Da leitura da IN nº 73/2020, que revogou integralmente a Instrução Normativa nº 5 de 2014, sua antecessora, percebe-se que ela trouxe alterações com o objetivo de modernizar o procedimento de pesquisa de preços e torná-lo mais detalhado.
Eduardo André Carvalho Schiefler[1]
Eduardo Prudente Vargas da Silva[2]
No dia 6 de agosto, foi publicado no Diário Oficial da União a Instrução Normativa nº 73/2020[3], da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, que dispõe sobre o procedimento administrativo de pesquisa de preços para a aquisição de bens e contratação de serviços em geral, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
Da leitura da IN nº 73/2020, que revogou integralmente a Instrução Normativa nº 5 de 2014, sua antecessora, é possível perceber que ela trouxe alterações com o objetivo de modernizar o procedimento de pesquisa de preços e torná-lo mais detalhado. Resumidamente, a IN 73/2020 traz algumas mudanças bastante objetivas:
1- A aferição da vantajosidade das adesões às atas de registro de preços deverá ser realizada de acordo com o disposto na IN 73/2020 (cf. § 3º do artigo 1º).
2- Quando executarem recursos da União decorrentes de transferências voluntárias, os órgãos e entidades da administração pública estadual, distrital ou municipal, direta ou indireta, deverão realizar a pesquisa de preços de acordo com as disposições da IN 73/2020, (§ 2º do artigo 1º). Registra-se que, antes, não havia vinculação quanto à aplicação da IN 5/2014 para estes órgãos e entidades, embora ela fosse constantemente adotada como referência. Com a novidade da IN 73/2020, estes órgãos e entidades se encontram vinculados à normativa, ou seja, obrigados a observar as suas disposições nas hipóteses em que estiverem utilizando recursos federais decorrentes de transferências voluntárias.
3- Trouxe definições claras para “preço estimado”, “preço máximo” e “sobrepreço”, facilitando o entendimento com o objetivo de evitar discrepâncias quando da aplicação dos referidos conceitos (art. 2º).
Além disso, considerando que a fase de pesquisa de preço é uma fase interna de suma importância para o processo de contratação pública, a IN 73/2020 traz em seu artigo 3º uma formalidade maior: instituiu-se a obrigatoriedade de a pesquisa de preços ser materializada em documento que contenha informações mínimas, como (i) a identificação do responsável pela cotação, (ii) a descrição das fontes utilizadas, (iii) a série de preços coletados, (iv) o método adotado para se definir o valor estimado e (v) as justificativas para a metodologia adotada, em especial para a desconsideração de valores inexequíveis, inconsistentes (novo termo incorporado pela IN) e excessivamente elevados, se aplicável.
Em seu artigo 4º, a IN 73/2020 dispõe como critério de pesquisa a observação, sempre que possível, das condições comerciais praticadas pelos fornecedores, o que inclui os prazos e locais de entrega, a instalação e montagem do bem ou prestação do serviço, as formas de pagamento, o frete e as garantias exigidas, assim como marcas e modelos, quando for o caso.
Já em seu artigo 5º, a IN 73/2020 elencou os parâmetros de pesquisa que devem ser observados, os quais podem ser empregados de forma combinada ou não: (i) Painel de Preços, (ii) aquisições e contratações similares de outros entes públicos, (iii) dados de pesquisa publicada em mídia ou site especializados, ou de domínio amplo, e (iv) pesquisa direta com fornecedores. Da mesma forma que a sua antecessora, a IN 73/2020 determina que se deve priorizar os parâmetros estabelecidos nos incisos I e II – o que reafirma a jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU)[4].
De toda forma, a IN 73/2020 trouxe novidades também nesse quesito, conforme se verifica da tabela abaixo:
Especificamente quanto à pesquisa direta junto aos fornecedores, vale ressaltar que a IN nº 73/2020, em seu artigo 5º, § 2º, prescreve como deverá ocorrer o procedimento de pesquisa, exigindo (i) a solicitação formal de cotação contenha o prazo de resposta conferido ao fornecedor, compatível com a complexidade do objeto; (ii) a obtenção de propostas formais que contenham no mínimo: a descrição do objeto, valor unitário e total, o CPF ou CNPJ do proponente, o endereço e telefone de contato e a data de emissão da proposta; e (iii) o registro, nos autos da contratação, da relação de fornecedores que foram consultados e não enviaram propostas. Em comparação com a IN 5/2014, observa-se que esta restringia-se somente à exigência de um procedimento formal, sem detalhar como deveria ocorrer.
