A liminar afetava mais de cinquenta professores de diversas especialidades no Instituto Federal da Paraíba - IFPB.
A Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região suspendeu decisão liminar concedida em Ação Civil Pública que determinava a anulação das nomeações de mais de cinquenta professores de diversas especialidades aprovados em concurso público realizado pelo Instituto Federal da Paraíba – IFPB.
O concurso para professor do IFPB, cujo edital foi lançado em dezembro de 2018, atravessou regularmente todas as suas fases até a realização da prova de desempenho didático. Contudo, após a divulgação do resultado desta última etapa, os problemas iniciaram. Isso porque, num primeiro momento, a instituição de ensino e a banca organizadora do concurso se recusaram a entregar as cópias das gravações aos candidatos.
Diante de inúmeras reclamações dirigidas ao Ministério Público Federal, o órgão editou recomendação ao IFPB para franquear acesso às gravações de vídeos a todos os candidatos solicitantes e reabrir o prazo recursal, preservando o direito ao contraditório substantivo.
Seguindo a recomendação do MPF, o Instituto lançou edital permitindo que todos os interessados em ter acesso ao vídeo de sua prova de desempenho fizessem solicitação por e-mail. Ademais, o IFPB reabriu o prazo de recurso após a entrega dos vídeos, seguindo estritamente as orientações do órgão ministerial.
Acontece que, dos mais de 1.054 candidatos que realizaram a prova de desempenho, 35 notificaram a banca e o IFPB de que a gravação entregue continha falhas que inviabilizavam seu uso.
Nesta circunstância, a fim de preservar o direito destes candidatos de se utilizarem do vídeo para eventual interposição de recurso, o IFPB oportunizou a esses 35 candidatos que refizessem a prova de desempenho. No entanto, em diversos casos, os candidatos optaram em não refazer a prova e manter-se com a nota já anteriormente atribuída – anuindo com a nota conferida pela banca de concurso. Ao todo, 19 candidatos optaram por manter sua nota e 16 realizaram nova prova de desempenho.
Ocorre que após a adoção destas medidas, o MPF tomou conhecimento de que outros dois candidatos, além dos 35 que haviam notificado a banca e tiveram a oportunidade de refazer a prova de desempenho didático, a seu critério, também tiveram problemas com sua gravação e não haviam sido incluídos na lista das gravações defeituosas, motivo pelo qual também não puderam refazer a prova.
Diante desta circunstância, após a homologação do concurso público e da nomeação e posse de cerca de mais de quarenta novos professores na instituição, o MPF decidiu por ajuizar ação civil pública requerendo o refazimento de todas as provas de desempenho (didáticas) dos dezenove diferentes códigos de especialidade (seguramente mais de 500 novas provas de desempenho).
Na sequência, o juízo recebeu a ação e determinou que todas as nomeações decorrentes deste concurso público, nos dezenove códigos de vaga indicados, fossem integralmente anuladas, bem como determinou o refazimento de todas estas provas de desempenho.
Para os candidatos aprovados, a decisão foi dramática e estarrecedora.
Muitos deles vieram de outras regiões do país, do sul, sudeste, norte. Alguns haviam pedido exoneração dos cargos anteriormente ocupados, demissão de seus antigos empregos. Gastaram suas poupanças para viabilizar a mudança para a Paraíba. Eles haviam se submetido a todas as fases do concurso público, prova escrita, prova de desempenho e apresentação de seus títulos e sido devidamente aprovados e convocados pelo próprio IFPB, após a homologação do concurso. Aceitaram este desafio e missão que é a docência e ficaram sem chão ao saber que suas nomeações haviam sido anuladas sem que sequer tivessem a oportunidade de apresentar sua defesa ao juízo – inclusive porque, se o tivessem feito, possivelmente a decisão liminar com caráter anulatório jamais teria sido concedida.
Em alguns casos, a decisão inicialmente proferida continha argumentos adicionais que revelavam o seu equívoco. Num dos cargos, por exemplo, nenhum candidato havia refeito a prova de desempenho. Pelo contrário: o único candidato que havia manifestado problemas com sua gravação tinha sido nomeado e empossado no cargo sendo, ele próprio, prejudicado pela iniciativa do MPF e pela decisão do juízo.
Sensível a estes argumentos e, especialmente, ao manifesto prejuízo que o IFPB teria caso aquela decisão fosse mantida, com mais de 4.943 alunos que passariam a não ter professores para lecionar disciplinas imprescindíveis para sua formação, a Quarta Turma do TRF-5 reconheceu o descabimento desta decisão e determinou a manutenção das nomeações daqueles professores aprovados no concurso público.
Dentre os fundamentos da decisão proferida em sede recursal, que contou com a atuação do escritório Schiefler Advocacia, o Desembargador Relator argumentou pelo descabimento da medida de anulação das nomeações ante a inexistência de demonstração objetiva de que o refazimento das provas ensejou em benefício indevido aos candidatos (notadamente porque somente 16 refizeram as provas e sequer se tem notícia de que estes todos haviam sido nomeados). A bem da verdade, dezenas de candidatos que não refizeram as provas estavam efetivamente sendo prejudicados por aquela decisão. Ademais, como bem inserido no voto, aprovado por unanimidade, as alterações previstas na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, notadamente o previsto no artigo 21, o qual estabeleceu o princípio da conservação, devendo-se manter, se possível o ato administrativo praticado. E encerra: ainda que se mostrasse imprescindível anular o ato administrativo, tal medida deve se realizar “modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais”.
Ao final, os professores aprovados no concurso público e empossados no cargo poderão, ao menos até o fim do trâmite judicial, concentrar suas energias na atividade para a qual toda a atividade administrativa, no IFPB, foi engendrada: o exercício do magistério.
