Os argumentos do escritório Schiefler Advocacia foram acolhidos pela decisão liminar em razão da preterição dos aprovados em concurso público por comissionados e terceirizados.
Na última sexta-feira (25/06/2021), a 14ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo (TJSP) determinou à Prefeitura de São Paulo a nomeação de 7 arquitetos aprovados no concurso de QEAG. A decisão foi proferida pelo Juiz Randolfo de Campos que, em sede liminar, acatou os argumentos apresentados pelo escritório Schiefler Advocacia e reconheceu a preterição arbitrária e imotivada dos candidatos aprovados em concurso público em decorrência de contratação sistemática de comissionados e terceirizados para desempenho das funções típicas do cargo de QEAG, na especialidade de arquitetura.
O concurso público foi lançado pela Prefeitura de São Paulo em outubro de 2018 e previa nomeação imediata de 58 arquitetos para o Quadro de Profissionais de Engenharia, Arquitetura, Agronomia e Geologia (QEAG). Ocorre que, mesmo com o andamento regular e homologação do certame em agosto de 2019 e a solicitação de mais de uma centena de nomeações pelas Secretarias Municipais, todas recusadas pela Prefeitura, os candidatos aprovados não foram convocados para assumir o cargo. Diante da evidente demanda por estes profissionais sem as devidas nomeações e de indícios da contratação reiterada de comissionados para desempenho destas funções, o caso tomou repercussão e foi, inclusive, noticiado pela imprensa em fevereiro desde ano.
Diante disto, os candidatos aprovados propuseram ação judicial para ter seu direito à nomeação devidamente reconhecido, uma vez que há provas do preenchimento dos cargos efetivos por comissionados e terceirizados, prática ilícita que configura a preterição dos concursados, nos termos do Tema nº 784 do STF.
A partir da análise da extensa documentação apresentada a fim de provar as irregularidades cometidas pela Prefeitura de São Paulo, a 14ª Vara da Fazenda Pública reconheceu o direito dos autores e determinou a nomeação de sete arquitetos em até 30 dias. Nas palavras do Juiz Randolfo de Campos, “tamanha é a preterição arbitrária e imotivada que vem sendo levada a efeito pelo Município que, numa análise perfunctória, é possível afirmar que a totalidade dos candidatos aprovados dentro do número de vagas para o cargo de arquiteto do QEAG no concurso regido pelo Edital n. 00/2018 têm direito à nomeação imediata.”
A decisão, que determinou a nomeação dos candidatos aprovados dentro do número de vagas, bem como vedou que a Prefeitura de São Paulo nomeie novos comissionados e firme novos contratos cujo objeto contemple as funções do cargo de QEAG, na especialidade de arquitetura, causou nova repercussão na imprensa.
Em notícia publicada no portal G1, foi divulgada a determinação de integração dos arquitetos aos quadros da prefeitura e as reconhecida irregularidades cometidas pela municipalidade. Nela, foi destacada a decisão de que “a ocupação precária, por comissão, terceirização, ou contratação temporária, de atribuições próprias do exercício de cargo efetivo vago, para o qual há candidatos aprovados em concurso público vigente, configura ato administrativo eivado de desvio de finalidade” e, por consequência, os candidatos devem ser imediatamente nomeados.
A decisão proferida no processo nº 1033732-58.2021.8.26.0053 representa uma vitória para os candidatos que, desde a aprovação no concurso, constatavam que terceirizados e comissionados atuavam como se arquitetos da Prefeitura fossem, mesmo sem aprovação no concurso. Enquanto isso, eles, que se submeterem a um acirrado certame com milhares de candidatos, tinham a nomeação solicitada pelas Secretarias e recusada pela Prefeitura com o argumento de que não havia recursos orçamentários – embora, como reconheceu o juízo, “a nomeação dos servidores concursados poderá reduzir os gastos que o Município atualmente realiza na contratação de empresas de engenharia e arquitetura”.
Agora se aguarda o cumprimento da decisão pela Prefeitura de São Paulo, que tem 30 dias para realizar a nomeação dos sete autores da ação beneficiados com a decisão liminar.
Em entrevista ao 'Brasil de Fato', a advogada falou sobre a ilegalidade nas contratações reiteradas de comissionados durante a vigência do concurso público.