Veja-se que, por se tratar de um momento delicado para a administração pública, a pesquisa direta com fornecedores sofreu alterações no sentido de tornar mais clara as exigências de formalização e o rigor dos diálogos público-privados[5] (administração-fornecedores), de forma a exigir formalidades indispensáveis à lisura do procedimento. Ao que tudo indica, o intuito dessa formalização não visa a impedir ou burocratizar as relações comunicacionais, mas aumentar o nível de segurança para a administração e às próprias partes envolvidas (agentes público e econômico).
Outra importante novidade trazida é que, diferentemente do artigo 4º da IN 5/2014, a IN 73/2020 não proíbe, ao menos expressamente, a obtenção de estimativa de preços em sítios de leilão ou de intermediação de vendas, de forma que, em tese, pode-se proceder à realização de pesquisa de preços em marketplaces. Trata-se de inovação que caminha ao lado do que foi anunciado recentemente pelo Ministério da Economia: que o governo federal estuda implantar uma nova plataforma de comércio eletrônico nas compras públicas[6].
Ademais, o artigo 7º da IN 73/2020 discorreu sobre a necessidade de instrução dos processos administrativos de inexigibilidade de licitação, os quais deverão conter a devida justificativa de que o preço ofertado à administração é condizente com o praticado pelo mercado, em especial por meio de (i) documentos fiscais ou contratos de objetos idênticos[7], comercializados pela futura contratada, emitidos no período de até 1 (um) ano anterior à data da autorização da inexigibilidade pela autoridade competente; e de (ii) tabelas de preços vigentes divulgadas pela futura contratada em sites especializados ou de domínio amplo, contendo data e hora de acesso.
Trata-se de parâmetros exemplificativos, tendo em vista que o § 1º do artigo 7º dispõe que “Poderão ser utilizados outros critérios ou métodos, desde que devidamente justificados nos autos pelo gestor responsável e aprovados pela autoridade competente.”.
Está aí mais uma prova de que a IN 73/2020 surgiu também para conferir mais formalidade ao procedimento de pesquisa de preços, prezando pelo registro e formalização dos procedimentos nos autos do processo administrativo – o que, evidentemente, confere mais transparência ao processo de contratação pública e, inclusive, maior segurança ao gestor, que poderá, caso necessário, comprovar as boas práticas adotadas e evidenciar a sua atuação de boa-fé.
Frise-se que, caso a futura contratada não tenha comercializado o objeto em momento anterior, a justificativa de preço poderá ser realizada por meio de objetos de mesma natureza (objetos similares). E mais: a IN 73/2020 esclarece que esse procedimento, previsto no caput às hipóteses de inexigibilidade, também se aplica, no que couber, às hipóteses de dispensa de licitação, em especial as previstas nos incisos III, IV, XV, XVI e XVII do artigo 24 da Lei nº 8.666/1993 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos)[8].
A IN 73/2020 deixa claro, também, que, se a justificativa de preços indicar a possibilidade de competição no mercado, a inexigibilidade não poderá ser realizada pela administração. Nesse ponto, vale fazer um registro: a pluralidade de prestadores de serviços ou fornecedores nem sempre corresponde à viabilidade de competição, havendo exceções como as previstas no artigo 25, incisos II e III da Lei nº 8.666/1993[9].
Torna-se evidente, portanto, a finalidade e a importância de do procedimento de pesquisa de preços. Isto é, para além da orçamentação dos preços a serem pagos pela administração, o procedimento de pesquisa também se presta para verificar se o processo de contratação pública deve ser levado a cabo por meio de licitação ou de contratação direta. Assim, entende-se que andou bem a IN 73/2020 ao prever expressamente essa vedação à inexigibilidade de licitação quando da verificação da viabilidade de competição.
Por fim, em suas disposições finais (artigo 10), a IN 73/2020 prevê que o preço máximo a ser praticado na contratação poderá assumir valor distinto do preço estimado na pesquisa de preços feita, mas desde que haja justificativa para o acréscimo ou subtração de percentual e que sejam observadas a atratividade do mercado e a mitigação de risco de sobrepreço, sendo vedada a adoção de qualquer critério estatístico ou matemático que incida a maior sobre os preços máximos.
Em linhas gerais, portanto, a IN 73/2020 surgiu para aprimorar o procedimento de pesquisa de preços no âmbito do Poder Executivo Federal, conferindo mais formalidade a essa fase tão essencial ao processo de contratação pública, cuja existência de falhas, não raramente, é responsável por gerar inúmeros problemas posteriores à administração pública e aos contratados.
