Por mais que muitas normas e conceitos estabelecidos pela CLT não façam sentido dentro do modelo de negócios inovador e disruptivo das startups, essas empresas continuam legalmente obrigadas pelas normas trabalhistas aplicáveis a qualquer outra empresa.
Victoria Magnani[1]
As chamadas startups, empresas ligadas à inovação que se encontram em estágio inicial de desenvolvimento, podem ser definidas como empresas de perfil inovador cujo modelo de negócios se caracteriza como repetível e escalável, além de ser marcado por um cenário de extrema incerteza. Essas empresas têm como característica, além do fator inovação, um potencial de crescimento exponencial associado a baixos investimentos, bem como uma ampla flexibilidade no que diz respeito às noções tradicionais associadas ao direito trabalhista.
Devido a essa dinâmica única, típica do ambiente das startups[2], surge uma série de embates com os conceitos trabalhistas “tradicionais” previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), diploma legal que muitas vezes se mostra insuficiente para lidar com a prática do dia a dia dessas empresas.
Apesar do modelo de negócios marcado pelo alto risco e instantaneidade, a preocupação trabalhista não pode ser deixada em segundo plano, visto que eventual irregularidade na contratação e gestão da equipe pode gerar diversas consequências graves para as startups, que vão desde multas oriundas de órgãos fiscalizadores até reclamações trabalhistas, impactando a imagem da empresa e, consequentemente, o seu financiamento.
Embora o Direito do Trabalho não possua grande incidência nas startups early stage[3], conforme as empresas vão crescendo e se desenvolvendo as questões trabalhistas tornam-se cada vez mais presentes em sua realidade. Assim, para as startups que se encontram em growth stage[4] é essencial tratar as questões relacionadas ao Direito do Trabalho de forma adequada, uma vez que, caso estas sejam mal conduzidas, o surgimento de um eventual passivo trabalhista pode vir a prejudicar a própria captação de recursos externos nas próximas rodadas de investimento.
Nesse sentido, é importante destacar que, apesar de possuírem um modelo de negócios distinto daquele atribuído às empresas “tradicionais”, as startups não possuem tratamento normativo diferenciado, estando sujeitas à mesma legislação trabalhista que as demais empresas.
Vale dizer que, por mais que muitas normas e conceitos estabelecidos pela CLT não façam sentido dentro do modelo de negócios inovador e disruptivo das startups (tipicamente marcado pela instantaneidade e flexibilidade), essas empresas continuam legalmente obrigadas pelas normas trabalhistas aplicáveis a qualquer outra empresa.
É nesse panorama que acabam surgindo alguns riscos trabalhistas derivados do próprio modelo de negócios das startups, principalmente aqueles relacionados à contratação e gerenciamento dos colaboradores. A título de exemplo, é possível citar a celebração de contratos de prestação de serviços e a contratação de pessoas jurídicas[5], duas alternativas que se popularizaram no ambiente das startups justamente por se adequarem ao baixo orçamento dessas empresas e não envolverem tantas formalidades para sua realização, mas que podem ocasionar inúmeros problemas na Justiça do Trabalho caso não sejam executados de maneira correta.
Logo, a contratação dos diversos colaboradores da startup, seja por meio de contratos de prestação de serviços, contratos celebrados com pessoas jurídicas ou mesmo os contratos de vesting[6], deve ser elaborada em consonância com a legislação, a fim de minimizar riscos trabalhistas e eventuais ilegalidades.
Por que pensar preventivamente?
Uma boa prevenção de demandas trabalhistas traz inúmeras vantagens competitivas, pois, além da significativa redução de custos, a melhoria do meio ambiente de trabalho por meio do aperfeiçoamento da estrutura organizacional reflete diretamente na produtividade da empresa, influenciando no seu faturamento. Além disso, esses atributos são interessantes para atrair investidores, uma vez que estes certamente irão priorizar startups que, além de oferecerem menos riscos, também trazem o melhor retorno para o seu capital.
[1] Graduanda em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina, atualmente cursando a oitava fase. Foi bolsista do Programa de Educação Tutorial – PET Direito UFSC de 2017 a 2019, e atualmente desenvolve pesquisa de iniciação científica no campo do Direito Ambiental do Trabalho como bolsista voluntária do Programa Institucional de Iniciação Científica – PIBIC UFSC.
