Se houver previsão em lei e no edital, se o edital prevê critérios objetivos para avaliação e se houver possibilidade de revisão/recurso da conclusão a ser obtida no teste, a submissão dos candidatos ao teste psicotécnico pode ser exigida, desde que respeitados os princípios que regem a atividade administrativa.
Quais os critérios para aplicação de exame psicotécnico em concursos públicos?
As carreiras públicas são, frequentemente, objeto de interesse de uma parcela considerável da população brasileira. Além da boa remuneração, a estabilidade e as boas condições de aposentadoria podem ser ativos bastante atrativos para as mais diversas profissões.
Por questões constitucionais, o ingresso em cargos públicos está condicionado à aprovação em uma série de provas e avaliações – os famosos concursos públicos. Dentre as diversas etapas que podem compor estes certames, encontram-se, tradicionalmente, a prova objetiva ou discursiva, a avaliação de títulos e o teste psicotécnico.
Entretanto, existe um importante fato sobre o teste psicotécnico que é desconhecido para muitos: o psicotécnico só pode ser exigido se houver previsão em lei condicionando o cargo pretendido à realização desse teste. Ou seja, o psicotécnico só pode ser exigido para cargos em que a lei determina a sua necessidade, de forma que não é aplicável a todos os cargos.
Além disso, a validade desta etapa, quando o teste psicotécnico é exigido, está condicionada ao estabelecimento de critérios objetivos, claros e racionais previstos no edital do certame. Não basta que a lei preveja a submissão dos candidatos ao teste psicotécnico. É preciso que o edital, com base na legislação, preveja critérios objetivos e pertinentes para a realização do teste, a fim de evitar que candidatos sejam eliminados do concurso público de forma arbitrária e desmotivada.
E mais: além da necessidade de haver (i) previsão legal e (ii) critérios objetivos, para que a avaliação psicotécnica seja válida, também é necessário (iii) prover ao candidato a oportunidade de recorrer de eventual conclusão obtida no teste.
Este é o entendimento recorrente nos Tribunais brasileiros. Confira-se julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que entendeu pela necessidade de previsão legal e de critérios objetivos para que a submissão de candidato a exame psicotécnico seja válida:
ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CIVEL. CONCURSO PÚBLICO. DELEGADO DA POLÍCIA FEDERAL. EXAME PSICOTÉCNICO. AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA. EXIGÊNCIA DE PERFIL PROFISSIOGRÁFICO PARA O CARGO. NECESSIDADE DE PREVISÃO LEGAL E DE CRITÉRIOS OBJETIVOS. LAUDO PERICIAL REALIZADO EM JUÍZO. APTIDÃO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. REPERCUSSÃO GERAL. INCABÍVEL. MANUTENÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA AFASTADA.
1. Nos termos da atualizada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a legalidade do exame psicotécnico em provas de concurso público está submetida (a) à previsão legal, (b) à objetividade dos critérios adotados e (c) à possibilidade de revisão do resultado obtido pelo candidato. Portanto, além de ter previsão legal e possibilidade de revisão, o exame deverá ser pautado em critérios objetivos, e não critérios genéricos e subjetivos, como no caso.
2. Não é possível a realização de psicotécnico com a finalidade de verificar a adequação do candidato a ‘perfil profissiográfico’ considerado ideal pela Administração, mas não previsto em lei e expresso no edital de abertura, por violação ao princípio da publicidade. Precedentes. […]
(TRF-4 – AC: 50013400320144047000 PR 5001340-03.2014.4.04.7000, Relator: MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, Data de Julgamento: 14/02/2019, VICE-PRESIDÊNCIA)
Ademais, é oportuno salientar que, considerando não ser a psicologia uma ciência exata, a subjetividade é componente essencial e indissociável dela. No entanto, isso não significa que a Administração possui liberdade para, a seu bel prazer, eliminar candidatos de forma subjetiva durante a fase de exame psicotécnico.
Se é verdade que a subjetividade não macula a validade dos testes psicotécnicos, o entendimento majoritário é de que, desde que respeitados os princípios da publicidade e da igualdade – ou seja, se houver previsão na lei e no edital, além de definição de metodologia predefinida que garanta a isonomia – não há ilegalidade. Confira-se mais um precedente:
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. CONCURSO PÚBLICO. EXAME PSICOLÓGICO. PREVISÃO NO EDITAL DO CERTAME E NA LEI. REPROVAÇÃO. POSSIBILIDADE. Ação proposta por participante de concurso para provimento de cargo de soldado da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro eliminado no teste psicológico. Sentença de improcedência. Apelo da autora.
