
Tendências jurisprudenciais da responsabilidade civil de sócios: Encerramento irregular de sociedade empresária
No presente texto, discutiremos um pouco mais sobre uma das hipóteses que causam a responsabilização civil de sócios (talvez uma das mais comuns): o encerramento irregular da empresa. Anteriormente, tratamos sobre o caso dos sócios remissos e dos sócios que integralizam o capital social de forma irregular, bem como da responsabilização em caso de distribuição de lucros ilícitos ou fictícios. Vale conferir.
Naquelas oportunidades, diferenciamos duas espécies de responsabilização de sócios: (i) pela responsabilização direta por obrigação própria, quando o sócio infringe dever legal, contratual ou extracontratual por ele pessoalmente assumido no contexto empresarial; e (ii) pela responsabilização indireta, quando alguma exceção legal (geralmente por ato fraudulento) afasta a autonomia patrimonial da sociedade e o sócio passa a responder pessoalmente por dívidas da sociedade.
No caso da responsabilização por encerramento irregular de sociedade empresária, a modalidade tratada é a responsabilização indireta. Quando ocorrida, o sócio passa a responder pelas dívidas contraídas pela empresa.
O encerramento irregular das sociedades empresárias
O ordenamento jurídico brasileiro regula várias formas e procedimentos para encerrar corretamente uma sociedade empresária: (i) pela anulação judicial, quando constituída irregularmente, (ii) pela liquidação, quando solvente a empresa, (iii) pela falência, quando insolvente, e (iv) por operações societárias que extingam a personalidade jurídica, como a fusão, a incorporação e a cisão.
Os motivos para a extinção podem ser vários: exaurimento dos fins, vontade dos sócios, conclusão do objeto social, vencimento do prazo determinado, crise irreversível, dentre vários outros.
De todo modo, o encerramento regular da sociedade deve respeitar as formalidades exigidas em Lei, que busca sempre preservar os interesses dos credores da empresa. Seja na liquidação, na falência ou nas operações de reestruturação societária, o credor tem meios de impugnar a medida e exigir o pagamento de seu crédito antes da distribuição de valores aos sócios da empresa em processo de extinção.
No entanto, é muito comum que os sócios simplesmente abandonem a sociedade, mantendo-a ativa apenas formalmente nos registros estatais (Receita e Juntas Comerciais), em especial quando a empresa tem dívidas relevantes que não podem ser pagas. Por temor ao estigma da falência, o sócio prefere ignorar a sociedade e deixar que o destino tome conta da sua extinção.
No entanto, a jurisprudência vem combatendo este tipo de atitude e, por considerá-la um ato de negligência antijurídica dos sócios para com os credores, acaba por ordenar a execução do patrimônio pessoal dos sócios pelas dívidas sociais. Abaixo, comentaremos alguns entendimentos importantes nesse sentido.
Divergência sobre a necessidade de desconsideração da personalidade jurídica
Existe controvérsia jurisprudencial sobre a necessidade de desconsideração da personalidade jurídica para que os sócios de sociedade irregularmente dissolvida sejam chamados a responder pelos débitos da empresa. Em sentido favorável pela dispensa de desconsideração (mero direcionamento da execução):
AGRAVO DE INSTRUMENTO – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – RECURSO DO EXECQUENTE – PEDIDO DE INCLUSÃO DO SÓCIO DA AGRAVADA – PROVAS CABAIS DE ENCERRAMENTO IRREGULAR DA EMPRESA – DESNECESSIDADE DE INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – MERA SUCESSÃO PROCESSUAL – RESPONSABILIDADE ILIMITADA DOS SÓCIOS Dissolução irregular da sociedade que permite o redirecionamento da execução ao sócio, que passa a responder de forma ilimitada pela obrigação ( CC, arts. 1.080 e 1.110), sem necessidade de instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica, por se tratar de mera sucessão processual ( CPC, art . 110). Precedentes deste E. TJSP. RECURSO PROVIDO. (TJ-SP – AI: 20149427120218260000 SP 2014942-71.2021.8.26 .0000, Relator.: Maria Lúcia Pizzotti, Data de Julgamento: 22/03/2021, 30ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 22/03/2021.)
AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO – TÍTULO EXTRAJUDICIAL – NÃO LOCALIZAÇÃO DE BEM PARA PENHORA –– ENCERRAMENTO IRREGULAR DA PESSOA JURÍDICA – SUCESSÃO PROCESSUAL – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS SÓCIOS- CABIMENTO. – Execução de título extrajudicial – Tentativas infrutíferas de localização de bens da executada – Empresa encerrada irregularmente – Ocorrência – Responsabilização solidária de seus sócios pela dívida da empresa- Cabimento da sucessão processual – Inteligência dos artigos 110 CPC e 1.080 CC: – Diante da dissolução irregular da pessoa jurídica, cabível a sucessão processual pelos sócios no polo passivo da demanda. Exegese do art . 110 do Código de Processo Civil. Ato irregular que atrai a incidência do art. 1.080 do Código Civil . RECURSO PROVIDO. (TJ-SP – Agravo de Instrumento: 2174304-41.2023.8 .26.0000 São Bernardo do Campo, Relator.: Nelson Jorge Júnior, 13ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 15/12/2023.)
Em sentido contrário, defendendo a inexistência de sucessão processual e impossibilidade de redirecionamento da execução sem prévia desconsideração da personalidade jurídica:
EXECUÇÃO – A extinção da sociedade empresária equivale à morte da pessoa natural prevista no art. 110, do CPC/2015, não havendo impedimento ao prosseguimento da ação mediante a substituição processual e a inclusão dos sócios no polo passivo quando do encerramento regular das atividades da pessoa jurídica – A dissolução irregular da pessoa jurídica, por si só, não enseja a desconsideração da personalidade jurídica relativa à responsabilidade contratual de natureza civil, caso dos autos, regulada pelo disposto no art. 50, do CC, que adotou a teoria maior da desconsideração, o que afasta a aplicação da Súmula 435/STJ, afeta à teoria menor da desconsideração, incidente nas responsabilidades decorrente do direito tributário, ambiental ou do consumidor – Descabida a inclusão dos sócios da devedora no polo passivo da ação de execução de origem, tendo em vista que não houve a dissolução regular da sociedade empresária – Dissolução irregular da pessoa jurídica não autoriza a aplicação do art. 110, CPC . Recurso desprovido. (TJ-SP – Agravo de Instrumento: 22298192720248260000 Lençóis Paulista, Relator.: Rebello Pinho, Data de Julgamento: 22/08/2024, 20ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 22/08/2024.)
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – REQUISITOS – EXISTÊNCIA – DISSOLUÇÃO IRREGULAR E AUSÊNCIA DE BENS – REFORMA DA DECISÃO. – Demonstrada a ausência de patrimônio, bem como o encerramento irregular da Pessoa Jurídica, é cabível a desconsideração da personalidade jurídica do Devedor. (TJ-MG – Agravo de Instrumento: 25141640220248130000 1.0000 .23.053523-9/002, Relator.: Des.(a) Roberto Vasconcellos, Data de Julgamento: 24/07/2024, 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 25/07/2024.)
Neste último sentido o STJ também já teve a oportunidade de decidir pela necessidade da desconsideração, mas fez o alerta de que a dissolução irregular que acarrete fraude a credores é causa de abuso que atrai o julgamento procedente da desconsideração da personalidade jurídica:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ASSOCIAÇÃO . REQUISITOS. DISSOLUÇÃO IRREGULAR. FRAUDE DE CREDORES. (…) 3 . Na hipótese, a dissolução irregular da associação com o objetivo de fraudar credores é suficiente para presumir o abuso da personalidade jurídica. 4. Agravo interno não provido. (STJ – AgInt no REsp: 1830571 SP 2019/0231047-1, Relator.: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 22/06/2020, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/06/2020.)
Certos ou errados tecnicamente (e entendemos pela necessidade da DPJ antes de atingir os sócios), os entendimentos divergentes apenas reforçam a necessidade de ser regularmente dissolvida a sociedade, sob pena de o sócio sequer ter a segurança de saber de que forma será convocado para responder ao processo (se como réu de incidente ou se como executado por sucessão).
