido, foi consolidado o entendimento jurisprudencial de que a interferência do Poder Judiciário na correção das questões ou critérios aplicados em concurso público é legítima quando presente ao menos um dos seguintes casos: (i) descumprimento das regras do certame; (ii) flagrante incorreção do gabarito ou (iii) nulidade da questão.
Este é o posicionamento predominante nos tribunais pátrios, seguido inclusive pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) no julgamento da Apelação nº 5003916-97.2013.4.04.7001, que adotou integralmente o entendimento do STF mencionado acima. Veja-se a ementa:
JUÍZO DE RETRATAÇÃO. TEMA 485 DO STF. JULGAMENTO MANTIDO.
1. O STF firmou tese, estampada no Tema 485 do STF, que “Não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e os critérios de correção utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade ou de inconstitucionalidade”.
2. Todavia, na espécie, não é caso de retratação do julgamento. Isso porque, ocorrendo flagrante ilegalidade da questão formulada, correta a solução dada pela sentença e acolhida pelo voto condutor do acórdão recorrido, no sentido de julgar parcialmente procedentes os pedidos do autor tão somente para, no que se refere ao autor, alterar o gabarito oficial e reconhecer como correta a alternativa ‘A’ da Questão 33 do Caderno 48 da primeira fase do Concurso para o Cargo de Policial Rodoviário Federal regido pelo Edital 01/2009-DPRF.[1]
Em seu voto, a Desembargadora Relatora Marga Inge Barth Tessler ressalta que a possibilidade de intervenção do poder judiciário é excepcional, devida apenas em hipóteses de flagrante equívoco da banca examinadora. Nas palavras da Relatora, “não se trata de interpretar o acerto ou não da questão frente a doutrina, mas, sim, de fiscalização de questão flagrantemente ilegal, incompatível com a legislação exigida pelo edital”.
Nesse sentido, o Poder Judiciário atua em defesa dos direitos violados dos candidatos, prezando pela garantia dos princípios constitucionais da legalidade e da moralidade em concursos públicos e, ao mesmo tempo, estabelece critérios objetivos que balizem a possibilidade dessa intervenção, de modo a respeitar a autonomia gerencial da Administração Pública.
[1] TRF4 5003916-97.2013.4.04.7001, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 10/07/2019.
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Read MoreO entendimento majoritário dos Tribunais é de que o professor universitário, casado com servidor público federal que foi deslocado no interesse da Administração, pode ser removido para outra instituição de ensino, pois o cargo de professor universitário pertence a um quadro único vinculado ao MEC.
Eduardo Schiefler[1]
O deslocamento de servidores públicos pelo território brasileiro é uma prática administrativa bastante comum. Por conta das necessidades da Administração Pública, que variam em grau e gênero, os gestores públicos costumam lançar mão de deslocamentos de ofício (ex officio) para satisfazer o interesse público. É o caso do deslocamento no interesse da Administração.
Diante dessa realidade, cuja intensidade pode ter relação com a gradual escassez de novos concursos públicos, surge uma questão de extrema relevância: se o servidor deslocado possuir um cônjuge/companheiro também servidor público, surge a ele o direito de ser removido para fins de acompanhamento? A resposta é positiva[2], independentemente do interesse da Administração e, inclusive, nas hipóteses em que não há coabitação prévia entre os cônjuges servidores.
Trata-se de previsão específica do artigo 36, parágrafo único, inciso III, alínea “a”, do Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União (Lei Federal nº 8.112/1990), segundo a qual o servidor poderá ser removido, a pedido e independentemente do interesse da Administração, “para acompanhar cônjuge ou companheiro, também servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que foi deslocado no interesse da Administração”[3].
Acontece que o instituto da remoção ganha novos contornos quando se está diante de Professores de uma Instituição Federal de Ensino. Isto é, professores de Universidades Federais ou de Institutos Federais, que possuem personalidade e autonomia jurídica próprias e que estão distribuídos por todas as regiões do País.
Este detalhe é importante e recebeu a atenção de quem vos escreve em razão de uma peculiaridade contida na Lei Federal nº 8.112/1990, que comumente é questionada nas ações judiciais que pleiteiam a remoção do professor universitário para outra instituição de ensino. Isto porque no artigo 36 da norma, que regulamenta os requisitos do instituto da remoção de servidor público, existe a previsão de que essa espécie de deslocamento (remoção) somente ocorrerá no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede.
Em uma primeira análise, seria possível cogitar que a norma impediria a remoção de professores entre Universidades Federais distintas, uma vez que, à primeira vista, pode-se pensar que cada instituição possui um quadro de pessoal próprio e que o ingresso em um deles exige a aprovação em concurso público. Contudo, esta não é a interpretação adotada por parcela majoritária dos Tribunais brasileiros.
Explica-se.