1. Nada inquina teste psicológico o fato de ser subjetivo, já que a psicologia, voltando-se para a psique do indivíduo e da pessoa, não é ciência exata, sendo, aliás, por natureza a do subjetivismo.
2. O ordenamento jurídico autoriza a realização do exame psicotécnico como condição de ingresso em determinados concursos públicos, desde que previsto no edital e em lei, atendendo, ainda, a realização do aludido exame a critérios metodológicos objetivos e previamente determinados.
3. Ademais, não havendo indícios de que a Administração Pública feriu os princípios da igualdade, da moralidade administrativa e da razoabilidade, prover o pleito implicaria intolerável interferência judicial na discricionariedade administrativa.
4. Recurso de apelação ao qual se nega seguimento, na forma do art. 557, caput, do CPC.
(TJRJ, Apelação Cível nº 0334274-60.2010.8.19.0001, Des(a). FERNANDO FOCH DE LEMOS ARIGONY DA SILVA – Julgamento: 30/06/2015 – TERCEIRA CÂMARA CÍVEL)
Da leitura das decisões judiciais transcritas acima, é de se observar que o Poder Judiciário evita interferir na discricionariedade administrativa, se verificar que a avaliação psicotécnica dos candidatos respeitou os ditames legais, mais especificamente os princípios da igualdade, da moralidade administrativa, da razoabilidade e da publicidade.
Portanto, depreende-se da jurisprudência que, se houver previsão em lei e no edital, se o edital prevê critérios objetivos para avaliação e se houver possibilidade de revisão/recurso da conclusão a ser obtida no teste, a submissão dos candidatos ao teste psicotécnico pode ser exigida, desde que respeitados os princípios que regem a atividade administrativa.
Em caso de violação de violação desses princípios ou regras jurídicas, o Poder Judiciário possui legitimidade para anular a eliminação de candidato indevidamente prejudicado nesta fase do concurso.
Read MoreAo reconhecer a falta de razoabilidade e, por consequência, a ilegalidade de decisões administrativas que eliminam candidatos na fase de aptidão médica, em razão da entrega incompleta de exames médicos por culpa exclusiva dos laboratórios e das clínicas responsáveis pela sua realização, o Poder Judiciário vem atuando como um porto seguro do interesse público em contratar o candidato mais qualificado para exercer as funções do cargo.
Candidato de concurso público não pode ser eliminado em razão de exame médico incompleto por falha do laboratório.
O ingresso em cargo ou emprego público depende de aprovação em concurso público, ocasião em que o candidato será avaliado por critérios objetivos, previstos em lei e no edital do certame.
Nesse processo, além de comprovar a capacidade técnica para o exercício do cargo, é necessário que os postulantes ao cargo público federal comprovem a higidez de sua saúde, nos termos do parágrafo único do artigo 14 da Lei Federal nº 8.112/1990 (Estatuto dos Servidores Públicos Federais), que estatui regra adotada de maneira geral por toda a Administração Pública Federal, e que, comumente, é replicada em normas estaduais e municipais:
Art. 14. A posse em cargo público dependerá de prévia inspeção médica oficial.
Parágrafo único. Só poderá ser empossado aquele que for julgado apto física e mentalmente para o exercício do cargo.
Nesse sentido, é comum que, nos próprios editais de concurso público, haja a previsão desta etapa de comprovação da aptidão médica. Inclusive, não são raras as vezes que os exames médicos necessários são pormenorizados no edital, os quais podem, em regra, ser realizados em laboratório a ser escolhido pelo candidato.
Eventualmente, laboratórios de exames médicos cometem falhas na entrega dos serviços contratos, omitindo ou atrasando a entrega de exames exigidos em concurso público. Por sua vez, os candidatos, que sequer tem expertise nesse assunto e que atuaram de forma diligente na realização dos exames dentro do prazo, acabam sendo indevidamente prejudicados por apresentar a documentação médica em desconformidade com o exigido em edital ou, ainda, fora do prazo.
