Regime jurídico do trabalhador estrangeiro que pretenda firmar contrato de trabalho no Brasil, conforme a sistemática prevista na nova Lei de Migração (Lei Federal nº 13.445/2017) e demais atos normativos regulamentares.
Eduardo de Carvalho Rêgo[1]
1. Introdução
Nos últimos anos, tem sido comum a migração de cidadãos estrangeiros para o Brasil, em busca de emprego com carteira assinada. O que muitos desses cidadãos estrangeiros não sabem é que, para laborar no Brasil, não basta a existência de uma ou mais ofertas de trabalho, mesmo quando estas vierem acompanhadas da promessa de formalização por meio de contratos de trabalho ou de prestação de serviços; para que o cidadão estrangeiro labore em situação migratória regular é necessária a obtenção, junto ao Governo brasileiro, da chamada “autorização de residência para fins de trabalho”, nos termos da nova Lei de Migração (Lei Federal nº 13.445/2017), de seu Decreto regulamentador (Decreto Federal nº 9.199/2017) e demais atos normativos aplicáveis à espécie, notadamente as Resoluções Normativas nº 01/2017 e nº 02/2017, ambas editadas pelo Conselho Nacional de Imigração e aplicáveis à maioria dos cidadãos estrangeiros que pretendam trabalhar mediante a assinatura de contrato de trabalho no Brasil.
Tendo isso em vista, cumpre salientar que este breve artigo tem por objetivo apresentar o referido instituto, bem como esclarecer os procedimentos a serem tomados pelo cidadão estrangeiro – ou por seu advogado – para o requerimento da autorização de residência para fins de trabalho com contrato assinado, atualmente realizado exclusivamente por meio eletrônico, via “Sistema de Gestão e Controle de Imigração”, atrelado ao site do Ministério da Justiça e Segurança Pública e popularmente conhecido por MIGRANTEWEB.
2. Conceituações e normas jurídicas pertinentes à autorização de residência para fins de trabalho
De acordo com o site do Ministério da Justiça e Segurança Pública do Brasil, “A autorização de residência é concedida ao imigrante, residente fronteiriço ou visitante que pretenda residir temporária ou definitivamente no Brasil, desde que cumpra os requisitos da modalidade requerida, nos termos da Lei de Migração (Lei 13.445, de 24 de maio de 2017) e seu regulamento (Decreto 9.199, de 20 de novembro de 2017)”.[2]
Em nossa conceituação: a autorização de residência é o documento fornecido pelo Governo brasileiro ao cidadão estrangeiro, permitindo a ele o ingresso e/ou a permanência no território nacional, tendo em vista alguma finalidade específica, dentro de um determinado lapso temporal.
As hipóteses de concessão de autorização de residência estão expressamente previstas no art. 30 da nova Lei de Migração e podem ser divididas em três grandes grupos, de acordo com os seguintes critérios: (i) a finalidade da residência (pesquisa, tratamento de saúde, estudo, trabalho, etc.); (ii) as características do requerente (beneficiário de refúgio, vítima de tráfico de pessoas, pessoa em liberdade provisória ou em cumprimento de pena no Brasil, etc.); e (iii) outras modalidades definidas em regulamento.
No que interessa à presente análise, será abordada ao longo do texto, exclusivamente, a previsão constante no art. 30, I, “e”, da nova Lei de Migração, que estabelece requisitos para a autorização de residência para fins de trabalho, regulamentada pelo art. 147 do Decreto Federal nº 9.199/2017[3]. Mais ainda: nos ocuparemos de abordar apenas aquela situação em que o requerente possuir proposta formal de assinatura de contrato de trabalho no Brasil, hipótese em que é aplicável integralmente a Resolução Normativa nº 02/2017, que “Disciplina a concessão de autorização de residência para fins de trabalho com vínculo empregatício no Brasil”, e subsidiariamente a Resolução Normativa nº 01/2017, que genericamente “Disciplina procedimentos para a concessão de autorização de residência de competência do Ministério do Trabalho”, ambas editadas pelo Conselho Nacional de Migração.
3. Procedimentos a serem tomados para o requerimento da autorização de residência, para fins de trabalho
A Lei de Migração (Lei Federal nº 13.445/2017), a respectiva norma regulamentadora (Decreto Federal nº 9.199/2017) e as Resoluções Normativas nº 01/2017 e nº 02/2017, do Conselho Nacional de Migração, foram editadas no Governo do então Presidente Michel Temer, em cuja estrutura organizacional era prevista a competência geral do Ministério da Justiça e Segurança Pública para a apreciação dos pedidos de autorização de residência e do Ministério do Trabalho para a apreciação dos pedidos de autorização de residência quando fundamentados, entre outras hipóteses excepcionais, em trabalho ou oferta de trabalho.