Sem dúvidas, a interpretação de que a remoção de professores seria vedada no âmbito das universidades federais impactaria sobremaneira a finalidade do instituto da remoção para acompanhamento de cônjuge/companheiro, previsto no artigo 36 justamente para fazer frente à discricionariedade (legítima, diga-se de passagem) da Administração Pública em deslocar os seus servidores para assegurar o interesse público.
Imagine-se a situação de um casal de servidores públicos em que um dos cônjuges é deslocado (por redistribuição ou remoção ex officio) para outro ponto do território nacional. Em tese, não haveria dúvidas sobre o surgimento ao outro cônjuge do direito de acompanhar. Contudo, se o cônjuge do servidor deslocado for professor universitário, a depender do local para o qual houve o deslocamento, o professor estaria impossibilitado de acompanhá-lo se se aplicasse o entendimento de que cada instituição federal de ensino possui um quadro de pessoal próprio.
Em atenção a essa peculiaridade, a jurisprudência pátria se consolidou no sentido de que “O cargo de professora de Universidade Federal pode e deve ser interpretado, ainda que unicamente para fins de aplicação do art. 36, § 2º, da Lei 8.112/1990, como pertencente a um quadro de professores federais, vinculado ao Ministério da Educação”[4].
O entendimento majoritário dos Tribunais brasileiros, entre eles o Superior Tribunal de Justiça (STJ), responsável pela uniformização da intepretação das leis federais, é de que o professor universitário, casado com servidor público federal que foi deslocado no interesse da Administração, pode ser removido para outra instituição de ensino, pois o cargo de professor universitário pertence a um quadro único de professores federais, vinculado ao Ministério da Educação (MEC), ainda que para fins exclusivamente do instituto da remoção, cf. artigo 36 da Lei nº 8.112/1990.
Nesse sentido, para que um professor universitário seja removido para acompanhar cônjuge, é preciso preencher os seguintes requisitos: (1) existência de um vínculo matrimonial, ou equivalente, (2) ambos os cônjuges/companheiros devem ser servidores públicos e (3) o deslocamento do cônjuge deve ter sido realizado no interesse da Administração. Atendidas estas exigências legais, é plenamente possível que um professor de instituição federal de ensino seja removido para outra, eis que a interpretação mais aceita nos Tribunais é a de que esse cargo pertence a um quadro único de professores federais vinculado ao MEC.
Ocorre que esse entendimento não é compartilhado pelas instituições de ensino, as quais não estão, é verdade, vinculadas à jurisprudência do Poder Judiciário, uma vez que, regra geral, a esfera administrativa é autônoma da judicial. Além disso, o próprio Ministério da Educação possui normativas internas que vedam a remoção de professores entre universidades distintas. Invariavelmente, esta discussão acaba sendo levada aos montes para o Poder Judiciário, que passa a ter a palavra final do caso concreto.
Recentemente, no fim do mês de junho de 2020, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) deu provimento a um recurso interposto e reconheceu expressamente a possibilidade de remover professor entre universidades distintas, pois a interpretação mais correta é a de que o cargo pertence a um mesmo quadro vinculado ao Ministério da Educação. Confira-se a ementa do julgado, no qual tive a honra de participar como advogado da causa:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR PÚBLICO. REMOÇÃO PARA ACOMPANHAMENTO DE CÔNJUGE. DEFERIMENTO DA TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA REQUERIDA. PRESENÇA DOS REQUISITOS. RECURSO PROVIDO. […]
3. No caso dos autos, há fumus boni iuris, porquanto o cargo de professor de Universidade Federal pode e deve ser interpretado como pertencente a um mesmo quadro de professores federais, vinculado ao Ministério da Educação, ainda que unicamente para fins de aplicação do artigo 36 da Lei n. 8.112/90. Precedentes.
4. O risco de dano também se faz presente, na medida em que a decisão inicial de concessão da tutela de urgência foi reconsiderada quase um ano após a agravante ser lotada em cargo efetivo de professor no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília, como consequência da remoção autorizada.
5. Presentes os requisitos ensejadores da concessão da tutela provisória de urgência, no caso. Precedente.
6. Agravo de instrumento provido.[5]
Assim, a partir do entendimento de que professores de instituições federais de ensino distintas pertencem a um quadro único de professores federais, vinculado ao MEC, torna-se pleno o atendimento do requisito, previsto no artigo 36 da Lei nº 8.112/1990, de que a remoção só pode ocorrer no âmbito do mesmo quadro. Entretanto, como visto, é incomum a aplicação voluntária deste entendimento pela Administração Pública, sendo necessária, muitas vezes, a propositura de ação judicial para concretizar o direito de ser removido para acompanhar cônjuge.
[1] Eduardo Schiefler – Advogado no escritório Schiefler Advocacia. Mestrando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Integrante do Grupo de Estudos em Direito Público (GEDIP/UFSC). Integrante do Grupo de Pesquisa em Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial (DRIA.UnB). Autor do livro “Processo Administrativo Eletrônico” (2019) e de artigos acadêmicos, especialmente na área de Direito Administrativo e Tecnologia.
