Se for tornada sem efeito a nomeação de candidato mais bem classificado e dentro do número de vagas, os candidatos subsequentes deverão ser nomeados, pois a sua mera expectativa se convolará em direito subjetivo à nomeação.
Giovanna Gamba[1]
Eduarda Militz[2]
Os concursos públicos, como se sabe, são regidos por Edital próprio que estabelece todas as regras e condições para o acontecimento do certame. As fases do concurso, os critérios de avaliação, o conteúdo das questões e o número de vagas ofertadas são alguns dos dispositivos previstos nesse documento.
Nesse sentido, os candidatos, quando aprovados no concurso público, podem se classificar dentro das vagas previstas para provimento imediato e, também, nas vagas para cadastro de reserva. Aqueles que se classificarem dentro do número de vagas terão direito subjetivo à nomeação e serão, em regra, nomeados pela Administração Pública até o fim do prazo de validade do certame. Já aqueles classificados fora do número de vagas, ou seja, em cadastro de reserva, terão mera expectativa de direito.
Eventualmente, e por razões diversas, alguns candidatos aprovados dentro do número de vagas e efetivamente nomeados têm sua posse não perfectibilizada, seja por opção dos próprios candidatos (desistência), seja por decisão administrativa, como o não preenchimento dos requisitos do edital. Nesses casos, a nomeação é tornada sem efeito e a vaga deve ser preenchida pelos candidatos aprovados nas classificações seguintes.
Se o candidato subsequente àquele que teve a nomeação tornada sem efeito estava, inicialmente, classificado fora do número de vagas previsto, a mera expectativa de direito se convola em direito subjetivo à nomeação, dada a necessidade inequívoca da Administração de preencher a vaga em aberto, necessidade esta manifestada pela convocação do candidato que acabou não sendo nomeado.
Ou seja, na hipótese de desistência (ou qualquer outro motivo que torne sem efeito a nomeação) de candidatos mais bem classificados e dentro do número de vagas em concurso público, os próximos candidatos da lista classificatória têm direito subjetivo à nomeação.
Este entendimento é predominante na jurisprudência pátria. Em caso julgado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) houve, inclusive, a desistência de mais de um candidato, e ainda assim, sucessivamente, houve preenchimento das vagas subsequentes. Veja:
No caso dos autos, essa é a hipótese. Os documentos dos autos demonstram que a parte autora concorreu ao cargo de técnico de suporte administrativo para a região de Ribeirão Preto – SP, para o qual foi disponibilizada uma vaga, conforme edital (fl. 40 da inicial). Nesse certame, o autor foi aprovado em quinto lugar, tendo os quatro candidatos anteriores renunciado ao cargo. Nesse sentido, malgrado a renúncia do quarto colocado ter sido feita poucos dias antes da expiração do concurso, a requerida não justifica o fato de ter demorado tanto para iniciar os procedimentos de convocação e posse. Essa circunstância, pois, enquadra-se na mesma situação dos precedentes acima mencionados, pois “devidamente comprovado que os recorrentes foram aprovados dentro do número de vagas existentes no edital do concurso e que, expirado o prazo de validade do certame, não foram nomeados, nem houve, por parte da Administração, a declinação de motivos supervenientes de excepcional circunstância para não fazê-lo, impõe-se o acolhimento da pretensão recursal” (RMS 26.013/MS).[3]
Isso ocorre porque, uma vez que o edital do concurso público é lançado, com a previsão de um número determinado de vagas, cria-se uma expectativa legítima para com os candidatos de que haverá número de posses em conformidade com o número de vagas já previamente estabelecido. Além disso, há presunção de que todos os custos para realização de certame são justificados com o provimento de novos cargos em conformidade com a necessidade manifestada pela Administração, de modo que os cargos de provimento efetivo, previstos no edital do concurso, deverão ser preenchidos durante o prazo de vigência do certame, havendo candidatos aprovados. É o que esclarece o Supremo Tribunal Federal (STF) no julgado abaixo:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. DESISTÊNCIA DE CANDIDATO CONVOCADO PARA PREENCHIMENTO DE VAGA PREVISTA NO EDITAL. DIREITO SUBJETIVO DO CANDIDATO CLASSIFICADO IMEDIATAMENTE APÓS. EXISTÊNCIA. DEMONSTRAÇÃO DA NECESSIDADE E DO INTERESSE DA ADMINISTRAÇÃO.
