
É possível a remoção de um servidor entre universidades públicas distintas?
A remoção é uma das principais formas de mudança de lotação de um servidor público, a partir do deslocamento da unidade em que este exerce suas funções. Pode ser motivada pela Administração, por pedido do servidor ou por exercício de direito subjetivo adquirido em hipóteses específicas — nos casos de acompanhamento de cônjuge, por motivo de saúde de cônjuge ou dependente, ou por aprovação em processo seletivo com mais interessados do que vagas disponíveis.
Para entender melhor as hipóteses de remoção, recomendamos a leitura do artigo do escritório: “Entenda como funciona a remoção de servidor público e quais são os seus direitos”.
Uma dúvida recorrente sobre o tema diz respeito à possibilidade de remoção entre universidades federais distintas, especialmente diante do requisito previsto no art. 36 da Lei nº 8.112/1990, que exige a permanência no mesmo quadro funcional. Afinal, universidades federais possuem quadros unificados ou autônomos?
Interpretação do STJ: quadro funcional unificado
Embora a autonomia universitária possa levar à conclusão de que cada instituição teria um quadro funcional próprio, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui entendimento consolidado no sentido de que, para fins de remoção, os cargos de professores das universidades federais devem ser considerados como pertencentes a um único quadro funcional vinculado ao Ministério da Educação (MEC), como se destaca do julgado abaixo:
AGRAVO REGIMENTAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDORA PÚBLICA FEDERAL. REMOÇÃO. ART. 36, § ÚNICO, DA LEI 8.112/90. PROFESSORA DE UNIVERSIDADE FEDERAL. DIREITO DE SER REMOVIDA À OUTRA UNIVERSIDADE FEDERAL […] 1. O cargo de professora de Universidade Federal pode e deve ser interpretado, ainda que unicamente para fins de aplicação do art. 36, § 2º, da Lei no 8.112/90, como pertencente a um quadro de professores federais, vinculado ao Ministério da Educação. 2. Por outro lado, se fosse impedida a remoção da Professora por se tratarem as Universidades de autarquias autônomas, a norma do art. 36, § 2º, da Lei no 8.112/90 restaria inócua para diversos servidores federais que estivessem vinculados a algum órgão federal sem correspondência em outra localidade. Tome-se por conta, ainda, que o cargo de professora de Universidade Federal, certamente pode ser exercido em qualquer Universidade Federal do País. 3. É de se observar que, ainda que não se queira dar a referida interpretação à norma, o art. 226 da Constituição Federal determina a proteção à família, artigo este que interpretado em consonância com as demais normas federais aplicáveis à hipótese, demonstra ser irrazoável que se impeça uma servidora pública federal, concursada, ocupante de cargo existente em diversas cidades brasileiras, de acompanhar seu cônjuge […]
STJ, AgRg no AgRg no REsp 206.716/AM, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 15/03/2007.
Na prática, isso significa que a remoção entre diferentes universidades federais é legalmente possível, inclusive nos casos de acompanhamento de cônjuge ou por interesse da Administração.
Aplicação aos Institutos Federais
Esse entendimento também se aplica, por isonomia, aos professores dos Institutos Federais de Educação (carreira EBTT – Ensino Básico, Técnico e Tecnológico), que integram a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, vinculada igualmente ao MEC (artigo 1º, I, Lei nº 11.892/2008).
Portanto, ainda que se trate de autarquias com gestão autônoma, não há divisão de quadros para fins de remoção de servidores. O STJ é claro ao afirmar que qualquer interpretação contrária esvaziaria a eficácia do direito previsto no art. 36 da Lei nº 8.112/1990.
Acompanhamento de cônjuge e jurisprudência atualizada
Nos casos de remoção para acompanhamento de cônjuge, a jurisprudência também tem evoluído no sentido de proteger o direito à convivência familiar, mesmo sem exigência de coabitação prévia, conforme destacado no artigo “STJ decide que coabitação é irrelevante para reconhecimento do direito de remoção para acompanhamento de cônjuge”.
Como garantir a efetivação do direito
É importante destacar que, mesmo havendo respaldo legal e jurisprudencial, é comum que instituições públicas neguem pedidos de remoção com base em entendimentos equivocados. Por isso, contar com o apoio de um advogado especializado é essencial para:
- Redigir um requerimento administrativo claro, completo e fundamentado;
- Atuar em eventual judicialização, caso o direito não seja reconhecido pela Administração Pública.
A atuação do Escritório Schiefler Advocacia na defesa dos direitos de servidores públicos
O Schiefler Advocacia destaca-se por sua atuação especializada em Direito Administrativo, com sólida experiência na defesa dos direitos de servidores públicos federais, incluindo casos de remoção, redistribuição, licenças e demais temas funcionais. Nosso escritório já assessorou servidores em diversas situações envolvendo o exercício do direito à remoção por interesse da Administração ou por motivo de acompanhamento de cônjuge, com atuação tanto na via administrativa quanto judicial.