Com a mudança do Governo no início do corrente ano, não há mais a previsão de Ministério do Trabalho na organização burocrática da Presidência da República[4]. O que há, atualmente, é uma Secretaria de Trabalho vinculada ao Ministério da Economia, a qual possui competência, inclusive, para tratar do trabalho estrangeiro, conforme consta no respectivo site[5].
Caberia, então, a pergunta: com quem ficou a competência para a apreciação dos pedidos de autorização de residência quando fundamentados em trabalho ou oferta de trabalho? Com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, embora o Decreto nº 9.199/2017 tenha expressamente excluído a sua competência em tais situações?[6] Ou com o Ministério da Economia, uma vez que a Secretaria do Trabalho está atualmente a ela subordinada?
Em que pese a dúvida ser cabível sob o ponto de vista teórico, o relevante é que, em qualquer das hipóteses acima aventadas, o pedido de autorização de residência deve ser formalizado por meio do sistema MIGRANTEWEB (“Sistema de Gestão e Controle de Imigração”) ainda vinculado, para fins burocráticos, ao antigo Ministério do Trabalho e Emprego. E, uma vez que o mencionado sistema não admite “direcionamento” do pedido a uma ou outra autoridade, sendo remetido automaticamente pela internet, a discussão sobre a competência para apreciação dos pedidos de autorização de residência quando fundamentados em trabalho ou oferta de trabalho perde a sua relevância prática, uma vez que o sistema irá direcionar automaticamente o pedido à autoridade que irá efetivamente decidir a questão.
Pois bem.
O Portal de Imigração Laboral, vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública[7], dá o passo-a-passo burocrático, orientando o interessado à obtenção do documento necessário à sua regularização no Brasil. No caso mais comum, em que o interessado já está residindo no Brasil, mas ainda não possui autorização de residência, necessitando, portanto, de regularização de seu status migratório, o sistema direciona o pedido conforme a finalidade desejada.
Na hipótese em análise, isto é, no caso de cidadão estrangeiro com oferta de trabalho a ser formalizada mediante a assinatura de contrato, o sistema direciona o pedido de acordo com a profissão informada. Exceção feita a atletas, professores, pesquisadores e cientistas, que possuem Resoluções Normativas especiais, com tratamento diferenciado, todos os praticantes de outras profissões são direcionados para a página da Resolução Normativa nº 02/2017, com indicação dos documentos gerais a serem apresentados[8].
Especificamente em relação àqueles interessados que já se encontrarem em território nacional, o art. 4º da Resolução Normativa nº 02/2017 determina o seguinte:
Art. 4º Ao interessado que esteja no território nacional, poderá ser concedida autorização de residência pelo Ministério do Trabalho, nos termos do art. 147, § 1º, do Decreto nº 9.199, de 2017, desde que apresentados os seguintes documentos:
I – contrato de trabalho, por prazo determinado ou indeterminado, celebrado entre as partes, que deverá conter as cláusulas mínimas exigidas, conforme Anexo I ou III, e estar de acordo com as regras previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT);
II – declaração que justifique a necessidade de continuidade do trabalho do imigrante no Brasil, caso mantenha-se vinculado ao mesmo empregador; e
III – outros documentos previstos na Resolução Normativa nº 01/2017 do Conselho Nacional de Imigração. Parágrafo único. O prazo da residência prevista no caput será de até 02 (dois) anos.
Como se vê, é o próprio art. 4º da Resolução Normativa nº 02/2017 que determina a aplicação subsidiária da Resolução Normativa nº 01/2017 aos pedidos de autorização de residência formulados por cidadãos estrangeiros que já se encontrem no Brasil. Todos os documentos previstos no art. 1º da mencionada Resolução Normativa[9] precisam ser apresentados pelo interessado, sob pena de indeferimento do pedido.
Como já mencionado, o pedido de autorização de residência para fins de trabalho com contrato assinado, com o consequente encaminhamento de todos os documentos exigidos nas Resoluções Normativas nº 01/2017 e nº 02/2017, devidamente digitalizados e salvos em arquivos legíveis, deve ser realizado via “Sistema de Gestão e Controle de Imigração” (MIGRANTEWEB), que deverá ser obrigatoriamente manejado por profissional portador de certificado digital – via de regra, por um advogado especializado em Direito Migratório.
Nada obsta, contudo, que o estrangeiro portador de certificado digital habilitado no Brasil protocole o pedido em nome próprio. Inclusive, há um tutorial no site do Ministério da Justiça e Segurança Pública que esclarece as principais dúvidas dos usuários. Pode ser consultado no seguinte endereço: https://portaldeimigracao.mj.gov.br/pt/migranteweb.
[1] Doutor em Direito, Política e Sociedade e Mestre em Teoria, História e Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Especialista em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL); Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI).
