A liminar afetava mais de cinquenta professores de diversas especialidades no Instituto Federal da Paraíba - IFPB.
A Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região suspendeu decisão liminar concedida em Ação Civil Pública que determinava a anulação das nomeações de mais de cinquenta professores de diversas especialidades aprovados em concurso público realizado pelo Instituto Federal da Paraíba – IFPB.
O concurso para professor do IFPB, cujo edital foi lançado em dezembro de 2018, atravessou regularmente todas as suas fases até a realização da prova de desempenho didático. Contudo, após a divulgação do resultado desta última etapa, os problemas iniciaram. Isso porque, num primeiro momento, a instituição de ensino e a banca organizadora do concurso se recusaram a entregar as cópias das gravações aos candidatos.
Diante de inúmeras reclamações dirigidas ao Ministério Público Federal, o órgão editou recomendação ao IFPB para franquear acesso às gravações de vídeos a todos os candidatos solicitantes e reabrir o prazo recursal, preservando o direito ao contraditório substantivo.
Seguindo a recomendação do MPF, o Instituto lançou edital permitindo que todos os interessados em ter acesso ao vídeo de sua prova de desempenho fizessem solicitação por e-mail. Ademais, o IFPB reabriu o prazo de recurso após a entrega dos vídeos, seguindo estritamente as orientações do órgão ministerial.
Acontece que, dos mais de 1.054 candidatos que realizaram a prova de desempenho, 35 notificaram a banca e o IFPB de que a gravação entregue continha falhas que inviabilizavam seu uso.
Nesta circunstância, a fim de preservar o direito destes candidatos de se utilizarem do vídeo para eventual interposição de recurso, o IFPB oportunizou a esses 35 candidatos que refizessem a prova de desempenho. No entanto, em diversos casos, os candidatos optaram em não refazer a prova e manter-se com a nota já anteriormente atribuída – anuindo com a nota conferida pela banca de concurso. Ao todo, 19 candidatos optaram por manter sua nota e 16 realizaram nova prova de desempenho.
Ocorre que após a adoção destas medidas, o MPF tomou conhecimento de que outros dois candidatos, além dos 35 que haviam notificado a banca e tiveram a oportunidade de refazer a prova de desempenho didático, a seu critério, também tiveram problemas com sua gravação e não haviam sido incluídos na lista das gravações defeituosas, motivo pelo qual também não puderam refazer a prova.
Diante desta circunstância, após a homologação do concurso público e da nomeação e posse de cerca de mais de quarenta novos professores na instituição, o MPF decidiu por ajuizar ação civil pública requerendo o refazimento de todas as provas de desempenho (didáticas) dos dezenove diferentes códigos de especialidade (seguramente mais de 500 novas provas de desempenho).
Na sequência, o juízo recebeu a ação e determinou que todas as nomeações decorrentes deste concurso público, nos dezenove códigos de vaga indicados, fossem integralmente anuladas, bem como determinou o refazimento de todas estas provas de desempenho.
Para os candidatos aprovados, a decisão foi dramática e estarrecedora.
Muitos deles vieram de outras regiões do país, do sul, sudeste, norte. Alguns haviam pedido exoneração dos cargos anteriormente ocupados, demissão de seus antigos empregos. Gastaram suas poupanças para viabilizar a mudança para a Paraíba. Eles haviam se submetido a todas as fases do concurso público, prova escrita, prova de desempenho e apresentação de seus títulos e sido devidamente aprovados e convocados pelo próprio IFPB, após a homologação do concurso. Aceitaram este desafio e missão que é a docência e ficaram sem chão ao saber que suas nomeações haviam sido anuladas sem que sequer tivessem a oportunidade de apresentar sua defesa ao juízo – inclusive porque, se o tivessem feito, possivelmente a decisão liminar com caráter anulatório jamais teria sido concedida.
Em alguns casos, a decisão inicialmente proferida continha argumentos adicionais que revelavam o seu equívoco. Num dos cargos, por exemplo, nenhum candidato havia refeito a prova de desempenho. Pelo contrário: o único candidato que havia manifestado problemas com sua gravação tinha sido nomeado e empossado no cargo sendo, ele próprio, prejudicado pela iniciativa do MPF e pela decisão do juízo.
