
A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NÃO PAGOU: O QUE PODE SER FEITO?
Quem fornece bens ou serviços ao Poder Público espera, em contrapartida, receber os pagamentos de forma regular e tempestiva. Na prática, porém, isso nem sempre ocorre. Os contratos administrativos estão sujeitos a atrasos ou mesmo ao inadimplemento por parte da Administração. Nesses casos, a empresa contratada continua responsável por cumprir suas obrigações, com o consequente pagamento de custos operacionais e tributos, mesmo sem ter recebido o valor contratualmente devido. Diante da omissão estatal, muitas recorrem ao Judiciário para pleitear o adimplemento.
Diante desse cenário, o Código de Processo Civil prevê três vias principais para a judicialização da cobrança: (i) a ação de execução de título extrajudicial, voltada à coerção imediata da dívida; (ii) a ação monitória, que confere maior celeridade às cobranças baseadas em prova escrita sem eficácia de título executivo; e (iii) a ação de cobrança pelo procedimento comum, destinada à constituição judicial do crédito ainda não formalizado. Contudo, uma escolha processual inadequada pode acarretar um litígio moroso que, mesmo ao final, submeterá o crédito ao regime de precatórios, prolongando por anos a espera pelo pagamento.
Nesse sentido, além dessas vias tradicionais, este artigo examinará uma estratégia alternativa de grande relevância: o mandado de segurança focado na garantia da ordem cronológica de pagamentos. Como veremos, este instrumento pode, em determinados contextos, ser a chave para acelerar o recebimento e até mesmo afastar a temida fila dos precatórios.
A ação de execução de título extrajudicial
Fundada em título que representa obrigação certa, líquida e exigível, nos termos do art. 783 do Código de Processo Civil, a ação de execução se constitui como o meio mais célere e eficaz de cobrança judicial.
Um título executivo extrajudicial é, em essência, um documento definido em lei como prova inequívoca de que alguém deve pagar determinado valor a outrem, autorizando a cobrança judicial sem a necessidade de um processo de conhecimento prévio (ou seja, sem depender de uma sentença que reconheça a existência da dívida).
Em outras palavras, quando já se possui um documento que a lei reconhece como título executivo, é possível “pular” a etapa de discussão sobre a existência do débito e partir diretamente para a fase de execução forçada do crédito.
No âmbito dos contratos administrativos, é possível que o instrumento contratual celebrado com a Administração Pública seja considerado título executivo extrajudicial, desde que preenchidos os requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade. Ainda que ausente contrato formal assinado, ou mesmo quando o contrato preveja a execução de serviços sob demanda (hipótese em que o instrumento contratual, por si só, não bastaria para comprovar a efetiva prestação), outros documentos podem, em determinadas situações, possuir eficácia executiva.
É o caso, por exemplo, de ordens de fornecimento, notas de empenho e notas fiscais assinadas e carimbadas pelo órgão público, ou seja, comprovantes de que o bem ou serviço foi entregue e aceito pela Administração. Tais elementos documentais, quando evidenciam a contratação, a execução e a inadimplência do ente público, têm sido reconhecidos pela jurisprudência como aptos a embasar a propositura de ação de execução.
A esse respeito, a Lei nº 4.320/1964 dispõe em seu art. 58 que o empenho da despesa é o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento, pendente ou não de implemento de condição. Assim, a emissão da nota de empenho, documento corriqueiramente expedido no curso da contratação pública, configura o reconhecimento formal da obrigação por parte do ente público, que passa a responder pelo adimplemento do valor correspondente. A inadimplência, nessa hipótese, poderia ensejar o enriquecimento sem causa da Administração, o que justifica a via executiva.
A ação de execução, portanto, mostra-se recomendada quando a empresa dispõe de documentação incontroversa apta a caracterizar título executivo extrajudicial. Trata-se de meio processual mais célere e eficiente, que transfere à Administração o ônus da defesa.
A via executiva é especialmente vantajosa nos casos em que há contrato formal bem instruído ou, mesmo na sua ausência, quando há conjunto probatório idôneo. Ainda assim, deve-se ponderar a possibilidade de oposição de embargos à execução, bem como os efeitos do regime de precatórios para o pagamento de valores superiores ao limite das requisições de pequeno valor (RPV), ainda que a execução seja julgada procedente.
A ação monitória
A ação monitória é um procedimento especial de jurisdição contenciosa que se posiciona estrategicamente entre a morosidade do procedimento comum e a agilidade da execução. Conforme o art. 700 do CPC, é a via adequada para o credor que possuir prova escrita da obrigação, mas que, por não atender a todas as formalidades legais, carece de eficácia de título executivo. Tal prova escrita pode abranger um vasto rol de documentos, como trocas de e-mails que configurem confissão de dívida, orçamentos aprovados ou até mesmo cheques prescritos, cuja admissibilidade é pacificada pela Súmula 503 do Superior Tribunal de Justiça.