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Read MorePara o STJ, a apresentação de CNH vencida não impede o candidato de realizar prova.
É certo que, no edital de todo concurso, haverá a exigência de apresentação de documento de identificação pessoal para a realização das provas e para a participação das eventuais outras etapas da competição.
Intuitivamente, e mesmo em raciocínio jurídico estrito, tende-se a concluir que os documentos de identificação pessoal a serem apresentados devem estar todos em seu prazo de validade.
Mas, no que toca especificamente à Carteira Nacional de Habilitação (CNH), será mesmo que o escorrimento de seu prazo de validade a invalida como documento de identificação pessoal para concurso público?
Vejamos.
A CNH encontra previsão legal no Código de Trânsito Brasileiro (Lei Federal nº 9.503/1997), o qual prevê, em seu artigo 159, caput e § 10, a validade daquela como documento de identificação pessoal. O mesmo dispositivo legal esclarece também que a validade do documento está condicionada à realização dos exames de aptidão física e mental, razão pela qual o documento deve ser renovado periodicamente.
A propósito, confira-se a íntegra dos mencionados textos legais:
Art. 159. A Carteira Nacional de Habilitação, expedida em modelo único e de acordo com as especificações do CONTRAN, atendidos os pré-requisitos estabelecidos neste Código, conterá fotografia, identificação e CPF do condutor, terá fé pública e equivalerá a documento de identidade em todo o território nacional.
[…]
§ 10. A validade da Carteira Nacional de Habilitação está condicionada ao prazo de vigência do exame de aptidão física e mental.
Da leitura do dispositivo em questão já se pode responder à questão ventilada: o que se expira após o prazo de validade do documento são os exames de aptidão e, por conseguinte, a capacidade jurídica para dirigir veículo automotor. Ou seja, uma interpretação plausível e válida é que o vencimento do prazo de validade dos exames de aptidão em nada prejudica seu caráter identificador da CNH.
É que em lugar algum do caput do artigo 159 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) extrai-se a existência de prazo de validade da CNH no que se refere à utilidade de identificação pessoal do portador e titular.
Assim, não se pode concluir noutro norte que não o de que a Carteira de Habilitação pode ser utilizada como documento de identificação pessoal mesmo que vencida. Inclusive, ela permanece sendo válida para a realização de provas de concurso público.
E bem por essa razão é que, nos casos em que o edital do certame veda a apresentação de documentos com a validade expirada, esta proibição não deve ser aplicada quando o documento em questão for a CNH com função de identificação pessoal, pois esta validade diz respeito apenas à capacidade de condução no trânsito.
E a jurisprudência não destoa desse entendimento.
Em de setembro de 2019, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisou caso em que uma candidata foi impedida de realizar exame por ter apresentado CNH vencida, ocasião em que o fiscal de prova não permitiu a sua participação nesta fase do certame. Em sua decisão, o STJ concluiu pelo seguinte:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. UTILIZAÇÃO DE CNH VENCIDA COMO DOCUMENTO DE IDENTIDADE. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ CONSTITUÍDA. DILAÇÃO PROBATÓRIA NECESSÁRIA. RECURSO ORDINÁRIO DO PARTICULAR A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Cuida-se, na origem, de Mandado de Segurança impetrado em face de ato do Secretário de Estado de Administração Pública do Distrito Federal, em que se almeja a realização de nova prova objetiva para o cargo de Cirurgião Dentista em Concurso Público promovido pela Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, regido pelo Edital 1-SEAP/SES-NS de 28 de maio de 2014. Alega a impetrante, ter sido impedida de realizar o exame no dia previsto devido ao fato de ter apresentado, no momento da identificação, Carteira Nacional de Habilitação vencida, documento que teria sido recusado pelo fiscal de prova.
2. A controvérsia posta nos autos, refere-se à possibilidade de utilização da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), com prazo de validade expirado, como documento de identificação pessoal.
3. Em recente julgado da 1a Turma deste Superior Tribunal de Justiça, REsp. 1.805.381/AL, firmou-se a compreensão de que o prazo de validade constante da Carteira Nacional de Habilitação deve ser considerado estritamente para se determinar o período de tempo de vigência da licença para dirigir, até mesmo em razão de o art. 159, § 10, do Código de Trânsito Brasileiro, condicionar essa validade ao prazo de vigência dos exames de aptidão física e mental. Não se vislumbra qualquer outra razão para essa limitação temporal constante da CNH, que não a simples transitoriedade dos atestados de aptidão física e mental que pressupõem o exercício legal do direito de dirigir (REsp. 1.805.381/AL, Rel. Min. GURGEL DE FARIA, DJe 6.6.2019).
4. Nesse contexto, revela-se ilegal impedir candidato de realizar prova de concurso, sob o argumento de que o Edital exigia documento de identificação dentro do prazo de validade, uma vez que não foi observado o regime legal afeto ao documento utilizado. Acrescente-se, ainda, não haver violação ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório, mas tão somente a utilização dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade para se afastar a restrição temporal no uso da CNH para fins de identificação pessoal em sede de Concurso Público.[1]
Como se pode ver da decisão do Superior Tribunal de Justiça, órgão responsável pela uniformização da interpretação das normas federais, o vencimento da CNH não lhe retira a função de identificação pessoal, motivo pelo qual um candidato não pode ser impedido de realizar prova em razão de apresentar a CNH vencida.
Portanto, extrai-se do texto do Código de Trânsito Brasileiro e da jurisprudência pátria que a CNH vencida vale, sim, como documento de identificação pessoal para concurso público.
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O Poder Judiciário pode reexaminar questões e critérios de correção aplicados em concurso público?
[1] STJ RMS Nº 48.803 – DF (2015/0170636-6). Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO. Primeira Turma. Julgado em 03/09/2019.