Sensível a estes argumentos e, especialmente, ao manifesto prejuízo que o IFPB teria caso aquela decisão fosse mantida, com mais de 4.943 alunos que passariam a não ter professores para lecionar disciplinas imprescindíveis para sua formação, a Quarta Turma do TRF-5 reconheceu o descabimento desta decisão e determinou a manutenção das nomeações daqueles professores aprovados no concurso público.
Dentre os fundamentos da decisão proferida em sede recursal, que contou com a atuação do escritório Schiefler Advocacia, o Desembargador Relator argumentou pelo descabimento da medida de anulação das nomeações ante a inexistência de demonstração objetiva de que o refazimento das provas ensejou em benefício indevido aos candidatos (notadamente porque somente 16 refizeram as provas e sequer se tem notícia de que estes todos haviam sido nomeados). A bem da verdade, dezenas de candidatos que não refizeram as provas estavam efetivamente sendo prejudicados por aquela decisão. Ademais, como bem inserido no voto, aprovado por unanimidade, as alterações previstas na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, notadamente o previsto no artigo 21, o qual estabeleceu o princípio da conservação, devendo-se manter, se possível o ato administrativo praticado. E encerra: ainda que se mostrasse imprescindível anular o ato administrativo, tal medida deve se realizar “modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais”.
Ao final, os professores aprovados no concurso público e empossados no cargo poderão, ao menos até o fim do trâmite judicial, concentrar suas energias na atividade para a qual toda a atividade administrativa, no IFPB, foi engendrada: o exercício do magistério.
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Read MorePara o STJ, a apresentação de CNH vencida não impede o candidato de realizar prova.
É certo que, no edital de todo concurso, haverá a exigência de apresentação de documento de identificação pessoal para a realização das provas e para a participação das eventuais outras etapas da competição.
Intuitivamente, e mesmo em raciocínio jurídico estrito, tende-se a concluir que os documentos de identificação pessoal a serem apresentados devem estar todos em seu prazo de validade.
Mas, no que toca especificamente à Carteira Nacional de Habilitação (CNH), será mesmo que o escorrimento de seu prazo de validade a invalida como documento de identificação pessoal para concurso público?
Vejamos.
A CNH encontra previsão legal no Código de Trânsito Brasileiro (Lei Federal nº 9.503/1997), o qual prevê, em seu artigo 159, caput e § 10, a validade daquela como documento de identificação pessoal. O mesmo dispositivo legal esclarece também que a validade do documento está condicionada à realização dos exames de aptidão física e mental, razão pela qual o documento deve ser renovado periodicamente.
A propósito, confira-se a íntegra dos mencionados textos legais:
Art. 159. A Carteira Nacional de Habilitação, expedida em modelo único e de acordo com as especificações do CONTRAN, atendidos os pré-requisitos estabelecidos neste Código, conterá fotografia, identificação e CPF do condutor, terá fé pública e equivalerá a documento de identidade em todo o território nacional.
[…]
§ 10. A validade da Carteira Nacional de Habilitação está condicionada ao prazo de vigência do exame de aptidão física e mental.
Da leitura do dispositivo em questão já se pode responder à questão ventilada: o que se expira após o prazo de validade do documento são os exames de aptidão e, por conseguinte, a capacidade jurídica para dirigir veículo automotor. Ou seja, uma interpretação plausível e válida é que o vencimento do prazo de validade dos exames de aptidão em nada prejudica seu caráter identificador da CNH.
É que em lugar algum do caput do artigo 159 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) extrai-se a existência de prazo de validade da CNH no que se refere à utilidade de identificação pessoal do portador e titular.
Assim, não se pode concluir noutro norte que não o de que a Carteira de Habilitação pode ser utilizada como documento de identificação pessoal mesmo que vencida. Inclusive, ela permanece sendo válida para a realização de provas de concurso público.
E bem por essa razão é que, nos casos em que o edital do certame veda a apresentação de documentos com a validade expirada, esta proibição não deve ser aplicada quando o documento em questão for a CNH com função de identificação pessoal, pois esta validade diz respeito apenas à capacidade de condução no trânsito.
E a jurisprudência não destoa desse entendimento.
