
Proposta mais vantajosa: critérios de julgamento na Lei nº 14.133/21
A Lei nº 14.133/2021 (NLLCA) alterou os procedimentos de contratação pública, especialmente na etapa de julgamento das propostas. A sistematização dos critérios de julgamento ampliou as possibilidades de adoção de soluções inovadoras e contratações orientadas por resultados.
A ideia de “vantajosidade” deixou de estar atrelada exclusivamente ao menor preço e passou a incorporar elementos como qualidade técnica, retorno econômico, desempenho futuro, entre outros, a depender do critério eleito. A nova legislação busca conciliar eficiência e flexibilidade nas contratações, sem abrir mão da transparência e da competitividade. Neste artigo, aprofunda-se a análise dos critérios de julgamento que viabilizam a escolha da proposta mais vantajosa.
Para uma visão geral sobre as mudanças trazidas pela NLLCA, recomenda-se a leitura do artigo: “O que mudou com a nova lei de licitações e contratos administrativos (Lei nº 14.133/2021): as novas regras de licitação.”
Critérios de julgamento na nova Lei de Licitações
A Lei nº 14.133/2021 estabelece seis critérios possíveis de julgamento das propostas (art. 33, incisos I a VI), os quais devem estar expressamente previstos no edital da licitação. São eles: (i) menor preço; (ii) maior desconto; (iii) melhor técnica ou conteúdo artístico; (iv) técnica e preço; (v) maior lance ou oferta; e (vi) maior retorno econômico.
Cada critério define a forma pela qual a comissão de licitação selecionará a proposta vencedora. Uma vez fixado no edital o critério a ser adotado, o julgamento deve restringir-se a ele, em observância aos princípios da vinculação ao instrumento convocatório e do julgamento objetivo.
Menor Preço
Trata-se do critério mais tradicional e amplamente utilizado. Nesse caso, será considerada vencedora a proposta de menor valor global, desde que atenda integralmente às exigências do edital e não seja considerada inexequível.
Para aprofundar o tema da viabilidade das propostas, acesse: “Obrigatoriedade de diligência prévia na desclassificação de propostas inexequíveis, conforme a Lei 14.133/2021”.
Esse critério é especialmente indicado para a aquisição de bens e serviços comuns, com ampla concorrência e objetos padronizados, nos quais o custo seja o principal parâmetro de escolha.
Uma inovação relevante trazida pela nova legislação é a possibilidade de considerar o custo do ciclo de vida no cálculo do menor preço (art. 34, § 1º), permitindo que, além do valor de aquisição, sejam incluídos custos futuros, como manutenção, insumos, depreciação e impactos ambientais, desde que objetivamente mensuráveis.
Em síntese, o critério de menor preço busca a eficiência econômica imediata, garantindo que, atendidos os padrões mínimos de qualidade, vença quem cobrar menos.
Maior Desconto
O critério de maior desconto, embora também tenha como finalidade a obtenção do menor dispêndio para a Administração, aplica-se a situações em que o órgão público adota um preço de referência ou uma tabela previamente fixada, e os licitantes concorrem oferecendo percentuais de desconto sobre esse valor.
Será vencedora a proposta que apresentar o maior percentual de abatimento, observados os padrões de qualidade definidos no edital (art. 34). Em casos em que o objeto envolve itens com preços e quantidades determináveis, a utilização desse critério mostra-se particularmente interessante.
Melhor Técnica ou Conteúdo Artístico
Privilegia-se, nesse critério, exclusivamente os aspectos qualitativos da proposta, sendo indicado para contratações de natureza predominantemente intelectual, criativa ou inovadora, como serviços técnicos especializados, projetos culturais e concursos artísticos.
Nesses casos, seleciona-se a proposta de maior mérito técnico, sendo o valor previamente fixado ou definido por outro critério, sem competição de preços. Um ponto a se destacar é que a Nova Lei exige que a equipe técnica indicada na proposta esteja efetivamente envolvida na execução do contrato (art. 38), reforçando o compromisso com a qualidade ofertada.
