Normas jurídicas aplicáveis às corretoras de criptomoedas que atuam no Brasil
A produção de normas jurídicas pelo legislador brasileiro acerca da criptoeconomia (assim compreendida a interação entre as criptomoedas e os operadores de criptomoedas, com ou sem o intermédio de corretoras de criptomoedas) é, decerto, bastante primitivo, ainda em desenvolvimento e carecedor de detalhamento e de aprofundamento.
Esse cenário pode ser ilustrado pelo fato de que a regulação da criptoeconomia no Brasil decorre de apenas três leis (em sentido amplo), quais sejam a Lei nº 14.478/2022[1]BRASIL. Lei n.º 14.478, de 21 de dezembro de 2022. Dispõe sobre diretrizes a serem observadas na prestação de serviços de ativos virtuais e na regulamentação das prestadoras de serviços de … Continue reading, o Decreto nº 11.563/2023[2]BRASIL. Decreto n.º 11.563, de 13 de junho de 2023. Regulamenta a Lei nº 14.478, de 21 de dezembro de 2022, para estabelecer competências ao Banco Central do Brasil. Disponível em: … Continue reading e a Instrução Normativa nº 1.888/2018, da Receita Federal do Brasil (RFB)[3]BRASIL. Instrução Normativa n.º 1888 da Receita Federal do Brasil, de 03 de maio de 2019. Institui e disciplina a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações … Continue reading, complementados por esparsos Comunicados do Banco Central do Brasil (BCB), Ofícios do Ministério da Economia e Pareceres da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Extrai-se das referidas normativas que as corretoras de criptomoedas – que são as pessoas jurídicas que prestam serviços de compra, de venda, de custódia, de transferência e de participação em serviços de criptomoedas – devem obter autorização de entidade da Administração Pública, especificamente do BCB, para operar no Brasil, de acordo com o artigo 2º da Lei nº 14.478/2022 e com o artigo 1º do Decreto nº 11.563/2023.
Atualmente, o BCB prepara a realização de consulta pública que precederá a positivação das normas jurídicas que regularão o processo de obtenção – além das condições de manutenção e de cancelamento – da autorização para que corretoras de criptomoedas operem no Brasil[4]BANCO Central prepara Consultas Públicas sobre regulamentação de criptoativos. Banco Central do Brasil, 18 de julho de 2023. https://www.bcb.gov.br/detalhenoticia/705/noticia. Acesso em: 11. set. … Continue reading.
Nesse ínterim, pode-se obter autorizações provisórias para operar como instituição financeira (às quais as corretoras de criptomoedas são equiparadas, de acordo com o artigo 1º, inciso I-A, da Lei nº 7.492/1986, concernente aos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional [SFN]), de acordo com o artigo 7º da Lei nº 14.478/2022.
Ademais, as corretoras de criptomoedas que operam no Brasil devem prestar informações à Secretaria Especial da RFB, de acordo com os artigos 1º e 6º, inciso I, da Instrução Normativa nº 1.888/2018 da RFB. Essas informações são concernentes, sobretudo, à discriminação das operações com criptomoedas realizadas pelos clientes das corretoras, bem como dos dados pessoais dos clientes das corretoras, de acordo com o artigo 7º do Instrução Normativa nº 1.888/2018 da RFB.
Rememore-se, inclusive, que o descumprimento da obrigação de prestar informações à Secretaria Especial da RFB enseja a aplicação de sanção de multa, bem como o oferecimento de denúncia ao Ministério Público, seja Estadual, seja Federal, em caso de prática de crimes, de acordo com os artigos 10 e 11 da Instrução Normativa nº 1.888/2018 da RFB.
Prospectivamente, a regulação da criptoeconomia deve avançar para que se positivem os processos de registro de criptomoedas – além das corretoras de criptomoedas –, de modo que a emissão de criptomoedas deverá ser autorizada pelo Poder Executivo, e sempre em acordo com os princípios de liberdade, de transparência, de governança, de proteção de dados pessoais e de proteção dos direitos dos consumidores (o que, inclusive, enseja a aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor às corretoras de criptomoedas), dentre outros, positivados pelo artigo 4º da Lei nº 14.478/2022[5]DEZAN, Matheus Lopes. Ações Judiciais da SEC contra a Binance e a Coinbase: implicações para a regulação da criptoeconomia no Brasil. Portal Jurídico dos Estudantes de Direito, 19. jun. 2023. … Continue reading.