1. A desistência de candidatos aprovados dentro do número de vagas previsto no edital do certame resulta em direito do próximo classificado à convocação para a posse ou para a próxima fase do concurso, conforme o caso.
2. É que a necessidade e o interesse da administração no preenchimento dos cargos ofertados está estabelecida no edital de abertura do concurso e a convocação do candidato que, logo após desiste, comprova a necessidade de convocação do próximo candidato na ordem de classificação. A repeito: RE 643674 AgR, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe-168; ARE 675202 AgR, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe-164. 3. Agravo regimental não provido.[4]
Nesse sentido, destaca-se no posicionamento dos Tribunais tanto a defesa da expectativa dos candidatos criada pelo Edital do concurso, no sentido da obrigatoriedade, em regra, do preenchimento das vagas previstas pela Administração, quanto a defesa do interesse da própria Administração Pública de fazer valer os gastos com o lançamento e gerenciamento do certame, de modo a satisfazer a necessidade identificada pelo órgão quando do planejamento do concurso público.
Assim, o candidato que se encontra nessa situação (qual seja, de aprovado fora do número de vagas, mas que, com as nomeações de candidatos mais bem classificados não perfectibilizadas, passou a figurar dentro das vagas previstas no edital), poderá pleitear a sua nomeação por meio de uma ação judicial – ou até mesmo por um requerimento administrativo apresentado diretamente ao órgão/entidade administrativa.
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Quais os critérios para aplicação de exame psicotécnico em concursos públicos?
[1] Giovanna Gamba – Advogada no escritório Schiefler Advocacia. Mestranda em direito do estado na USP, bolsista da University Studies Abroad Consortium para intercâmbio na Universidade de Nevada, Estados Unidos, e monitora do programa FGV Law.
[2] Eduarda Militz – Estagiária no escritório Schiefler Advocacia. Graduanda, atualmente na quarta fase, do curso de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. Foi assessora e gerente na Empresa Júnior de Direito Locus Iuris.
[3] TRF-3 – RI: 00031961320154036311 SP, Relator: JUIZ(A) FEDERAL ANGELA CRISTINA MONTEIRO, Data de Julgamento: 07/02/2019, 4ª TURMA RECURSAL DE SÃO PAULO, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial DATA: 14/02/2019
[4] STJ, AgRg no RMS 48.266/TO, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/08/2015
Read MoreSe houver previsão em lei e no edital, se o edital prevê critérios objetivos para avaliação e se houver possibilidade de revisão/recurso da conclusão a ser obtida no teste, a submissão dos candidatos ao teste psicotécnico pode ser exigida, desde que respeitados os princípios que regem a atividade administrativa.
Quais os critérios para aplicação de exame psicotécnico em concursos públicos?
As carreiras públicas são, frequentemente, objeto de interesse de uma parcela considerável da população brasileira. Além da boa remuneração, a estabilidade e as boas condições de aposentadoria podem ser ativos bastante atrativos para as mais diversas profissões.
Por questões constitucionais, o ingresso em cargos públicos está condicionado à aprovação em uma série de provas e avaliações – os famosos concursos públicos. Dentre as diversas etapas que podem compor estes certames, encontram-se, tradicionalmente, a prova objetiva ou discursiva, a avaliação de títulos e o teste psicotécnico.
Entretanto, existe um importante fato sobre o teste psicotécnico que é desconhecido para muitos: o psicotécnico só pode ser exigido se houver previsão em lei condicionando o cargo pretendido à realização desse teste. Ou seja, o psicotécnico só pode ser exigido para cargos em que a lei determina a sua necessidade, de forma que não é aplicável a todos os cargos.
Além disso, a validade desta etapa, quando o teste psicotécnico é exigido, está condicionada ao estabelecimento de critérios objetivos, claros e racionais previstos no edital do certame. Não basta que a lei preveja a submissão dos candidatos ao teste psicotécnico. É preciso que o edital, com base na legislação, preveja critérios objetivos e pertinentes para a realização do teste, a fim de evitar que candidatos sejam eliminados do concurso público de forma arbitrária e desmotivada.
E mais: além da necessidade de haver (i) previsão legal e (ii) critérios objetivos, para que a avaliação psicotécnica seja válida, também é necessário (iii) prover ao candidato a oportunidade de recorrer de eventual conclusão obtida no teste.
