Saiba desde quando a Nova Lei de Licitações (Lei n.º 14.133/2021) está vigente e quando deixarão de ter vigência e vigor as normas substituídas
Em 1º de abril de 2021, foi sancionada e publicada, com vetos, a Lei n.º 14.133, usualmente denominada de a nova Lei de Licitações e de Contratos Administrativos. A nova Lei de Licitações e de Contratos Administrativos promove um sem-número de alterações sobre as normas jurídicas que concernem a licitações e a contratos públicos, instituindo um novo regime jurídico.
Para o propósito deste artigo, importa saber desde quando a Lei n.º 14.133/2021 está vigente, e quando deixarão de ter vigência e vigor as normas substituídas[1]. Assim prescreve a Lei:
Art. 190. O contrato cujo instrumento tenha sido assinado antes da entrada em vigor desta Lei continuará a ser regido de acordo com as regras previstas na legislação revogada.
Art. 191. Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 193, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso.
Parágrafo único. Na hipótese do caput deste artigo, se a Administração optar por licitar de acordo com as leis citadas no inciso II do caput do art. 193 desta Lei, o contrato respectivo será regido pelas regras nelas previstas durante toda a sua vigência.
[…]
Art. 193. Revogam-se:
I – os arts. 89 a 108 da Lei nº. 8.666, de 21 de junho de 1993, na data de publicação desta Lei;
II – a Lei nº. 8.666, de 21 de junho de 1993, a Lei nº. 10.520, de 17 de julho de 2002, e os arts. 1º a 47-A da Lei nº. 12.462, de 4 de agosto de 2011, após decorridos 2 (dois) anos da publicação oficial desta Lei.
Art. 194. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Por força do seu artigo 194, a nova Lei de Licitações e de Contratos Públicos vigora desde a data em que for publicada. A Lei, desse modo, vigora desde 1º de abril de 2021, data em que foi sancionada e publicada.
Em atenção à finalidade de substituição de regime jurídico que se depreende da nova Lei de Licitações e de Contratos Administrativos, que ocupará o espaço historicamente ocupado pelas Leis n.º 8.666 (antiga Lei de Licitações e de Contratos Administrativos), n.º 10.520 (Lei do Pregão) e n.º 12.462/2011 (Lei do Regime Diferenciado de Contratações Públicas), o artigo 193 da Lei, com amparo dos artigos 190 e 191 do mesmo diploma, cuida de revogar as leis do regime em processo de substituição de forma expressa por derrogação (revogação parcial) e por ab-rogação (revogação total)[2].
Os artigos 89 a 108 da Lei n.º 8.666/1993, que versam sobre Direito Penal, foram revogados na data em que foi publicada a nova Lei de Licitações e de Contratos Públicos, em razão do seu artigo 193, inciso I.
Diferentemente, os demais artigos da Lei n.º 8.666/1993, a Lei n.º 10.520/2002 e os artigos 1º a 47-A da Lei n.º 12.462/2011 serão revogados após o transcurso de dois anos contados a partir da data de publicação da nova Lei de Licitações e de Contratos Públicos, em razão do seu artigo 193, inciso II.
Como corolário, à exceção dos artigos 89 a 108 da Lei n.º 8.666/1993, revogados em 1º de abril de 2021, os demais artigos da Lei n.º 8.666/1993, a Lei n.º 10.520/2002 e os artigos 1º a 47-A da Lei n.º 12.462/2011 serão revogados em 3 de abril de 2023.
A data correta de revogação é 3 de abril de 2023 porque i) os prazos a que se refere a nova Lei devem ser contados com a exclusão do dia do começo e inclusão do dia do vencimento, ii) os prazos expressos em anos serão computados de data a data e iii) considera-se a data de vencimento do prazo prorrogada até o primeiro dia útil seguinte em caso de não haver expediente, de o expediente ser encerrado antes da hora normal ou de haver indisponibilidade da comunicação eletrônica no dia do vencimento do prazo (artigo 183, II, § 2º, da nova Lei de Licitações e de Contratos Públicos).
Assim, a Lei n.º 14.133/2021, publicada em 1.º de abril de 2021, vige desde então, mas, derradeiramente, considerando que não há expediente no dia 2 de abril de 2023, dia de domingo, os artigos 89 a 108 da Lei n.º 8.666/1993, a Lei n.º 10.520/2002 e os artigos 1.º a 47-A da Lei n.º 12.462/2011 deixarão de viger em concomitância com a Lei n.º 14.133/2021 no dia no dia 3 de abril de 2023, segunda-feira, primeiro dia útil subsequente ao dia 2 de abril de 2023.