A mera ausência de patrimônio e inaptidão não presume má-fé e dissolução irregular, e a simples dissolução irregular não enseja desconsideração da PJ
Existe entendimento jurisprudencial importante que explica não ser suficiente a classificação como “INAPTA” na Receita Federal ou a mera ausência de bens penhoráveis como provas cabais da dissolução irregular. Segundo o entendimento, a comprovação depende de provas robustas que corroborem os indícios mencionados:
Direito Processual Civil. Agravo de instrumento. Cumprimento de sentença. Decisão que indeferiu pedido de sucessão processual . Recurso da exequente. Recurso não provido. I. Caso em Exame (…). O fato de a empresa executada ter sido declarada inapta não implica, por si só, na possiblidade de aplicar o instituto da sucessão processual, porquanto não há prova da extinção formal ou irregular da sociedade devedora 4. A inexistência de bens penhoráveis não demonstra a extinção da sociedade, nem presume má-fé dos sócios. 5 . O Incidente de desconsideração da personalidade jurídica, na hipótese, é o meio cabível para a substituição do polo passivo da demanda pela sócia da empresa agravada. IV. Dispositivo e Tese 5. Recurso não provido . Tese de julgamento: 1. A mera inaptidão do CNPJ não autoriza a sucessão processual. 2. A inclusão de sócios no polo passivo requer a instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica (…).(TJ-SP – Agravo de Instrumento: 20539476120258260000 Araraquara, Relator.: Achile Alesina, Data de Julgamento: 06/03/2025, 15ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 06/03/2025.)
Em complemento, também há corrente jurisprudencial que demonstra não ser a mera dissolução irregular um fato causador da desconsideração da personalidade jurídica, que depende, ainda, de prova inequívoca do desvio da finalidade ou da confusão patrimonial:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA, DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA EMPRESA. ELEMENTOS INSUFICIENTES. 1 . Não discutindo o feito sobre matéria de direito do consumidor ou ambiental, a eventual dissolução irregular da pessoa jurídica não é suficiente para autorizar a desconsideração da personalidade jurídica. 2. Não tendo sido comprovada a ocorrência de fraude que caracterize o desvio de finalidade societário ou confusão patrimonial entre os sócios e a empresa, nos termos do artigo 50 do Código Civil, incabível o redirecionamento da execução. 3 . Agravo de instrumento improvido. ( TRF-4 – AG: 50414289220184040000 RS, Relator.: CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, Data de Julgamento: 27/02/2019, 4ª Turma.)
Assim, ainda que a dissolução irregular seja uma das causas de atribuição de responsabilidades ao sócio pelo débito empresarial, cabe ao interessado na execução dos bens dos sócios desincumbir-se de pesado ônus da prova sobre o abandono real da sociedade (não sendo suficiente para isso o mero cartão CNPJ inapto ou a mera ausência de bens) e do abuso da personalidade jurídica (conforme artigo 50 do Código Civil).
Para os débitos tributários, o risco é mais relevante, mas ainda exige-se prova robusta
A mera ausência de atividade na sociedade e o simples inadimplemento da dívida tributária não atraem a responsabilização imediata do sócio para o pagamento dos débitos fiscais, pois estas atitudes não são consideradas, por si só, provas de dissolução irregular. Neste sentido:
Súmula 430 do STJ: “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente”.
Ementa: DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO CONTRA SÓCIO-GERENTE . DISSOLUÇÃO IRREGULAR NÃO COMPROVADA. INSUFICIÊNCIA DA SIMPLES BAIXA CADASTRAL. RECURSO DESPROVIDO. (…) A responsabilização do sócio-gerente, nos termos do art. 135 do CTN, exige prova de que a dissolução da empresa ocorreu de forma irregular, o que não se comprova apenas com a baixa cadastral ou a extinção por liquidação voluntária. (…) A simples certidão de baixa no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) não constitui prova robusta da dissolução irregular, conforme entendimento deste Tribunal e do STJ, sendo insuficiente para redirecionar a execução fiscal ao sócio-gerente . O inadimplemento da obrigação tributária pela empresa, por si só, não gera a responsabilidade solidária do sócio-gerente, conforme estabelece a Súmula 430 do STJ. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso desprovido. Tese de julgamento: A dissolução irregular da empresa exige prova robusta, sendo insuficiente a mera baixa cadastral ou a devolução de AR . O redirecionamento da execução fiscal ao sócio-gerente depende da demonstração de que a empresa foi dissolvida irregularmente, com a comprovação de esgotamento de todas as tentativas de citação. (…). (TJ-ES – AGRAVO DE INSTRUMENTO: 50042880420238080000, Relator.: SERGIO RICARDO DE SOUZA, 3ª Câmara Cível.)
No entanto, comprovada a dissolução irregular da sociedade, o sócio gerente (administrador) passa a responder solidariamente pelo pagamento do tributo via redirecionamento, sendo desnecessária a utilização do incidente de desconsideração da personalidade jurídica segundo parcela considerável dos tribunais. A questão, no entanto, ainda será pacificada pelo STJ, que afetou o Tema 1209 para fixação de futura tese sobre a obrigatoriedade, ou não, da IDPJ para execuções fiscais.