Estes candidatos que, de alguma forma, foram prejudicados por falhas do laboratório ou da clínica médica responsável pela realização do exame, em razão da entrega incompleta ou atrasada de exame médico solicitado, devem informar o fato ao órgão realizador do concurso, a fim de possibilitar uma nova entrega posterior, inclusive em sede de recurso.
Este é o entendimento do Tribunal Regional Federal da 1a Região (TRF-1). Em decisão que prezou pela razoabilidade nas eliminações em concursos públicos, o TRF-1 reconheceu a ilegalidade de decisão administrativa que havia declarado a inaptidão de candidato aprovado pela apresentação incompleta de exame médico, ocasionada por falha do laboratório. Veja-se:
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. EXAME MÉDICO. APRESENTAÇÃO INCOMPLETA DO EXAME DE HEPATITE B. ERRO DO LABORATÓRIO. CORREÇÃO DA IRREGULARIDADE POR OCASIÃO DA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. NOMEAÇÃO E POSSE. CANDIDATO SUB JUDICE. […].
I – A orientação jurisprudencial já consolidada no âmbito de nossos tribunais é no sentido de que não cabe ao Poder Judiciário substituir-se aos membros de Banca Examinadora na formulação e na avaliação de mérito das questões de concurso público, podendo, contudo, pronunciar-se acerca da legalidade do certame, como no caso, em que se discute a legitimidade da eliminação de candidato, sob o fundamento de que este não teria apresentado todos os exames médicos solicitados pela impetrada.
II – Na hipótese dos autos, não se afigura razoável a eliminação de candidato em etapa específica de concurso público para avaliação de saúde, em virtude da apresentação incompleta do exame de Hepatite B, quando restou comprovado que decorreu de falha do laboratório, sendo que, ao interpor recurso administrativo, o impetrante juntou o exame laboratorial faltante, o qual demonstra, inclusive, sua higidez física. Ademais, consta do edital regente do certame a possibilidade de a junta médica solicitar exames complementares, o que não ocorreu, na espécie dos autos. Precedentes. […]
IV – Apelação desprovida. Sentença confirmada.[1]
O posicionamento adotado pelo julgado acima não está isolado do entendimento majoritário. Confiram-se outras decisões que também reconheceram a ilegalidade da eliminação de candidatos nessa mesma situação:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA. CONCURSO PÚBLICO. EXAMES MÉDICOS. EXCLUSÃO DE CANDIDATO POR ALEGADA FALTA DE APRESENTAÇÃO DE DETERMINADO EXAME. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE.
O agravante inscreveu-se em concurso público para provimento de vagas para o cargo de Policial Rodoviário Federal, regido pelo Edital nº 01, de 11 de junho de 2013, tendo sido desclassificado na Avaliação de Saúde, sob o fundamento de ausência de entrega do exame médico “IMPEDANCIOMETRIA”.
A exclusão do candidato do certame no presente caso, pela negativa de recebimento de um exame médico com nomenclatura variada, pois relatórios médicos juntados aos autos declaram que os termos “IMPEDANCIOMETRIA” e “IMITANCIOMETRIA” referem-se ao mesmo exame, e a omissão da autoridade impetrada em conferir, no momento do recebimento, o rol dos exames entregues, não se coadunam com o princípio da razoabilidade.
Agravo de instrumento parcialmente provido para assegurar ao Agravante o direito de participar nas demais etapas do certame de Policial Rodoviário Federal.[2]
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. EXAME MÉDICO FALTANTE. EXAMES COMPLEMENTARES. POSSIBILIDADE. RAZOABILIDADE. […]
II – Na hipótese dos autos, não se afigura razoável a eliminação de candidato em etapa específica de concurso público para apresentação de exames médicos, quando faltante apenas um dentre os inúmeros solicitados, mormente quando o próprio edital regulador do certame indica etapa específica para a entrega de possíveis exames complementares, pelo que não merece qualquer reparo o julgado monocrático que concedeu a segurança postulada na espécie. Ademais, constata-se que não há qualquer pendência editalícia por parte do impetrante, já tendo este participado com aproveitamento do regular curso de formação, sendo determinada, nos presentes autos, inclusive, a sua nomeação e posse desde 27/05/2014.