Durante esses dois anos, a Lei n.º 14.133/2021 vigorará em conjunto com a Lei n.º 8.666/1993, com a Lei n.º 10.520/2002 e com Lei n.º 12.462/2011, de modo que competirá à Administração Pública optar, discricionariamente, a cada licitação ou contratação direta, por aquela lei ou por estas, de acordo com o artigo 191 da nova Lei de Licitações e de Contratos Públicos. Para tanto, a Administração Pública deve registrar, de forma expressa no instrumento convocatório ou de contratação direta, a opção pela Lei n.º 14.133/2021 ou pelas Leis n.º 8.666/1993, n.º 10.520/2002 e n.º 12.462/2011, sendo vedado combinar a aplicação daquela lei com estas.
De todo modo, os contratos administrativos disciplinados por lei diversa da Lei n.º 14.133/2021 serão regidos por essas leis durante toda a sua vigência, mesmo em caso de prorrogação contratual após 3 de abril de 2023, em acordo com os artigos 190 e 191, parágrafo único, da nova Lei de Licitações e de Contratos Públicos. Manifesta-se, então, o fenômeno da ultratividade da lei revogada, de acordo com o qual a lei revogada produz efeitos, isto é, vigora, ainda que não vija.
Assim, tem-se que: i) a nova Lei de Licitações vige e vigora desde 1º de abril de 2021 (art. 194); ii) revogaram-se em 1º de abril de 2021 os artigos 89 a 108 da Lei n.º 8.666/1993 (art. 193, I); iii) as Leis n.º 8.666/1993, n.º 10.520/2002 e n.º 12.462/2011 (artigos 1º a 47-A) serão revogadas em 3 de abril de 2023 (artigos 193, II); iv) de 1º de abril de 2021 a 3 de abril de 2023, compete à Administração Pública optar expressamente, no instrumento convocatório, pela nova Lei de Licitações e de Contratos Públicos ou pelas Leis n.º 8.666/1993, n.º 10.520/2002 e n.º 12.462/2011 (artigo 191); v) após a revogação das Leis n.º 8.666/1993, n.º 10.520/2002 e n.º 12.462/2011, em 3 de abril de 2023, os contratos que tenham sido assinados enquanto elas estavam vigentes permanecerão regidos por elas, em vigor póstumo à sua vigência, por incidência do fenômeno da ultratividade.
Veja-se, por fim, o seguinte quadro comparativo:
[1] O fenômeno da ultratividade de normas jurídicas é aquele em acordo com o qual a norma jurídica, ainda que revogada (não vigente, portanto), produz vigor, isto é, é aplicada. Assim, como se verá, se determinado contrato público é regido pela Lei n.º 8.666/1993, mesmo após 3 de abril de 2023, quando a Lei n.º 8.666/1993 será revogada, a esse contrato deve ser aplicada a Lei n.º 8.666/1993, que não mais vigerá, mas vigorará. Cf. FERRAZ JR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. 10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2018, p. 212.
[2] FERRAZ JR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. 10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2018, p. 215.
[3] Matheus Lopes Dezan: Estagiário de Direito em Schiefler Advocacia. Bacharelando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (FD|UnB). Estagiário de Direito em Schiefler Advocacia. Membro do Grupo de Estudos em Direito e Economia da Universidade de Brasília e do Instituto de Direito Público (GEDE/UnB/IDP). Membro do Grupo de Pesquisa em Hermenêutica do Direito Administrativo e Políticas Públicas do Centro Universitário de Brasília (HDAPP/UniCeub). Membro do Grupo de Pesquisa certificado pelo CNPq Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial da Universidade de Brasília (DRIA/UnB). Editor Executivo Assistente da Revista dos Estudantes de Direito da Universidade de Brasília (RED|UnB). Contato: matheus@schiefler.adv.br.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, Seção 1, 01 abr. 2021, p. 1. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14133.htm. Acesso em: 1 maio 2021.
FERRAZ JR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. 10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2018.
Read MoreOs efeitos da penalidade retroagem ou não aos contratos celebrados em momento anterior ao da sanção?
Os contratos administrativos vigentes e a superveniência de sanção restritiva do direito de licitar e de contratar: os efeitos da penalidade retroagem ou não aos contratos celebrados em momento anterior ao da sanção?