Em de setembro de 2019, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisou caso em que uma candidata foi impedida de realizar exame por ter apresentado CNH vencida, ocasião em que o fiscal de prova não permitiu a sua participação nesta fase do certame. Em sua decisão, o STJ concluiu pelo seguinte:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. UTILIZAÇÃO DE CNH VENCIDA COMO DOCUMENTO DE IDENTIDADE. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ CONSTITUÍDA. DILAÇÃO PROBATÓRIA NECESSÁRIA. RECURSO ORDINÁRIO DO PARTICULAR A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Cuida-se, na origem, de Mandado de Segurança impetrado em face de ato do Secretário de Estado de Administração Pública do Distrito Federal, em que se almeja a realização de nova prova objetiva para o cargo de Cirurgião Dentista em Concurso Público promovido pela Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, regido pelo Edital 1-SEAP/SES-NS de 28 de maio de 2014. Alega a impetrante, ter sido impedida de realizar o exame no dia previsto devido ao fato de ter apresentado, no momento da identificação, Carteira Nacional de Habilitação vencida, documento que teria sido recusado pelo fiscal de prova. яндекс
2. A controvérsia posta nos autos, refere-se à possibilidade de utilização da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), com prazo de validade expirado, como documento de identificação pessoal.
3. Em recente julgado da 1a Turma deste Superior Tribunal de Justiça, REsp. 1.805.381/AL, firmou-se a compreensão de que o prazo de validade constante da Carteira Nacional de Habilitação deve ser considerado estritamente para se determinar o período de tempo de vigência da licença para dirigir, até mesmo em razão de o art. 159, § 10, do Código de Trânsito Brasileiro, condicionar essa validade ao prazo de vigência dos exames de aptidão física e mental. Não se vislumbra qualquer outra razão para essa limitação temporal constante da CNH, que não a simples transitoriedade dos atestados de aptidão física e mental que pressupõem o exercício legal do direito de dirigir (REsp. 1.805.381/AL, Rel. Min. GURGEL DE FARIA, DJe 6.6.2019).
4. Nesse contexto, revela-se ilegal impedir candidato de realizar prova de concurso, sob o argumento de que o Edital exigia documento de identificação dentro do prazo de validade, uma vez que não foi observado o regime legal afeto ao documento utilizado. Acrescente-se, ainda, não haver violação ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório, mas tão somente a utilização dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade para se afastar a restrição temporal no uso da CNH para fins de identificação pessoal em sede de Concurso Público.[1]
Como se pode ver da decisão do Superior Tribunal de Justiça, órgão responsável pela uniformização da interpretação das normas federais, o vencimento da CNH não lhe retira a função de identificação pessoal, motivo pelo qual um candidato não pode ser impedido de realizar prova em razão de apresentar a CNH vencida.
Portanto, extrai-se do texto do Código de Trânsito Brasileiro e da jurisprudência pátria que a CNH vencida vale, sim, como documento de identificação pessoal para concurso público.
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O Poder Judiciário pode reexaminar questões e critérios de correção aplicados em concurso público?
[1] STJ RMS Nº 48.803 – DF (2015/0170636-6). Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO. Primeira Turma. Julgado em 03/09/2019.
Read MoreA autonomia gerencial da Administração Pública é princípio basilar do ordenamento jurídico, sendo a intervenção do Poder Judiciário medida excepcional, devida apenas em hipóteses de flagrante equívoco da banca examinadora.
A previsão de regras claras no edital e o cumprimento integral de suas disposições são medidas de extrema importância para todo e qualquer concurso público. É com a publicidade e a predefinição das fases e critérios avaliativos que os candidatos conseguem ter segurança e igualdade no processo avaliativo.
O conteúdo e a elaboração das questões aplicadas no concurso são de responsabilidade da banca avaliadora, e é responsabilidade dela, também, a observância do cumprimento do edital. Em regra, não cabe ao Poder Judiciário interferir no andamento e nos critérios adotados nos concursos públicos, pois essa definição está inserida no âmbito da discricionariedade administrativa.
E nos casos em que a própria banca comete erros no conteúdo ou na correção das questões aplicadas?
Em atenção a isso, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu, no julgamento do RE 632853, que originou o Tema nº 485, a tese com repercussão geral de que “não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e os critérios de correção utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade ou de inconstitucionalidade”.
Nesse sentido, foi consolidado o entendimento jurisprudencial de que a interferência do Poder Judiciário na correção das questões ou critérios aplicados em concurso público é legítima quando presente ao menos um dos seguintes casos: (i) descumprimento das regras do certame; (ii) flagrante incorreção do gabarito ou (iii) nulidade da questão.