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça uniformizou o entendimento da Corte sobre a polêmica extensão da penalidade de perda da função pública em virtude de ato de improbidade administrativa, prevista no artigo 12 da Lei nº 8.429/1992.
Recentemente, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) uniformizou o entendimento da Corte sobre a polêmica extensão da penalidade de perda da função pública em virtude de ato de improbidade administrativa, prevista no artigo 12 da Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa).
Em Embargos de Divergência opostos em sede do Recurso Especial nº 1701967/RO[1], o Superior Tribunal de Justiça definiu que a penalidade em questão atinge não só o cargo ocupado pelo infrator no momento da prática da conduta ímproba, mas também se estende ao cargo público eventualmente ocupado por este no momento do trânsito em julgado da sentença condenatória (artigo 20 da Lei de Improbidade Administrativa[2]).
A controvérsia foi julgada por maioria pelo colegiado dos órgãos especializados em Direito Público, tendo sido analisada em razão de divergência existente entre a Primeira e Segunda Turmas da Corte. No voto vencedor, o Ministro Francisco Falcão afirma que a sanção de perda do cargo tem por objetivo afastar dos quadros da Administração Pública o agente que apresentou conduta ímproba e carência ética para o exercício da função pública. Por essa lógica, defendeu que a penalidade em questão deve abranger toda e qualquer atividade que o agente esteja exercendo no momento do trânsito em julgado da sentença condenatória.
Considerando que o objetivo da perda do cargo é o de salvaguardar a Administração de agentes que demonstrem “pouco ou nenhum apreço pelos princípios regentes da atividade administrativa”[3], a penalidade deve atingir não só o cargo ocupado no momento da prática do ato ímprobo, como também eventual outra função pública que esteja sendo exercida, uma vez que a improbidade não está ligada ao cargo em si, mas à própria atuação desse agente na Administração Pública.
Portanto, prevaleceu o entendimento que vinha sendo adotado pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, que pode ser representado pelo seguinte julgado:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL. COBRANÇA DE PROPINA. […] PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA. ART. 12 DA LEI 8.429/1992. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. SÚMULA 7/STJ. […]
5. A Lei 8.429/1992 objetiva coibir, punir e afastar da atividade pública todos os agentes que demonstraram pouco apreço pelo princípio da juridicidade, denotando uma degeneração de caráter incompatível com a natureza da atividade desenvolvida.
6. A sanção de perda da função pública visa a extirpar da Administração Pública aquele que exibiu inidoneidade (ou inabilitação) moral e desvio ético para o exercício da função pública, abrangendo qualquer atividade que o agente esteja exercendo ao tempo da condenação irrecorrível.
7. Não havendo violação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, modificar o quantitativo da sanção aplicada pela instância de origem, no caso concreto, enseja reapreciação dos fatos e provas, obstado nesta instância especial (Súmula 7/STJ).
8. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.[4]
No caso analisado e julgado, discute-se a extensão da sanção de perda da função pública à ex-policial federal que se encontrava exercendo o cargo de Defensor Público ao tempo do trânsito em julgado da sentença condenatória.
De toda forma, embora se trate de uma uniformização da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é possível que, em algum momento, a questão seja levada ao Supremo Tribunal Federal (STF) para análise da constitucionalidade da extensão da penalidade.
Vale ressaltar, ainda, que a prática de ato de improbidade administrativa não acarreta, automaticamente, a necessidade de aplicação da penalidade de perda da função pública, uma vez que a própria Lei nº 8.429/1992 determina que o juiz deverá, na fixação das penas, levar em conta “a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente”.
Nesse sentido, considerando que o acórdão prolatado pela Primeira Seção do STJ ainda não foi disponibilizado (em 16/9/2020), ainda não está claro se o entendimento que prevaleceu, além de confirmar a abrangência da perda de função pública atualmente ocupada, também veda a hipótese de que um juiz, com base nos elementos do caso concreto e em atenção à razoabilidade e proporcionalidade entre conduta e sanção, restrinja a condenação ao cargo que serviu como instrumento para a prática do ato de improbidade.
