A minuta de Decreto publicada no Diário Oficial da União propõe a instituição do Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhistas.
Victoria Magnani[1]
No dia 21 de janeiro de 2021, foi publicada no Diário Oficial da União minuta de decreto que propõe a instituição do Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhistas[2]. Trata-se de decreto aberto à consulta pública até 19 de fevereiro de 2021, que tem como principal objetivo oferecer um marco regulatório trabalhista simples, desburocratizado e competitivo, ao mesmo tempo em que preserva o direito ao trabalho digno e promove a conformidade com as normas trabalhistas.
Sem adentrar no mérito específico do conteúdo do decreto, tampouco fazer juízo de valor sobre as disposições nele contidas, é certo que o texto publicado no Diário Oficial traz à tona certos pontos de discussão que merecem ser evidenciados. Mais especificamente, destacam-se alguns dos objetivos gerais listados no artigo 4º do referido decreto: a busca contínua pela simplificação e desburocratização do marco regulatório trabalhista, de forma a reduzir os custos de conformidade das empresas; a promoção da segurança jurídica (inciso II); e a instituição de um marco trabalhista harmônico, moderno e dotado de conceitos claros (inciso III).
Essas são demandas que vêm crescendo significativamente nas últimas décadas, na esteira de uma série de mudanças sociais ocorridas devido à ascensão das tecnologias de informação e comunicação. À medida em que a lógica industrial começa a dar lugar à economia de serviços, é evidente que esse panorama pressupõe a existência de novas formas de trabalho e, portanto, requer uma alteração do cenário regulatório trabalhista. Assim, tem-se que essa alteração deve se dar de forma a contemplar não apenas a proteção do típico trabalhador fabril, no qual foi inspirada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas também, por exemplo, os prestadores de serviços, que muitas vezes não encontram no texto da CLT a necessária correspondência com a sua realidade de trabalho.
Nesse sentido, destacam-se alguns dispositivos do decreto que propõe o Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhistas, sobretudo os já mencionados incisos I, II e III do artigo 4º. A revisão e adaptação das formas engessadas previstas na legislação trabalhista de forma a oferecer um marco regulatório simples e desburocratizado vem ao encontro da necessidade de promover o direito ao trabalho digno a todos os trabalhadores, e não apenas àqueles que possuem o vínculo empregatício “típico”, marcado pela subordinação, pessoalidade, habitualidade e onerosidade[3].
O decreto publicado traz, em alguma medida, essa preocupação no sentido de conciliar o aumento de competitividade e redução de custos para as empresas com o respeito aos direitos trabalhistas, como é possível verificar, por exemplo, no parágrafo 2º do artigo 3º e no já citado artigo 4º.
Outro ponto importante diz respeito à adoção de um marco regulatório harmônico, moderno e com conceitos claros, o que tem efeito direto sobre a promoção da segurança jurídica, outro dos objetivos do referido decreto (incisos II e III do art. 4º). A segurança jurídica que decorre de um conjunto de normas acessíveis e bem delimitadas é inquestionável, traduzindo-se em benefício tanto para empresas quanto para trabalhadores.
Para além disso, o decreto traz como objetivos específicos, dentre outros, triar e catalogar a legislação trabalhista infralegal com matérias conexas ou afins, bem como consolidar e garantir que eventuais atos normativos que alterem a norma consolidada não sejam publicados de forma isolada (art. 5º, incisos I e II). Esses objetivos, aliados a um repositório de normas trabalhistas constantemente atualizado e à revogação dos atos normativos exauridos ou tacitamente revogados (art. 5º, incisos III e IV) têm o potencial de minimizar um dos grandes problemas existentes no cenário regulatório trabalhista em geral, que diz respeito à dificuldade de identificar qual ou quais normas são aplicáveis ao caso concreto, fato este que decorre de uma produção normativa verdadeiramente profícua e descentralizada na esfera trabalhista.
Ressalta-se que não se fala, aqui, em diminuir a proteção do trabalhador, e sim de adequá-la aos novos contornos impostos pela própria evolução da sociedade. Defende-se, de fato, a proteção jurídica de todos os grupos de trabalhadores, e não apenas dos tipicamente tutelados pela CLT em seus moldes atuais. O decreto em questão talvez não seja o instrumento mais adequado para produzir tais mudanças, é bem verdade, mas as recentes transformações ocorridas na organização do trabalho mostraram que, para honrar o objetivo primordial do Direito do Trabalho de proteção do trabalhador, mudanças normativas serão necessárias, de modo a tutelar também as novas formas de trabalho e suas particularidades.
[1] Graduanda em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina, atualmente cursando a nona fase. Foi bolsista do Programa de Educação Tutorial – PET Direito UFSC de 2017 a 2019, e atualmente desenvolve pesquisa de iniciação científica no campo do Direito Ambiental do Trabalho como bolsista voluntária do Programa Institucional de Iniciação Científica – PIBIC UFSC.
[2] Disponível em: https://www.gov.br/participamaisbrasil/decreto-legislacao-trabalhista. Acesso em 27 jan. 2021.
[3] Art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em 27 jan. 2021.
Read MorePor mais que muitas normas e conceitos estabelecidos pela CLT não façam sentido dentro do modelo de negócios inovador e disruptivo das startups, essas empresas continuam legalmente obrigadas pelas normas trabalhistas aplicáveis a qualquer outra empresa.