III – Apelação e remessa oficial, tida por interposta, desprovidas.[3]
Nesse sentido, ao reconhecer a falta de razoabilidade e, por consequência, a ilegalidade de decisões administrativas que eliminam candidatos na fase de aptidão médica, em razão da entrega incompleta de exames médicos por culpa exclusiva dos laboratórios e das clínicas responsáveis pela sua realização, o Poder Judiciário vem atuando como um porto seguro do interesse público em contratar o candidato mais qualificado para exercer as funções do cargo.
Desta forma, candidatos que enfrentam situações como esta podem, para evitar a eliminação definitiva de um concurso público, interpor recurso contra a eliminação ou ajuizar ação judicial com o objetivo de ter reconhecida a ilegalidade do seu caso concreto. Para isso, é importante que o pleito seja acompanhado de documentos que atestem o erro do laboratório, a fim de comprovar a culpa exclusiva do prestador de serviço.
Este entendimento evita que candidatos mais qualificados sejam injustamente eliminados pelo erro de terceiros. A finalidade do concurso público, afinal, é contratar os candidatos por seu mérito e aptidão a desempenhar bem as funções do cargo – e não eliminá-los por aspectos alheios à sua responsabilidade, fora do seu alcance e capazes de serem corrigidos em tempo.
[1] TRF-1, Apelação nº 0009308-21.2016.4.01.3400, DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, Quinta Turma, julgado em 26/06/2019.
[2] TRF-1, AG 0050256-88.2014.4.01.0000 / DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL KASSIO NUNES MARQUES, SEXTA TURMA.
[3] TRF-1, AMS 0073548-24.2013.4.01.3400 / DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, QUINTA TURMA.
Read MoreA legislação que rege o ingresso e a carreira militar é a Lei Federal nº 6.880/1980 (Estatuto dos Militares), sendo que, neste diploma normativo, não há qualquer disposição de que deve ser utilizado o índice de massa corpórea (IMC) como parâmetro para aferir a aptidão médica dos aspirantes a militar.
Candidatos de concurso militar não podem ser eliminados em razão do Índice de Massa Corporal (IMC), decide STJ
É sabido que, em razão de regra constitucional, o ingresso em cargo público depende de aprovação em concurso público, ocasião em que o candidato será avaliado por critérios objetivos, previstos em lei e no edital do certame. No caso de concurso público militar, para ingresso nas Forças Armadas constituídas pela Marinha, Exército e Aeronáutica, a Constituição Federal conferiu especial atenção ao processo de escolha dos candidatos, tendo em vista a função altamente sensível para salvaguarda da soberania nacional e na garantia da democracia.
Especificamente, o inciso X do artigo 142 da Constituição[1] confere à lei a função de dispor sobre o ingresso nas Forças Armadas, em especial quanto aos critérios de seleção. Ou seja, as regras aplicáveis aos concursos militares para preenchimento de cargos devem ser estabelecidas por norma com estatura hierárquica de lei – sendo inaplicável, nesse sentido, qualquer inovação por meio de normas infralegais ou editalícias.
Hoje, a legislação que rege o ingresso e a carreira militar é a Lei Federal nº 6.880/1980 (Estatuto dos Militares), sendo que, neste diploma normativo, não há qualquer disposição de que deve ser utilizado o índice de massa corpórea (IMC) como parâmetro para aferir a aptidão médica dos aspirantes a militar. Assim sendo, é ilegal a eliminação de candidato que, aprovado nas demais fases do concurso público, possua IMC superior ao mínimo estabelecido em edital.
Como a lei não autoriza a utilização desse critério, a exclusão de candidatos com base nele é uma prática ilícita passível de controle pelo Poder Judiciário.
Em decisão recente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou este entendimento e afastou a possibilidade de eliminar candidatos em concurso militar em razão do IMC, uma vez que inexiste na lei de regência autorização específica, não sendo suficiente a mera inclusão do requisito no edital. Leia-se:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. INGRESSO NA CARREIRA MILITAR. APTIDÃO FÍSICA. ÍNDICE DE MASSA CORPORAL. PREVISÃO LEGAL ESPECÍFICA. INEXISTÊNCIA. […]
A lei de regência das forças armadas (Estatuto dos Militares – Lei nº 6.880/80) não elenca nenhuma exigência quanto ao limite de altura, peso ou IMC para o ingresso na carreira, de modo que a previsão de algum desses requisitos, em concursos públicos, somente seria permitida mediante respaldo legal específico, compatível com as atribuições do cargo, sendo insuficiente a mera inclusão como cláusula do edital.