[2] Para além do direito de ser removido para acompanhar cônjuge, o deslocamento também gera o direito de obter licença por motivo de afastamento de cônjuge, previsto no artigo 84 da Lei Federal nº 8.112/1990. Cf. Servidor Público cujo cônjuge foi deslocado possui direito à licença (https://schiefler.adv.br/servidor-publico-cujo-conjuge-foi-deslocado-possui-direito-a-licenca/).
[3] Art. 36. Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede.
Parágrafo único. Para fins do disposto neste artigo, entende-se por modalidades de remoção: […]
III – a pedido, para outra localidade, independentemente do interesse da Administração:
a) para acompanhar cônjuge ou companheiro, também servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que foi deslocado no interesse da Administração;
[4] STJ, REsp 1833604/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/10/2019.
[5] TRF-3, AI 5031708-94.2019.4.03.0000. Relator Desembargador Federal Hélio Nogueira. Publicado em 30/06/2020.
Read MoreA Corte decidiu que, nas hipóteses em que o certame for organizado por entidade privada, a Administração Pública possui responsabilidade subsidiária e poderá arcar com os danos em caso de insolvência da organizadora do certame.
No final de junho de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) apreciou o Recurso Extraordinário nº 662.405 e prolatou acórdão paradigma para fixação da tese com repercussão geral do Tema nº 512. Na oportunidade, foi reconhecida a responsabilidade civil subsidiária do Estado frente a danos causados a candidatos de concursos públicos realizados por pessoa jurídica de direito privado, em caso de cancelamento do certame por indício de fraude.
Em outras palavras, o STF decidiu que, quando o certame tiver sido organizado por entidade privada, a Administração Pública possui responsabilidade subsidiária pelos danos causados a candidatos na hipótese de cancelamento decorrente de indícios de fraude.
No caso analisado pela Corte, a União Federal, por meio de pessoa jurídica de direito privado, organizou o certame público para a Polícia Rodoviária Federal. No entanto, o certame foi cancelado um dia antes de sua realização por meio de um ato administrativo praticado em consideração a uma recomendação do Ministério Público Federal, uma vez que havia indício de fraude.
Embora necessário, o cancelamento resultou em danos materiais aos candidatos, especialmente em relação aos gastos com inscrição e deslocamento, o que motivou o ajuizamento de ação de reparação civil. Diante disso, reconhecido o dano injusto, gerou-se a controvérsia: quem deve indenizar os candidatos, o Estado ou a entidade privada?
A Turma Recursal da Seção Judiciária de Alagoas, no caso concreto, atribuiu a responsabilidade à União, pois reconheceu a presença simultânea dos requisitos ensejadores da responsabilidade: “(i) à consumação do dano patrimonial do candidato inscrito no certame anulado, (ii) à conduta da Administração Pública que anulou o concurso em razão de indício de fraude, (iii) ao vínculo causal entre o evento danoso e o ato administrativo e (iv) à ausência de qualquer causa excludente de que pudesse eventualmente decorrer a exoneração da responsabilidade civil do Estado”.
Diante desta decisão, a União Federal interpôs recurso extraordinário para o fim de exonerar integralmente a sua responsabilidade, atribuindo-a somente à pessoa jurídica de direito privado responsável, em contrato, pela execução do concurso público. No caso do reconhecimento da sua responsabilidade, requereu que fosse reconhecida apenas de forma subsidiária.
Neste contexto, o Ministro Luiz Fux, relator do caso, deu provimento ao recurso, para o fim de reconhecer a responsabilidade da União, na modalidade objetiva, como previsto no artigo 37 da Constituição Federal, mas de forma subsidiária. Deste modo, a Administração Pública deve ressarcir os danos somente em caso de insolvência da entidade privada responsável pelo concurso público, esta sim responsável de forma primária.
O Relator, distinguindo a teoria do risco integral da teoria do risco administrativo, adotada no ordenamento jurídico brasileiro, reconheceu que é “juridicamente possível a oposição de causas excludentes do nexo de causalidade e exoneradoras de responsabilização pelo ente público”, o que difere da análise do elemento subjetivo (culpa ou dolo), inaplicável aos casos em que há exercício de função pública, nos quais se aplica a responsabilidade objetiva.
No caso julgado, foi reconhecida a aplicação da responsabilidade objetiva, uma vez que a realização de concurso público é função pública. Assim, para reconhecimento do direito indenizatório, cabe à parte demonstrar “a configuração dos elementos indispensáveis à responsabilização: conduta, dano e nexo de causalidade entre o dano e a conduta”, todos presentes no caso concreto.
Nas hipóteses em que a prestação do serviço público é atribuída a ente privado, que detém “personalidade jurídica, patrimônio e capacidade próprios”, ele deve responder primariamente pelos danos causados pela violação de suas obrigações contratuais. Foi o que reconheceu o Ministro Fux. Por outro lado, o relator não exonerou integralmente a Administração Pública, mas atribuiu a ela somente o dever indenizatório no caso de insolvência da entidade privada.