Este é o posicionamento predominante nos tribunais pátrios, seguido inclusive pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) no julgamento da Apelação nº 5003916-97.2013.4.04.7001, que adotou integralmente o entendimento do STF mencionado acima. Veja-se a ementa:
JUÍZO DE RETRATAÇÃO. TEMA 485 DO STF. JULGAMENTO MANTIDO.
1. O STF firmou tese, estampada no Tema 485 do STF, que “Não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e os critérios de correção utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade ou de inconstitucionalidade”.
2. Todavia, na espécie, não é caso de retratação do julgamento. Isso porque, ocorrendo flagrante ilegalidade da questão formulada, correta a solução dada pela sentença e acolhida pelo voto condutor do acórdão recorrido, no sentido de julgar parcialmente procedentes os pedidos do autor tão somente para, no que se refere ao autor, alterar o gabarito oficial e reconhecer como correta a alternativa ‘A’ da Questão 33 do Caderno 48 da primeira fase do Concurso para o Cargo de Policial Rodoviário Federal regido pelo Edital 01/2009-DPRF.[1]
Em seu voto, a Desembargadora Relatora Marga Inge Barth Tessler ressalta que a possibilidade de intervenção do poder judiciário é excepcional, devida apenas em hipóteses de flagrante equívoco da banca examinadora. Nas palavras da Relatora, “não se trata de interpretar o acerto ou não da questão frente a doutrina, mas, sim, de fiscalização de questão flagrantemente ilegal, incompatível com a legislação exigida pelo edital”.
Nesse sentido, o Poder Judiciário atua em defesa dos direitos violados dos candidatos, prezando pela garantia dos princípios constitucionais da legalidade e da moralidade em concursos públicos e, ao mesmo tempo, estabelece critérios objetivos que balizem a possibilidade dessa intervenção, de modo a respeitar a autonomia gerencial da Administração Pública.
[1] TRF4 5003916-97.2013.4.04.7001, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 10/07/2019.
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Read MoreEm que hipóteses as vagas reservadas a pessoas com deficiência devem ser revertidas para a ampla concorrência?
Na ausência de candidato aprovado para vaga de pessoa com deficiência (PCD), o próximo candidato da ampla concorrência deve ser nomeado.
A Constituição Federal brasileira tem insculpida em si, no artigo 37, inciso II, o mandamento normativo de que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou provas e títulos, cujo escopo é selecionar, por critérios objetivos, estabelecidos em edital, o candidato mais bem preparado e nomeá-lo.[1]
Na mesma esteira, o inciso VIII deste mesmo artigo constitucional[2] promana a regra de que a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para pessoas portadoras de deficiência, definindo os critérios de admissão destes.
Sabe-se, também, que os concursos públicos são lançados por meio de edital, que consiste em um documento escrito pelo qual a Administração institui as “regras” da competição que, ao final, selecionará os candidatos com melhor desempenho a ocuparem as vagas.
É claro que, devido à sua natureza administrativa, o edital do concurso público, antes de tudo, deverá ser observado pelo prisma dos princípios-base da Administração, a saber: da legalidade (embasamento de ação ou inação na lei); da impessoalidade (a administração não fará distinções para com os que dela fruam); da moralidade (necessidade de haver embasamento valorativo nos atos administrativos); da publicidade (os atos da administração serão, em regra, públicos); e da eficiência (optar-se-á, sempre, pela medida de melhor relação entre custo e benefício).
Ainda no que toca ao edital, como consectário do microssistema principiológico acima explicitado, vige o princípio da vinculação ao instrumento convocatório, isto é, ao edital, assentando o dever da Administração de cumprir integralmente com o conteúdo regrado pelo edital.
Trata-se, a bem da verdade, de princípio baseado também na crença que o cidadão deposita na atuação administrativa, o chamado “princípio da confiança legítima”. Ou seja, o cidadão confia que a Administração Pública, ao publicar as “regras do jogo”, não fugirá delas durante o certame.
No nosso ordenamento jurídico, a análise judicial é permitida quando existe alguma ilegalidade na atuação administrativa durante o concurso público. Isto é, o Poder Judiciário atua em defesa dos candidatos quando a Administração pratica alguma ilegalidade, que foge ao seu poder discricionário. Nesse sentido, em razão do princípio da vinculação ao instrumento convocatório, o Poder Judiciário está legitimado a agir quando a Administração não segue as regras do edital que ela mesma publicou – e, portanto, se vinculou.