Tema 630/STJ: “Em execução fiscal de dívida ativa tributária ou não-tributária, dissolvida irregularmente a empresa, está legitimado o redirecionamento ao sócio-gerente.”
Tema Repetitivo 1209: “Definição acerca da (in)compatibilidade do Incidente de Desconsideração de Personalidade Jurídica, previsto no art. 133 e seguintes do Código de Processo Civil, com o rito próprio da Execução Fiscal, disciplinado pela Lei n. 6.830/1980 e, sendo compatível, identificação das hipóteses de imprescindibilidade de sua instauração, considerando o fundamento jurídico do pleito de redirecionamento do feito executório”.
Um caso de presunção de dissolução irregular ocorre, segundo definido pela Súmula 435 do STJ, quando a sociedade deixa de atuar no domicílio fiscal informado aos órgãos competentes, sem realização da devida atualização. A presunção, no entanto, é relativa e admite prova em contrário, bem como robustas provas de que a empresa realmente deixou de funcionar:
Súmula 435 do STJ: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.”
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO FISCAL – EMPRESA NÃO ENCONTRADA EM SEU DOMICÍLIO FISCAL – DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE – REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO AOS SÓCIOS – SÚMULA 435, STJ – COMPROVAÇÃO – RECURSO PROVIDO. (…) A mera devolução de AR de citação postal sem cumprimento com informação “mudou-se” não indica, por si só, a dissolução irregular da empresa, cabendo a utilização de outros meios que certifiquem a dissolução irregular. (TJ-MG – Agravo de Instrumento: 0780254-42 .2024.8.13.0000 1 .0000.24.078024-7/001, Relator.: Des.(a) Magid Nauef Láuar (JD Convocado), Data de Julgamento: 07/05/2024, 7ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 15/05/2024.)
Ementa: Direito tributário. Agravo de instrumento. Execução fiscal. Icms . Redirecionamento. Presunção relativa quanto à dissolução irregular da empresa executada. Decisão reformada. Recurso provido. (…) A questão em discussão consiste em saber se é cabível o redirecionamento da execução fiscal ao sócio administrador da empresa executada. III. Razões de decidir 3 . É indevido o redirecionamento da execução fiscal quando afastada a presunção de dissolução irregular da empresa, capaz de justificar o pedido de inclusão dos sócios no polo passivo nos termos da Súmula nº 435/STJ. IV. Dispositivo 4. Provimento do recurso (…). (TJ-PR 00794260620248160000 Curitiba, Relator.: Rogério Luis Nielsen Kanayama, Data de Julgamento: 11/11/2024, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: 12/11/2024.)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. DECISÃO QUE REJEITOU EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE . REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL AO SÓCIO DA DEVEDORA ORIGINÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. PRESUNÇÃO RELATIVA DA CERTIDÃO DO OFICIAL DE JUSTIÇA QUANTO À DISSOLUÇÃO IRREGULAR. COMPROVAÇÃO DE QUE A EMPRESA ENCONTRA-SE EM ATIVIDADE . ILEGITIMIDADE PASSIVA DO SÓCIO RECONHECIDA. RECURSO PROVIDO.“(…) Não é o simples fato de a empresa não ser localizada em seu domicílio fiscal que enseja o redirecionamento da execução fiscal, mas, sim, o de ter sido ela dissolvida irregularmente. A circunstância de não ter sido localizada em seu domicílio fiscal é apenas uma presunção desta ocorrência, que é relativa. (…)”. (TJ-PR 00975437920238160000 Curitiba, Relator.: Rogério Luis Nielsen Kanayama, Data de Julgamento: 27/02/2024, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: 29/02/2024.)
Portanto, cabe à autoridade fiscal comprovar, se quiser se valer da presunção, tanto judicial quanto extrajudicialmente (com alguns julgados até mesmo exigindo a presença do fiscal na localidade física informada pela sociedade), a real dissolução irregular da sociedade.
Diante de todos estes riscos, se você é sócio de uma sociedade empresária e pretende encerrar as atividades dela, é muito importante contactar um advogado para analisar os caminhos possíveis para a dissolução regular da sociedade, a fim de evitar redirecionamentos fiscais, cobranças cíveis inesperadas no futuro ou até mesmo a necessidade de enfrentar um processo judicial por um simples descuido.
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Tendências jurisprudenciais da responsabilidade civil de sócios: Reposição de lucros fictícios ou ilegalmente distribuídos.