[2] https://www.justica.gov.br/seus-direitos/migracoes/autorizacao-de-residencia
[3] “Art. 147. A autorização de residência para fins de trabalho poderá ser concedida ao imigrante que exerça atividade laboral, com ou sem vínculo empregatício no País. § 1º A autorização de residência para trabalho com vínculo empregatício será concedida por meio da comprovação de oferta de trabalho no País, observado o seguinte: I – a oferta de trabalho é caracterizada por meio de contrato individual de trabalho ou de contrato de prestação de serviços; […]”
[4] Por essa razão, a interpretação das normas jurídicas mencionadas, sobretudo as das Resoluções Normativas editadas pelo Conselho Nacional de Migração, precisa ser adaptada à nova realidade jurídica vivenciada no Brasil, isto é, há a necessidade de uma leitura em compatibilidade com as modificações implementadas pelo atual Governo Federal.
[6] “Art. 127. Os pedidos de autorização de residência serão endereçados ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, ressalvadas as hipóteses previstas no § 1º. § 1º Observado o disposto no art. 142, os pedidos de autorização de residência serão endereçados ao Ministério do Trabalho quando fundamentados nas seguintes hipóteses: I – em pesquisa, ensino ou extensão acadêmica; II – em trabalho ou oferta de trabalho; III – na realização de investimento; IV – na realização de atividade de relevância econômica, social, científica, tecnológica ou cultural; V – na prática de atividade religiosa; e VI – no serviço voluntário”.
[7] https://portaldeimigracao.mj.gov.br/pt/nav-guiada
[8] “Art. 2º Na apreciação do pedido será examinada a compatibilidade entre a qualificação e a experiência profissional do imigrante com a atividade que exercerá no país. § 1º A comprovação da qualificação e experiência profissional deverá ser feita pelo empregador requerente, por meio de diplomas, certificados ou declarações das entidades nas quais o imigrante tenha desempenhado atividades, demonstrando o atendimento de um dos seguintes requisitos: I – mestrado, doutorado ou grau superior compatível com a atividade que irá desempenhar; ou II – conclusão de curso de pós-graduação, com no mínimo 360 (trezentos e sessenta) horas e experiência mínima de 01 (um) ano na área de especialização, compatível com a atividade que irá desempenhar; ou III – nível superior e experiência de no mínimo 02 (dois) anos no exercício da profissão, contando esse prazo da conclusão do curso de graduação que o habilitou a esse exercício; ou IV – formação específica em ocupação de nível técnico e experiência profissional de no mínimo 03 (três) anos; ou V – escolaridade mínima de 12 (doze) anos e experiência profissional de no mínimo 04 (quatro) anos em ocupação que não exija nível técnico ou superior; ou VI – experiência de no mínimo três anos no exercício de profissão, cuja atividade artística ou cultural independa de formação escolar. […]”.
[9] “Art. 1º O interessado na autorização de residência deverá solicitá-la junto ao Ministério do Trabalho, mediante preenchimento de requerimento, em formato digital, pela rede mundial de computadores, desde que preservadas as garantias de segurança de sua autenticidade, nos termos da Lei, instruído com os seguintes documentos, quando aplicáveis: I – formulário de Requerimento de Autorização de Residência, conforme Anexo I, assinado pelo interessado ou por seu representante legal; II – documento de viagem válido ou outro documento que comprove a sua identidade e a sua nacionalidade, nos termos dos tratados de que o País seja parte; III – documento que comprove a sua filiação, devidamente legalizado e traduzido por tradutor público juramentado, exceto se a informação já constar do documento a que se refere o inciso II; IV – ato legal que rege a pessoa jurídica devidamente registrada no órgão competente ou documento de identificação, no caso de pessoa física interessada no pedido; V – ato de eleição ou de nomeação de seu representante legal devidamente registrado no órgão competente; VI – indicação ou cópia do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ ou do Cadastro de Pessoa Física – CPF; VII – procuração quando o solicitante se fizer representar por procurador; VIII – guia de Recolhimento da União, simples, da taxa de processamento e avaliação de pedidos de autorização de residência com o respectivo comprovante de pagamento; IX – documentos previstos em Resolução Normativa específica do Conselho Nacional de Imigração aplicável ao pedido. X – certidões de antecedentes criminais ou documento equivalente emitido pela autoridade judicial competente de onde tenha residido nos últimos cinco anos; XI – declaração, sob as penas da lei, de ausência de antecedentes criminais em qualquer país, nos cinco anos anteriores à data da solicitação de autorização de residência. § 1º Fica dispensada a apresentação dos documentos previstos nos incisos III, X e XI deste artigo para fins de solicitação de autorização de residência prévia, procedimento necessário para a emissão de algumas modalidades de vistos temporários, podendo, excepcionalmente, a critério do Ministério do Trabalho, ocorrer a dispensa dos demais documentos previstos nesse artigo de acordo com a especificidade de cada Resolução Normativa. § 2º O reconhecimento de firma não será exigível, salvo nos casos previstos em legislação específica”.
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