Em voto divergente, o Ministro Alexandre de Moraes argumentou pela exclusão integral da responsabilidade da Administração Pública. Isso porque, no seu entendimento, não ficou demonstrado, nos termos da teoria da causalidade direta, que a Administração Pública foi o agente causador do dano. Pelo contrário, nos termos do voto divergente, o Ministro constatou que a única responsável pelo resultado danoso foi o ente privado ao descumprir suas obrigações contratuais de preservação da integridade do certame. Portanto, o ente privado deveria responder exclusivamente pelo prejuízo causado.
Por maioria apertada, de 6 a 5, venceu a tese do Ministro Fux, fixada para nortear os julgamentos futuros:
“O Estado responde subsidiariamente por danos materiais causados a candidatos em concurso público organizado por pessoa jurídica de direito privado (art. 37, § 6º, da CRFB/88), quando os exames são cancelados por indícios de fraude”.
Com esta tese, os candidatos passam a ter maior segurança de que, ainda que a entidade responsável pela realização do certame não tenha condição financeira de arcar com o prejuízo que lhes foi causado pelo cancelamento do certame por conta de indícios de fraude, ainda poderão ser ressarcidos pela própria Administração Pública, que possui responsabilidade subsidiária.
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Read MoreSe for tornada sem efeito a nomeação de candidato mais bem classificado e dentro do número de vagas, os candidatos subsequentes deverão ser nomeados, pois a sua mera expectativa se convolará em direito subjetivo à nomeação.
Giovanna Gamba[1]
Eduarda Militz[2]
Os concursos públicos, como se sabe, são regidos por Edital próprio que estabelece todas as regras e condições para o acontecimento do certame. As fases do concurso, os critérios de avaliação, o conteúdo das questões e o número de vagas ofertadas são alguns dos dispositivos previstos nesse documento.
Nesse sentido, os candidatos, quando aprovados no concurso público, podem se classificar dentro das vagas previstas para provimento imediato e, também, nas vagas para cadastro de reserva. Aqueles que se classificarem dentro do número de vagas terão direito subjetivo à nomeação e serão, em regra, nomeados pela Administração Pública até o fim do prazo de validade do certame. Já aqueles classificados fora do número de vagas, ou seja, em cadastro de reserva, terão mera expectativa de direito.
Eventualmente, e por razões diversas, alguns candidatos aprovados dentro do número de vagas e efetivamente nomeados têm sua posse não perfectibilizada, seja por opção dos próprios candidatos (desistência), seja por decisão administrativa, como o não preenchimento dos requisitos do edital. Nesses casos, a nomeação é tornada sem efeito e a vaga deve ser preenchida pelos candidatos aprovados nas classificações seguintes.
Se o candidato subsequente àquele que teve a nomeação tornada sem efeito estava, inicialmente, classificado fora do número de vagas previsto, a mera expectativa de direito se convola em direito subjetivo à nomeação, dada a necessidade inequívoca da Administração de preencher a vaga em aberto, necessidade esta manifestada pela convocação do candidato que acabou não sendo nomeado.
Ou seja, na hipótese de desistência (ou qualquer outro motivo que torne sem efeito a nomeação) de candidatos mais bem classificados e dentro do número de vagas em concurso público, os próximos candidatos da lista classificatória têm direito subjetivo à nomeação.
Este entendimento é predominante na jurisprudência pátria. Em caso julgado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) houve, inclusive, a desistência de mais de um candidato, e ainda assim, sucessivamente, houve preenchimento das vagas subsequentes. Veja:
No caso dos autos, essa é a hipótese. Os documentos dos autos demonstram que a parte autora concorreu ao cargo de técnico de suporte administrativo para a região de Ribeirão Preto – SP, para o qual foi disponibilizada uma vaga, conforme edital (fl. 40 da inicial). Nesse certame, o autor foi aprovado em quinto lugar, tendo os quatro candidatos anteriores renunciado ao cargo. Nesse sentido, malgrado a renúncia do quarto colocado ter sido feita poucos dias antes da expiração do concurso, a requerida não justifica o fato de ter demorado tanto para iniciar os procedimentos de convocação e posse. Essa circunstância, pois, enquadra-se na mesma situação dos precedentes acima mencionados, pois “devidamente comprovado que os recorrentes foram aprovados dentro do número de vagas existentes no edital do concurso e que, expirado o prazo de validade do certame, não foram nomeados, nem houve, por parte da Administração, a declinação de motivos supervenientes de excepcional circunstância para não fazê-lo, impõe-se o acolhimento da pretensão recursal” (RMS 26.013/MS).[3]
Isso ocorre porque, uma vez que o edital do concurso público é lançado, com a previsão de um número determinado de vagas, cria-se uma expectativa legítima para com os candidatos de que haverá número de posses em conformidade com o número de vagas já previamente estabelecido. Além disso, há presunção de que todos os custos para realização de certame são justificados com o provimento de novos cargos em conformidade com a necessidade manifestada pela Administração, de modo que os cargos de provimento efetivo, previstos no edital do concurso, deverão ser preenchidos durante o prazo de vigência do certame, havendo candidatos aprovados. É o que esclarece o Supremo Tribunal Federal (STF) no julgado abaixo:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. DESISTÊNCIA DE CANDIDATO CONVOCADO PARA PREENCHIMENTO DE VAGA PREVISTA NO EDITAL. DIREITO SUBJETIVO DO CANDIDATO CLASSIFICADO IMEDIATAMENTE APÓS. EXISTÊNCIA. DEMONSTRAÇÃO DA NECESSIDADE E DO INTERESSE DA ADMINISTRAÇÃO.