[1] Advogado no escritório Schiefler Advocacia. Mestrando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Integrante do Grupo de Estudos em Direito Público (GEDIP/UFSC). Integrante do Grupo de Pesquisa em Direito, Racionalidade e Inteligência Artificial (DRIA.UnB). Autor do livro “Processo Administrativo Eletrônico” (2019) e de artigos acadêmicos, especialmente na área de Direito Administrativo e Tecnologia.
[2] Estagiário no escritório Schiefler Advocacia. Graduando em Direito pela Rede de Ensino Doctum. Integrante da Associação Internacional de Advogados e Estudantes LawTalks.
[3] Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/instrucao-normativa-n-73-de-5-de-agosto-de-2020-270711836. Acesso em 10 ago. 2020.
[4] A pesquisa de preços para elaboração do orçamento estimativo da licitação não pode ter como único foco propostas solicitadas a fornecedores. Ela deve priorizar os parâmetros disponíveis no Painel de Preços do Portal de Compras do Governo Federal e as contratações similares realizadas por entes públicos, em observância à IN-SLTI 5/2014. (Boletim de Jurisprudência nº 213 de 23/04/2018 – Acórdão 718/2018, Plenário. Relator Ministro André de Carvalho, julgado em 04/04/2018)
[5] Sobre os diálogos público-privados, recomenda-se a leitura da obra Diálogos público-privados, de Gustavo Henrique Carvalho Schiefler: SCHIEFLER, Gustavo Henrique Carvalho. Diálogos público-privados. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.
[6] Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/noticias/2020/julho/governo-debate-com-sociedade-implantacao-de-marketplace-para-compras-publicas. Acesso em 10 ago. 2020.
[7] Como se verá adiante, a justificativa de preço poderá ser realizada mediante objetos de mesma natureza, ou seja, similares (e não idênticos), nas hipóteses em que a futura contratada não tenha comercializado previamente o objeto.
[8] Art. 24. É dispensável a licitação: […]
III – nos casos de guerra ou grave perturbação da ordem;
IV – nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos; […]
XV – para a aquisição ou restauração de obras de arte e objetos históricos, de autenticidade certificada, desde que compatíveis ou inerentes às finalidades do órgão ou entidade.
XVI – para a impressão dos diários oficiais, de formulários padronizados de uso da administração, e de edições técnicas oficiais, bem como para prestação de serviços de informática a pessoa jurídica de direito público interno, por órgãos ou entidades que integrem a Administração Pública, criados para esse fim específico;
XVII – para a aquisição de componentes ou peças de origem nacional ou estrangeira, necessários à manutenção de equipamentos durante o período de garantia técnica, junto ao fornecedor original desses equipamentos, quando tal condição de exclusividade for indispensável para a vigência da garantia;
[9] Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: […]
II – para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;
III – para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.
Read MoreA emergência nacional é mais urgente do que a local?
Nesta sexta-feira (22 de maio de 2020), a advogada Giovanna Gamba publicou, juntamente com o Prof. Dr. Guilherme Jardim Jurksaitis, o artigo “Contratações públicas em tempos de pandemia” no Portal Jurídico JOTA, o qual pode ser visualizado neste link. Em razão da relevância do tema, vamos republicá-lo na íntegra, com a autorização da autora:
Contratações públicas em tempos de pandemia: A emergência nacional é mais urgente do que a local?
Por Giovanna Gamba e Guilherme Jardim Jurksaitis
A lei federal nº 13.979/2020 foi editada para viabilizar medidas de resposta e contenção à pandemia do covid-19. Seus dispositivos sobre contratações públicas são indicativos claros da insuficiência do regime habitual de licitações para atender às necessidades reais da administração pública, sobretudo em período de crise.
Todos conhecemos as críticas à lei de licitações. Para ficar nas mais frequentes: excesso de burocracia, que torna o procedimento lento e custoso; apego ao menor preço, com baixa preocupação com a qualidade do que se quer adquirir; complexidade de regras, que cria ambiente propício à concentração de mercado e à corrupção[1].
Essas críticas valem tanto para aquisições corriqueiras de itens de escritório como para a construção de um hospital de referência. A lei de licitações não parece distinguir prioridades e se preocupa demais com minúcias pouco relevantes para qualificar o contratante e o objeto contratado.