Victoria Magnani[1]
As chamadas startups, empresas ligadas à inovação que se encontram em estágio inicial de desenvolvimento, podem ser definidas como empresas de perfil inovador cujo modelo de negócios se caracteriza como repetível e escalável, além de ser marcado por um cenário de extrema incerteza. Essas empresas têm como característica, além do fator inovação, um potencial de crescimento exponencial associado a baixos investimentos, bem como uma ampla flexibilidade no que diz respeito às noções tradicionais associadas ao direito trabalhista.
Devido a essa dinâmica única, típica do ambiente das startups[2], surge uma série de embates com os conceitos trabalhistas “tradicionais” previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), diploma legal que muitas vezes se mostra insuficiente para lidar com a prática do dia a dia dessas empresas.
Apesar do modelo de negócios marcado pelo alto risco e instantaneidade, a preocupação trabalhista não pode ser deixada em segundo plano, visto que eventual irregularidade na contratação e gestão da equipe pode gerar diversas consequências graves para as startups, que vão desde multas oriundas de órgãos fiscalizadores até reclamações trabalhistas, impactando a imagem da empresa e, consequentemente, o seu financiamento.
Embora o Direito do Trabalho não possua grande incidência nas startups early stage[3], conforme as empresas vão crescendo e se desenvolvendo as questões trabalhistas tornam-se cada vez mais presentes em sua realidade. Assim, para as startups que se encontram em growth stage[4] é essencial tratar as questões relacionadas ao Direito do Trabalho de forma adequada, uma vez que, caso estas sejam mal conduzidas, o surgimento de um eventual passivo trabalhista pode vir a prejudicar a própria captação de recursos externos nas próximas rodadas de investimento.
Nesse sentido, é importante destacar que, apesar de possuírem um modelo de negócios distinto daquele atribuído às empresas “tradicionais”, as startups não possuem tratamento normativo diferenciado, estando sujeitas à mesma legislação trabalhista que as demais empresas.
Vale dizer que, por mais que muitas normas e conceitos estabelecidos pela CLT não façam sentido dentro do modelo de negócios inovador e disruptivo das startups (tipicamente marcado pela instantaneidade e flexibilidade), essas empresas continuam legalmente obrigadas pelas normas trabalhistas aplicáveis a qualquer outra empresa.
É nesse panorama que acabam surgindo alguns riscos trabalhistas derivados do próprio modelo de negócios das startups, principalmente aqueles relacionados à contratação e gerenciamento dos colaboradores. A título de exemplo, é possível citar a celebração de contratos de prestação de serviços e a contratação de pessoas jurídicas[5], duas alternativas que se popularizaram no ambiente das startups justamente por se adequarem ao baixo orçamento dessas empresas e não envolverem tantas formalidades para sua realização, mas que podem ocasionar inúmeros problemas na Justiça do Trabalho caso não sejam executados de maneira correta.
Logo, a contratação dos diversos colaboradores da startup, seja por meio de contratos de prestação de serviços, contratos celebrados com pessoas jurídicas ou mesmo os contratos de vesting[6], deve ser elaborada em consonância com a legislação, a fim de minimizar riscos trabalhistas e eventuais ilegalidades.
Por que pensar preventivamente?
Uma boa prevenção de demandas trabalhistas traz inúmeras vantagens competitivas, pois, além da significativa redução de custos, a melhoria do meio ambiente de trabalho por meio do aperfeiçoamento da estrutura organizacional reflete diretamente na produtividade da empresa, influenciando no seu faturamento. Além disso, esses atributos são interessantes para atrair investidores, uma vez que estes certamente irão priorizar startups que, além de oferecerem menos riscos, também trazem o melhor retorno para o seu capital.
[1] Graduanda em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina, atualmente cursando a oitava fase. Foi bolsista do Programa de Educação Tutorial – PET Direito UFSC de 2017 a 2019, e atualmente desenvolve pesquisa de iniciação científica no campo do Direito Ambiental do Trabalho como bolsista voluntária do Programa Institucional de Iniciação Científica – PIBIC UFSC.
[2] FEIGELSON, Bruno; NYBØ, Erik Fontenele; FONSECA, Victor Cabral. Direito das Startups. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
[3] Como são chamadas as startups em estágio inicial de desenvolvimento.
[4] As startups em growth stage são aquelas que, depois de terem provado seu valor no mercado e obtido financiamento, estão no processo de crescimento, tentando escalar seu produto. O foco não é mais simplesmente na inovação, mas em expandir o produto já existente e aprovado pelo mercado.
[5] Fenômeno conhecido como “pejotização”.
[6] O contrato de vesting consiste em uma promessa de participação societária, estabelecida com colaboradores estratégicos com vistas a estimular a expansão, o êxito e a consecução dos objetivos sociais da startup (FEIGELSON; NYBO; FONSECA, 2018).
E mais: “o Vesting, entre outras hipóteses, consiste em um Contrato de opção de aquisição de participação societária, de forma gradual, mediante cumprimento de metas em/ou dado período de tempo.” (MAY, Pedro Henrique. O Contrato de Vesting no sistema societário brasileiro e a sua aplicabilidade em startups constituídas na forma de sociedade limitada. Monografia (graduação) – Curso de Graduação em Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, 2018. p. 42).
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