Esse critério reforça a ideia de que a proposta mais vantajosa nem sempre é a mais barata, mas sim a que oferece o melhor resultado técnico quando a situação assim exige.
Técnica e Preço
Esse critério busca o equilíbrio entre qualidade técnica e custo. Os dois elementos são avaliados segundo pesos previamente definidos no edital, resultando em uma nota final que determinará a proposta vencedora.
É o critério mais indicado para contratações complexas, como consultorias, projetos de engenharia, serviços de TI ou publicidade, nas quais a técnica e o preço devem caminhar juntos. No caso específico das licitações de publicidade, esse critério é comumente adotado, conforme explicamos no artigo “O que é diferente em uma licitação de publicidade?”.
Nesses casos, a Administração quer evitar tanto pagar barato por um serviço de baixa qualidade quanto gastar demais por um ganho técnico marginal. Assim, define um peso para a qualidade e outro para o preço, buscando a melhor relação custo-benefício.
Maior Lance ou Oferta
Utilizado em alienações de bens e concessões onerosas de direitos, esse critério busca maximizar a receita da Administração. Aplica-se, por exemplo, à alienação de bens públicos ou à concessão de direito real de uso.
Nessa hipótese, a proposta mais vantajosa é aquela que oferecer o maior valor financeiro à Administração, funcionando como o espelho do critério de menor preço, mas sob a perspectiva do Poder Público como alienante. O parâmetro é simples: vence quem pagar mais.
Maior Retorno Econômico
O critério de maior retorno econômico avalia o desempenho ao longo da execução contratual. Ao adotá-lo, a Administração incentiva as empresas a serem criativas e eficientes na busca de economia: ganha quem consegue entregar mais resultado com menos recurso (art. 39, § 3º).
Em síntese, o critério de maior retorno econômico expande o conceito de vantajosidade para além do momento da licitação, projetando-o durante a execução contratual – a proposta mais vantajosa é aquela que, ao final, deixa a Administração mais “no azul” em termos financeiros.
Esse critério nasceu de experiências como o Regime Diferenciado de Contratações (RDC) e também é comum em contratos de performance e parcerias público-privadas onde o pagamento do parceiro privado depende de desempenho, se quiser entender mais, leia: “As principais leis sobre licitação pública e contratos administrativos”.
Considerações Finais
A Lei nº 14.133/2021 consolidou uma variedade de critérios de julgamento para que a Administração Pública possa escolher, em cada licitação, a forma mais adequada de identificar a proposta mais vantajosa. Não existe um critério “melhor” em absoluto – cada um atende a situações e objetivos distintos.
O ponto-chave é que a escolha do critério deve ser feita de forma planejada na fase interna da licitação, alinhando o tipo de critério à natureza do objeto e às prioridades da contratação. Por exemplo, se o objetivo é puramente economizar recursos numa compra comum, o menor preço tende a ser indicado; se o objeto exige alta qualidade técnica ou criatividade, a melhor técnica pode ser a escolha certa; para equilibrar qualidade e custo, técnica e preço; em vendas de bens, o maior lance; e assim por diante.
Em conclusão, a seleção da proposta mais vantajosa possui nos critérios de julgamento uma via de seis caminhos possíveis para a sua concretização. Cada licitação pública deve explicitar qual caminho seguirá, cabendo à Administração a responsabilidade de escolher bem e aos licitantes a tarefa de adequar-se às regras do jogo. Com isso, espera-se que as contratações públicas alcancem resultados mais eficientes, seja economizando recursos, obtendo melhor qualidade ou garantindo retornos maiores.
Para compreender como esses critérios são aplicados na prática, recomendamos a leitura do artigo: “As etapas da Concorrência na Nova Lei de Licitações”, que detalha a dinâmica da modalidade concorrência.
Em caso de dúvidas ou para aprofundar aspectos específicos, entre em contato através do nosso e-mail contato@schiefler.adv.br, que um dos nossos advogados especialistas na área poderá lhe atender.