Em situações de emergência, a inadequação desse regime é bem maior. Não há como aguardar o prazo mínimo entre a publicação do edital e a sessão de abertura dos envelopes. E há ainda o risco de uma decisão judicial ou administrativa paralisar o certame. É preciso agir rápido e com precisão.
Para esses casos, a lei de licitações prevê a contratação direta por emergência ou calamidade pública (art. 24, IV). Essa medida está na legislação desde o decreto-lei 200, de 1967 (art. 126, § 2º, h). Apesar disso, contratações sem licitação para atender emergências são alvo de intensa desconfiança. Se, de um lado, há desvios no uso desse instrumento, de outro, parece haver predisposição para considerá-lo irregular. A literatura oferece exemplos a respeito desse debate[2] e há jurisprudência dos órgãos de controle sobre o tema[3].
A impressão é que os órgãos de controle tendem a minimizar as situações de emergência, que, em tese, poderiam ensejar a dispensa de licitação. É comum atribuir comportamento desidioso ao gestor público por não ter adotado medidas preventivas à situação excepcional; ou questionar a própria ocorrência da situação emergencial. Em ambos os casos, o que se verifica é uma tendência à idealização, distante do mundo real e das dificuldades da administração pública.
Não surpreende que a lei federal nº 13.979/2020 tenha se preocupado em criar regime especial para as contratações emergenciais durante a crise do covid-19. Ela estabeleceu a presunção de emergência para todas as contratações destinadas “ao enfrentamento da emergência de saúde pública” (art. 4º-B), diminuindo o ônus do gestor ao motivar contratações sem licitação.
Precisou-se de uma pandemia global para que se buscasse diminuir a desconfiança contra as contratações diretas por emergência. E os fatos não foram suficientes: sem a edição de uma nova lei nacional os gestores não teriam segurança.
A ampla aceitação da dispensa presumida da lei 13.979/2020 sugere que a emergência nacional é mais real do que a vivenciada cotidianamente pelas administrações subnacionais, com escassos recursos humanos e financeiros. No entanto, a emergência que mata cidadãos da pequena cidade do interior de Sergipe, o menor da Federação, também é importante e grave. E, portanto, igualmente impossível de ser enfrentada pelos procedimentos da lei 8.666/93. A reforçar este ponto, o Congresso Nacional promulgou recentemente a emenda constitucional número 106, que autoriza o poder executivo federal a adotar procedimento simplificados de contratações públicas, sem mencionar os demais poderes e as entidades subnacionais.
A emergência presumida da lei 13.979/2020 é uma resposta à sacralidade do regime atual de licitações e à visão utópica de que é possível planejar tudo. Os deveres da licitação e de planejamento não podem, nas situações de emergência, serem usados como armas apontadas para o gestor público. Licitações são importantes, claro. E planejar também. Mas é preciso ter olhos para a realidade. É difícil, da perspectiva do ambiente controlado dos gabinetes e escritórios, levar a sério a emergência que está longe.
No contexto de desigualdade federativa, em que a imensa maioria dos municípios sequer tem receitas próprias para suas estruturas administrativas, é injusto e ingênuo impor a todos os gestores o mesmo dever de bem planejar. Na escassez, o gestor público tem de escolher entre prover a merenda escolar, única fonte de alimentação para muitas crianças, ou construir o muro de arrimo para suportar chuvas torrenciais futuras. Ou decidir entre o abastecimento de remédios para o posto de saúde e a campanha de prevenção contra a dengue. É claro que tanto as chuvas de verão quanto as doenças sazonais são previsíveis. Mas ambas disputam lugar com demandas presentes e, por vezes, mais urgentes.
Importantes líderes mundiais, como Barack Obama[4] e Bill Gates[5], alertaram para uma pandemia global e ninguém fez nada no Brasil. Essa falha de planejamento não impede que se faça agora a dispensa das licitações. A lei 13.979/2020 reconhece que, se a emergência chegou, é preciso enfrentá-la com eficiência e rapidez, sem exageros formais e sem questionar o passado.
A experiência pela qual estamos passando oferece a oportunidade para refletir seriamente sobre o sistema brasileiro de contratações públicas. Que ele possa oferecer soluções céleres e efetivas, para atender às necessidades diárias e às excepcionais da administração e da coletividade, em âmbito nacional e local. Menos idealização e preconceitos – e mais resultado. O dever de reformar o regime habitual de contratações públicas é premente. Passada a pandemia, que se retome a tarefa.
Até lá, fique em casa.
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[1] Sobre o tema, conferir André Rosilho, Licitação no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2013.