Neste texto, seguiremos discutindo as hipóteses de responsabilização civil de sócios no Direito brasileiro, bem como o tratamento dado ao tema pela jurisprudência pátria. Anteriormente, debruçamo-nos sobre o caso dos sócios remissos e dos sócios que integralizam o capital social de forma irregular, vale conferir.
Na oportunidade, diferenciamos as duas formas de responsabilização de sócios: (i) pela responsabilização direta por obrigação própria, quando o sócio infringe dever legal, contratual ou extracontratual por ele pessoalmente assumido no contexto empresarial; e (ii) pela responsabilização indireta, quando alguma exceção legal (geralmente por ato fraudulento) afasta a autonomia patrimonial da sociedade e o sócio passa a responder pessoalmente por dívidas da sociedade.
O tema que trataremos hoje faz referência à responsabilidade dos sócios em caso de distribuição irregular de lucros, quando ilegais ou fictícios (aqueles que são rateados em desacordo com os balanços contábeis e com a situação patrimonial real da sociedade). Algumas premissas devem ser estabelecidas antes, no entanto.
Distribuição ilegal de lucros e dividendos
Para situar o tema, já iniciamos com uma possível divergência interpretativa. Nos parece que é possível ler os artigos 1.009 e 1.059 do Código Civil de duas formas diferentes.
Para a primeira interpretação, o artigo 1.009 do Código Civil teria afastado a autonomia patrimonial da sociedade quando os sócios, em conluio com o administrador, recebessem lucros fictícios ou ilícitos. Em outras palavras, distribuído irregularmente os lucros, se este ato causar dano a alguém, os sócios podem ser condenados a ressarcir o prejudicado em conjunto com o administrador e a própria sociedade. Se a ofensa ao dever legal for perpetrada por mais de um sócio em prejuízo ao capital social, eles respondem solidariamente pela reposição da quantia (artigo 1.059 do Código Civil).
Mas como a distribuição de lucros irregularmente pode causar danos a terceiros? Os exemplos mais comuns que se poderia imaginar são: (i) distribuição desproporcional de lucros à participação societária, quando isso for vedado pelo contrato social ou for feito em desacordo com o que estiver estabelecido no documento (não atingir quórum especial, por exemplo); (ii) distribuição de lucros para apenas um ou alguns sócios, excluindo determinados sócios do rateio (artigo 1.008 do Código Civil); e (iii) a distribuição de lucros fictícios como forma de esvaziar o patrimônio social e lesar credores. No primeiro e segundo casos, os lesados são um ou alguns dos sócios, no terceiro, o prejudicado é um credor da sociedade.
Para a segunda interpretação, o artigo 1.009 do Código Civil não teria criado hipótese de suspensão da autonomia patrimonial, e a responsabilidade solidária ali mencionada serviria apenas para que todos os sócios respondessem, em conjunto, pela recomposição do valor ilegalmente distribuído, e não pela solidariedade para com a sociedade pelas obrigações firmadas com terceiros. Esse nos parece o entendimento mais adequado e que se coaduna com uma leitura conjunta com o artigo 1.059 do Código Civil.
Ou seja, caberia apenas à sociedade, como verdadeira prejudicada pela distribuição dos lucros fictícios ou irregulares (pois foi do patrimônio da empresa que os valores foram subtraídos), exigir dos sócios a recomposição patrimonial, sempre no limite do que foi ilegalmente rateado. Não poderiam os sócios ou terceiros prejudicados, com base no artigo 1.009 do Código Civil, exigir a responsabilização solidária dos sócios pelo pagamento dos débitos contraídos pela sociedade.
Na hipótese de distribuição ilegal de lucros que lese demais sócios ou terceiros, entendemos que o caminho correto passa pelo ajuizamento de ação pelo prejudicado, que deverá exigir da sociedade o cumprimento da obrigação ou da lei (distribuição correta de lucros, se for o sócio o prejudicado, ou adimplemento da obrigação, se for o credor). Em sendo o caso, caberia a responsabilização dos sócios apenas se configurados os requisitos da desconsideração da personalidade jurídica, na forma do artigo 50 do Código Civil.
Independentemente da interpretação, a lei exige comportamento culposo, no mínimo, para a configuração do ilícito. Para responder solidariamente pelos danos causados, o sócio que se beneficiou da distribuição só responderá se conhecer, ou devesse conhecer, a sua ilegitimidade.