O procedimento inicia-se com a expedição de um mandado monitório, ordenando que o devedor cumpra a obrigação no prazo de 15 dias. A celeridade e a eficácia da ação residem na bifurcação de consequências que decorrem da conduta do réu:
- Inércia ou ausência de defesa: caso o devedor não efetue o pagamento nem apresente defesa (embargos monitórios), o mandado inicial converte-se, de pleno direito, em título executivo judicial, conforme o §2º do art. 701 do CPC. Com isso, dispensa-se toda a fase de conhecimento, e o credor pode dar início imediato ao cumprimento de sentença.
- Apresentação de defesa: se o devedor opuser embargos monitórios, o procedimento se converterá ao rito comum. Nesse cenário, abrir-se-á a fase de instrução para um debate aprofundado sobre o mérito da dívida, como prevê o §4º do art. 702 do CPC. Ainda assim, a investida inicial já cumpriu o papel de provocar o devedor a se manifestar judicialmente.
É importante destacar que a propositura de ação monitória em face da Fazenda Pública é plenamente compatível com o regime procedimental aplicável à execução contra o ente público, O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, editou a Súmula nº 339, segundo a qual “é cabível ação monitória contra a Fazenda Pública”.
No mesmo sentido, o §6º do artigo 700 do CPC dispõe, de forma expressa, que a ação monitória pode ser ajuizada contra a Fazenda Pública. Concluída a fase cognitiva — com ou sem a oposição de embargos — e constituído o título executivo judicial, inicia-se a etapa executiva nos moldes fixados pelo ordenamento (art. 534 do CPC), culminando, quando for o caso, na expedição de precatório, conforme dispõe o artigo 100 da Constituição Federal.
Portanto, não há qualquer óbice legal à utilização da ação monitória como meio legítimo para a cobrança de valores devidos por entes públicos, desde que presentes os requisitos legais, especialmente a prova escrita sem eficácia de título executivo que demonstre a existência da obrigação.
A ação de cobrança pelo procedimento comum
Quando o credor não dispõe de título executivo nem de prova escrita que fundamente uma ação monitória, a via adequada é a ação de cobrança pelo procedimento comum (art. 318 do CPC). Na ação de cobrança, a empresa apresentará ao Judiciário a sua versão: que firmou contrato, forneceu bens ou prestou serviços para a Administração, que cumpriu suas obrigações, mas que o órgão público não realizou o pagamento devido.
Seu objetivo é, primeiramente, obter uma sentença judicial que reconheça a existência da dívida, constituindo, assim, um título executivo judicial. Este procedimento é caracterizado por uma fase de cognição exauriente, na qual o magistrado analisa a fundo a relação jurídica que originou o débito. Permite-se, para tanto, uma ampla dilação probatória, com a produção de todas as provas em direito admitidas — como a documental, a testemunhal e a pericial — para comprovar o fato constitutivo do direito do autor.
Em comparação com as outras vias, a ação de cobrança comum é mais demorada, pois cada passo do processo de conhecimento precisa ser percorrido. No entanto, é a via mais abrangente – qualquer situação de inadimplência pode ser resolvida por ela, independentemente de haver ou não documentos, de a dívida estar ou não formalizada. A empresa terá a oportunidade de produzir todos os tipos de prova permitidos e de responder a todas as alegações da Fazenda. Essa abrangência faz da ação comum uma espécie de “plano B”, padrão quando todas as outras vias não se aplicam bem.
Com o trânsito em julgado, a sentença condenatória finalmente se converte em um título executivo judicial, nos termos do art. 515, I, do CPC. A partir desse momento, caso o devedor não realize o pagamento voluntário, o credor está autorizado a instaurar a fase subsequente: o cumprimento de sentença. Regido a partir do art. 523 do CPC, este procedimento segue um rito análogo ao da execução, permitindo a utilização de medidas de coerção patrimonial (como a penhora de bens e valores) para a satisfação forçada do crédito agora judicialmente reconhecido.
Mandado de Segurança
Além das tradicionais ações de cobrança, existe uma via alternativa que pode ser útil em determinadas situações de inadimplência do poder público: o mandado de segurança visando o respeito à ordem cronológica de pagamentos pela Administração.
O mandado de segurança é uma ação constitucional, de rito célere, destinada a proteger direito líquido e certo contra ato ilegal de autoridade pública. No caso, o direito líquido e certo invocado é exatamente o direito de que os pagamentos sejam feitos em conformidade coma ordem cronológica de apresentação das faturas, conforme assegurado pela lei. A autoridade coatora geralmente seria o ordenador de despesas ou secretário de finanças do órgão que está ignorando a ordem cronológica.