Read MoreA presença de falha técnica no projeto básico autoriza o aditamento do contrato administrativo?
A Lei nº 8.666/1993 – Lei de Licitações e Contratos Administrativos – prevê como dever da Administração Pública a apresentação, no processo licitatório, de todos os elementos e informações necessários à elaboração das propostas pelos licitantes, o que se dá pelo projeto básico[1] ou pelo termo de referência[2].
Ou seja, a Administração Pública possui a responsabilidade de elaborar um projeto básico ou um termo de referência que possua todas as diretrizes necessárias à elaboração, pelos licitantes, das propostas. Dessa forma, os particulares que desejam contratar com o Poder Público conhecerão completamente o objeto da licitação, de modo a permitir a devida orçamentação de preços e a avaliação de riscos.
Isso é evidente, pois que, se a licitação é processo ótimo e isonômico de contratação pública, que almeja à contratação do concorrente mais qualificado e apto ao exercício do serviço público, conclui-se por ser imprescindível o cumprimento de tais requisitos pela Administração; conforme devidamente explicitado no artigo 47 da Lei Federal nº 8.666/1993, in verbis:
Art. 47. Nas licitações para a execução de obras e serviços, quando for adotada a modalidade de execução de empreitada por preço global, a Administração deverá fornecer obrigatoriamente, junto com o edital, todos os elementos e informações necessários para que os licitantes possam elaborar suas propostas de preços com total e completo conhecimento do objeto da licitação.
Sobre essa disposição, Marçal Justen Filho assevera que “O art. 47 formulou disposição de cristalina obviedade e teoricamente dispensável. Em qualquer caso, a Administração tem o dever de detalhar o objeto da licitação e fornecer aos interessados informações completas, que permitam a formulação de propostas perfeitas. Isso se verifica não apenas no caso da empreitada por preço global, tema que foi examinado por ocasião da exposição acerca dos arts. 6.º, VIII, e 10 […]”[3].
E é ao se fitar essa escritura que se pode questionar o seguinte: caso o contrato administrativo, firmado com o vencedor do processo licitatório, tenha de ser aditado por necessidade de adequação do projeto inicial causada por falha técnica da própria Administração pública no projeto, será tal aditamento juridicamente válido, e trará ele prejuízo ao contratado?
É certo que, nesse caso, em sendo o erro da Administração, não pode o contratado prejudicar-se, pois o ônus concernente à elaboração de edital e projeto escorreitos é daquela, conforme preleciona, novamente, Marçal Justen Filho:
O art. 47 é obstáculo à elaboração de editais introduzindo fatores aleatórios em licitações de obras e serviços, mesmo quando a execução se deva fazer sob empreitada por preço global. A Administração tem o dever de apurar todas as circunstâncias que possam influenciar na execução do futuro contrato, especialmente quando a empreitada for por preço global. É nulo o edital que albergue fatores ocultos ou aleatórios acerca da execução do objeto licitado.[4]
Assim, deve a Administração zelar pela clareza no que concerne ao edital e também às cláusulas essenciais pertinentes ao objeto. Afinal, os licitantes só poderão concorrer isonomicamente se souberem pelo que estão concorrendo e quais devem ser os parâmetros de suas propostas.
Motivo outro não há, portanto, para que se entenda a questão de outra forma, no que toca à possibilidade do aditamento de contrato decorrente de falha da Administração, que não desta: se a falha, por parte da Administração Pública, efetivamente ocorreu, e se persiste o interesse na execução do objeto contratual, não há outra conduta a ser praticada que não a de aditar o contrato para corrigir todas as consequências decorrentes do erro da Administração. Ou então, que se promova a rescisão contratual, indenizando-se o particular contratado pelas perdas e danos.
Aliás, não é outro o entendimento da jurisprudência. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) já reconheceu que pode ser “impossível a execução de contrato por falha no projeto desenvolvido pela contratante”[5]. Além disso, em outro julgado, também decidiu que a presença de falha técnica no projeto apresentado pela Administração Pública autoriza o aditamento do objeto do contrato. Veja-se a ementa do acórdão:
RECURSO DE APELAÇÃO – AÇÃO DE PROCEDIMENTO COMUM – DIREITO ADMINISTRAÇÃO – LICITAÇÃO – CONTRATO ADMINISTRATIVO – INADIMPLEMENTO – REQUERIMENTO DE DESISTÊNCIA OFERECIDO PELA LICITANTE VENCEDORA – RECUSA MANIFESTADA PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – RESCISÃO CONTRATUAL – IMPOSIÇÃO DA MULTA PREVISTA NO CONTRATO – PRETENSÃO AO RECONHECIMENTO DA NULIDADE DA REFERIDA SANÇÃO PECUNIÁRIA – POSSIBILIDADE.
[…]
2. No mérito, presença de falha técnica no projeto apresentado pela Administração Pública, reconhecida por meio da prova pericial produzida nos autos, durante a instrução do processo, sob o crivo do contraditório.
3. Tal situação autorizava o aditamento do objeto do contrato.
4. Violação do disposto no artigo 47 da Lei Federal nº 8.666/93.
5. Inexistência de culpa da licitante no inadimplemento do contrato. […][6]
Também não destoa dessa razão de decidir a jurisprudência do notório Tribunal de Contas da União (TCU), mais eminente órgão de controle dos processos de contratação pública.