[2] FEIGELSON, Bruno; NYBØ, Erik Fontenele; FONSECA, Victor Cabral. Direito das Startups. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
[3] Como são chamadas as startups em estágio inicial de desenvolvimento.
[4] As startups em growth stage são aquelas que, depois de terem provado seu valor no mercado e obtido financiamento, estão no processo de crescimento, tentando escalar seu produto. O foco não é mais simplesmente na inovação, mas em expandir o produto já existente e aprovado pelo mercado.
[5] Fenômeno conhecido como “pejotização”.
[6] O contrato de vesting consiste em uma promessa de participação societária, estabelecida com colaboradores estratégicos com vistas a estimular a expansão, o êxito e a consecução dos objetivos sociais da startup (FEIGELSON; NYBO; FONSECA, 2018).
E mais: “o Vesting, entre outras hipóteses, consiste em um Contrato de opção de aquisição de participação societária, de forma gradual, mediante cumprimento de metas em/ou dado período de tempo.” (MAY, Pedro Henrique. O Contrato de Vesting no sistema societário brasileiro e a sua aplicabilidade em startups constituídas na forma de sociedade limitada. Monografia (graduação) – Curso de Graduação em Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, 2018. p. 42).
Read MoreO descuido nessas questões pode levar a uma série de problemas práticos, que vão desde o ajuizamento de processos trabalhistas até a própria diminuição da produtividade da empresa
Victoria Magnani[1]
Velha conhecida dos trabalhadores e empresas, a prática das “horas extras” é uma das situações mais comuns que ocorrem no contexto das relações trabalhistas em geral. Apesar de ser um tema conhecido, a possibilidade de se realizar a compensação de horários ou a existência de “banco de horas” pode acabar gerando dúvidas na hora de fazer a distinção entre aquelas horas passíveis de compensação e as horas extras propriamente ditas.
Algumas dúvidas que podem surgir nesse sentido são:
- Quando é devido o pagamento das horas extras?
- Em que situações é possível realizar a compensação de jornada?
- O que é e quando pode ser utilizado o “banco de horas”?
As perguntas são pertinentes, pois o descuido nessas questões pode levar a uma série de problemas práticos, que vão desde o ajuizamento de processos trabalhistas até a própria diminuição da produtividade da empresa, uma vez que jornadas de trabalho extenuantes podem gerar desmotivação e uma baixa no rendimento dos colaboradores.
Neste texto, serão abordados os conceitos e as principais diferenças entre as horas extras, o acordo de compensação de jornada e o banco de horas, bem como as situações em que é possível realizar os acordos de compensação e de que forma isso deve ser feito.
PRIMEIRO: O QUE SÃO AS “HORAS EXTRAS”?
As horas extras, também conhecidas como horas suplementares ou extraordinárias, são aquelas que ultrapassam a jornada normal do empregado. A jornada normal, por sua vez, é aquela prevista na lei, no acordo ou convenção coletiva de trabalho (se houver) ou no próprio contrato de trabalho do empregado. Quando é excedida a duração normal da jornada, o empregado tem direito, a princípio, à remuneração das horas extras, que serão acrescidas de um percentual mínimo de 50% sobre o valor da “hora normal” de trabalho.
A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) permite a realização de horas extras em três casos:
- Quando há acordo de prorrogação;
- Quando existe um sistema de compensação; e
- Na presença de uma “necessidade imperiosa”, como, por exemplo, uma situação de força maior ou a conclusão de serviços inadiáveis.
Neste artigo, serão abordados os dois primeiros casos, que dizem respeito ao acordo de prorrogação de horas de trabalho e à compensação de horários.
NO QUE CONSISTE O ACORDO DE PRORROGAÇÃO DE HORAS DE TRABALHO?
O acordo de prorrogação de horas extras é o ajuste firmado entre empregado e empregador no sentido de possibilitar a extensão da duração diária do trabalho em virtude de circunstâncias excepcionais. Esse “ajuste” pode se dar por meio de acordo individual, que pode ser escrito, verbal ou até mesmo tácito; ou por acordo ou convenção coletiva de trabalho.