Se a dúvida sobre a amplitude da penalidade de suspensão de contratar com a Administração já é bastante pertinente (se é restrita ao ente sancionador ou abrange toda a administração pública brasileira[1]), há ainda outra questão a ser enfrentada no que toca ao tema: afinal, a suspensão temporária para contratar com a Administração – ou outra penalidade análoga, como a declaração de inidoneidade ou o impedimento de licitar e de contratar – produz efeito ex nunc ou ex tunc no que toca aos contratos vigentes, celebrados em momento anterior ao da infração?
Para que seja sanada esta dúvida, deve-se, primeiramente, recorrer à Lei nº 8.666/93, a Lei de Licitações e Contratos Administrativos.
Em seu artigo 87, a Lei dispõe, em ordem crescente de gravidade, sobre as sanções administrativas aplicáveis aos contratados que não honrarem o contrato administrativo, quer pela inexecução parcial, quer pela inexecução total das obrigações nele avençadas.
Em específico, os incisos III e IV desse artigo tratam, respectivamente, da sanção de suspensão temporária do direito de participação em processo licitatório e impedimento de contratar com a Administração, e da declaração de inidoneidade. Leia-se:
Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:
[…]
III – suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;
IV – declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.
Percebe-se, da leitura do dispositivo, que inexiste expressão na norma a qual ampare a interpretação literal de que esta sanção administrativa, em regra, possuiria efeitos retroativos.
Esta conclusão apoia-se também no princípio da legalidade, insculpido no artigo 37 da Constituição Federal e que rege toda a atividade da Administração Pública, sendo verdadeira pedra-basilar, de modo que não se pode presumir na Lei o que não está nela escrito, sobretudo em se tratando de direito sancionatório.
Assim, ao menos no que toca à eficácia direta da sanção, não há dúvidas de que seus efeitos promanam-se, em regra, prospectivamente, e não de maneira ex tunc. E desse entendimento não destoa a jurisprudência, que o aplica com tal efeito à mais grave sanção de declaração de inidoneidade, prevista no inciso IV do mesmo artigo. Leia-se:
Administrativo. Declaração de lnidoneidade para licitar e contratar com a Administração Pública. Efeitos ex nunc da Declaração de lnidoneidade: Significado. Precedente da 1.ª Seção (STJ, MS 13.964/DF, DJe de 25/05/2009).
Portanto, da Lei Federal nº 8.666/1993 extrai-se interpretação sólida e benéfica ao licitante/contratado, de que a penalidade de suspensão temporária de participar em licitação e impedimento de contratar com a Administração, ou mesmo a declaração de inidoneidade, produz efeito ex nunc (isto é, prospectivo – ao futuro), e não ex tunc (isto é, retroativo – ao passado).
No entanto, reside ainda a seguinte dúvida: os efeitos da sanção são, em regra, prospectivos, não havendo o que se cogitar de anulação de contratação vigente e sem relação com o vício que levou à sanção; mas, afinal, aplicar-se-á a penalidade, mesmo que prospectivamente, de alguma forma, aos contratos e licitações vigentes à época da declaração da sanção? Ou seja, ainda que não se reconheça a aplicação retroativa, o futuro das licitações e dos contratos em andamento poderá ser afetado? Será necessário promover a rescisão contratual?
Se a questão ventilada anteriormente é de menor controvérsia, não o é esta última.
No entendimento de Marçal Justen Filho, em relação à eficácia da punição sobre contratos vigentes, “O art. 55, XIII, determina que o contratado deverá manter os requisitos de habilitação e qualificação ao longo da execução do contrato. Essa disciplina é compatível com o entendimento de que o preenchimento dos requisitos de habilitação envolvem não propriamente uma formalidade a ser cumprida somente por ocasião da licitação, mas evidenciam a capacitação do sujeito para executar a contratação. Portanto, desaparecido o requisito de habilitação durante a contratação, o contrato deve ser rescindido.”.[2]
Malgrado o entendimento do reconhecido jurista, verifica-se, em certos órgãos de controle, como o Tribunal de Contas da União (TCU), a existência de entendimento diverso: de que as sanções impeditivas do direito de licitar e de contratar não atingem, em regra, os contratos em curso.