No Acórdão 1.847/2005 – Plenário, o TCU asseverava a importância do projeto básico como forma de “representar uma projeção detalhada do futuro contrato, com elementos suficientes para caracterizar a obra ou serviço a ser executado”, de sorte que sua insuficiência acarretaria necessidade de “alterações contratuais supervenientes”. Leia-se trecho:
Acórdão 1847/2005 Plenário (Voto do Ministro Relator)
Na realidade, o projeto básico de um certame licitatório, nos moldes preconizados na Lei de Licitações, não é exigência meramente formal, para que se proceda a licitações de obras, nos termos do inciso I do § 2º do art. 7º da mesma lei. A meu ver, a minúcia do inciso IX do art. 6º do Estatuto Licitatório revela a importância do tema para uma contratação, no sentido de que o projeto básico deve representar uma projeção detalhada do futuro contrato, com elementos suficientes para caracterizar a obra ou serviço a ser executado e informações relevantes sobre a viabilidade e a conveniência técnica e econômica do empreendimento examinado.
Vícios de imprecisão no projeto básico de uma licitação podem ensejar não apenas violação aos princípios da isonomia e da obtenção da melhor proposta, mas também distorções no planejamento físico e financeiro inicialmente previsto, com alterações contratuais supervenientes, que, em muitos casos, apenas aumentam a necessidade de aporte de recursos orçamentários e retardam a conclusão dos serviços. […].
Contudo, se acaso restava ainda alguma centelha de dúvida sobre a (i)legalidade tocante ao ato de culpar-se o contratado no caso de aditamento contratual decorrente de falha no projeto básico, foi aquela totalmente dirimida pela TC 044.312/2012 do TCU, que culminou no Acórdão nº 1.977/2013 – Plenário, de seguinte texto:
VOTO
[…]
44. A dicotomia em questão está em balancear a idealização da empreitada global com a vedação do enriquecimento sem causa. Não seria concebível que falhas na elaboração do edital redundem, com justa causa, em um superfaturamento. Tampouco a Administração poderia se beneficiar de erro que ela própria cometeu, pagando por um produto preço relevantemente inferior que o seu justo preço de mercado. Erro preliminar da própria Administração, independentemente do tipo de empreitada, não pode redundar em ganhos ilícitos; porque se ilícito for, o enriquecimento de uma parte, em detrimento de outra, sem causa jurídica válida, faz-se vedado.
[…]
55. Na realidade, aquele erro, se constatado tempestivamente antes da abertura dos envelopes, levaria à alteração compulsória da planilha orçamentária, com reabertura de prazo aos concorrentes, em poder de autotutela, para reavaliarem o seu preço (art. 53 da Lei 9.784/99 e art. 21, § 4º c/c art. 49 da Lei de Licitações). Quando identificado, durante a execução contratual, para convalidação desse vício, um aditivo contratual faz-se cabível (art. 55 da Lei 9.784/99).
56. Pequenos lapsos na quantificação dos serviços (até certo ponto comum, visto que cada orçamentista não apresentaria, nas vírgulas, quantidades idênticas), levando em conta a característica das empreitadas globais – em estabelecer imprecisões quantitativas como álea ordinária da contratada –, não conduzem à mácula no procedimento licitatório, tanto por não afetar essa “livre manifestação de vontade”, como, principalmente, por não inviabilizarem a obtenção da “melhor proposta”.
57. Tal visão também se harmoniza com a teoria administrativa, em sobrelevar o que pode ser chamado de “fato novo”, legítimo para ensejar a revisão contratual, capaz de sanear – ou convalidar – aquela anulabilidade. Se aquele erro praticado pela Administração não podia ser percebido pela empresa média, pode-se classificá-lo como evento posterior, em álea extraordinária, não derivado de conduta culposa do particular, em congruência com a teoria de imprevisão. A aplicação do art. 65 da Lei de Licitações, em densificação ao disposto no art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, faz-se compulsória.
[…]
59. De toda essa digressão, resume-se que, de pequenos erros quantitativos, não decorrerão termos aditivos em empreitadas globais, por se tratarem de erros acidentais, incapazes de interferir na formação de vontades e, principalmente, na formação de proposta a ser ofertada, a ser tida como a mais vantajosa. Indicação contrária também tornaria o regime de empreitada global em desuso, posto que, na prática, toda obra seria executada como se preço unitário fosse.
60. Erros de materialidade relevante (por erros substanciais) sujeitam-se a um juízo acurado de valor, que envolverá, também, além das consequências financeiras – em termos de materialidade – a avaliação culposa da contratante, em um juízo de boa-fé objetiva.
61. Na realidade, quando a Administração erra ao subestimar consideravelmente as quantidades (e consequentemente, preços), a ponderação acerca da nulidade da relação contratual – a ser eventualmente convalidada via termo aditivo – deve se pautar pela exigibilidade da percepção da falha pela parte lesada (a contratada); até mesmo para evitar um dolo negativo do particular, com o objetivo de obter proveito próprio.
62. Não significa dizer, em paralelismo, que se detectadas superestimativas relevantes, consideradas imperceptíveis às licitantes – e, portanto, com ausência de culpa do particular – não estaria evidenciada nulidade (a “autorizar o superfaturamento”). Nesses casos, aplicam-se imperativamente outros princípios fundamentais do direito público (como o da economicidade e o da obtenção da maior vantagem). O erro do agente da Administração pode ser considerado inescusável, em seu dever de moderar a contratação sob os preços de mercado. Nesta situação, o contrato superfaturado seria uma nulidade a ser corrigida de forma imediata.