3.Agravo interno desprovido.[2]
Esta decisão não foi tomada de modo isolado, mas representa o entendimento jurisprudencial pacífico do Poder Judiciário. Confiram-se outras decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que é o órgão responsável por uniformizar o entendimento das decisões judiciais em território brasileiro:
ADMINISTRATIVO. CONCURSO. CURSO DE FORMAÇÃO DE TAIFEIROS. LIMITAÇÃO DE PESO PREVISTO NO EDITAL. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. […]
III – No caso, por mais que se possa compreender a razoabilidade da eventual fixação de limite de altura e peso para ingresso em determinadas carreira, é forçoso reconhecer que a lei (Estatuto dos Militares – Lei nº 6.880/80) não elenca qualquer exigência quanto ao limite de altura e peso ou IMC para o ingresso nas Forças Armadas, mormente para a matrícula no Curso de Formação de Taifeiros.
IV – Agravo interno improvido.[3]
[…] CONCURSO PÚBLICO. INGRESSO NA CARREIRA MILITAR. APTIDÃO FÍSICA. ÍNDICE DE MASSA CORPORAL. CRITÉRIO. EXIGÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL ESPECÍFICA. AUSÊNCIA. RECURSO IMPROVIDO. […] III – A exigência de limites máximo e mínimo de Índice de Massa Corporal (IMC), em concursos públicos, somente é permitida mediante previsão legal específica, compatível com as atribuições do cargo. Precedente.
IV – Recurso improvido.[4]
O posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) é compartilhado pelos demais Tribunais pátrios. É o caso do Tribunal Regional Federal da 4a Região (TRF-4), que também decidiu no sentido de que “A Lei nº 6.880/80 (Estatuto dos Militares), de forma alguma estabelece especificamente os requisitos para exames de saúde em concursos às fileiras militares. Portanto, evidente que não existe a fixação do Índice de Massa Corpórea – IMC como fator à aptidão ou não para ingresso na carreira militar, sendo defeso fazê-lo através de portaria ou Edital de concurso, à míngua de Lei que o autorize” (AC nº 5003370-91.2017.4.04.7101/RS, Relator Desembargador Rogério Favreto).
Constata-se, assim, que predomina o entendimento dos tribunais pátrios de que é juridicamente imprópria a eliminação de qualquer candidato em concurso público para ingresso em cargo das Forças Armadas em razão do índice de massa corpórea (IMC), ainda que este requisito conste de portaria ou do edital do certame, uma vez que a legislação de regência (Estatuto dos Militares – Lei Federal nº 6.880/80) não possui disposição que autorize o estabelecimento desta restrição.
Assim, candidatos a estes cargos que, em concursos públicos, forem eliminados em fase de avaliação médica por causa do seu índice de índice de massa corpórea podem, por meio da propositura de ação judicial, buscar o reconhecimento da nulidade desta decisão. Uma vez reconhecida esta ilegalidade, como a vasta jurisprudência vem fazendo, o candidato deverá ser mantido para participar das demais fases e, a depender da sua aprovação, ser nomeado e empossado no respectivo cargo.
[1] Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
[…]
X – a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra.
[2] STJ, AgInt no REsp 1761455/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/12/2019.
[3] STJ, AgInt no REsp 1570361/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/03/2018.
[4] STJ, REsp 1610667/RS, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/12/2017.
Read MoreO candidato foi considerado inapto na fase de avaliação médica com base nas “condições incapacitantes gerais”, dispostas no edital de concurso público.
O Tribunal de Justiça do Estado da Bahia acolheu, em decisão liminar, os argumentos apresentados pelo escritório Schiefler Advocacia, reconhecendo a ilegalidade da reprovação de candidato daltônico no concurso público para o cargo de Investigador de Polícia do Estado da Bahia.
O candidato foi considerado inapto na fase de avaliação médica com base nas “condições incapacitantes gerais”, dispostas no edital de concurso público. Não havia, no entanto, qualquer indicativo específico de que daltonismo seria considerado um fator impeditivo para o exercício do cargo.
Diante disso, a desembargadora relatora, ao acolher o pedido, reconheceu que “o instrumento editalício não traz o daltonismo especificado como causa para exclusão do certame, contrariamente à justificativa apresentada pelas autoridades coatoras para excluí-lo do concurso público”.