Em sendo sociedade anônima (S/A), a divergência não parece existir e, regra geral, respondem apenas os administradores pela reposição em caso de distribuição irregular de dividendos, inclusive na seara penal (artigo 177, §1º, inciso VI, do Código Penal), mas os acionistas que receberam os dividendos de má-fé (que restará presumida caso o lucro seja partilhado sem prévio levantamento de balanço ou em desacordo com este) também respondem pela restituição dos valores auferidos (artigo 201, §1º, da Lei das S/A). A diferença da S/A para a LTDA. é que, naquela, não parecer ser possível aplicar a interpretação de suspensão da autonomia patrimonial da sociedade para atingir o sócio.
A questão não é muito tratada na jurisprudência, mas algumas reflexões podem ser extraídas dos poucos julgados que efetivamente enfrentaram o artigo 1.009 do Código Civil.
Aspectos jurisprudenciais: ônus da prova e forma de recomposição
Ajuizada a ação para buscar a responsabilização do sócio que recebeu lucros fictícios ou ilegais, cabe ao autor (acusador) provar o ilícito, sob pena de ver julgado improcedente o pleito e responder pelas custas e honorários sucumbenciais do processo. Neste sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE. RECONVENÇÃO FUNDADA EM RETIRADA DE LUCROS ILÍCITOS OU FICTÍCIOS. ÔNUS DA PROVA . RECONVINTE. APURAÇÃO DE HAVERES. FASE DISTINTA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ . MERA PRETENSÃO FUNDADA NO DIREITO. RECURSO DESPROVIDO. 1. O pedido condenatório formulado em reconvenção da sociedade buscando indenização por lucros ilícitos ou fictícios (art . 1.009, do Código Civil) depende da prova produzida após a ordinarização do procedimento (art. 603, § 2º, do CPC). 2 . A apuração de haveres dá início à liquidação da cota social, por meio da verificação do valor real da participação societária, positiva ou negativa, no momento do desligamento. É, portanto, um desdobramento natural da retirada do sócio. Não se presta para apurar as alegações de fato formuladas em reconvenção, que exigem demonstração específica seguindo as regras de distribuição dos ônus de prova ainda na fase de conhecimento (art. 373, do CPC) . 3. A imposição de multa por litigância de má-fé demanda a presença dos requisitos do art. 80, do CPC, não verificados na espécie. 4 . Apelação conhecida e desprovida.
O julgado acima também traz entendimento processual interessante: o procedimento de apuração de haveres em caso de dissolução parcial não se presta à análise das provas da distribuição ilícita de dividendos. Se quiser discutir o tema, cabe ao interessado apresentar reconvenção ou ajuizar nova ação para que o contraditório seja exercido na fase de conhecimento, e não de liquidação ou execução.
Entendimento relevante foi apresentado no julgado a seguir. Apesar de não vislumbrar provas aptas à subsidiar o pleito de responsabilização solidária, compreendeu-se que, caso fosse provada a distribuição fictícia por adiantamento geral de dividendos proporcionalmente à participação do capital social, não apenas os sócios acusados deveriam recompor o rateio irregular, mas também o sócio acusador. Veja-se:
(…) 8. Está correta a sentença em julgar improcedente o pedido de restituição de lucros formulado pelos autores, pois não há prova efetiva da distribuição de lucros fictícios por antecipação, e restou efetivamente comprovado nos autos que a distribuição de recurso da empresa autora sempre observou a proporção das cotas sociais, de modo que não houve recebimento de valores a maior pelo réu, com relação aos outros sócios. 8.1. Caso fosse comprovada a distribuição de lucros fictício para os sócios, por antecipação, mas de forma proporcional ao número de cotas, caberia a todos os sócios, e não apenas ao réu, a restituição de eventuais valores recebidos indevidamente, de modo a reintegrar o capital social da empresa para fins de apuração de haveres, por imperativo legal disposto no artigo 1009, do CC.
Apesar de as reflexões acima aplicarem-se em âmbito judicial, podemos citar efeitos práticos extrajudiciais do entendimento: se um dos sócios acusa, extrajudicialmente, o outro de distribuir ou receber lucros ilícitos, deve apresentar provas de sua acusação. Se for infundada, o sócio acusador pode até mesmo responder por danos materiais, morais, calúnia, difamação ou injúria, a depender das circunstâncias em que a afirmação for proferida. Se for fundada, os sócios deverão devolver a parcela irregular dos lucros, mas o sócio acusador também deverá fazê-lo, caso tenha recebido dividendos fictícios, e não se eximirá deste dever pelo simples fato de ter sido o sujeito que descortinou a fraude.
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