[…]
ACÓRDÃO Nº 1977/2013 – TCU – Plenário
[…]
9. Acórdão:
[…]
9.1.8. excepcionalmente, de maneira a evitar o enriquecimento sem causa de qualquer das partes, como também para garantia do valor fundamental da melhor proposta e da isonomia, caso, por erro ou omissão no orçamento, se encontrarem subestimativas ou superestimativas relevantes nos quantitativos da planilha orçamentária, poderão ser ajustados termos aditivos para restabelecer a equação econômico-financeira da avença, situação em que se tomarão os seguintes cuidados:
9.1.8.1. observar se a alteração contratual decorrente não supera ao estabelecido no art. 13, inciso II, do Decreto 7.983/2013, cumulativamente com o respeito aos limites previstos nos §§ 1º e 2º do art. 65 da Lei 8.666/93, estes últimos, relativos a todos acréscimos e supressões contratuais;
9.1.8.2. examinar se a modificação do ajuste não ensejará a ocorrência do “jogo de planilhas”, com redução injustificada do desconto inicialmente ofertado em relação ao preço base do certame no ato da assinatura do contrato, em prol do que estabelece o art. 14 do Decreto 7.983/2013, como também do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal;
9.1.8.3. avaliar se a correção de quantitativos, bem como a inclusão de serviço omitido, não está compensada por distorções em outros itens contratuais que tornem o valor global da avença compatível com o de mercado;
9.1.8.4. verificar, nas superestimativas relevantes, a redundarem no eventual pagamento do objeto acima do preço de mercado e, consequentemente, em um superfaturamento, se houve a retificação do acordo mediante termo aditivo, em prol do princípio guardado nos arts. 3º, caput c/c art. 6º, inciso IX, alínea “f”; art. 15, § 6º; e art. 43, inciso IV, todos da Lei 8.666/93;
9.1.8.5. verificar, nas subestimativas relevantes, em cada caso concreto, a justeza na prolação do termo aditivo firmado, considerando a envergadura do erro em relação ao valor global da avença, em comparação do que seria exigível incluir como risco/contingência no BDI para o regime de empreitada global, como também da exigibilidade de identificação prévia da falha pelas licitantes – atenuada pelo erro cometido pela própria Administração –, à luz, ainda, dos princípios da vedação ao enriquecimento sem causa, da isonomia, da vinculação ao instrumento convocatório, do dever de licitar, da autotutela, da proporcionalidade, da economicidade, da moralidade, do equilíbrio econômico-financeiro do contrato e do interesse público primário; […]
Apesar de existirem esforços infralegais em sentido contrário, tal como ocorre na previsão contida no inciso II do artigo 13 do Decreto Federal nº 7.983/2013[7], é seguro concluir que erros na documentação que serve como base para a apresentação das propostas na licitação não podem ter as suas consequências financeiras negativas atribuídas ao contratado. A atribuição do risco pelas eventuais falhas no projeto básico ao particular, além de proporcionar o enriquecimento sem causa do contratante, ocasionaria o indesejado efeito de aumento dos preços praticados nessas licitações, dada a necessidade de precificação do risco.
De se concluir então que, salvo nos casos em que a falha constante do projeto básico, ou termo de referência, seja plenamente detectável pelo licitante vencedor do certame, o erro da Administração faz exsurgir, nos casos em que a contratada não opta pela rescisão contratual, o direito ao aditamento do contrato administrativo, com vistas a evitar enriquecimento ilícito da parte contratante, e, por conseguinte, com vistas a sanar a irregularidade oriunda desse ato administrativo maculado.
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[1] Lei Federal nº 8.666/93, Art. 6º […] IX – Projeto Básico – conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução, devendo conter os seguintes elementos: […]
[2] Decreto nº 3.555/2000, Art. 8º […] II – o termo de referência é o documento que deverá conter elementos capazes de propiciar a avaliação do custo pela Administração, diante de orçamento detalhado, considerando os preços praticados no mercado, a definição dos métodos, a estratégia de suprimento e o prazo de execução do contrato;
[3] FILHO, Marçal Justen. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos: lei 8.666/93. ed 16., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 849.
[4] FILHO, Marçal Justen. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos: lei 8.666/93. ed 16., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 849.
[5] TJSP; Remessa Necessária Cível nº 0016580-34.2009.8.26.0053; Rel. o Des. José Maria Câmara Junior; 8ª Câmara de Direito Público; j. 14.6.17.
[6] TJ-SP – AC: 00014286320158260431 SP 0001428-63.2015.8.26.0431, Relator: Francisco Bianco, Data de Julgamento: 05/06/2019, 5ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 05/06/2019.
[7] Art. 13. Em caso de adoção dos regimes de empreitada por preço global e de empreitada integral, deverão ser observadas as seguintes disposições para formação e aceitabilidade dos preços: […] II – deverá constar do edital e do contrato cláusula expressa de concordância do contratado com a adequação do projeto que integrar o edital de licitação e as alterações contratuais sob alegação de falhas ou omissões em qualquer das peças, orçamentos, plantas, especificações, memoriais e estudos técnicos preliminares do projeto não poderão ultrapassar, no seu conjunto, dez por cento do valor total do contrato, computando-se esse percentual para verificação do limite previsto no § 1º do art. 65 da Lei nº 8.666, de 1993.
Read MoreA autonomia gerencial da Administração Pública é princípio basilar do ordenamento jurídico, sendo a intervenção do Poder Judiciário medida excepcional, devida apenas em hipóteses de flagrante equívoco da banca examinadora.
A previsão de regras claras no edital e o cumprimento integral de suas disposições são medidas de extrema importância para todo e qualquer concurso público. É com a publicidade e a predefinição das fases e critérios avaliativos que os candidatos conseguem ter segurança e igualdade no processo avaliativo.
O conteúdo e a elaboração das questões aplicadas no concurso são de responsabilidade da banca avaliadora, e é responsabilidade dela, também, a observância do cumprimento do edital. Em regra, não cabe ao Poder Judiciário interferir no andamento e nos critérios adotados nos concursos públicos, pois essa definição está inserida no âmbito da discricionariedade administrativa.
E nos casos em que a própria banca comete erros no conteúdo ou na correção das questões aplicadas?