[1] Informações obtidas por meio de notícia veiculada no site do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Cf. http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/16092020-Perda-de-funcao-publica-por-improbidade-atinge-qualquer-outro-cargo-ocupado-no-momento-da-condenacao-definitiva.aspx. Acesso em 16 set. 2020.
[2] Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual.
[3] ANDRADE, Landolfo. Aplicabilidade da sanção de perda da função pública sobre qualquer função exercida pelo agente ímprobo ao tempo do trânsito em julgado da decisão condenatória. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2019/07/23/sancao-perda-da-funcao-publica/.
[4] STJ, REsp 1297021/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/11/2013.
Read MoreRobôs proferirem decisões administrativas é decerto inovador. A necessidade de motivação, não.
Nesta terça-feira (1º de setembro de 2020), Eduardo Schiefler e Matheus Dezan publicaram o artigo “A decisão administrativa robótica e o dever de motivação” no Portal Jurídico JOTA, o qual pode ser visualizado neste link.
O artigo também contou com a participação do Professor Fabiano Hartmann, da Universidade de Brasília (UnB), e é resultado das pesquisas do grupo Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial (DR.IA/UnB), liderado pelo Prof. Fabiano.
Em razão da relevância do tema, vamos republicá-lo na íntegra, com a autorização dos autores:
A decisão administrativa robótica e o dever de motivação
Por Eduardo Schiefler, Fabiano Hartmann Peixoto e Matheus Lopes Dezan
A tecnologia está transformando a sociedade e isso não é segredo para ninguém.
A despeito de a prosperidade tecnológica não se desenvolver de modo uniforme ou impactar de forma heterogênea todos os campos de vida humana, havendo rotinas mais ou menos impactadas pela incidência de ferramentas tecnológico-operacionais, o fato inconteste é que há muito tempo a aplicação massiva das tecnologias no cotidiano dos seres humanos já deixou de ser apenas uma hipótese para se tornar uma questão de quando ou em que grau seremos impactados.
E o direito administrativo não foi poupado. Não havia dúvidas que a tecnologia se desenvolveria a ponto de permear o regime jurídico administrativo. A questão é que esse campo, costumeiramente tido por imutável e perene, em razão de sua principiologia própria, está sendo bombardeado por constantes transformações que almejam (e com razão) trazer mais eficiência e controle à Administração Pública.
Por conta desse cenário, vemos com naturalidade e animação as discussões cada vez mais frequentes sobre o uso de ferramentas tecnológicas pelo poder público. Não se surpreende, portanto, que elas tenham sido levadas à I Jornada de Direito Administrativo do Conselho da Justiça Federal, ocorrida entre os dias 3 e 7 de agosto de 2020, com o objetivo de discutir posições interpretativas sobre as normas jurídicas (lei, jurisprudência e doutrina) e, ao final, produzir e publicar enunciados[1].
Na ocasião, após a aprovação na comissão temática, a reunião Plenária da I Jornada de Direito Administrativo votou e aprovou o Enunciado 12, segundo o qual “A decisão administrativa robótica deve ser suficientemente motivada, sendo a sua opacidade motivo de invalidação.”.
Fazendo uma reflexão sobre o texto aprovado, verifica-se que, embora o tema de decisões administrativas robóticas seja realmente inovador — e enfrente, evidentemente, críticas por seu caráter disruptivo —, o Enunciado 12 não inova no campo do direito administrativo.
Explica-se: a questão de robôs proferirem decisões administrativas é decerto inovadora. A necessidade de que as decisões administrativas sejam motivadas, todavia, não o é. E, mais do que isso, não basta que sejam motivadas as decisões administrativas, pois importa que sejam suficientemente motivadas — e isso não é, repita-se, novidade.
Trata-se de consequência direta do arcabouço jurídico-constitucional trazido à ordem normativa brasileira pela Constituição Federal de 1988, que transfigurou a relação público-privada e que conferiu ampla gama de novos direitos aos cidadãos e de deveres à administração pública brasileira. É dizer: a Constituição modificou a maneira com que os indivíduos particulares se relacionam com o poder público, assim como a tecnologia também o pretende fazer.