1. A desistência de candidatos aprovados dentro do número de vagas previsto no edital do certame resulta em direito do próximo classificado à convocação para a posse ou para a próxima fase do concurso, conforme o caso.
2. É que a necessidade e o interesse da administração no preenchimento dos cargos ofertados está estabelecida no edital de abertura do concurso e a convocação do candidato que, logo após desiste, comprova a necessidade de convocação do próximo candidato na ordem de classificação. A repeito: RE 643674 AgR, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe-168; ARE 675202 AgR, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe-164. 3. Agravo regimental não provido.[4]
Nesse sentido, destaca-se no posicionamento dos Tribunais tanto a defesa da expectativa dos candidatos criada pelo Edital do concurso, no sentido da obrigatoriedade, em regra, do preenchimento das vagas previstas pela Administração, quanto a defesa do interesse da própria Administração Pública de fazer valer os gastos com o lançamento e gerenciamento do certame, de modo a satisfazer a necessidade identificada pelo órgão quando do planejamento do concurso público.
Assim, o candidato que se encontra nessa situação (qual seja, de aprovado fora do número de vagas, mas que, com as nomeações de candidatos mais bem classificados não perfectibilizadas, passou a figurar dentro das vagas previstas no edital), poderá pleitear a sua nomeação por meio de uma ação judicial – ou até mesmo por um requerimento administrativo apresentado diretamente ao órgão/entidade administrativa.
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Na ausência de candidato aprovado para vaga de pessoa com deficiência (PCD), o próximo candidato da ampla concorrência deve ser nomeado
Quais os critérios para aplicação de exame psicotécnico em concursos públicos?
[1] Giovanna Gamba – Advogada no escritório Schiefler Advocacia. Mestranda em direito do estado na USP, bolsista da University Studies Abroad Consortium para intercâmbio na Universidade de Nevada, Estados Unidos, e monitora do programa FGV Law.
[2] Eduarda Militz – Estagiária no escritório Schiefler Advocacia. Graduanda, atualmente na quarta fase, do curso de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. Foi assessora e gerente na Empresa Júnior de Direito Locus Iuris.
[3] TRF-3 – RI: 00031961320154036311 SP, Relator: JUIZ(A) FEDERAL ANGELA CRISTINA MONTEIRO, Data de Julgamento: 07/02/2019, 4ª TURMA RECURSAL DE SÃO PAULO, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial DATA: 14/02/2019
[4] STJ, AgRg no RMS 48.266/TO, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/08/2015
Read MoreAs duas Ações de Investigação Judicial Eleitoral que pleiteiam a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão foram propostas durante o processo eleitoral de 2018, e passam agora pela análise do Tribunal Superior Eleitoral.
Eduardo de Carvalho Rêgo[1]
Marcelo John Cota de Araújo Filho[2]
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) está atualmente a se debruçar sobre duas ações judiciais (Ações de Investigação Judicial Eleitoral nº 0601369-44.2018.6.00.000 e nº 0601401-49.2018.6.00.0000) que pleiteiam a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão, chapa esta que, como se sabe, saiu vencedora nas eleições de 2018 para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República.
As ações foram ajuizadas – em meio ao processo eleitoral de 2018 – pelas coligações partidárias lideradas por Guilherme Boulos e Marina Silva e têm por objeto averiguar se a chapa encabeçada pelo atual Presidente da República teria sido beneficiada pelo ataque hacker a um grupo de Facebook nomeado “Mulheres Unidas contra Bolsonaro”, que reunia 2,7 milhões de participantes. Após o ataque, o grupo teve seu nome alterado para “Mulheres COM Bolsonaro #17” e passou a veicular material de apoio ao então candidato. Discute-se, em síntese, se houve um suposto abuso eleitoral, com a participação ativa do beneficiado no ataque hacker.
O relator do caso, Ministro Og Fernandes, havia votado pela improcedência da ação, em novembro de 2019. Na sequência, o Ministro Edson Fachin se posicionou a favor de uma rodada de produção de provas. E, na sessão do dia 09 de junho de 2020, o Ministro Alexandre de Moraes pediu vista dos autos, deixando o julgamento em suspenso.
