As duas Ações de Investigação Judicial Eleitoral que pleiteiam a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão foram propostas durante o processo eleitoral de 2018, e passam agora pela análise do Tribunal Superior Eleitoral.
Eduardo de Carvalho Rêgo[1]
Marcelo John Cota de Araújo Filho[2]
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) está atualmente a se debruçar sobre duas ações judiciais (Ações de Investigação Judicial Eleitoral nº 0601369-44.2018.6.00.000 e nº 0601401-49.2018.6.00.0000) que pleiteiam a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão, chapa esta que, como se sabe, saiu vencedora nas eleições de 2018 para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República.
As ações foram ajuizadas – em meio ao processo eleitoral de 2018 – pelas coligações partidárias lideradas por Guilherme Boulos e Marina Silva e têm por objeto averiguar se a chapa encabeçada pelo atual Presidente da República teria sido beneficiada pelo ataque hacker a um grupo de Facebook nomeado “Mulheres Unidas contra Bolsonaro”, que reunia 2,7 milhões de participantes. Após o ataque, o grupo teve seu nome alterado para “Mulheres COM Bolsonaro #17” e passou a veicular material de apoio ao então candidato. Discute-se, em síntese, se houve um suposto abuso eleitoral, com a participação ativa do beneficiado no ataque hacker.
O relator do caso, Ministro Og Fernandes, havia votado pela improcedência da ação, em novembro de 2019. Na sequência, o Ministro Edson Fachin se posicionou a favor de uma rodada de produção de provas. E, na sessão do dia 09 de junho de 2020, o Ministro Alexandre de Moraes pediu vista dos autos, deixando o julgamento em suspenso.
Mas o que aconteceria se as ações fossem procedentes?
O procedimento a ser adotado em caso de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão é definido pelo art. 81 da Constituição Federal:
Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.
§1º Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.
§2º Em qualquer dos casos, os eleitos deverão completar o período de seus antecessores.
Da leitura do dispositivo, conclui-se que, em caso de vacância dos cargos de Presidente e Vice-Presidente nos dois primeiros anos do mandato (situação que perdurará, no caso concreto, até dezembro de 2020), seria necessária a realização de novas eleições em até noventa dias após a vacância da última vaga. Por outro lado, caso a vacância ocorresse nos últimos dois anos do atual mandato (de janeiro de 2021 a dezembro de 2022), seria necessária a realização de eleição indireta para ambos os cargos, pelo Congresso Nacional, em até trinta dias após a vacância do último cargo.
Com efeito, o julgamento de procedência das ações ainda no ano de 2020 provocaria um inusitado problema: a dificuldade de realização de eleições em meio à pandemia da Covid-19, algo que já está a ocupar o Congresso Nacional nas últimas semanas, tendo em vista que 2020 é ano de eleições municipais.[3]
Por sua vez, o julgamento de procedência das ações nos dois últimos anos do mandato provocaria a realização de eleições indiretas pelo Congresso Nacional, que se daria da seguinte forma: dentre os cidadãos elegíveis que tenham lançado a sua candidatura para o novo pleito, os 594 parlamentares selecionariam o novo Presidente e Vice-Presidente da República. Embora prevista na Constituição Federal, tal situação seria indesejável em termos democráticos, tendo em vista que, numa eleição desse tipo, o jogo de influências e de interesses poderia prevalecer, em detrimento de uma escolha republicana.
De toda forma, independentemente da modalidade aplicada para o possível preenchimento das vagas, certamente estar-se-á diante de severa turbulência institucional, uma vez que o atual Governo não parece estar receptivo a qualquer resultado que não a sumária improcedência das duas ações.
Nesse sentido, é relevante anotar que, nos últimos tempos, o próprio Presidente da República tem se insurgido contra algumas decisões tomadas pelo Poder Judiciário, chegando a dizer em oportunidade anterior que “ordens absurdas não se cumprem”[4]. E, especificamente sobre as duas ações que tramitam contra ele no TSE, afirmou recentemente que o seu julgamento é inadmissível e que os processos já deveriam ter sido arquivados. Em nítida alusão à fala do Ministro da Secretaria de Governo, General Luiz Eduardo Ramos[5], Bolsonaro afirmou que o simples processamento das ações equivale a “começar a esticar a corda”.[6]
Diante desse cenário, o TSE está diante de uma delicada situação, que pode dar ensejo à tentativa de rompimento institucional. Porém, instado a se manifestar sobre tal risco no programa Roda Vida, da TV Cultura, que foi ao ar no último dia 15 de junho[7], o Ministro Barroso foi claro ao expressar o seu posicionamento, no sentido de que o TSE não irá se acovardar: “nós [TSE] faremos o que é certo dentro do Direito, porque nós somos atores institucionais, e não atores políticos. O que tiver que ser feito, vai ser feito”.
Resta, então, aguardar os desdobramentos dos fatos.
[1] Advogado. Coordenador das Unidades de Direito Constitucional e de Direito Eleitoral no Escritório Schiefler Advocacia (www.schiefler.adv.br). Doutor em Direito, Política e Sociedade e Mestre em Teoria, História e Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Especialista em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL); Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).
[2] Estagiário de Direito no Escritório Schiefler Advocacia (www.schiefler.adv.br). Graduando em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Foi Assessor da Presidência e consultor de Negócios da Magna Empresa Júnior, além de representante discente do Conselho da Faculdade de Direito (CONFADIR), da UFU.