É nesse exato sentido que se entende que o Enunciado 12 não inova na ciência do direito administrativo:
Seja uma decisão administrativa manualmente redigida, seja uma decisão eletrônica ou, ainda, seja uma decisão robótica, elas devem apresentar motivação suficiente, sem escusas para o contrário, sob pena de serem inválidas perante as prescrições do ordenamento jurídico brasileiro.
Isso porque a motivação das decisões administrativas é requisito formalístico de validade dos atos administrativos decisórios[2], dado que o regramento dos atos da administração pública (imperativo fortalecido pela nova sistemática de direito administrativo inaugurada pela ordem constitucional de 1988) exige que a gestão da res publica ocorra de modo responsivo e transparente — o que, de certo modo, é favorecido pela adoção cada vez mais frequente de processos administrativos eletrônicos[3] e de sistemas de inteligência artificial pela administração. Nesse comento, o registro formal dos motivos de fato e de direito que orientaram o processo de tomada de decisão é medida que se impõe, para que seja desimpedido, como deve ser, o controle jurídico e social sobre os atos administrativos[4].
Ademais, a distintiva importância conferida à motivação das decisões administrativas para a ordem jurídica contemporânea pode ser adequadamente exemplificada pela construção doutrinária da teoria dos motivos determinantes, a qual preceitua que a validade das decisões administrativas guarda vínculo sincrético com os pressupostos objetivos que as constituem. Significa dizer que a decisão administrativa, ainda que discricionária, deve operar sobre motivos verdadeiros, existentes e corretamente qualificados, a fim de produzir efeitos válidos no mundo jurídico. Revelada a falsidade, a inexistência ou a inadequada qualificação dos motivos de fato expostos pelo administrador, de modo que não haja nexo lógico entre esses elementos fáticos e os motivos legais elencados, far-se-á inválido o ato administrativo.
Nada obstante, a instrução veiculada pelo Enunciado 12 aprovado na I Jornada de Direito Administrativo evidencia a imbricação entre requisitos de ordens jurídica e técnica impostos às decisões administrativas robóticas. Importa, dessa forma, que o sistema decisório automatizado seja apto a operar com linguagem natural[5] e com a logicidade do sistema de normas positivadas, de modo tal que dê forma à exposição satisfatória das razões de fato e de direito que guiaram o processo de tomada de decisão.
Trata-se de meio de preconizar a transparência das decisões administrativas robóticas como que vinculada à construção automatizada da forma de apresentação do conteúdo decisório, para que seja válido o ato administrativo operado de forma tão singular e, por vezes, epistemologicamente opaco. É por essa razão que a transparência das decisões administrativas robóticas depende de que o sistema de explicação de critérios decisórios produza resultados satisfatórios à cognição não somente do teor da decisão, mas dos fundamentos fáticos, jurídicos e tecnológicos que a compõe.
Inclusive, esse é o mesmo raciocínio que a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) desenvolve ao tratar das decisões tomadas unicamente com base em tratamento automatizado de dados pessoais (artigo 20, § 1º), aqui aplicada por analogia. Na prática, a LGPD garante ao titular dos dados o acesso a “informações claras e adequadas a respeito dos critérios e dos procedimentos utilizados para a decisão automatizada”.
O raciocínio, como dito, é o mesmo. Mas no campo das decisões administrativas o imperativo de se ter motivação expressa e correlacionada com a realidade dos fatos se impõe pela natureza peculiar da atuação administrativa, que tem por objetivo precípuo a satisfação dos direitos fundamentais dos cidadãos. É dizer, a própria razão de existir da administração pública depende do atendimento aos direitos dos indivíduos. É isto que confere legitimidade à sua atuação e é, assim, que o dever de motivação se torna fundamental para a manutenção do Estado Democrático de Direito.
Portanto, ainda que não promova inovações em matéria de direito administrativo (uma vez que todas as espécies de decisões administrativas exigem motivação), o Enunciado 12 da I Jornada de Direito Administrativo do Conselho da Justiça Federal é uma novidade muito bem-vinda, pois ressalta a importância de discutir a inserção da tecnologia na administração pública, que é inevitável, assim como os seus impactos na relação público-privada e nos direitos dos cidadãos.