Mas o que aconteceria se as ações fossem procedentes?
O procedimento a ser adotado em caso de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão é definido pelo art. 81 da Constituição Federal:
Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.
§1º Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.
§2º Em qualquer dos casos, os eleitos deverão completar o período de seus antecessores.
Da leitura do dispositivo, conclui-se que, em caso de vacância dos cargos de Presidente e Vice-Presidente nos dois primeiros anos do mandato (situação que perdurará, no caso concreto, até dezembro de 2020), seria necessária a realização de novas eleições em até noventa dias após a vacância da última vaga. Por outro lado, caso a vacância ocorresse nos últimos dois anos do atual mandato (de janeiro de 2021 a dezembro de 2022), seria necessária a realização de eleição indireta para ambos os cargos, pelo Congresso Nacional, em até trinta dias após a vacância do último cargo.
Com efeito, o julgamento de procedência das ações ainda no ano de 2020 provocaria um inusitado problema: a dificuldade de realização de eleições em meio à pandemia da Covid-19, algo que já está a ocupar o Congresso Nacional nas últimas semanas, tendo em vista que 2020 é ano de eleições municipais.[3]
Por sua vez, o julgamento de procedência das ações nos dois últimos anos do mandato provocaria a realização de eleições indiretas pelo Congresso Nacional, que se daria da seguinte forma: dentre os cidadãos elegíveis que tenham lançado a sua candidatura para o novo pleito, os 594 parlamentares selecionariam o novo Presidente e Vice-Presidente da República. Embora prevista na Constituição Federal, tal situação seria indesejável em termos democráticos, tendo em vista que, numa eleição desse tipo, o jogo de influências e de interesses poderia prevalecer, em detrimento de uma escolha republicana.
De toda forma, independentemente da modalidade aplicada para o possível preenchimento das vagas, certamente estar-se-á diante de severa turbulência institucional, uma vez que o atual Governo não parece estar receptivo a qualquer resultado que não a sumária improcedência das duas ações.
Nesse sentido, é relevante anotar que, nos últimos tempos, o próprio Presidente da República tem se insurgido contra algumas decisões tomadas pelo Poder Judiciário, chegando a dizer em oportunidade anterior que “ordens absurdas não se cumprem”[4]. E, especificamente sobre as duas ações que tramitam contra ele no TSE, afirmou recentemente que o seu julgamento é inadmissível e que os processos já deveriam ter sido arquivados. Em nítida alusão à fala do Ministro da Secretaria de Governo, General Luiz Eduardo Ramos[5], Bolsonaro afirmou que o simples processamento das ações equivale a “começar a esticar a corda”.[6]
Diante desse cenário, o TSE está diante de uma delicada situação, que pode dar ensejo à tentativa de rompimento institucional. Porém, instado a se manifestar sobre tal risco no programa Roda Vida, da TV Cultura, que foi ao ar no último dia 15 de junho[7], o Ministro Barroso foi claro ao expressar o seu posicionamento, no sentido de que o TSE não irá se acovardar: “nós [TSE] faremos o que é certo dentro do Direito, porque nós somos atores institucionais, e não atores políticos. O que tiver que ser feito, vai ser feito”.
Resta, então, aguardar os desdobramentos dos fatos.
[1] Advogado. Coordenador das Unidades de Direito Constitucional e de Direito Eleitoral no Escritório Schiefler Advocacia (www.schiefler.adv.br). Doutor em Direito, Política e Sociedade e Mestre em Teoria, História e Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Especialista em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL); Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).
[2] Estagiário de Direito no Escritório Schiefler Advocacia (www.schiefler.adv.br). Graduando em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Foi Assessor da Presidência e consultor de Negócios da Magna Empresa Júnior, além de representante discente do Conselho da Faculdade de Direito (CONFADIR), da UFU.
[3] Como se sabe, o atual Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro Luís Roberto Barroso, já iniciou conversas no sentido de adiar as eleições municipais que estavam originalmente marcadas para o mês de outubro de 2020. Em sua conta oficial na rede social twitter, o Ministro informou que o Senado começará a votar na data de hoje (23/06/2020) a PEC sobre o adiamento das eleições. Acesso em 23 de junho de 2020.
[4] A declaração foi dada um dia depois da deflagração de operação realizada pela Polícia Federal contra a disseminação de Fake News, cujo alvo foram vários de seus apoiadores políticos. A propósito, cf. Acesso em 22 de junho de 2020.
[5] Em resposta a um questionamento da Revista Veja, sobre um possível golpe militar no Brasil, o General Luiz Eduardo Ramos declarou que o Governo não considera tal hipótese, mas que, por outro lado, é importante a oposição “não esticar a corda”. Acesso em 22 de junho de 2020.
[6] Disponível em: Bolsonaro diz que processo no TSE que pode cassar chapa presidencial é ‘começar a esticar a corda’. Acesso em 22 de junho de 2020.