[2] Por todos, conferir Carlos Ari Sundfeld, “Dispensa de licitação por emergência. Condições de validade e o problema da responsabilidade do contratado” in Pareceres, Vol. III. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, pp.: 21-34.
[3] Como mostra Juliana Bonacorsi de Palma, em coluna neste Jota, disponível em [https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/o-controle-em-tempos-de-coronavirus-25032020], acesso em 1/5/2020.
[4] Now This News, “Obama warned the U.S. to prepare for a pandemic back in 2014”, Youtube, 9/4/2020. Disponível em [https://www.youtube.com/watch?v=pBVAnaHxHbM], acesso em 1/5/2020.
[5] Bill Gates, “A better response to the next pandemic”, Gates Notes, 18/1/2010. Disponível em [https://www.gatesnotes.com/Health/A-Better-Response-to-the-Next-Pandemic], acesso em 1/5/2020.
Read MoreExceto nos casos em que houver alguma regulamentação específica e própria, a Administração terá liberdade para empreender uma pesquisa de mercado com os potenciais particulares a serem contratados, estabelecendo diálogos público-privados com esses potenciais fornecedores, devidamente registrados no processo administrativo. A partir de uma análise discricionária e motivada das diferentes opções, elegerá o particular a ser contratado diretamente, justificando tal seleção.
Como deve ser selecionado o particular no processo de contratação direta por dispensa de licitação regida pela Lei nº 8.666/1993?
Apesar das diversas modalidades de licitação que visam à seleção, pela Administração, do particular mais qualificado para a execução de um contrato público, a Lei Federal nº 8.666/1993 também permite, em alguns casos excepcionais, a contratação direta por dispensa de licitação. Estas hipóteses estão previstas no rol taxativo dos incisos do artigo 24.
Nessa categoria de contratação que não depende de licitação, encontram-se as situações em que o legislador optou que, embora fosse tecnicamente possível, a realização do certame seria indesejada. Nesse cenário, em vez de proceder à licitação pública, o legislador entendeu que seria mais adequado contratar diretamente a empresa contratada.
Antes de tudo, é preciso salientar que a opção pela contratação direta, seja por dispensa ou inexigibilidade de licitação, deve ser feita em razão da necessidade administrativa observada pela Administração quando do planejamento da contratação pública. É dizer: durante a fase interna do processo de contratação, a Administração identifica a sua necessidade e elege a solução que mais bem atende a essa necessidade. Se essa solução estiver enquadrada na hipótese de dispensa, ela será válida.
Seguindo a análise, tem-se que o rol de hipóteses, contido no artigo 24 da Lei Federal nº 8.666/1993, é taxativo. Isto é, as hipóteses de dispensa de licitação estão dispostas nos incisos do artigo 24 e o administrador está permitido a contratar diretamente, por dispensa, apenas quando o caso se enquadrar na descrição da hipótese.
Alguns exemplos comumente vistos na prática administrativa são as situações que, em razão de um caso de emergência, possuem urgência na resolução de uma demanda administrativa, de modo que a realização de licitação pública seria imprópria pela demora na obtenção do contrato (inciso IV do artigo 24 da Lei Federal nº 8.666/1993), e as hipóteses de contratação de pequeno valor (incisos I e II do artigo 24), em que a realização do procedimento licitatório produziria um custo desproporcional ao valor do contrato administrativo pretendido.
A título de informação, menciona-se que a Lei Federal nº 13.979/2020, editada para auxiliar no enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019, previu uma nova hipótese de dispensa de licitação: nas situações em que a Administração pretende contratar bens, serviços (inclusive de engenharia) e insumos destinados ao enfrentamento da pandemia de COVID-19 (artigo 4º da Lei Federal nº 13.979/2020[1]).
Sobre o procedimento a ser empreendido para a contratação direta por dispensa de licitação, é importante salientar o que dispõe o artigo 26 da Lei nº 8.666/1993[2]. Este dispositivo determina que as dispensas previstas nos §§ 2º e 4º do artigo 17 e, para o que interessa a este texto, no inciso III e seguintes do artigo 24 devem ser comunicadas, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos.
Vale ressaltar, ainda, o parágrafo único do mesmo artigo 26, segundo o qual:
Parágrafo único. O processo de dispensa, de inexigibilidade ou de retardamento, previsto neste artigo, será instruído, no que couber, com os seguintes elementos:
I – caracterização da situação emergencial, calamitosa ou de grave e iminente risco à segurança pública que justifique a dispensa, quando for o caso;
II – razão da escolha do fornecedor ou executante;
III – justificativa do preço.