[1] Disponível em: I Jornada de Direito Administrativo será realizada em ambiente virtual, entre os dias 3 e 7 de agosto. Acesso em 15 de agosto de 2020.
[2] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2015. p. 408.
[3] SCHIEFLER, Eduardo André Carvalho. Processo administrativo eletrônico. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. p. 43.
[4] SCHIEFLER, Gustavo Henrique Carvalho. Diálogos público-privados. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018. p. 175.
[5] HARTMANN PEIXOTO, Fabiano; MARTINS DA SILVA, Roberta Zumblick. Inteligência artificial e direito. 1. ed. Curitiba: Alteridade Editora, 2019. p. 82.
EDUARDO SCHIEFLER – Advogado. Mestrando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Integrante do Grupo de Estudos em Direito Público (GEDIP/UFSC). Integrante do Grupo de Pesquisa em Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial (DR.IA/UnB). Autor do livro “Processo Administrativo Eletrônico” (2019). E-mail: eduardo@schiefler.adv.br.
FABIANO HARTMANN PEIXOTO – Doutor em Direito. Professor da Faculdade de Direito e do PPGD-UnB. Líder do Grupo de Pesquisa DR.IA. Coordenador do Projeto Victor (IA-STF) e Projeto Mandamus (IA-TJRR)
MATHEUS LOPES DEZAN – Bacharelando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Integrante do Grupo de Pesquisa em Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial (DR.IA/UnB). Integrante do Laboratório de Políticas Públicas e Internet (LAPIN). Integrante do Grupo de Estudos em Bioética e Biodireito (Bioethik/UFES). Membro do Grupo de Pesquisa em Análise Econômica do Direito (GEDE/UnB-IDP). E-mail: matheus.ldezan@gmail.com
Read MoreÉ possível o equilíbrio da saúde pública e a manutenção do direito mesmo em época de pandemia da COVID-19.
Apesar de a Lei do Acompanhante (Lei Federal nº 11.108/2005) garantir à gestante o direito a um acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, a pandemia decorrente do novo coronavírus gerou controvérsias entre as unidades de saúde.
Na angústia de não saber se o seu direito será resguardado, tem crescido o número de ações judiciais a fim de que seja cumprida a Lei do Acompanhante.
Recentemente, a juíza Danielle Rodrigues da Silva, da 1ª Vara Cível da Comarca de Cataguases, do Tribunal de Minas Gerais (TJMG), determinou que o Hospital de Cataguases cumpra a decisão de permitir a presença de acompanhantes no momento do parto, sob pena de multa no valor de R$ 50.000,00.
Para a defesa do Hospital, contudo, nenhum direito é absoluto. A decisão do Hospital em ter proibido a presença de acompanhante foi pautada na questão de saúde pública, com a finalidade de reduzir o contágio. No entanto, conforme já abordado no artigo sobre o direito da gestante a um acompanhante no momento do parto, é possível o equilíbrio da saúde pública e a manutenção do direito mesmo em época de pandemia da COVID-19.
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De acordo com a Lei Federal nº 11.108/2005, a gestante possui direito a um acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato. Entretanto, a situação excepcional de pandemia causada pelo COVID-19 vem divergindo entendimentos a respeito do tema.
Maria Luisa Machado Porath[1]
Gestar uma vida é um processo complexo. Além das oscilações hormonais, surgem questões internas, como dúvidas, medos, inseguranças e solitude. Ao longo dos meses, a expectativa e a ansiedade aumentam. No entanto, o fim do primeiro trimestre de 2020 trouxe uma situação até então desconhecida e que gerou ainda mais preocupação: a pandemia decorrente da COVID-19.
Diante do atual cenário, uma nova pergunta surge: é possível a presença de um acompanhante no momento do parto?
Antes de a respondermos, é válido mencionar que, de acordo com a Lei Federal nº 11.108 de 7 de abril de 2005[2], a gestante possui direito a um acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato. Exatamente por esse motivo que ficou conhecida como a Lei do Acompanhante.
Contudo, como é sabido, a situação em que vivemos impôs mudanças drásticas no cotidiano de todos. Nesse sentido, as unidades de saúde – uma das maiores aglomerações de pessoas com COVID-19 – também tiveram que se adaptar ao novo contexto de pandemia. Diante dessas alterações, o meio jurídico precisou analisar os inúmeros casos concretos, a fim de tentar minimizar possíveis violações ao direito das gestantes.