Este é o entendimento recorrente nos Tribunais brasileiros. Confira-se julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que entendeu pela necessidade de previsão legal e de critérios objetivos para que a submissão de candidato a exame psicotécnico seja válida:
ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CIVEL. CONCURSO PÚBLICO. DELEGADO DA POLÍCIA FEDERAL. EXAME PSICOTÉCNICO. AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA. EXIGÊNCIA DE PERFIL PROFISSIOGRÁFICO PARA O CARGO. NECESSIDADE DE PREVISÃO LEGAL E DE CRITÉRIOS OBJETIVOS. LAUDO PERICIAL REALIZADO EM JUÍZO. APTIDÃO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. REPERCUSSÃO GERAL. INCABÍVEL. MANUTENÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA AFASTADA.
1. Nos termos da atualizada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a legalidade do exame psicotécnico em provas de concurso público está submetida (a) à previsão legal, (b) à objetividade dos critérios adotados e (c) à possibilidade de revisão do resultado obtido pelo candidato. Portanto, além de ter previsão legal e possibilidade de revisão, o exame deverá ser pautado em critérios objetivos, e não critérios genéricos e subjetivos, como no caso.
2. Não é possível a realização de psicotécnico com a finalidade de verificar a adequação do candidato a ‘perfil profissiográfico’ considerado ideal pela Administração, mas não previsto em lei e expresso no edital de abertura, por violação ao princípio da publicidade. Precedentes. […]
(TRF-4 – AC: 50013400320144047000 PR 5001340-03.2014.4.04.7000, Relator: MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, Data de Julgamento: 14/02/2019, VICE-PRESIDÊNCIA)
Ademais, é oportuno salientar que, considerando não ser a psicologia uma ciência exata, a subjetividade é componente essencial e indissociável dela. No entanto, isso não significa que a Administração possui liberdade para, a seu bel prazer, eliminar candidatos de forma subjetiva durante a fase de exame psicotécnico.
Se é verdade que a subjetividade não macula a validade dos testes psicotécnicos, o entendimento majoritário é de que, desde que respeitados os princípios da publicidade e da igualdade – ou seja, se houver previsão na lei e no edital, além de definição de metodologia predefinida que garanta a isonomia – não há ilegalidade. Confira-se mais um precedente:
DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. CONCURSO PÚBLICO. EXAME PSICOLÓGICO. PREVISÃO NO EDITAL DO CERTAME E NA LEI. REPROVAÇÃO. POSSIBILIDADE. Ação proposta por participante de concurso para provimento de cargo de soldado da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro eliminado no teste psicológico. Sentença de improcedência. Apelo da autora.
1. Nada inquina teste psicológico o fato de ser subjetivo, já que a psicologia, voltando-se para a psique do indivíduo e da pessoa, não é ciência exata, sendo, aliás, por natureza a do subjetivismo.
2. O ordenamento jurídico autoriza a realização do exame psicotécnico como condição de ingresso em determinados concursos públicos, desde que previsto no edital e em lei, atendendo, ainda, a realização do aludido exame a critérios metodológicos objetivos e previamente determinados.
3. Ademais, não havendo indícios de que a Administração Pública feriu os princípios da igualdade, da moralidade administrativa e da razoabilidade, prover o pleito implicaria intolerável interferência judicial na discricionariedade administrativa.
4. Recurso de apelação ao qual se nega seguimento, na forma do art. 557, caput, do CPC.
(TJRJ, Apelação Cível nº 0334274-60.2010.8.19.0001, Des(a). FERNANDO FOCH DE LEMOS ARIGONY DA SILVA – Julgamento: 30/06/2015 – TERCEIRA CÂMARA CÍVEL)
Da leitura das decisões judiciais transcritas acima, é de se observar que o Poder Judiciário evita interferir na discricionariedade administrativa, se verificar que a avaliação psicotécnica dos candidatos respeitou os ditames legais, mais especificamente os princípios da igualdade, da moralidade administrativa, da razoabilidade e da publicidade.
Portanto, depreende-se da jurisprudência que, se houver previsão em lei e no edital, se o edital prevê critérios objetivos para avaliação e se houver possibilidade de revisão/recurso da conclusão a ser obtida no teste, a submissão dos candidatos ao teste psicotécnico pode ser exigida, desde que respeitados os princípios que regem a atividade administrativa.
Em caso de violação de violação desses princípios ou regras jurídicas, o Poder Judiciário possui legitimidade para anular a eliminação de candidato indevidamente prejudicado nesta fase do concurso.
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