IV – documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados;
Mas, afinal, como devem ser interpretados tais regramentos?
Pois bem. Em relação à dúvida sobre a necessidade de que a Administração estabeleça regras objetivas no que toca à quantidade de empresas chamadas a apresentarem propostas e no que toca à forma de seleção da contratada, antecipa-se que não há qualquer previsão legal que determine, de forma objetiva, o número mínimo de empresas a serem chamadas para apresentação de proposta, tampouco há regramento para com os critérios a serem utilizados pela Administração para selecionar a empresa contratada.
Em outras palavras, não há qualquer impedimento legal, ou regulamentação em nível de lei, sobre o número de empresas que devem apresentar proposta e nem sobre os critérios que a Administração precisaria avaliar para selecionar o contratado. Estas questões dizem respeito às licitações, não à dispensa. Ou seja, a Lei Federal nº 8.666/1993 permite o ato de dispensar a licitação, mas não o delimita.
A regulamentação do procedimento para seleção do particular a ser contratado diretamente pode, eventualmente, ocorrer no âmbito infralegal de cada ente federado – tal como no âmbito federal, em que se prevê a dispensa eletrônica (artigo 51 do Decreto Federal nº 10.024/2019), ainda não regulamentada, que deverá substituir a cotação eletrônica (Portaria MPOG nº 306/01), ambos mecanismos destinados à seleção simplificada de fornecedor que apresente o menor preço para contratações de bens de pequeno valor.
Agora, esta ausência de critérios legais objetivos para a seleção da licitante não significa que se está em ambiente de plena liberalidade do agente público. Não. A escolha é discricionária, sim, porém devidamente – e tecnicamente – motivada. E afirma-se isto com tamanha categoria porquanto o próprio artigo 26 da Lei de Licitações e Contratos, em seu parágrafo único, supracitado, impõe que as seleções feitas pela Administração, ainda que em caso de dispensa de licitação, sejam devidamente justificadas.
Obrigatoriamente, o agente público deve apresentar a razão da escolha do fornecedor ou executante (artigo 26, parágrafo único, inciso II) e, também, a justificativa do preço (artigo, parágrafo único, inciso III). Sendo tais requisitos preteridos, impõe-se a anulação do ato administrativo que selecionar a empresa, ou mesmo do contrato.
A propósito, o Tribunal de Conta da União (TCU) possui jurisprudência pacífica a qual caminha na mesma direção: é preciso justificar a escolha da empresa contratada. Tanto o é, que o ministro Marcos Bemquerer Costa, relator do Acórdão nº 2186/2019, postulou que “a legislação, no caso de dispensa de licitação, não impõe regras objetivas quanto à quantidade e à forma de seleção do contratado, mas determina que essa escolha seja justificada”[3].
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) trilha o mesmo rumo. Em sede de Agravo em Recurso Especial[4], afirmou o relator, ministro João Otávio de Noronha, ser “incontroverso que a falta de justificativa (pautada no interesse público) levada a efeito no caso em exame, impõe a nulidade do ato. Ademais, não houve sequer procedimento prévio acerca da dispensa da licitação com suas justificativas, como exige o artigo 26 da Lei 8666/93 […]”.
Exceto nos casos em que houver alguma regulamentação específica e própria, a Administração terá liberdade para empreender uma pesquisa de mercado com os potenciais particulares a serem contratados, estabelecendo diálogos público-privados com esses potenciais fornecedores, devidamente registrados no processo administrativo. A partir de uma análise discricionária e motivada das diferentes opções, elegerá o particular a ser contratado diretamente, justificando tal seleção.
Portanto, conclui-se que, embora não haja regras concretas e objetivas no atinente à quantidade e à forma de seleção do contratado, deve a Administração, necessariamente, e em atenção ao parágrafo único do artigo 26 da Lei Federal nº 8.666/93, apresentar a razão da escolha do contratado e a justificativa do preço, sob pena de nulidade do ato.
[1] Art. 4º É dispensável a licitação para aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus de que trata esta Lei.
[2] Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2o e 4o do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8o desta Lei deverão ser comunicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos
[3] TCU – RP: 00174720185, Relator: MARCOS BEMQUERER, Data de Julgamento: 11/09/2019, Plenário.
[4] STJ – AREsp: 1610192 MS 2019/0323149-7, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Publicação: DJ 03/02/2020.
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