Por exemplo, em meados de março, era relativamente comum noticiar hospitais que restringiram o direito da gestante de ter um acompanhante quando do parto. A explicação dessas unidades de saúde era pautada no distanciamento social e em preservar a saúde tanto da nova vida quanto da gestante, em função da contaminação do novo coronavírus (SARS-CoV-2). É o que se extrai das considerações e recomendações da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais, cujo nome fantasia é SOGIMIG:
[…] Considerando que o isolamento social é, nesse momento, da epidemia uma ação essencial para o controle da crise é necessário manter, também durante o trabalho de parto, as ações referentes a esse tema. Isso significa a restrição da presença de doulas e, mesmo, com o devido aconselhamento da gestante/casal/família, restringir acompanhantes e visitas. Para minimizar o sentimento de solidão, principalmente, nos partos de baixo risco deve-se estimular a participação de forma virtual[3].
No entanto, qual o atual posicionamento do judiciário?
Com o passar dos dias, ao constatar certas violações ao direito da gestante, o Judiciário se tornou um meio eficaz para assegurar o direito ao parto humanizado à parturiente. O Desembargador Relator Alexandre Bastos, num caso julgado em maio de 2020, no Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJMS), reformou a decisão do juízo a quo e, assim, determinou que a gestante tivesse resguardado o seu direito de ter um acompanhante no momento do parto. Colaciona-se a referida decisão:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – TUTELA DE URGÊNCIA – GARANTIA DO PARTO HUMANIZADO – DIREITO DA PARTURIENTE AO ACOMPANHANTE QUANDO DO PARTO – PRESENTE OS REQUISITOS PARA CONCESSÃO DA TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA (ARTIGO 300 DO CPC) – CONCESSÃO DA TUTELA – DECISÃO REFORMADA – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. I. Certo que é direito da parturiente de estar acompanhada quando do parto e, não menos certo, que é direito de todos a garantia da saúde pública, mormente, se em risco de contaminação diante da pandemia derivada da proliferação do covid-19, de forma que estes interesses conflitantes devem ser sopesados nos pratos afilados da balança para que se chegue a uma decisão justa, efetiva e proporcional do art. 6º e art. 8º, ambos do CPC e, também, leve em consideração as consequência práticas da decisão do art. 20 da LINDB, no sentido de garantir o direito da gestante. Contudo, com aplicação das restrições colocadas pela órgãos competentes (OMS e Ministério da Saúde), como mecanismo suficientes para se evitar a contaminação pelo covid-19. II. Recurso conhecido e provido[4].
Contudo, apesar do Judiciário estar fundamentando a sua razão de decidir no sentido de assegurar o direito à gestante mesmo em época de pandemia, no início do mês de junho, a Companhia de Operações Especiais (COE), do estado da Bahia, emitiu uma nota técnica recomendando o oposto[5]. De modo excepcional, apenas as “gestantes menores de 16 anos incompletos ou com deficiência ou patologias que dificultem o seu deslocamento ou entendimento das orientações” teriam direito a acompanhante.
Por consequência disso, o Juiz de Direito, Bel. Almir Edson Lélis Lima, da 2ª Vara dos Feitos de Relação de Consumo, Cíveis, Comerciais, Acidente de Trabalho e Fazenda Pública, do Foro da Comarca de Guanambi/BA, entendeu pelo não deferimento da tutela de urgência. No caso, a gestante requereu a autorização para que o genitor da criança fosse o seu acompanhante durante o parto. Veja-se a decisão:
[…] Trata-se de Mandado de Segurança com pedido liminar, no qual a Impetrante com 39 (trinta e nove) semanas de gestação, podendo ingressar em trabalho de parto em dias ou horas, requer autorização para que o genitor da criança possa acompanhar a parturiente durante todo o trabalho de parto e preste toda a assistência após o mesmo, inclusive, devendo ser orientado dos protocolos de segurança e pelo fornecimento integral dos Equipamentos de Proteção Individual necessário.