Além disso, a decisão judicial se fundamentou no fato de que não havia indicação de que qualquer função típica do cargo, dentre as especificadas no edital, não poderia ser exercida adequadamente pelo candidato em razão do daltonismo. Foi constatado, também, que o candidato possui Carteira Nacional de Habilitação (CNH) sem qualquer tipo de restrição e que faz uso de óculos corretivos de tons, o que viabiliza a percepção das diferentes tonalidades – “corrigindo” os efeitos do daltonismo.
Deste modo, concluiu que a reprovação do candidato foi ilegal, razão pela qual os efeitos da decisão administrativa foram suspensos. Assim, determinou que fosse viabilizada a participação do candidato em todas as demais fases do concurso público – inclusive aquelas que já haviam sido realizadas sem sua participação, como o Teste de Aptidão Física.
Read MoreIdentifica-se, assim, que, eventualmente, o conteúdo das normas regulamentadoras é desarrazoado. Neste caso, os candidatos devem questionar administrativa ou judicialmente o edital, as demais normas que o disciplinam ou até mesmo a sua eventual exclusão no concurso público, com o objetivo de comprovar materialmente a sua plena capacidade de exercer as funções.
A discromatopsia parcial, alteração clínica conhecida como daltonismo, acomete cerca de 10% da população masculina mundial[1]. Dada a grande proporção de indivíduos com daltonismo, é frequente que candidatos a concurso público portadores de discromatopsia manifestem dúvida quanto à aptidão para o exercício do cargo.
Mais especificamente, paira a dúvida se serão ou não considerados aptos na fase de avaliação médica. Ou mesmo, se poderão concorrer às vagas reservadas às pessoas com deficiência (PCD).
A polêmica é restrita a certas carreiras, especialmente às relacionadas à segurança pública, como agentes das polícias federal, militar e civil. Nesses casos, o daltonismo em grau elevado é frequentemente considerado como uma causa de inaptidão médica. Considera-se que o candidato portador dessa condição, tal como aqueles com audição inferior a 25 decibéis em determinadas frequências ou acometidos por ceratocone, não possuem capacidade para o exercício regular das funções típicas daqueles cargos.
O raciocínio por trás desses impedimentos remete à afirmação de que indivíduos nessas condições não teriam a plenitude física esperada para executar satisfatoriamente as funções do cargo. Ou seja: alega-se que tais situações são impeditivas para o cumprimento das tarefas típicas daquele cargo.
É evidente, contudo, que essa condição física que acomete aproximadamente 10% de pessoas do sexo masculino não pode representar uma restrição geral ao ingresso nas carreiras públicas. Ao contrário, para que tal impedimento prospere, faz-se necessário o respeito a certos critérios de formalidade e de razoabilidade.
No caso, a formalidade essencial para tornar juridicamente possível que portadores de daltonismo sejam considerados inaptos em exames médicos é a existência de previsão normativa que disponha neste sentido.
Ou seja, é preciso que haja uma lei que autorize a realização de exames médicos como uma das fases de avaliação do concurso público para aquele cargo determinado, indicando que as condições visuais do candidato serão avaliadas, e um ato normativo que delimite objetivamente os critérios a serem adotados naquele exame, indicando que a discromatopsia é uma condição considerada incapacitante. É possível este ato normativo disciplinador seja uma instrução normativa, um decreto ou até mesmo disposições do edital.
Contudo, a mera previsão em ato normativo pode ser insuficiente para que este impedimento de participação seja juridicamente adequado. Além disso, é preciso que a justificativa para impedir que daltônicos concorram àqueles determinados cargos seja razoável, consentânea com as funções que serão exercidas, comprovando-se a correlação lógica entre as funções do cargo e o impedimento funcional causado pelo daltonismo.
Considerados esses dois fatores obrigatórios (necessidade de prévia definição normativa e de respeito à razoabilidade), há uma série de consequências jurídicas relevantes.
A primeira é de que a Administração Pública se vincula ao que dispõe a lei, o edital, as demais normas infralegais e, especialmente, também, ao que essas normas deixaram de dispor.