Em atenção a isso, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu, no julgamento do RE 632853, que originou o Tema nº 485, a tese com repercussão geral de que “não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e os critérios de correção utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade ou de inconstitucionalidade”.
Nesse sentido, foi consolidado o entendimento jurisprudencial de que a interferência do Poder Judiciário na correção das questões ou critérios aplicados em concurso público é legítima quando presente ao menos um dos seguintes casos: (i) descumprimento das regras do certame; (ii) flagrante incorreção do gabarito ou (iii) nulidade da questão.
Este é o posicionamento predominante nos tribunais pátrios, seguido inclusive pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) no julgamento da Apelação nº 5003916-97.2013.4.04.7001, que adotou integralmente o entendimento do STF mencionado acima. Veja-se a ementa:
JUÍZO DE RETRATAÇÃO. TEMA 485 DO STF. JULGAMENTO MANTIDO.
1. O STF firmou tese, estampada no Tema 485 do STF, que “Não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e os critérios de correção utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade ou de inconstitucionalidade”.
2. Todavia, na espécie, não é caso de retratação do julgamento. Isso porque, ocorrendo flagrante ilegalidade da questão formulada, correta a solução dada pela sentença e acolhida pelo voto condutor do acórdão recorrido, no sentido de julgar parcialmente procedentes os pedidos do autor tão somente para, no que se refere ao autor, alterar o gabarito oficial e reconhecer como correta a alternativa ‘A’ da Questão 33 do Caderno 48 da primeira fase do Concurso para o Cargo de Policial Rodoviário Federal regido pelo Edital 01/2009-DPRF.[1]
Em seu voto, a Desembargadora Relatora Marga Inge Barth Tessler ressalta que a possibilidade de intervenção do poder judiciário é excepcional, devida apenas em hipóteses de flagrante equívoco da banca examinadora. Nas palavras da Relatora, “não se trata de interpretar o acerto ou não da questão frente a doutrina, mas, sim, de fiscalização de questão flagrantemente ilegal, incompatível com a legislação exigida pelo edital”.
Nesse sentido, o Poder Judiciário atua em defesa dos direitos violados dos candidatos, prezando pela garantia dos princípios constitucionais da legalidade e da moralidade em concursos públicos e, ao mesmo tempo, estabelece critérios objetivos que balizem a possibilidade dessa intervenção, de modo a respeitar a autonomia gerencial da Administração Pública.
[1] TRF4 5003916-97.2013.4.04.7001, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 10/07/2019.
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Read MoreO Tribunal de Contas do Distrito Federal acatou argumentos da Representação oferecida e confirmou que a ausência de motivação na reavaliação da pontuação atribuída às propostas técnicas dos licitantes, por ter havido diferença superior a 20% da pontuação máxima permitida entre as notas concedidas pelos avaliadores, configura uma irregularidade e justifica a suspensão cautelar do certame.
O Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) suspendeu cautelarmente, no fim de maio, licitação de serviços de publicidade lançada por empresa estatal do Distrito Federal, pois vislumbrou indícios de irregularidade na pontuação atribuída às propostas técnicas dos licitantes[1].
Especificamente, o TCDF acatou argumentos da Representação oferecida e confirmou que a ausência de motivação na reavaliação da pontuação atribuída às propostas técnicas dos licitantes, por ter havido diferença superior a 20% da pontuação máxima permitida entre as notas concedidas pelos avaliadores, configura uma irregularidade e justifica a suspensão cautelar do certame. Segundo a decisão, confirmada por unanimidade pelo Plenário da Corte de Contas, “não houve manifestação técnica quanto aos casos de pontuação cuja diferença fosse superior a 20%, caracterizando a existência da fumaça do bom direito na representação tratada nos autos, frente, principalmente, à previsão legal constante do art. 6º, inc. VII, da Lei nº 12.232/2010”.
Para entender melhor o caso analisado pelo TCDF, é importante levar em conta que, com a publicação da Lei Federal nº 12.232/2010, as licitações para a contratação de agências de propaganda receberam um regulamento especial, motivo pelo qual a Lei Federal nº 8666/1993 passou a ser aplicada apenas subsidiariamente nesses casos. O motivo da existência de uma lei especial, com evidente procedimento mais rigoroso para o julgamento das pontuações técnicas, se deve ao fato de que as licitações para serviços de publicidade são naturalmente mais suscetíveis a direcionamentos e favorecimentos indevidos, sobretudo em razão da natureza do julgamento das propostas técnicas.
A preocupação acentuada com a etapa de julgamento das propostas técnicas para contratações desse objeto está expressa na justificativa da proposta legislativa que gerou a Lei Federal nº 12.232/2010. Leia-se o seguinte excerto da exposição de motivos do PL nº 3305/2008:
Tem a nossa experiência recente nos mostrado que a ausência de um tratamento normativo específico para essa matéria possibilita que, nesse campo, grandes arbitrariedades ocorram em todo o país. Empresas de publicidade contratadas com óbvio favorecimento, com base em critérios de julgamento subjetivos, contratos que encobrem a possibilidade de novos ajustes imorais com terceiros, pagamentos indevidos, desvios de verbas públicas destinadas à publicidade com fins patrimoniais privados ou para custeio de campanhas eleitorais são apenas alguns exemplos de transgressões que compõem um cenário já bem conhecido nos dias em que vivemos. [2]
Entre as exigências específicas da Lei Federal nº 12.232/2010, encontra-se a obrigação de a subcomissão técnica (aquela que julga as propostas técnicas dos licitantes) reavaliar a pontuação atribuída a um quesito sempre que a diferença entre a maior e a menor pontuação for superior a 20% da pontuação máxima deste quesito. Como visto, a reavaliação da pontuação fica a cargo de uma subcomissão técnica, prevista no § 1º do artigo 10 da Lei, e deve ser realizada em conformidade com os critérios objetivos estabelecidos no edital de licitação. Confira-se o dispositivo:
Art. 6º A elaboração do instrumento convocatório das licitações previstas nesta Lei obedecerá às exigências do art. 40 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, com exceção das previstas nos incisos I e II do seu § 2º, e às seguintes:
[…]
VII – a subcomissão técnica prevista no § 1º do art. 10 desta Lei reavaliará a pontuação atribuída a um quesito sempre que a diferença entre a maior e a menor pontuação for superior a 20% (vinte por cento) da pontuação máxima do quesito, com o fim de restabelecer o equilíbrio das pontuações atribuídas, de conformidade com os critérios objetivos postos no instrumento convocatório.