Examinando-se as provas trazidas com a inicial, em análise sumária, não exauriente, ao contrário do que afirmado na inicial, penso que não estão presentes os requisitos exigidos pelo art. 7º, inciso III da Lei 12.016/09.
Salta aos olhos, que conforme Nota Técnica COE Saúde nº 69 de 02 de junho de 2020, diante da pandemia do Covid-19, a presença do acompanhante será restrita as gestantes menores de 16 anos incompletos ou com deficiências ou patologias que dificultem o seu deslocamento ou entendimento das orientações, recomendando-se a suspensão temporária dos acompanhantes durante a evolução do trabalho de parto, parto e no alojamento conjunto, como se observa da Nota Técnica anexada pelo próprio impetrante.
Não vislumbro, portanto, qualquer relevância na fundamentação inicial, nem na prova até aqui produzida, ainda que haja um suposto risco de ineficácia da medida, caso apreciada em momento oportuno, uma vez que a informação é no sentido de que o parto será realizado nos próximos dias ou mesmo horas[6]. […]
Ao ter contato com uma decisão desse teor, por óbvio, a gestante tem a sensação de ter o momento de seu parto incompleto. Afinal, o genitor é tão responsável pela criança quanto a genitora e, portanto, deveria atuar ativamente nesse processo, não apenas como mero espectador de filmagem e/ou videoconferência. Corrobora para esse pensamento a Nota Técnica nº 10/2020-COCAM/CGCIVI/DAPES/SAPS/MS[7], a qual sugere a presença de acompanhante, conforme a Lei Federal nº 11.108, de 7 de abril de 2005 (Lei do Acompanhante).
Algumas Orientações para o Acompanhante
É válido ressaltar algumas orientações, a fim de que o direito da gestante de ter um acompanhante no momento do parto seja respeitado. Portanto, em conformidade com a Nota Técnica nº 10/2020 e com o momento de pandemia da COVID-19 em que atualmente vivemos, o acompanhante:
- Deve estar assintomático e não ser do grupo de risco;
- Com idade entre 18 e 59 anos;
- Sem contato domiciliar com pessoas com síndrome gripal ou infecção respiratória comprovada por SARS-CoV-2.
Contudo, para parturientes com suspeita ou confirmação do novo coronavírus (sintomáticas), deve-se analisar o caso concreto, a fim de assegurar os direitos da gestante e os cuidados acerca da COVID-19. Por exemplo, o acompanhante fazer uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) durante todo o procedimento, já que não é recomendável que a gestante permaneça de máscara durante o parto.
Conclusão
Conforme dito anteriormente, o entendimento que vem sendo consolidado é o de que gestantes têm direito a acompanhante quando do parto, mesmo em época de pandemia da COVID-19. Entretanto, ainda persistem decisões divergentes; algumas delas pautadas em notas técnicas estaduais, contrariando as emitidas pelo Ministério da Saúde.
Por fim, o Judiciário, em consonância com as recomendações de saúde, deve assegurar ao máximo o direito da gestante de ter um acompanhante quando do parto. Esse momento não deve ser ceifado da família, quando não há riscos para o bebê e os demais membros da família e profissionais da saúde. Evidentemente que vivemos numa situação pandêmica, todavia, isso não permite que sejam afastados direitos inerentes à gestante e aos demais membros da família, desde que realizados com cautela.
[1] Estagiária do escritório Schiefler Advocacia. Graduanda, atualmente, da sétima fase em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Graduada em Licenciatura e Bacharelado em Teatro na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) – 2015.
[2] Art. 19-J. Os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde – SUS, da rede própria ou conveniada, ficam obrigados a permitir a presença, junto à parturiente, de 1 (um) acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato.
§1º O acompanhante de que trata o caput deste artigo será indicado pela parturiente.
§2º As ações destinadas a viabilizar o pleno exercício dos direitos de que trata este artigo constarão do regulamento da lei, a ser elaborado pelo órgão competente do Poder Executivo.
[3] SOGIMIG. Coronavírus na Gravidez: Considerações e Recomendações. Acesso em 25 de junho de 2020.