Esse acordo de prorrogação tem como consequência a produção das horas extras propriamente ditas, limitadas ao número de 2 horas suplementares por dia, que deverão ser acrescidas pelo percentual mínimo de 50% sobre a remuneração da hora normal[2]. O percentual de 50% pode ser aumentado por contrato de trabalho individual ou coletivo, mas nunca diminuído!
A CLT estabelece, porém, que não será devido o adicional de horas extras quando tiver sido instituído entre as partes um acordo de compensação de jornada[3]. Esse tipo de compensação é bastante visto na prática, mas a sua realização sem que sejam observadas as regras para a instituição de acordo de compensação de jornada pode gerar diversos problemas para as empresas, inclusive demandas trabalhistas.
ENTÃO, COMO INSTITUIR A COMPENSAÇÃO DE JORNADA?
A Constituição Federal[4] autoriza expressamente a compensação de jornada, que consiste na distribuição das horas trabalhadas em um dia pelos demais dias da semana, mês ou ano, a depender do tipo de acordo. Assim, o adicional de horas extras não será devido quando o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia.
A compensação de jornada pode ser ajustada por acordo coletivo, convenção coletiva ou acordo individual escrito, desde que não haja, no caso deste último, norma coletiva que proíba a sua instituição. Nesse sentido, destaca-se que a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017) trouxe a possibilidade de se estabelecer regime de compensação de jornada por meio acordo individual, tácito ou escrito, para a compensação no mesmo mês[5].
Apesar de não haver previsão legal expressa quanto ao limite máximo de horas por jornada para fins de compensação, os tribunais brasileiros possuem entendimento no sentido de limitar as compensações até a carga horária máxima semanal, que é de 44 horas por semana (art. 7º, inciso XIII da Constituição Federal).
O acordo de prorrogação de jornada produz as chamadas horas complementares, que são horas meramente compensatórias, pois serão realocadas conforme a programação do empregado e, por isso, não serão acrescidas de qualquer adicional.
E O “BANCO DE HORAS”?
O “banco de horas” é, na verdade, uma espécie de compensação de jornada, que possui sistema próprio previsto na CLT[6]. O banco de horas autoriza a prestação de jornada extraordinária até o limite de 10 horas diárias, sem que seja devido adicional a título de horas extras. As horas excedentes da jornada normal são, então, lançadas num “banco”, e ali serão acumuladas com o fim de, no futuro, serem trocadas por folgas compensatórias.
É preciso atentar, contudo, para os limites estabelecidos para o banco de horas: segundo as regras da CLT, o excesso de horas em um dia deverá ser compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não seja extrapolada, no período de 1 ano, a soma das jornadas semanais previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de 10 horas diárias. Entende-se como “soma das jornadas semanais previstas” a carga horária máxima semanal, prevista em lei ou no contrato, multiplicada pelo número de semanas existentes no ano.
A instituição de banco de horas pode ser ajustada por meio de acordo ou convenção coletiva de trabalho, hipótese na qual a compensação deverá ocorrer no período de até 1 ano; ou por acordo individual escrito, cujo prazo para compensação passa a ser de 6 meses (nesse caso, a acumulação de horas fica limitada, também, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas para 6 meses).
É importante lembrar, ainda, que as horas trabalhadas que excederem o limite máximo de 10 horas diárias não podem integrar o banco de horas, devendo ser remuneradas como horas extras, com o respectivo adicional!