Com equipe jurídica reconhecida pelas edições 2023, 2024 e 2025 da Análise Advocacia entre os escritórios mais admirados do país na categoria de Direito Administrativo, o Schiefler Advocacia reúne excelência técnica, experiência prática e profundo conhecimento da jurisprudência atualizada. Nossa atuação é marcada pela busca de soluções jurídicas seguras, preventivas e eficientes para servidores públicos de todo o país. Estamos à disposição para orientações e esclarecimentos sobre o tema.
O Escritório Schiefler Advocacia já publicou outros textos que aprofundam questões correlatas à remoção de servidores. Recomendamos a leitura de:
- Servidor Público cujo cônjuge foi deslocado possui direito à licença.
- 3 fatos importantes sobre a remoção para acompanhamento de cônjuge.
- Servidor público federal e o acompanhamento de cônjuge.
- A remoção de professor entre Universidades Federais distintas.
O entendimento majoritário dos Tribunais é de que o professor universitário, casado com servidor público federal que foi deslocado no interesse da Administração, pode ser removido para outra instituição de ensino, pois o cargo de professor universitário pertence a um quadro único vinculado ao MEC.
Eduardo Schiefler[1]
O deslocamento de servidores públicos pelo território brasileiro é uma prática administrativa bastante comum. Por conta das necessidades da Administração Pública, que variam em grau e gênero, os gestores públicos costumam lançar mão de deslocamentos de ofício (ex officio) para satisfazer o interesse público. É o caso do deslocamento no interesse da Administração.
Diante dessa realidade, cuja intensidade pode ter relação com a gradual escassez de novos concursos públicos, surge uma questão de extrema relevância: se o servidor deslocado possuir um cônjuge/companheiro também servidor público, surge a ele o direito de ser removido para fins de acompanhamento? A resposta é positiva[2], independentemente do interesse da Administração e, inclusive, nas hipóteses em que não há coabitação prévia entre os cônjuges servidores.
Trata-se de previsão específica do artigo 36, parágrafo único, inciso III, alínea “a”, do Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União (Lei Federal nº 8.112/1990), segundo a qual o servidor poderá ser removido, a pedido e independentemente do interesse da Administração, “para acompanhar cônjuge ou companheiro, também servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que foi deslocado no interesse da Administração”[3].
Acontece que o instituto da remoção ganha novos contornos quando se está diante de Professores de uma Instituição Federal de Ensino. Isto é, professores de Universidades Federais ou de Institutos Federais, que possuem personalidade e autonomia jurídica próprias e que estão distribuídos por todas as regiões do País.
Este detalhe é importante e recebeu a atenção de quem vos escreve em razão de uma peculiaridade contida na Lei Federal nº 8.112/1990, que comumente é questionada nas ações judiciais que pleiteiam a remoção do professor universitário para outra instituição de ensino. Isto porque no artigo 36 da norma, que regulamenta os requisitos do instituto da remoção de servidor público, existe a previsão de que essa espécie de deslocamento (remoção) somente ocorrerá no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede.
Em uma primeira análise, seria possível cogitar que a norma impediria a remoção de professores entre Universidades Federais distintas, uma vez que, à primeira vista, pode-se pensar que cada instituição possui um quadro de pessoal próprio e que o ingresso em um deles exige a aprovação em concurso público. Contudo, esta não é a interpretação adotada por parcela majoritária dos Tribunais brasileiros.
Explica-se.
Sem dúvidas, a interpretação de que a remoção de professores seria vedada no âmbito das universidades federais impactaria sobremaneira a finalidade do instituto da remoção para acompanhamento de cônjuge/companheiro, previsto no artigo 36 justamente para fazer frente à discricionariedade (legítima, diga-se de passagem) da Administração Pública em deslocar os seus servidores para assegurar o interesse público.
Imagine-se a situação de um casal de servidores públicos em que um dos cônjuges é deslocado (por redistribuição ou remoção ex officio) para outro ponto do território nacional. Em tese, não haveria dúvidas sobre o surgimento ao outro cônjuge do direito de acompanhar. Contudo, se o cônjuge do servidor deslocado for professor universitário, a depender do local para o qual houve o deslocamento, o professor estaria impossibilitado de acompanhá-lo se se aplicasse o entendimento de que cada instituição federal de ensino possui um quadro de pessoal próprio.
Em atenção a essa peculiaridade, a jurisprudência pátria se consolidou no sentido de que “O cargo de professora de Universidade Federal pode e deve ser interpretado, ainda que unicamente para fins de aplicação do art. 36, § 2º, da Lei 8.112/1990, como pertencente a um quadro de professores federais, vinculado ao Ministério da Educação”[4].