Read MoreO Tribunal de Contas do Distrito Federal acatou argumentos da Representação oferecida e confirmou que a ausência de motivação na reavaliação da pontuação atribuída às propostas técnicas dos licitantes, por ter havido diferença superior a 20% da pontuação máxima permitida entre as notas concedidas pelos avaliadores, configura uma irregularidade e justifica a suspensão cautelar do certame.
O Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) suspendeu cautelarmente, no fim de maio, licitação de serviços de publicidade lançada por empresa estatal do Distrito Federal, pois vislumbrou indícios de irregularidade na pontuação atribuída às propostas técnicas dos licitantes[1].
Especificamente, o TCDF acatou argumentos da Representação oferecida e confirmou que a ausência de motivação na reavaliação da pontuação atribuída às propostas técnicas dos licitantes, por ter havido diferença superior a 20% da pontuação máxima permitida entre as notas concedidas pelos avaliadores, configura uma irregularidade e justifica a suspensão cautelar do certame. Segundo a decisão, confirmada por unanimidade pelo Plenário da Corte de Contas, “não houve manifestação técnica quanto aos casos de pontuação cuja diferença fosse superior a 20%, caracterizando a existência da fumaça do bom direito na representação tratada nos autos, frente, principalmente, à previsão legal constante do art. 6º, inc. VII, da Lei nº 12.232/2010”.
Para entender melhor o caso analisado pelo TCDF, é importante levar em conta que, com a publicação da Lei Federal nº 12.232/2010, as licitações para a contratação de agências de propaganda receberam um regulamento especial, motivo pelo qual a Lei Federal nº 8666/1993 passou a ser aplicada apenas subsidiariamente nesses casos. O motivo da existência de uma lei especial, com evidente procedimento mais rigoroso para o julgamento das pontuações técnicas, se deve ao fato de que as licitações para serviços de publicidade são naturalmente mais suscetíveis a direcionamentos e favorecimentos indevidos, sobretudo em razão da natureza do julgamento das propostas técnicas.
A preocupação acentuada com a etapa de julgamento das propostas técnicas para contratações desse objeto está expressa na justificativa da proposta legislativa que gerou a Lei Federal nº 12.232/2010. Leia-se o seguinte excerto da exposição de motivos do PL nº 3305/2008:
Tem a nossa experiência recente nos mostrado que a ausência de um tratamento normativo específico para essa matéria possibilita que, nesse campo, grandes arbitrariedades ocorram em todo o país. Empresas de publicidade contratadas com óbvio favorecimento, com base em critérios de julgamento subjetivos, contratos que encobrem a possibilidade de novos ajustes imorais com terceiros, pagamentos indevidos, desvios de verbas públicas destinadas à publicidade com fins patrimoniais privados ou para custeio de campanhas eleitorais são apenas alguns exemplos de transgressões que compõem um cenário já bem conhecido nos dias em que vivemos. [2]
Entre as exigências específicas da Lei Federal nº 12.232/2010, encontra-se a obrigação de a subcomissão técnica (aquela que julga as propostas técnicas dos licitantes) reavaliar a pontuação atribuída a um quesito sempre que a diferença entre a maior e a menor pontuação for superior a 20% da pontuação máxima deste quesito. Como visto, a reavaliação da pontuação fica a cargo de uma subcomissão técnica, prevista no § 1º do artigo 10 da Lei, e deve ser realizada em conformidade com os critérios objetivos estabelecidos no edital de licitação. Confira-se o dispositivo:
Art. 6º A elaboração do instrumento convocatório das licitações previstas nesta Lei obedecerá às exigências do art. 40 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, com exceção das previstas nos incisos I e II do seu § 2º, e às seguintes:
[…]
VII – a subcomissão técnica prevista no § 1º do art. 10 desta Lei reavaliará a pontuação atribuída a um quesito sempre que a diferença entre a maior e a menor pontuação for superior a 20% (vinte por cento) da pontuação máxima do quesito, com o fim de restabelecer o equilíbrio das pontuações atribuídas, de conformidade com os critérios objetivos postos no instrumento convocatório.