Essa estratégia ganhou destaque e pode ser especialmente vantajosa quando o órgão público até reconhece a dívida, mas simplesmente não a paga e, pior, continua pagando outros credores que vieram depois na fila. Nesses casos, o problema deixa de ser apenas cobrar o pagamento e passa a ser também corrigir uma ilegalidade administrativa – a quebra da ordem legal de pagamentos.
Tanto a antiga Lei de Licitações (Lei nº 8.666/1993, art. 5º) quanto a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021, art. 141) dispõem que a Administração Pública deve observar a ordem cronológica de exigibilidade no pagamento de suas obrigações contratuais.
Como bem sintetiza o jurista Marçal Justen Filho: “A Administração não pode pagar antes obrigação que adquiriu exigibilidade posteriormente”. Em outras palavras, para cada fonte de recurso e categoria contratual, os débitos devem ser quitados na sequência em que se tornarem exigíveis, admitindo-se exceções apenas em hipóteses devidamente justificadas por relevante razão de interesse público, formalmente motivadas e publicadas.
Nesse contexto, tem-se difundido a seguinte indagação: por que não utilizar o Poder Judiciário para compelir a Administração ao respeito à ordem cronológica legalmente imposta, em vez de apenas pleitear judicialmente o pagamento do valor devido? Com efeito, quando a inadimplência decorre da quebra deliberada da ordem de pagamento (e não da ausência de recursos), o problema não é propriamente a existência da dívida, mas a sua preterição injustificada. Assim, em vez de requerer diretamente “pague-se”, o credor pode postular: “cumpra-se a ordem”.
Essa distinção é juridicamente relevante. O mandado de segurança, nessa hipótese, não se presta à cobrança de valores — o que seria vedado pelas Súmulas 269 e 271 do Supremo Tribunal Federal —, mas sim à correção de um procedimento administrativo ilegal. O pedido consiste na observância da ordem cronológica de pagamentos, sendo sua consequência natural o adimplemento do crédito quando atingida sua posição regular na fila. Se, no momento da concessão da segurança, houver recursos sendo utilizados para quitar obrigações contratuais, o crédito do impetrante deverá ser incluído na posição correta, alcançando precedência em relação àqueles pagamentos realizados de forma indevida.
Nesse sentido, a grande vantagem prática do mandado de segurança está na celeridade. O rito é mais enxuto e permite medida liminar para fazer cessar de imediato a quebra da ordem (art. 7º, III, da Lei 12.016/2009). Sob esse prisma, o MS não atrai o regime de precatórios, porque não veicula condenação ao pagamento de quantia certa, mas ordem de fazer para que a Administração observe a sequência legal. Diante disso, a correção do procedimento reposiciona o crédito do impetrante e, havendo desembolsos em curso para a mesma fonte/categoria, viabiliza o adimplemento administrativo quando alcançada a posição correta da fila, sem necessidade de expedir RPV ou precatório.
Trata-se, pois, de medida voltada à proteção da legalidade administrativa e da isonomia entre credores, e não de substituição da via executiva por meio mandamental. A finalidade é assegurar que a Administração cumpra a norma cogente que rege a destinação de recursos públicos nos contratos administrativos, promovendo o pagamento devido no momento próprio, de acordo com a ordem estabelecida em lei.
Considerações finais
A análise das vias processuais a cobrança de créditos contra o Poder Público, quais sejam a (i) a execução de título extrajudicial; (ii) a ação monitória; (iii) a ação de cobrança; ou (iv) o mandado de segurança, demonstra que não há uma solução única para a cobrança de créditos contra o Poder Público. A escolha mais eficaz dependerá sempre de uma análise estratégica que pondere celeridade, segurança jurídica e risco financeiro.
Importa ressaltar que, por força do art. 785 do CPC, a posse de um título executivo extrajudicial confere ao credor uma faculdade. Assim, não está ele obrigado a propor a execução, sendo-lhe permitido, a seu critério, instaurar o processo de conhecimento para obter um título executivo judicial, buscando, por exemplo, maior segurança jurídica.
A execução é a via mais potente quando se tem um título incontroverso. A monitória oferece um atalho inteligente para quem possui prova escrita, mas sem força executiva. A ação de cobrança é a via residual, mais lenta, porém indispensável para casos complexos. E o mandado de segurança, focado na ordem cronológica, surge como uma alternativa tática para contornar a morosidade e, por vezes, o próprio regime de precatórios, com a vantagem de não haver condenação em honorários em caso de insucesso.
Portanto, a decisão sobre qual caminho seguir transcende a simples escolha de um procedimento; trata-se de traçar a melhor estratégia. Essa definição exige o suporte de uma assessoria jurídica especializada para analisar a documentação disponível, o valor do crédito, a urgência no recebimento e o perfil do ente devedor. A melhor alternativa será sempre aquela que otimiza as chances de êxito no menor tempo e com o menor risco.
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