Trazendo-se esse raciocínio ao presente tema, surge a questão que é objeto do presente texto: em que hipóteses as vagas reservadas a pessoas com deficiência devem ser revertidas para a ampla concorrência?
É seguro afirmar que, existindo previsão no edital de que, na hipótese de não haver pessoa(s) com deficiência (PCD) aprovada(s) no certame “abre-se” a vaga ao aprovado em ampla concorrência, surgirá o direito subjetivo à nomeação do próximo candidato eventualmente aprovado em ampla concorrência, para a vaga em questão, ainda que originalmente em cadastro de reserva.
Ou seja, contanto que (a) não existam candidatos PCD em número suficiente para preencher todas as vagas previstas nesta lista especial e (b) exista previsão no edital para essa hipótese, a Administração será obrigada a seguir a regra que ela própria estabeleceu e, assim, a proceder à nomeação dos candidatos aprovados na ampla concorrência para ocupar os cargos inicialmente previstos para as pessoas com deficiência (PCDs).
Foi com esse entendimento que, no final de 2019, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tendo como relator o Ministro Sérgio Kukina, decidiu pelo conhecimento e provimento do Recurso em Mandado de Segurança (RMS) nº 59.885 – MG (2019/0019507-3).
Na ocasião, a recorrente foi aprovada em 6º lugar, em ampla concorrência, em concurso público destinado ao provimento. Por sua vez, o edital previra 5 vagas para ampla concorrência e 1 vaga reservada para pessoa com deficiência física.
Acontece que, quando da homologação final do certame, não houve aprovação de pessoas com deficiência, mas, da mesma forma, não restou preenchida a vaga anteriormente reservada – ou seja, foram nomeados originalmente apenas 5 candidatos. Diante dessa situação, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, tal como previra o edital, as vagas reservadas não preenchidas deveriam ser revertidas para os candidatos aprovados e classificados em ampla concorrência e, então, a Administração tinha o dever de nomear o próximo candidato da lista geral, mesmo que em cadastro de reserva.
Portanto, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu que, na hipótese de previsão no edital, as vagas reservadas para pessoas com deficiência devem ser revertidas para ampla concorrência quando não houver aprovados que preenchem o requisito. Confira-se a ementa da decisão:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. VAGAS RESERVADAS A PESSOAS COM DEFICIÊNCIA REVERTIDAS PARA AMPLA CONCORRÊNCIA. PREVISÃO ESPECÍFICA NO EDITAL DO CERTAME. DIREITO LÍQUIDO E CERTO À NOMEAÇÃO. RECURSO PROVIDO.
1. Na hipótese em que há previsão específica no edital do certame, as vagas reservadas devem ser revertidas para a ampla concorrência, quando não houver aprovados que preenchem a condição de pessoas com deficiência.
2. Demonstrada a ausência de pessoas com deficiência aprovadas no certame, faz jus à vaga revertida à ampla concorrência o candidato aprovado e classificado, segundo a ordem classificatória final, nos termos do que expressamente dispõe o edital do concurso.
3. Recurso provido para reformar o acórdão recorrido e conceder a segurança, reconhecendo à impetrante o direito líquido e certo à pretendida nomeação, como requerido na exordial.[3]
Consoante se depreende da decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), verifica-se que, com base na Constituição Federal e na jurisprudência pátria, a Administração deve proceder à nomeação de candidatos aprovados na ampla concorrência quando, havendo previsão no edital, as vagas reservadas a pessoas com deficiência não foram preenchidas em sua inteireza.
Embora o Superior Tribunal de Justiça (STJ) não tenha enfrentado, neste caso, uma situação em que havia omissão editalícia a respeito desta reversão da vaga à ampla concorrência, é razoável entender que a solução jurídica provavelmente seria a mesma, uma vez que a reserva de vagas reporta-se tão somente a uma qualificação do candidato apto a ocupar a vaga anunciada, mas não retira a presunção de necessidade de preenchimento desta vaga em caso de inexistência de candidatos aprovados nesta lista reservada, levando ao natural preenchimento pela lista geral.
[1] CRFB/88, Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[…]
II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; […]
[2] Art. 37. […] VIII – a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão;
[3] STJ – RMS Nº 59.885 – MG (2019/0019507-3), Relator: Min. SÉRGIO KUKINA. PRIMEIRA TURMA. Data de Julgamento: 17/10/2019.
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