A empresa estatal é uma pessoa jurídica de direito privado, que precisa atender à finalidade pública para a qual foi criada, ao mesmo tempo em que também precisa acompanhar os padrões de eficiência impostos pelo mercado.
Enunciado 8 – O exercício da função social das empresas estatais é condicionado ao atendimento da sua finalidade pública específica e deve levar em conta os padrões de eficiência exigidos das sociedades empresárias atuantes no mercado, conforme delimitações e orientações dos §§1º a 3º do art. 27 da Lei 13.303/2016.
As empresas denominadas estatais, abrangidas nesse conceito as empresas públicas e as sociedades de economia mista, assim como as suas subsidiárias, exigem, para sua criação, autorização legislativa, nos termos do artigo 37, inciso XIX, da Constituição de 1988.
Para que seja viabilizada a criação de uma empresa estatal, para além de lei específica que a autorize, a Constituição de 1988 determina que a referida exploração direta da atividade econômica em questão por parte do Estado deverá ser necessária aos imperativos da segurança nacional ou atender a relevante interesse coletivo[1], motivo pelo qual o artigo 173, § 1º, inciso I, exige que o estatuto jurídico da estatal disponha sobre “sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade”.
A Lei nº 13.303/2016 (conhecida como “Lei das Estatais”), por sua vez, em seu artigo 2º, § 1º, reforça a necessidade de que haja, na lei que autoriza a criação de uma determinada estatal, a indicação clara do relevante interesse coletivo ou do imperativo de segurança nacional que se insere entre os seus fins institucionais, sendo precisamente essa a conceituação de “função social” trazida pelo diploma legal no caput do artigo 27.
Contudo, cumpre destacar que as estatais não exercem função social em razão da Lei nº 13.303/2016, mas, sim, das próprias particularidades que envolvem esse grupo de entidades da Administração Pública indireta. As empresas estatais devem estar voltadas à consecução da finalidade social relevante e ao atendimento da função social, uma vez que são esses objetivos que levaram o Estado a exercer atividade econômica de forma direta em primeiro lugar[2].
A Lei das Estatais, portanto, ao apresentar um conceito preciso para a “função social”, não fez mais do que explicitar de forma inequívoca uma concepção que já estava presente no texto constitucional. Da leitura dos dispositivos citados, observa-se que a Lei nº 13.303/2016 está em perfeita consonância com o disposto na Constituição Federal acerca da função social das estatais:
Lei nº 13.303/2016
Art. 27. A empresa pública e a sociedade de economia mista terão a função social de realização do interesse coletivo ou de atendimento a imperativo da segurança nacional expressa no instrumento de autorização legal para a sua criação.
Constituição Federal
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:
I – sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade;
Além disso, o artigo 27 da Lei nº 13.303/2016 traz, em seus parágrafos[3], orientações gerais sobre como a função social das empresas estatais deve ser atingida. Nos termos do § 1º, a realização do interesse coletivo a que se dedica a estatal deverá visar ao alcance do bem-estar econômico e à alocação socialmente eficiente dos recursos geridos pela empresa, orientando-se de maneira economicamente justificada.
O § 2º do artigo 27, por sua vez, impõe às estatais o dever de adotar práticas de sustentabilidade ambiental e de responsabilidade social corporativa compatíveis com o mercado em que atuam, enquanto o § 3º autoriza a sua atuação em atividades culturais, sociais, esportivas, educacionais e de inovação tecnológica, desde que comprovadamente vinculadas ao fortalecimento de sua marca e observando, no que couber, as normas de licitação e contratos da Lei nº 13.303/2016.
Todas as orientações trazidas pelos parágrafos, contudo, devem respeitar a delimitação do caput do artigo 27: o interesse público que deu origem à estatal.
Nesse sentido, ressalta-se que, ao mesmo tempo em que as empresas estatais estão condicionadas pela sua função social, havendo subordinação desta à finalidade pública que ensejou a criação da estatal, não é possível ampliar ou estender de forma irrestrita a função social para abranger objetivos públicos distintos daqueles que justificaram a própria constituição da empresa pública ou sociedade de economia mista em questão.