Nessas hipóteses, dever-se-á igualmente observar o inciso VI do § 4º do artigo 11 da Lei Federal nº 12.232/2010, que prevê o envio das planilhas com as pontuações e a justificativa escrita das razões que as fundamentaram em cada caso à comissão permanente ou especial de licitação. Esta é considerada uma condição essencial do julgamento nas licitações de serviços de publicidade, uma vez que a ausência de motivação para as pontuações pode impedir o controle sobre o seu mérito, facilitando eventuais direcionamentos.
Desse modo, as razões das pontuações devem ser registradas por escrito pela subcomissão técnica e encaminhadas à comissão permanente ou especial, quer incida na hipótese regulada pelo inciso VII do artigo 6º, quer não. Veja-se como a exigência de manifestação escrita é expressa na Lei nº 12.232/2010:
Art. 11. Os invólucros com as propostas técnicas e de preços serão entregues à comissão permanente ou especial na data, local e horário determinados no instrumento convocatório. […]
§ 4º O processamento e o julgamento da licitação obedecerão ao seguinte procedimento: […]
V – análise individualizada e julgamento dos quesitos referentes às informações de que trata o art. 8º desta Lei, desclassificando-se as que desatenderem quaisquer das exigências legais ou estabelecidas no instrumento convocatório;
VI – elaboração de ata de julgamento dos quesitos mencionados no inciso V deste artigo e encaminhamento à comissão permanente ou especial, juntamente com as propostas, as planilhas com as pontuações e a justificativa escrita das razões que as fundamentaram em cada caso.
Ou seja, a subcomissão técnica precisa justificar expressamente os motivos que justificam a atribuição da nota, sob pena de violar diversas regras que regem a atividade administrativa e que permeiam todos os processos de contratação pública, em especial os deveres de motivação dos atos administrativos e do tratamento isonômico, além dos princípios da publicidade e da impessoalidade.
É preciso que os licitantes saibam os motivos que levaram à pontuação dos quesitos quando da análise da sua proposta técnica, caso contrário serão impedidos de, se necessário, exercer o seu direito constitucional de defesa. Neste sentido, encontra-se a jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU), segundo a qual “a ausência de justificativa escrita acerca das pontuações e das razões que as fundamentam em cada caso, nos procedimentos licitatórios para oferta de serviços de publicidade, afronta o que dispõe o art. 11, § 4º, inciso IV, da Lei 12.232/2010”[3].
Acontece que, não obstante a clareza das determinações legais, nem sempre a subcomissão técnica registra por escrito a justificativa das razões que basearam a avaliação ou a reavaliação de determinada pontuação, descumprindo assim o inciso VII do artigo 6º e/ou o inciso VI do § 4º do artigo 11 da Lei Federal nº 12.232/2010. No caso noticiado, pela violação do inciso VII do artigo 6º da referida lei, como salientado, o Tribunal confirmou a necessidade de realizar a sobredita reavaliação e, por unanimidade, dada a ausência de tal procedimento, suspendeu cautelarmente o certame.
A decisão noticiada confirma a competência legítima dos Tribunais de Contas em intervir cautelarmente para evitar irregularidade no curso da licitação pública, assim como o entendimento de que, nas licitações submetidas à Lei Federal nº 12.232/2020, configura ilegalidade a ausência de reavaliação da pontuação concedida a um quesito de um determinado licitante, quando a diferença entre a maior e a menor pontuação, atribuída pelos integrantes da subcomissão técnica, for superior a 20% da pontuação máxima do quesito.
[1] TCDF – Decisão nº 1798/2020, Plenário. Relator: Antônio Renato Alves Rainha. Data de Julgamento: 27/05/2020.
[2] Projeto de Lei nº 3305/2008, Câmara dos Deputados. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=391688 Acesso em 29 jun. 2020.
[3] TCU – Acórdão nº 2813/2017, Plenário. Relator: AROLDO CEDRAZ, Data de Julgamento: 06/12/2017.
Read MoreEm que hipóteses as vagas reservadas a pessoas com deficiência devem ser revertidas para a ampla concorrência?
Na ausência de candidato aprovado para vaga de pessoa com deficiência (PCD), o próximo candidato da ampla concorrência deve ser nomeado.
A Constituição Federal brasileira tem insculpida em si, no artigo 37, inciso II, o mandamento normativo de que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou provas e títulos, cujo escopo é selecionar, por critérios objetivos, estabelecidos em edital, o candidato mais bem preparado e nomeá-lo.[1]
Na mesma esteira, o inciso VIII deste mesmo artigo constitucional[2] promana a regra de que a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para pessoas portadoras de deficiência, definindo os critérios de admissão destes.
Sabe-se, também, que os concursos públicos são lançados por meio de edital, que consiste em um documento escrito pelo qual a Administração institui as “regras” da competição que, ao final, selecionará os candidatos com melhor desempenho a ocuparem as vagas.