O quadro comparativo abaixo apresenta as principais diferenças entre a prorrogação de horas de trabalho (ou horas extras propriamente ditas), a compensação de jornada e o banco de horas:
Prorrogação de horas | Compensação de jornada | Banco de horas | |
Conceito
|
Ajuste que permite a extensão da duração diária do trabalho |
Ajuste que permite que o excesso de horas em determinado dia seja compensado pela diminuição de horas em outro
|
Espécie de compensação de jornada na qual as horas excedentes da jornada normal são lançadas no “banco” e acumuladas para serem trocadas por folgas eventuais |
Previsão legal |
Art. 59 da CLT; art. 7º, XVI da Constituição | Art. 7º, XIII da Constituição; art. 59, § 6º da CLT | Art. 59, §§ 2º e 5º da CLT |
Tipo de acordo
|
Acordo individual (escrito, verbal ou tácito), acordo coletivo ou convenção coletiva |
Acordo coletivo ou convenção coletiva. No acordo individual (escrito ou tácito) a compensação deve se dar no mesmo mês! | Acordo coletivo ou convenção coletiva (até 1 ano para compensar); acordo individual escrito (até 6 meses) |
Consequências
|
Produz horas suplementares (“horas extras”), que deverão ser acrescidas de pelo menos 50% sobre o valor da hora normal | Produz horas complementares, que serão realocadas → não é devido qualquer adicional | Produz horas complementares que serão lançadas no banco de horas |
Limites
|
Até 2 horas extras por dia, totalizando 10 horas diárias |
Não pode exceder a carga horária máxima semanal (44 horas) |
Não pode ultrapassar, no período de 1 ano ou 6 meses (a depender do acordo), a soma das jornadas semanais previstas, respeitado o limite máximo de 10 horas diárias |
[1] Victoria Magnani – Graduanda em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Bolsista voluntária do Programa Institucional de Iniciação Científica – PIBIC UFSC no campo do Direito Ambiental do Trabalho. Membro do Grupo de Pesquisa em Meio Ambiente, Trabalho e Sustentabilidade – GP METAS.
[2] Art. 59 da CLT e artigo 7º, inciso XVI da Constituição Federal.
[3] Art. 59, § 2º da CLT.
[4] Art. 7º, inciso XIII da Constituição Federal.
[5] Art. 59, § 6º da CLT.
[6] Art. 59, §§ 2º e 5º da CLT.
Read MoreCaso aprovado, o PL 4.044/2020 pode significar uma grande transformação na regulamentação trabalhista associada com as novas tecnologias.
Está em tramitação um novo projeto de lei que visa a regulamentar o direito à desconexão, que consiste, em suma, no direito que tem o trabalhador de não ser obrigado a se manter “conectado” fora de seu horário de expediente, bem como de não ter interrompidos os seus intervalos de descanso e férias. O direito à desconexão visa, principalmente, a preservar a integridade física e mental do empregado, de forma que lhe seja permitido verdadeiramente se “desligar” daquilo que tem relação com seu trabalho fora do horário de expediente.
O PL 4.044/2020, proposto pelo senador Fabiano Contarato (Rede-ES), busca regulamentar o direito à desconexão, estabelecendo expressamente que o empregador não poderá solicitar a atenção de um empregado em regime de teletrabalho, seja por telefone ou por qualquer outra ferramenta de comunicação eletrônica, como WhatsApp, Telegram e outros aplicativos semelhantes, fora do horário de expediente.
O projeto estabelece, ainda, que acordos ou convenções coletivas poderão admitir exceções em casos fortuitos ou de força maior. Porém, caso isso ocorra, o tempo de trabalho realizado pelo empregado nessas circunstâncias será considerado como horas extras. Algumas outras disposições no texto normativo dizem respeito ao empregado em gozo de férias, que deverá ser excluído dos grupos de mensagens do trabalho e remover de seus dispositivos eletrônicos pessoais quaisquer aplicativos voltados exclusivamente para uso no trabalho.
O direito à desconexão não é tema novo no Brasil. Tanto a doutrina quanto a jurisprudência trabalhistas já vêm abordando a temática nos últimos anos, existindo, inclusive, precedentes relevantes do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) que reconhecem o direito ao pagamento de danos morais por desrespeito ao direito de desconexão do empregado.
Entretanto, a regularização da questão mediante a edição de legislação específica voltada à proteção do direito à desconexão do trabalho, que delimite, de forma objetiva, como esse ato se configura e quais as suas consequências, se traduz em um marco legislativo importante, sobretudo no atual contexto de crise sanitária decorrente da pandemia de Covid-19, em que muitas empresas se viram obrigadas a colocar seus colaboradores em regime de teletrabalho bruscamente, sem realizar as devidas adequações ao modelo.
Nesse sentido, caso aprovado, o PL 4.044/2020 pode significar uma grande transformação na regulamentação trabalhista associada com as novas tecnologias, delimitando conceitos e traçando diretrizes objetivas para a atuação dos sujeitos da relação de trabalho.
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