Explica-se: a empresa estatal está integralmente condicionada à sua função social. Ao mesmo tempo em que não é possível ignorar ou desviar-se da função social imposta pela lei que autorizou a criação da estatal, tampouco é possível que a função social extrapole o objetivo ou a finalidade pública que ensejou a criação dessa empresa.
Ademais, é preciso ter em conta que a adstrição da atuação das estatais à sua função social não decorre apenas do disposto no artigo 27 da Lei nº 13.303/2016, mas, antes, deriva da própria natureza da empresa estatal. Sendo necessário a presença de interesse público relevante para permitir ao Estado o exercício da atividade econômica de forma direta, o atendimento à função social é imperioso para que seja possível concretizar esse interesse. Ao mesmo tempo, não é possível expandir a função social da empresa estatal de forma a extrapolar o objetivo ou a finalidade pública que ensejou sua criação, visto que seria incompatível com o texto constitucional uma ampliação irrestrita da função social, que abrangesse objetivos públicos distintos daqueles que motivaram a criação da empresa estatal.
Dessa forma, observa-se que, mesmo sendo a empresa estatal uma pessoa jurídica de direito privado (e, portanto, pertencente ao mercado), existem circunstâncias que a diferenciam das demais. A estatal possui finalidades públicas específicas previstas na lei que autorizou a sua criação, as quais devem ser atendidas, não sendo possível ter o seu escopo ampliado para além da finalidade que motivou a sua criação.
Ou seja, a empresa estatal é uma pessoa jurídica de direito privado, que precisa atender à finalidade pública para a qual foi criada, ao mesmo tempo em que, evidentemente, também precisa acompanhar os padrões de eficiência impostos pelo mercado. A empresa estatal, portanto, é uma organização que é impactada, concomitantemente, pelo Direito Público e pelo Direito Privado.
É nessa linha que se insere o Enunciado 8, aprovado na I Jornada de Direito Administrativo do Conselho da Justiça Federal, que dispõe o seguinte:
Enunciado 8
O exercício da função social das empresas estatais é condicionado ao atendimento da sua finalidade pública específica e deve levar em conta os padrões de eficiência exigidos das sociedades empresárias atuantes no mercado, conforme delimitações e orientações dos §§1º a 3º do art. 27 da Lei 13.303/2016.
O enunciado aprovado, que traduz precisamente o objetivo e alcance da função social das empresas estatais, reforça o conteúdo dos dispositivos legais presentes na Constituição Federal e na chamada Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016) que versam sobre o tema. Concomitantemente, destaca-se que, ainda que haja uma finalidade pública específica, inerente à condição de estatal, estas empresas não podem furtar-se do atendimento aos padrões de eficiência exigidos das sociedades empresárias atuantes no mercado.
Conclui-se, assim, que as empresas estatais devem ter sua atuação sempre pautada pela função social definida em seus estatutos, bem como pela finalidade pública que lhes deu origem, sendo por esta limitadas e orientadas, mas sem esquecer, também, dos padrões de eficiência exigidos pelo mercado – os quais, naturalmente, fazem parte da rotina de uma empresa privada.
[1] Art. 173, caput, da Constituição de 1988.
[2] Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 33. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 553.
[3] Art. 27. […] § 1º A realização do interesse coletivo de que trata este artigo deverá ser orientada para o alcance do bem-estar econômico e para a alocação socialmente eficiente dos recursos geridos pela empresa pública e pela sociedade de economia mista, bem como para o seguinte:
I – ampliação economicamente sustentada do acesso de consumidores aos produtos e serviços da empresa pública ou da sociedade de economia mista;
II – desenvolvimento ou emprego de tecnologia brasileira para produção e oferta de produtos e serviços da empresa pública ou da sociedade de economia mista, sempre de maneira economicamente justificada.
§ 2º A empresa pública e a sociedade de economia mista deverão, nos termos da lei, adotar práticas de sustentabilidade ambiental e de responsabilidade social corporativa compatíveis com o mercado em que atuam.
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