O entendimento majoritário dos Tribunais brasileiros, entre eles o Superior Tribunal de Justiça (STJ), responsável pela uniformização da intepretação das leis federais, é de que o professor universitário, casado com servidor público federal que foi deslocado no interesse da Administração, pode ser removido para outra instituição de ensino, pois o cargo de professor universitário pertence a um quadro único de professores federais, vinculado ao Ministério da Educação (MEC), ainda que para fins exclusivamente do instituto da remoção, cf. artigo 36 da Lei nº 8.112/1990.
Nesse sentido, para que um professor universitário seja removido para acompanhar cônjuge, é preciso preencher os seguintes requisitos: (1) existência de um vínculo matrimonial, ou equivalente, (2) ambos os cônjuges/companheiros devem ser servidores públicos e (3) o deslocamento do cônjuge deve ter sido realizado no interesse da Administração. Atendidas estas exigências legais, é plenamente possível que um professor de instituição federal de ensino seja removido para outra, eis que a interpretação mais aceita nos Tribunais é a de que esse cargo pertence a um quadro único de professores federais vinculado ao MEC.
Ocorre que esse entendimento não é compartilhado pelas instituições de ensino, as quais não estão, é verdade, vinculadas à jurisprudência do Poder Judiciário, uma vez que, regra geral, a esfera administrativa é autônoma da judicial. Além disso, o próprio Ministério da Educação possui normativas internas que vedam a remoção de professores entre universidades distintas. Invariavelmente, esta discussão acaba sendo levada aos montes para o Poder Judiciário, que passa a ter a palavra final do caso concreto.
Recentemente, no fim do mês de junho de 2020, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) deu provimento a um recurso interposto e reconheceu expressamente a possibilidade de remover professor entre universidades distintas, pois a interpretação mais correta é a de que o cargo pertence a um mesmo quadro vinculado ao Ministério da Educação. Confira-se a ementa do julgado, no qual tive a honra de participar como advogado da causa:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR PÚBLICO. REMOÇÃO PARA ACOMPANHAMENTO DE CÔNJUGE. DEFERIMENTO DA TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA REQUERIDA. PRESENÇA DOS REQUISITOS. RECURSO PROVIDO. […]
3. No caso dos autos, há fumus boni iuris, porquanto o cargo de professor de Universidade Federal pode e deve ser interpretado como pertencente a um mesmo quadro de professores federais, vinculado ao Ministério da Educação, ainda que unicamente para fins de aplicação do artigo 36 da Lei n. 8.112/90. Precedentes.
4. O risco de dano também se faz presente, na medida em que a decisão inicial de concessão da tutela de urgência foi reconsiderada quase um ano após a agravante ser lotada em cargo efetivo de professor no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília, como consequência da remoção autorizada.
5. Presentes os requisitos ensejadores da concessão da tutela provisória de urgência, no caso. Precedente.
6. Agravo de instrumento provido.[5]
Assim, a partir do entendimento de que professores de instituições federais de ensino distintas pertencem a um quadro único de professores federais, vinculado ao MEC, torna-se pleno o atendimento do requisito, previsto no artigo 36 da Lei nº 8.112/1990, de que a remoção só pode ocorrer no âmbito do mesmo quadro. Entretanto, como visto, é incomum a aplicação voluntária deste entendimento pela Administração Pública, sendo necessária, muitas vezes, a propositura de ação judicial para concretizar o direito de ser removido para acompanhar cônjuge.
[1] Eduardo Schiefler – Advogado no escritório Schiefler Advocacia. Mestrando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Integrante do Grupo de Estudos em Direito Público (GEDIP/UFSC). Integrante do Grupo de Pesquisa em Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial (DRIA.UnB). Autor do livro “Processo Administrativo Eletrônico” (2019) e de artigos acadêmicos, especialmente na área de Direito Administrativo e Tecnologia.
[2] Para além do direito de ser removido para acompanhar cônjuge, o deslocamento também gera o direito de obter licença por motivo de afastamento de cônjuge, previsto no artigo 84 da Lei Federal nº 8.112/1990. Cf. Servidor Público cujo cônjuge foi deslocado possui direito à licença (https://schiefler.adv.br/servidor-publico-cujo-conjuge-foi-deslocado-possui-direito-a-licenca/).
[3] Art. 36. Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede.
Parágrafo único. Para fins do disposto neste artigo, entende-se por modalidades de remoção: […]
III – a pedido, para outra localidade, independentemente do interesse da Administração:
a) para acompanhar cônjuge ou companheiro, também servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que foi deslocado no interesse da Administração;
[4] STJ, REsp 1833604/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/10/2019.
[5] TRF-3, AI 5031708-94.2019.4.03.0000. Relator Desembargador Federal Hélio Nogueira. Publicado em 30/06/2020.
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