Neste sentido, se há norma que prevê o daltonismo em grau acentuado como um fator de eliminação no concurso público, a Administração deve eliminar tão somente aqueles candidatos nesta condição, sendo vedada a eliminação de candidatos que sejam portadores de discromatopsia parcial, em grau moderado, que representa a grande maioria dos daltônicos.
É o que a jurisprudência vem consolidando:
DIREITO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. REEXAME NECESSÁRIO. MARINHA. CONCURSO. ENGENHEIRO DE TELECOMUNICAÇÕES. INSPEÇÃO DE SAÚDE. PERÍCIA JUDICIAL. DISCROMATOPSIA DE GRAU MODERADO. DIREITO À NOMEAÇÃO
1. A sentença assegurou ao autor, reprovado em inspeção de saúde por possuir discromatopsia, a nomeação no cargo de Engenheiro de Telecomunicações da Marinha, fundada em que a discromatopsia de grau moderado, atestada pela perícia judicial, não é óbice ao ingresso nas Forças Armadas, pois o edital previu como condição incapacitante somente a de grau acentuado.
2. O edital vincula a Administração Pública e os participantes do certame e prevê, no Anexo IV – Seleção psicofísica (SP), I, apenas a discromatopsia de grau acentuado como condição incapacitante.
3. O exame pericial atestou que o autor é portador de discromatopsia de grau apenas moderado, estando apto para desenvolver qualquer atividade castrense, devendo prevalecer sobre a perícia administrativa. Precedentes deste Tribunal.
4. Remessa necessária desprovida.
(TRF-2 – REOAC: 00183395220114025101 RJ 0018339-52.2011.4.02.5101, Relator: ANTONIO HENRIQUE CORREA DA SILVA, Data de Julgamento: 13/05/2016, 6ª TURMA ESPECIALIZADA)
Ainda, nos casos em que o daltonismo acentuado é considerado um fator impeditivo para o exercício do cargo, é possível então defender que esses candidatos possuem então o direito de concorrer às vagas destinadas às pessoas com deficiência (PCD).
A propósito desta tese, leia-se notícia sobre o seguinte precedente, julgado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal:
A 5ª Turma Cível do TJDFT deu provimento a recurso de candidato a concurso público para permitir que ele concorra dentro das vagas destinadas a pessoa com deficiência, por ser portador de daltonismo. A decisão foi unânime. […]
Em sede recursal, o relator afirma que “de fato, o acometimento de discromatopsia incompleta não é considerado caso de deficiência visual, não estando presente nas hipóteses previstas no Decreto 3.298/99”. Contudo, observa que “há uma incoerência no caso em análise, pois o candidato não se enquadra como deficiente físico e, por outro lado, não possui exigência mínima para concorrer nas vagas de ampla concorrência, por conta da condição incapacitante em que se enquadra”.
O magistrado segue registrando que “o ato administrativo tomado pelo apelado/impetrado é desproporcional e desarrazoado, já que há possível condição incapacitante, nos termos do edital (item 11.10.2 – subitem 11), e mesmo assim o candidato foi considerado para as vagas de ampla concorrência”. Assim, “diante da situação em que o candidato se encontra, deve ser-lhe garantida a possibilidade de concorrer a uma vaga dentre as reservadas para pessoas com deficiência, pois possui condição que o distingue dos demais e foi-lhe permitido permanecer no concurso”, conclui.
Por fim, o Colegiado acrescentou que “apesar de a situação do apelante/impetrante não estar prevista no art. 4º, III, do Decreto 3.298/99, aplica-se a interpretação extensiva da norma, como já feito pelo Superior Tribunal de Justiça, dando efetividade aos princípios da igualdade e da inclusão social”.
Por fim, caso as normas que regulamentam o concurso tenham deixado de prever a eliminação do candidato daltônico, a Administração também está vinculada a essa omissão. O candidato não pode ser surpreendido somente na fase de exame médico, sem que houvesse qualquer informação anterior quanto à impossibilidade de exercer aquele cargo.
Além disso, há a questão da razoabilidade. A despeito do que preveem as normas aplicáveis ao concurso, os candidatos devem estar atentos a uma eventual compatibilidade material entre as funções a serem exercidas e as consequências causadas pelo daltonismo. Dependendo das tarefas do cargo, é possível que o sujeito tenha plena possibilidade de atuar regularmente sendo daltônico.