A propósito, veja-se acórdão prolatado pelo Plenário do TCU em setembro de 2019, relatado pelo Ministro Augusto Sherman Cavalcanti:
Voto
12. Com efeito, a despeito da proximidade das datas, a superveniência da mencionada sanção administrativa, por si só, não teria o condão de ensejar a nulidade ou a rescisão do contrato em epígrafe, uma vez que a suspensão temporária para licitar produz efeitos ex nunc, não se aplicando automaticamente aos contratos já celebrados, sobretudo em contratos outros distintos do que gerou a sanção, consoante jurisprudência predominante desta Casa.
13. Como é sabido, em sanção mais grave de declaração de inidoneidade, esta Corte seguindo jurisprudência inaugurada pelo STJ nos MS 13.101-DF, Min. Eliana Calmon, de 9/12/2008, e 13.964, Min. Teori Zavascki, de 25/5/2009, estabeleceu que seus efeitos são para o futuro ou ex nunc, nos termos dos Acórdãos 1262/2009-Plenário, Min. José Jorge, e 1340/2011-Plenário, Min. Weder de Oliveira. Mesma regra se aplica a suspensão temporária para licitar.[3]
Ademais, como se percebe do Acórdão nº 2183/2019 do TCU, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), órgão jurisdicional responsável pela uniformização dos entendimentos judiciais em todo o Brasil, estabeleceu a regra de que a sanção de inidoneidade produz efeito para o futuro (ex nunc), de modo a não prejudicar os contratos administrativos celebrados antes da aplicação da sanção. Confira-se o acórdão paradigma e um exemplo da jurisprudência surgida a partir dele:
ADMINISTRATIVO – LICITAÇÃO – INIDONEIDADE DECRETADA PELA CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO – ATO IMPUGNADO VIA MANDADO DE SEGURANÇA.
1. Empresa que, em processo administrativo regular, teve decretada a sua inidoneidade para licitar e contratar com o Poder Público, com base em fatos concretos.
2. Constitucionalidade da sanção aplicada com respaldo na Lei de Licitações, Lei 8.666/93 (arts. 87e 88).
3. Legalidade do ato administrativo sancionador que observou o devido processo legal, o contraditório e o princípio da proporcionalidade.
4. Inidoneidade que, como sanção, só produz efeito para o futuro (efeito ex nunc), sem interferir nos contratos já existentes e em andamento.
5. Segurança denegada.[4]
ADMINISTRATIVO. DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE PARA LICITAR E CONTRATAR COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. EFEITOS EX NUNC DA DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE: SIGNIFICADO. PRECEDENTE DA 1ª SEÇÃO (MS 13.964/DF, DJe DE 25/05/2009).
Segundo precedentes da 1ª Seção, a declaração de inidoneidade “só produz efeito para o futuro (efeito ex nunc), sem interferir nos contratos já existentes e em andamento” (MS 13.101/DF, Min. Eliana Calmon, DJe de 09.12.2008). Afirma-se, com isso, que o efeito da sanção inibe a empresa de licitar ou contratar com a Administração Pública (Lei 8666/93, art. 87), sem, no entanto, acarretar, automaticamente, a rescisão de contratos administrativos já aperfeiçoados juridicamente e em curso de execução, notadamente os celebrados perante outros órgãos administrativos não vinculados à autoridade impetrada ou integrantes de outros entes da Federação (Estados, Distrito Federal e Municípios). Todavia, a ausência do efeito rescisório automático não compromete nem restringe a faculdade que têm as entidades da Administração Pública de, no âmbito da sua esfera autônoma de atuação, promover medidas administrativas específicas para rescindir os contratos, nos casos autorizados e observadas as formalidades estabelecidas nos artigos 77 a 80 da Lei 8.666/93. […][5]
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. LICITAÇÃO. DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE PARA LICITAR E CONTRATAR COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. EFEITOS EX NUNC DA DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE: SIGNIFICADO. JULGADO DA PRIMEIRA SEÇÃO (MS 13.964/DF, DJe DE 25.5.2009). AGRAVO INTERNO DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA A QUE SE NEGA PROVIMENTO. […]
2. É certo que a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça entende que a sanção prevista no art. 87, III da Lei 8.666/1993 produz efeitos não apenas no âmbito do ente que a aplicou, mas na Administração Pública como um todo (REsp. 520.553/RJ, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 10.2.2011).
3. A declaração de idoneidade não tem a faculdade de afetar os contratos administrativos já aperfeiçoados juridicamente ou em fase de execução, sobretudo aqueles celebrados com entes públicos não vinculados à autoridade sancionadora e pertencente a Ente Federado diverso (MS 14.002/DF, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJe 6.11.2009).