[4] TJMS. Agravo de Instrumento n. 1403938-13.2020.8.12.0000, Campo Grande, 4ª Câmara Cível, Relator (a): Des. Alexandre Bastos, j: 30/05/2020
[5] A presença do acompanhante deve ser restrita às gestantes menores de 16 anos incompletos ou com deficiências ou patologias que dificultem o seu deslocamento ou entendimento das orientações. Este acompanhante deverá ser apenas um (01) durante todo o período de internamento, lembrando que este deverá estar saudável, sem sinais de síndrome gripal e fora do grupo de risco para complicações na eventualidade de uma infecção pelo SARS-CoV-2. Neste sentido e buscando um alinhamento entre as múltiplas ações desenvolvidas nas diversas instâncias de atenção à saúde no Estado, e considerando o cenário epidemiológico e a existência de pessoas assintomáticas, mas potencialmente contaminantes, recomendamos a suspensão temporária dos acompanhantes durante a evolução do trabalho de parto, parto e no alojamento conjunto. Excepcionalmente deve-se garantir que a mulher possa escolher um (01) acompanhante para conhecer a criança recém-nascida no pós-parto imediato, reforçando que o (a) escolhido (a) deve estar fora do grupo de risco para complicações de uma infecção pelo SARS-CoV-2 e sem sintomas respiratórios.
(COE, Nota Técnica COE saúde nº 69 de 02 de junho de 2020. Orientações às Unidades de Saúde de Assistência às Gestantes, Puérperas e Crianças Menores de 2 anos no contexto da Pandemia da Covid-19. Acesso em 26 de junho de 2020).
[6] Foro da Comarca de Guanambi/BA. Mandado de Segurança Cível o n. 8001159-53.2020.8.05.0088, Guanambi, 2ª Vara dos Feitos de Relação de Consumo, Cíveis, Comerciais, Acidente de Trabalho e Fazenda Pública, Juiz de Direito Bel. Almir Edson Lélis Lima, j: 23/06/2020.
[7] 2.6.5. Acompanhantes: garantido pela Lei Federal nº 11.108, de 7 de abril de 2005, sugere-se a presença do acompanhante no caso de pessoa assintomática, com idade entre 18 e 59 anos8 e não contato domiciliar com pessoas com síndrome gripal ou infecção respiratória comprovada por SARS-CoV-2
(BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Nota Técnica nº 10/2020-COCAM/CGCIVI/DAPES/SAPS/MS. Atenção à Saúde do Recém-nascido no contexto da Infecção pelo novo Coronavírus (SARS-CoV-2), 09 Abr. 2020. Acesso em 26 de junho de 2020).
A medida foi criada visando se adequar ao momento vivenciado de pandemia do novo coronavírus e contempla crianças e adolescentes até 16 anos, desacompanhados de um ou ambos os pais.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou, através do Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Humberto Martins, a Autorização Eletrônica de Viagem (AEV) de crianças e adolescentes até 16 anos, desacompanhados de um ou ambos os pais.
A medida foi criada visando se adequar ao momento vivenciado de pandemia do novo coronavírus. De acordo com o provimento, a emissão da declaração será feita exclusivamente por intermédio do Sistema de Atos Notariais Eletrônicos (e-Notariado), obedecendo todas as formalidades exigidas previstas no Provimento n. 100/2020.
Assim como no divórcio virtual, o ato normativo prevê a realização de videoconferência notarial para a captação do consentimento das partes sobre os termos do ato jurídico, a concordância com os termos do ato bem como a assinatura digital pelas partes e pelo Tabelião de Notas.
Ainda, a Autorização Eletrônica de Viagem poderá contemplar a necessidade de hospedagem do menor, em caso de emergências decorrentes de atrasos, alterações ou cancelamentos de voos ou viagens – tal hipótese será indagada pelo tabelião e previamente consignada no documento.
O prazo da autorização poderá ser delimitado pelos pais ou responsáveis pelo período do evento e, em caso de omissão, o documento será válido por dois anos.
A Autorização conterá, ainda, em destaque, o QR Code e chave de acesso para a verificação de autenticidade pela Policia Federal e às empresas de transporte rodoviário, marítimo ou aeroportuário. O provimento entrará em vigor em 60 dias após a sua publicação, que ocorreu no dia 04 de junho de 2020.
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