Identifica-se, assim, que, eventualmente, o conteúdo das normas regulamentadoras é desarrazoado. Neste caso, os candidatos devem questionar administrativa ou judicialmente o edital, as demais normas que o disciplinam ou até mesmo a sua eventual exclusão no concurso público, com o objetivo de comprovar materialmente a sua plena capacidade de exercer as funções.
Aliás, com a evolução tecnológica e o desenvolvimento de óculos corretores de daltonismo, já disponíveis para comercialização, é seguro afirmar que, em muitas profissões, esta condição de saúde pode ser tecnicamente contornada, tal como já ocorre em casos de miopia ou astigmatismo.
Aos daltônicos concurseiros, portanto, há esperança!
[1] Disponível em: http://www.coloradd.net/imgs/ColorADD-Sobre-Nos_0315.pdf. Acesso em: 11/11/2018.
Read MoreA eliminação do candidato, que concorreu às vagas reservadas a pessoas com deficiência (PCD), ocorreu na fase de avaliação médica, após a sua condição de visão monocular ter sido considerada pela comissão médica como fator impeditivo para o desempenho das atividades típicas do cargo pleiteado no concurso (Oficial de Inteligência).
Em março de 2019, o juízo da 8ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal deu procedência aos argumentos apresentados pelo escritório Schiefler Advocacia em ação judicial proposta para reverter a eliminação de candidato ao cargo de Oficial de Inteligência do concurso público da Agência Brasileira de Inteligência – ABIN.
A eliminação do candidato, que concorreu às vagas reservadas a pessoas com deficiência (PCD), ocorreu na fase de avaliação médica, após a sua condição de visão monocular ter sido considerada pela comissão médica como fator impeditivo para o desempenho das atividades típicas do cargo pleiteado no concurso (Oficial de Inteligência).
Em defesa do candidato, o escritório Schiefler Advocacia argumentou que os candidatos que concorrem às vagas reservadas a pessoas com deficiência não podem ser desclassificados do concurso público exclusivamente em razão de sua própria deficiência, além de que a compatibilidade da deficiência com o cargo deveria ser aferida durante o estágio probatório. Em complemento, comprovou-se, no caso concreto, a partir de laudos médicos, que não havia incompatibilidade entre a deficiência do candidato e o cargo de Oficial de Inteligência da Agência Brasileira de Inteligência – ABIN.
Como constava no próprio edital de regência do concurso público e no Decreto Federal nº 3.298/1999, nos termos vigentes na data de realização do certame, o exame de compatibilidade entre a deficiência e as funções típicas do cargo deveria ser realizado por equipe multiprofissional durante o estágio probatório, e não na fase de avaliação médica.
Diante do conjunto de argumentos apresentados, o juízo reconheceu, em medida liminar e, depois, na sentença, que o exame que fundamentou a decisão administrativa não demonstrou que as restrições e/ou limitações decorrentes da deficiência impediam, por completo, o exercício regular das atribuições do cargo pelo candidato. Leia-se o seguinte excerto da sentença:
[…] De outra parte, é evidente que a deficiência em si não pode ser a causa exclusiva da eliminação do candidato na fase de avaliação médica, senão quando o exame demonstrar claramente que as restrições e/ou limitações dela decorrentes obstam, por completo, o exercício regular das atribuições do cargo. […]
Em relação aos itens “a” e “b” do parecer médico, observo que as atribuições do cargo previstas no art. 8º da Lei nº 11.776/2008 não se mostram, à primeira vista, incompatíveis com as limitações decorrentes da visão monocular, pois em nenhuma delas a acuidade visual dos dois olhos é considerada essencial para o desempenho das funções de inteligência, de forma que a junta médica não demonstrou, objetivamente, a maneira pela qual a visão monocular poderia comprometer o regular exercício do cargo, limitando-se a uma simples constatação da existência da deficiência, sem confrontá-la com as atividades do cargo. […]
No tocante aos itens “c” a “e” do parecer médico, é notória a avaliação puramente genérica e abstrata da suposta incapacidade do autor, pois não há qualquer dado histórico da vida social e profissional do candidato que tenha servido de base às referidas conclusões da junta médica. […]
Por consequência, o juízo determinou a inclusão do candidato na lista de aprovados da avaliação médica para o cargo de Oficial de Inteligência da ABIN, reconhecendo que está habilitado a participar de todas as etapas do concurso público, inclusive para ser nomeado e tomar posse.
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