[3] Como se sabe, o atual Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro Luís Roberto Barroso, já iniciou conversas no sentido de adiar as eleições municipais que estavam originalmente marcadas para o mês de outubro de 2020. Em sua conta oficial na rede social twitter, o Ministro informou que o Senado começará a votar na data de hoje (23/06/2020) a PEC sobre o adiamento das eleições. Acesso em 23 de junho de 2020.
[4] A declaração foi dada um dia depois da deflagração de operação realizada pela Polícia Federal contra a disseminação de Fake News, cujo alvo foram vários de seus apoiadores políticos. A propósito, cf. Acesso em 22 de junho de 2020.
[5] Em resposta a um questionamento da Revista Veja, sobre um possível golpe militar no Brasil, o General Luiz Eduardo Ramos declarou que o Governo não considera tal hipótese, mas que, por outro lado, é importante a oposição “não esticar a corda”. Acesso em 22 de junho de 2020.
[6] Disponível em: Bolsonaro diz que processo no TSE que pode cassar chapa presidencial é ‘começar a esticar a corda’. Acesso em 22 de junho de 2020.
[7] A íntegra da entrevista está disponível no canal do programa Roda Viva no YouTube. Acesso em 22 de junho de 2020.
Read MoreA exegese da Justiça Eleitoral gaúcha sobre o art. 73, § 10, da Lei das Eleições.
Eduardo de Carvalho Rêgo[1]
Em 20 de maio de 2020, foi publicada, no Município de Porto Alegre/RS, a Lei Complementar nº 882/2020, que “Estabelece a isenção, para as competências de abril, maio e junho de 2020, das tarifas de água e esgoto aos consumidores beneficiados pela tarifa social que se enquadrem no disposto pelos incs. I e II do art. 37 da Lei Complementar nº 170, de 31 de dezembro de 1987, e alterações posteriores”. De acordo com o Prefeito Nelson Marchezan Júnior, “A medida foi adotada para auxiliar as pessoas de baixa renda, possibilitando que elas tenham mais recursos para enfrentar a crise provocada pela pandemia da Covid-19”.[2]
A oportuna medida de atenuação dos efeitos da pandemia sobre a população mais carente do Município de Porto Alegre vem na mesma linha do auxílio emergencial, no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), concedido pelo Governo Federal aos trabalhadores informais, microempreendedores individuais, trabalhadores autônomos e desempregados. Porém, ao contrário do Governo Federal, que está no segundo ano da atual Administração, a Prefeitura de Porto Alegre, por vivenciar o último ano do mandato do Chefe do Executivo Municipal, teve de lidar com a vedação constante no art. 73, § 10, da Lei Federal nº 9.504/1997 (Lei das Eleições), que proíbe a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública em ano eleitoral, excetuados os casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.
Em que pese a existência do Decreto Municipal nº 20.534, de 31 de março de 2020, que “Decreta o estado de calamidade pública e consolida as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo Coronavírus (COVID-19), no Município de Porto Alegre”, o Prefeito entendeu por bem formalizar consulta ao Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE/RS), questionando sobre a possibilidade de o Município conceder as isenções tarifárias pretendidas, uma vez que 2020 é ano de eleições municipais.
A resposta do TRE/RS, formalizada mediante manifestação de seu Tribunal Pleno, veio no sentido de reconhecer a pandemia da Covid-19 enquanto ensejadora de estado de “calamidade pública”, tal como previsto no art. 73, § 10, da Lei das Eleições, a autorizar o administrador público a distribuir gratuitamente bens e serviços em ano eleitoral. Contudo, o órgão julgador advertiu que “é necessário observar que o administrador público, mesmo em face de situação de calamidade, está adstrito aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, nos termos do comando do art. 37 da Constituição Federal, sem que possa fazer uso da distribuição gratuita de bens e valores com caráter eleitoreiro ou como forma de promoção pessoal”.[3]
Em síntese, resta clara a mensagem passada pela Justiça Eleitoral do Estado do Rio Grande do Sul: medidas financeiras de apoio aos mais necessitados em meio à pandemia da Covid-19 são bem-vindas, desde que a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios seja realizada mediante a adoção de critérios objetivos para estabelecer os beneficiários e, ademais, que não venha acompanhada de promoção pessoal de agente público. Tal exegese, aliás, está em consonância com os princípios constitucionais previstos no caput do art. 37 da Constituição Federal, que devem sempre ser levados em consideração na análise das exceções às condutas vedadas previstas na Lei das Eleições.
Eduardo de Carvalho Rêgo – Advogado. Coordenador das Unidades de Direito Constitucional e de Direito Eleitoral no Escritório Schiefler Advocacia (www.schiefler.adv.br). Doutor em Direito, Política e Sociedade e Mestre em Teoria, História e Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Especialista em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL); Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).
[1] Advogado. Coordenador das Unidades de Direito Constitucional e de Direito Eleitoral no Escritório Schiefler Advocacia (www.schiefler.adv.br). Doutor em Direito, Política e Sociedade e Mestre em Teoria, História e Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Especialista em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL); Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).
[2] Disponível em: https://prefeitura.poa.br/gp/noticias/prefeitura-isenta-consumidores-carentes-do-pagamento-da-tarifa-de-agua-e-esgoto. Acesso em 01/06/2020.
[3] TRE/RS. Consulta nº 0600098-44.2020.6.21.0000, de Porto Alegre. Relator: Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz. Data: 11/05/2020.
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