4. A sanção aplicada tem efeitos apenas ex nunc para impedir que a Sociedade Empresária venha a licitar ou contratar com a Administração Pública pelo prazo estabelecido, não gerando como consequência imediata a rescisão automática de contratos administrativos já em curso (MS 13.101/DF, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, Rel. p/ Acórdão Min. ELIANA CALMON, DJe 9.12.2008).5. Agravo Interno da Sociedade Empresária a que se nega provimento.[6]
A despeito desses precedentes, é de se ressaltar que a questão ainda é controversa na doutrina e na jurisprudência, havendo tanto entendimentos favoráveis quanto contrários ao sancionado no que toca aos contratos vigentes à época da suspensão.
Inclusive, tão controversa é a questão que a jurisprudência do STJ concebeu ainda um tertium genus de aplicação normativa, aplicando uma sorte de teoria mitigada da manutenção dos contratos vigentes, relegando tal decisão à discricionariedade motivada do gestor público. Veja-se:
ADMINISTRATIVO. DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE PARA LICITAR E CONTRATAR COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. EFEITOS EX NUNC DA DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE: SIGNIFICADO. PRECEDENTE DA 1ª SEÇÃO […]. 1. Segundo precedentes da 1ª Seção, a declaração de inidoneidade “só produz efeito para o futuro (efeito ex nunc), sem interferir nos contratos já existentes e em andamento” (MS 13.101/DF, Min. Eliana Calmon, DJe de 09.12.2008). Afirma-se, com isso, que o efeito da sanção inibe a empresa de “licitar ou contratar com a Administração Pública” (Lei 8666/93, art. 87), sem, no entanto, acarretar, automaticamente, a rescisão de contratos administrativos já aperfeiçoados juridicamente e em curso de execução, notadamente os celebrados perante outros órgãos administrativos não vinculados à autoridade impetrada ou integrantes de outros entes da Federação (Estados, Distrito Federal e Municípios). Todavia, a ausência do efeito rescisório automático não compromete nem restringe a faculdade que têm as entidades da Administração Pública de, no âmbito da sua esfera autônoma de atuação, promover medidas administrativas específicas para rescindir os contratos, nos casos autorizados e observadas as formalidades estabelecidas nos artigos 77 a 80 da Lei 8.666/93. […][7]
Segundo este entendimento do STJ, a regra seria a da não aplicação automática da penalidade aos demais contratos vigentes; podendo, todavia, a Administração promover medidas administrativas justificadas e específicas para rescindir estes contratos.
Vê-se daí que, embora haja fundamentos tanto para a aplicação retroativa quanto para a aplicação prospectiva das sanções previstas nos incisos III e IV do artigo 87 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos, o tema ainda é objeto de controvérsia, não existindo posição sedimentada, sobretudo no que concerne à jurisprudência pátria.
Se, por um lado, a interpretação conjunta do 87 com o artigo 55, inciso XIII, da Lei Federal nº 8.666/93 enseja aplicação mais severa da norma, com o escopo de estender a penalidade a todos os contratos vigentes da apenada, uma interpretação mais benéfica e principiológica do ordenamento jurídico, calcada na legalidade estrita exigida no direito sancionatório, na tipicidade e na razoabilidade dos atos administrativos, conclui pela possibilidade de limitação da penalidade somente às licitações e aos contratos futuros.
[1] Cf. “A penalidade de suspensão temporária do direito de licitar é válida apenas para o órgão/entidade que aplicou a sanção?” Disponível em: https://schiefler.adv.br/a-penalidade-de-suspensao-temporaria-do-direito-de-licitar-e-valida-apenas-para-o-orgaoentidade-que-aplicou-a-sancao/.
[2] FILHO, Marçal Justen. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos: lei 8.666/1993. ed. 16., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista do Tribunais, 2014. p. 1159.
[3] TCU, Acórdão nº 2183/2019, Plenário, Relator: AUGUSTO SHERMAN, Data de Julgamento: 11/09/2019.
[4] STJ, MS 13.101/DF, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, Rel. p/ Acórdão Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/05/2008.
[5] STJ, MS 14.002/DF, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009.
[6] STJ, AgInt no REsp 1552078/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 30/09/2019.
[7] MS nº 14.002-DF, Relator: Ministro Teori Albino Zavascki, 1ª Seção do STJ, DJe de 06.11.2009.
Read More