[7] A íntegra da entrevista está disponível no canal do programa Roda Viva no YouTube. Acesso em 22 de junho de 2020.
Read MoreMesmo no caso de reconhecimento de vício que impeça o Congresso Nacional de apreciar o seu mérito, isso deve ser feito sempre de forma colegiada, e nunca por meio da atuação individualizada do Presidente do Congresso Nacional.
Eduardo de Carvalho Rêgo[1]
Matheus Lopes Dezan[2]
No último dia 12 de junho, o Presidente do Congresso Nacional, Senador Davi Alcolumbre, devolveu à Presidência da República a Medida Provisória n° 979/2020, que conferiu ao Ministro da Educação a prerrogativa de nomear livremente, em caráter pro tempore, os Reitores de instituições do Sistema Federal de Ensino, pelo período em que durar a pandemia da Covid-19. A MP em questão relativizou a norma anteriormente em vigor, que limitava a escolha, a ser sempre realizada pelo Presidente da República, aos nomes constantes em listas tríplices elaboradas pelos colegiados máximos de cada instituição.
Ao justificar a sua decisão, o Senador Alcolumbre publicou mensagem na rede social twitter, destacando que o texto da MP nº 979/2020 violaria os princípios constitucionais da autonomia e da gestão democrática das universidades (art. 207 da Constituição Federal), de modo que não mereceria ser processado pelo Congresso Nacional mediante o rito previsto no art. 62, CF.
De fato, o texto enviado pela Presidência da República possuía problemas no que se refere à democracia universitária. Porém, a devolução de medidas provisórias à Presidência da República não está contemplada no aludido art. 62. Ao contrário, a Constituição é explícita no sentido de conferir eficácia ao ato normativo editado monocraticamente pelo Presidente da República desde a sua origem, exceto se não forem convertidos em lei no devido prazo e desde que o Congresso Nacional edite decreto legislativo disciplinando as relações jurídicas deles decorrentes (§ 3º c/c § 11 do art. 62 da CF).
Há ainda uma outra possibilidade de “rejeição” preliminar de medidas provisórias, isto é, sem a análise do seu mérito. O § 5º do art. 62 determina que “A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais”. Tal regra deve ser lida em conjunto com a previsão constante no § 9º do mesmo art. 62: “Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional”.
A regulamentação de tais dispositivos está contemplada na Resolução nº 01/2002, do Congresso Nacional, que “Dispõe sobre a apreciação, pelo Congresso Nacional, das Medidas Provisórias a que se refere o art. 62 da Constituição Federal, e dá outras providências”.
No art. 2º, a Resolução determina que, após a publicação de medida provisória, a primeira providência a ser tomada pelo Presidente da Mesa do Congresso Nacional é a designação de comissão mista para emitir parecer sobre ela. E, no art. 8º, resta claro que, preliminarmente ao exame de mérito da MP (do qual trata o § 5º do art. 62 da CF), os Plenários do Senado e da Câmara dos Deputados deverão empreender análise sobre “o atendimento ou não dos pressupostos constitucionais de relevância e urgência de Medida Provisória ou de sua inadequação financeira ou orçamentária […] para, ato contínuo, se for o caso, deliberar sobre o mérito”.
Ou seja: mesmo no caso de rejeição preliminar de medida provisória, isto é, do reconhecimento de vício que impeça o Congresso Nacional de apreciar o seu mérito, isso deve ser feito sempre de forma colegiada, e nunca por meio da atuação individualizada do Presidente do Congresso Nacional.
No caso da devolução da Medida Provisória nº 979/2020, não houve rejeição preliminar (portanto, sem análise de mérito) por parte dos Plenários do Senado e da Câmara dos Deputados. Houve, ao contrário, uma iniciativa pessoal do Presidente do Congresso Nacional e com base em análise de mérito, já que ficou assentado por ele a ofensa ao art. 207 da Constituição Federal.
Ao fundamentar a devolução, o Presidente do Congresso Nacional fez alusão ao art. 48, II e XI, do Regimento Interno do Senado, que assim dispõem:
Art. 48. Ao Presidente compete:
[…]
II – velar pelo respeito às prerrogativas do Senado e às imunidades dos Senadores;
[…]
XI – impugnar as proposições que lhe pareçam contrárias à Constituição, às leis, ou a este Regimento, ressalvado ao autor recurso para o Plenário, que decidirá após audiência da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania;
Com fulcro nos mesmos dispositivos, o expediente da devolução de Medida Provisória já havia sido utilizado por outros Presidentes do Congresso Nacional. O Senador José Ignácio Ferreira devolveu a MP nº 33/1989, que dispensava servidores e que extinguia cargos públicos, ao Presidente José Sarney. A justificativa utilizada pelo Presidente do Congresso Nacional foi a de que a normatização da matéria em comento era de competência exclusiva do chefe do Poder Executivo, de modo a não incidir o mandamento constitucional de apreciação pelo Poder Legislativo.