É claro que, devido à sua natureza administrativa, o edital do concurso público, antes de tudo, deverá ser observado pelo prisma dos princípios-base da Administração, a saber: da legalidade (embasamento de ação ou inação na lei); da impessoalidade (a administração não fará distinções para com os que dela fruam); da moralidade (necessidade de haver embasamento valorativo nos atos administrativos); da publicidade (os atos da administração serão, em regra, públicos); e da eficiência (optar-se-á, sempre, pela medida de melhor relação entre custo e benefício).
Ainda no que toca ao edital, como consectário do microssistema principiológico acima explicitado, vige o princípio da vinculação ao instrumento convocatório, isto é, ao edital, assentando o dever da Administração de cumprir integralmente com o conteúdo regrado pelo edital.
Trata-se, a bem da verdade, de princípio baseado também na crença que o cidadão deposita na atuação administrativa, o chamado “princípio da confiança legítima”. Ou seja, o cidadão confia que a Administração Pública, ao publicar as “regras do jogo”, não fugirá delas durante o certame.
No nosso ordenamento jurídico, a análise judicial é permitida quando existe alguma ilegalidade na atuação administrativa durante o concurso público. Isto é, o Poder Judiciário atua em defesa dos candidatos quando a Administração pratica alguma ilegalidade, que foge ao seu poder discricionário. Nesse sentido, em razão do princípio da vinculação ao instrumento convocatório, o Poder Judiciário está legitimado a agir quando a Administração não segue as regras do edital que ela mesma publicou – e, portanto, se vinculou.
Trazendo-se esse raciocínio ao presente tema, surge a questão que é objeto do presente texto: em que hipóteses as vagas reservadas a pessoas com deficiência devem ser revertidas para a ampla concorrência?
É seguro afirmar que, existindo previsão no edital de que, na hipótese de não haver pessoa(s) com deficiência (PCD) aprovada(s) no certame “abre-se” a vaga ao aprovado em ampla concorrência, surgirá o direito subjetivo à nomeação do próximo candidato eventualmente aprovado em ampla concorrência, para a vaga em questão, ainda que originalmente em cadastro de reserva.
Ou seja, contanto que (a) não existam candidatos PCD em número suficiente para preencher todas as vagas previstas nesta lista especial e (b) exista previsão no edital para essa hipótese, a Administração será obrigada a seguir a regra que ela própria estabeleceu e, assim, a proceder à nomeação dos candidatos aprovados na ampla concorrência para ocupar os cargos inicialmente previstos para as pessoas com deficiência (PCDs).
Foi com esse entendimento que, no final de 2019, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tendo como relator o Ministro Sérgio Kukina, decidiu pelo conhecimento e provimento do Recurso em Mandado de Segurança (RMS) nº 59.885 – MG (2019/0019507-3).
Na ocasião, a recorrente foi aprovada em 6º lugar, em ampla concorrência, em concurso público destinado ao provimento. Por sua vez, o edital previra 5 vagas para ampla concorrência e 1 vaga reservada para pessoa com deficiência física.
Acontece que, quando da homologação final do certame, não houve aprovação de pessoas com deficiência, mas, da mesma forma, não restou preenchida a vaga anteriormente reservada – ou seja, foram nomeados originalmente apenas 5 candidatos. Diante dessa situação, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, tal como previra o edital, as vagas reservadas não preenchidas deveriam ser revertidas para os candidatos aprovados e classificados em ampla concorrência e, então, a Administração tinha o dever de nomear o próximo candidato da lista geral, mesmo que em cadastro de reserva.
Portanto, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu que, na hipótese de previsão no edital, as vagas reservadas para pessoas com deficiência devem ser revertidas para ampla concorrência quando não houver aprovados que preenchem o requisito. Confira-se a ementa da decisão:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. VAGAS RESERVADAS A PESSOAS COM DEFICIÊNCIA REVERTIDAS PARA AMPLA CONCORRÊNCIA. PREVISÃO ESPECÍFICA NO EDITAL DO CERTAME. DIREITO LÍQUIDO E CERTO À NOMEAÇÃO. RECURSO PROVIDO.
1. Na hipótese em que há previsão específica no edital do certame, as vagas reservadas devem ser revertidas para a ampla concorrência, quando não houver aprovados que preenchem a condição de pessoas com deficiência.
2. Demonstrada a ausência de pessoas com deficiência aprovadas no certame, faz jus à vaga revertida à ampla concorrência o candidato aprovado e classificado, segundo a ordem classificatória final, nos termos do que expressamente dispõe o edital do concurso.
3. Recurso provido para reformar o acórdão recorrido e conceder a segurança, reconhecendo à impetrante o direito líquido e certo à pretendida nomeação, como requerido na exordial.[3]
Consoante se depreende da decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), verifica-se que, com base na Constituição Federal e na jurisprudência pátria, a Administração deve proceder à nomeação de candidatos aprovados na ampla concorrência quando, havendo previsão no edital, as vagas reservadas a pessoas com deficiência não foram preenchidas em sua inteireza.
Embora o Superior Tribunal de Justiça (STJ) não tenha enfrentado, neste caso, uma situação em que havia omissão editalícia a respeito desta reversão da vaga à ampla concorrência, é razoável entender que a solução jurídica provavelmente seria a mesma, uma vez que a reserva de vagas reporta-se tão somente a uma qualificação do candidato apto a ocupar a vaga anunciada, mas não retira a presunção de necessidade de preenchimento desta vaga em caso de inexistência de candidatos aprovados nesta lista reservada, levando ao natural preenchimento pela lista geral.
[1] CRFB/88, Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[…]
II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; […]
[2] Art. 37. […] VIII – a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão;
[3] STJ – RMS Nº 59.885 – MG (2019/0019507-3), Relator: Min. SÉRGIO KUKINA. PRIMEIRA TURMA. Data de Julgamento: 17/10/2019.
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