Nessas hipóteses, dever-se-á igualmente observar o inciso VI do § 4º do artigo 11 da Lei Federal nº 12.232/2010, que prevê o envio das planilhas com as pontuações e a justificativa escrita das razões que as fundamentaram em cada caso à comissão permanente ou especial de licitação. Esta é considerada uma condição essencial do julgamento nas licitações de serviços de publicidade, uma vez que a ausência de motivação para as pontuações pode impedir o controle sobre o seu mérito, facilitando eventuais direcionamentos.
Desse modo, as razões das pontuações devem ser registradas por escrito pela subcomissão técnica e encaminhadas à comissão permanente ou especial, quer incida na hipótese regulada pelo inciso VII do artigo 6º, quer não. Veja-se como a exigência de manifestação escrita é expressa na Lei nº 12.232/2010:
Art. 11. Os invólucros com as propostas técnicas e de preços serão entregues à comissão permanente ou especial na data, local e horário determinados no instrumento convocatório. […]
§ 4º O processamento e o julgamento da licitação obedecerão ao seguinte procedimento: […]
V – análise individualizada e julgamento dos quesitos referentes às informações de que trata o art. 8º desta Lei, desclassificando-se as que desatenderem quaisquer das exigências legais ou estabelecidas no instrumento convocatório;
VI – elaboração de ata de julgamento dos quesitos mencionados no inciso V deste artigo e encaminhamento à comissão permanente ou especial, juntamente com as propostas, as planilhas com as pontuações e a justificativa escrita das razões que as fundamentaram em cada caso.
Ou seja, a subcomissão técnica precisa justificar expressamente os motivos que justificam a atribuição da nota, sob pena de violar diversas regras que regem a atividade administrativa e que permeiam todos os processos de contratação pública, em especial os deveres de motivação dos atos administrativos e do tratamento isonômico, além dos princípios da publicidade e da impessoalidade.
É preciso que os licitantes saibam os motivos que levaram à pontuação dos quesitos quando da análise da sua proposta técnica, caso contrário serão impedidos de, se necessário, exercer o seu direito constitucional de defesa. Neste sentido, encontra-se a jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU), segundo a qual “a ausência de justificativa escrita acerca das pontuações e das razões que as fundamentam em cada caso, nos procedimentos licitatórios para oferta de serviços de publicidade, afronta o que dispõe o art. 11, § 4º, inciso IV, da Lei 12.232/2010”[3].
Acontece que, não obstante a clareza das determinações legais, nem sempre a subcomissão técnica registra por escrito a justificativa das razões que basearam a avaliação ou a reavaliação de determinada pontuação, descumprindo assim o inciso VII do artigo 6º e/ou o inciso VI do § 4º do artigo 11 da Lei Federal nº 12.232/2010. No caso noticiado, pela violação do inciso VII do artigo 6º da referida lei, como salientado, o Tribunal confirmou a necessidade de realizar a sobredita reavaliação e, por unanimidade, dada a ausência de tal procedimento, suspendeu cautelarmente o certame.
A decisão noticiada confirma a competência legítima dos Tribunais de Contas em intervir cautelarmente para evitar irregularidade no curso da licitação pública, assim como o entendimento de que, nas licitações submetidas à Lei Federal nº 12.232/2020, configura ilegalidade a ausência de reavaliação da pontuação concedida a um quesito de um determinado licitante, quando a diferença entre a maior e a menor pontuação, atribuída pelos integrantes da subcomissão técnica, for superior a 20% da pontuação máxima do quesito.
[1] TCDF – Decisão nº 1798/2020, Plenário. Relator: Antônio Renato Alves Rainha. Data de Julgamento: 27/05/2020.
[2] Projeto de Lei nº 3305/2008, Câmara dos Deputados. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=391688 Acesso em 29 jun. 2020.
[3] TCU – Acórdão nº 2813/2017, Plenário. Relator: AROLDO CEDRAZ, Data de Julgamento: 06/12/2017.
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