Na sequência, o Senador Garibaldi Alves Filho devolveu à Presidência da República a MP n° 446/2008, que “Dispõe sobre a certificação das entidades beneficentes de assistência social, regula os procedimentos de isenção de contribuição para a seguridade social, e dá outras providências”. Na ocasião, o Senador alegou que era inconstitucional a MP por não atender aos requisitos fundamentais de relevância e de urgência.
Mais recentemente, o Senador Renan Calheiros devolveu a MP n° 669/2015 à Presidente Dilma Rousseff. Sua motivação foi um suposto abuso, por parte do Poder Executivo, de edição de medidas provisórias sem relevância e urgência. Conforme deixou salientado em manifestação posterior, a edição de MPs deve ser medida excepcional e de uso comedido.
No ano passado, mais precisamente em junho de 2019, o próprio Senador Alcolumbre já havia devolvido ao Presidente da República parte da MP nº 886/2019, também com base nos incisos II e XI do art. 48 do Regimento Interno do Senado.
Embora engenhosa, a interpretação adotada pelo atual Presidente do Congresso Nacional, sobretudo no que se refere ao inciso XI do art. 48 do Regimento Interno do Senado, parece colidir frontalmente com a Constituição Federal, por duas razões: (i) trata as medidas provisórias como meras proposições legislativas; e (ii) cria a extravagante possibilidade de um controle abstrato de constitucionalidade simplificado e não previsto na Constituição Federal.
No que diz respeito à primeira razão, convém destacar que as medidas provisórias são instrumentos com força de lei postos à disposição do Presidente da República para tratar de matérias relevantes e urgentes, que não podem aguardar o desenrolar do processo legislativo ordinário. Em certo sentido, a edição de medidas provisórias é uma prerrogativa do Presidente da República, que, em casos excepcionais, exerce temporariamente a função legislativa no lugar do Congresso Nacional.
Por ser assim, é equivocado interpretar as medidas provisórias como meras proposições legislativas, eis que estas não possuem força de lei. A medida provisória, como dito, é lei para todos os efeitos, somente podendo ser rejeitada nas hipóteses previstas no art. 62 da Constituição Federal. E, ainda assim, há hipóteses em que a sua rejeição não significa a sua invalidade desde a origem, nos termos do § 11 do art. 62 da CF: “Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas”.
Quanto à segunda razão, que decorre do equívoco interpretativo acima mencionado, destaca-se a possível usurpação do exercício do controle abstrato de constitucionalidade, cuja competência, na hipótese, seria exclusivamente do Supremo Tribunal Federal.
Como dito, as medidas provisórias editadas pelo Presidente da República possuem força de lei (art. 62, caput, CF). Sendo assim, o método adequado para a sua impugnação é a ação direta de inconstitucionalidade, prevista no art. 102, I, a, da Constituição Federal: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe processar e julgar, originariamente, a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal”.
Na prática, ao devolver a MP nº 979/2020 à Presidência da República, o Presidente do Congresso Nacional encampou nova modalidade de controle abstrato de constitucionalidade, não judicial (eis que exercida pelo Parlamento), simplificada (uma vez que veiculada por meio de ato declaratório com apenas um parágrafo) e monocrática (assinada pelo Presidente da Mesa do Congresso Nacional).
E, uma vez que o Presidente da República optou por revogar o ato normativo após a sua devolução pelo Presidente do Congresso Nacional, retirou-se do Supremo Tribunal Federal a última palavra sobre a interpretação constitucional da MP nº 979/2020, o que seria de direito.
Agora, dado que o tema foi aparentemente superado, paira no ar a sensação de que tudo foi resolvido no âmbito da política e não necessariamente no âmbito do Direito. Dadas as inconstitucionalidades presentes no texto da MP nº 979/2020, perdeu-se a oportunidade de ver o Supremo Tribunal Federal fixar o entendimento sobre a autonomia e a gestão democrática das universidades, no exercício de sua competência constitucional de guarda da Constituição.
No fim das contas, não deixa de ser irônico que, com vistas ao combate de um ato notoriamente antidemocrático e inconstitucional, o Presidente do Congresso Nacional tenha atuado por meio de expediente eivado dos mesmos vícios, isto é, igualmente antidemocrático e inconstitucional.
[1] Eduardo de Carvalho Rêgo – Advogado. Coordenador das Unidades de Direito Constitucional e de Direito Eleitoral no Escritório Schiefler Advocacia (www.schiefler.adv.br). Doutor em Direito, Política e Sociedade e Mestre em Teoria, História e Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Especialista em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL); Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).
[2] Matheus Lopes Dezan – Estagiário de Direito no Escritório Schiefler Advocacia (www.schiefler.adv.br). Bacharelando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Membro do “Laboratório de Políticas Públicas e Internet” (LAPIN). Membro do Grupo de Pesquisa “Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial” (DRIA). Membro do Grupo de Pesquisa “Bioethik: estudos em bioética” (UFES).
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