Há, inclusive, atualmente, o entendimento de que o BCB tem competência sobre as criptomoedas em geral e a CVM tem competência sobre os demais criptoativos que, por suas características, se enquadrem no conceito legal de valores mobiliários, de acordo com o artigo 2º da Lei nº 6.385/1976[6]BRASIL. Lei n.º 6.385, de 7 de dezembro de 1976. Dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários. Disponível em: … Continue reading e com o Parecer de Orientação n.º 40/2022 da CVM.
De acordo com o citado artigo 2º, inciso IX, da Lei nº 6.385/1976, são considerados valores mobiliários, para fins legais, todos aqueles ativos (títulos, contratos ou investimento coletivo) que forem ofertados publicamente e que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros. Significa afirmar, em síntese, que a CVM detém competência para regular todo e qualquer investimento que apresente tais características, independentemente da forma como eles se apresentam no mundo fático.
Ou seja, se a criptomoeda comercializada for um valor mobiliário, a CVM terá competência para regular a sua comercialização, bem como sancionar o emissor que agir em desconformidade com a Lei nº 6.385/1976 e outras normativas com ela relacionadas.
Aliás, importa salientar que a Lei nº 7.492/1986, por meio de seu artigo 7º, incisos II e IV, considera como crime punível com 2 a 8 anos de reclusão, e multa, a conduta de emitir, oferecer ou negociar, de qualquer modo, títulos ou valores mobiliários sem registro prévio junto da autoridade competente [7]BRASIL. Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986. Define os crimes contra o sistema financeiro nacional, e dá outras providências. Disponível em: … Continue reading.
Em síntese, ainda que a regulação da criptoeconomia seja lacunosa, as corretoras de criptomoedas devem assegurar a obtenção de autorização, seja provisória, seja definitiva, de operação no Brasil e, então, prestar informações à Receita Federal do Brasil, bem como assegurar transparência, para o Estado, acerca das operações de criptomoedas realizadas pelas próprias corretoras e pelos clientes das corretoras, bem como acerca dos serviços de criptomoedas prestados. Em todos os casos, a emissão de criptomoedas deve observar a incidência, ou não, das normas jurídicas que regulam os valores mobiliários.
Referências[+]
↑1 | BRASIL. Lei n.º 14.478, de 21 de dezembro de 2022. Dispõe sobre diretrizes a serem observadas na prestação de serviços de ativos virtuais e na regulamentação das prestadoras de serviços de ativos virtuais; altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para prever o crime de fraude com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros; e altera a Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986, que define crimes contra o sistema financeiro nacional, e a Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, que dispõe sobre lavagem de dinheiro, para incluir as prestadoras de serviços de ativos virtuais no rol de suas disposições. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/lei/L14478.htm. Acesso em: 11. set. 2023. |
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↑2 | BRASIL. Decreto n.º 11.563, de 13 de junho de 2023. Regulamenta a Lei nº 14.478, de 21 de dezembro de 2022, para estabelecer competências ao Banco Central do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Decreto/D11563.htm. Acesso em: 11. set. 2023. |
↑3 | BRASIL. Instrução Normativa n.º 1888 da Receita Federal do Brasil, de 03 de maio de 2019. Institui e disciplina a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB). http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=100592. Acesso em: 11. set. 2023. |
↑4 | BANCO Central prepara Consultas Públicas sobre regulamentação de criptoativos. Banco Central do Brasil, 18 de julho de 2023. https://www.bcb.gov.br/detalhenoticia/705/noticia. Acesso em: 11. set. 2023. |
↑5 | DEZAN, Matheus Lopes. Ações Judiciais da SEC contra a Binance e a Coinbase: implicações para a regulação da criptoeconomia no Brasil. Portal Jurídico dos Estudantes de Direito, 19. jun. 2023. Disponível em: https://www.pjed.com.br/acoes-judiciais-da-sec-contra-a-binance-e-a-coinbase/. Acesso em: 11. set. 2023; DEZAN, Matheus Lopes. Combate à corrupção e à lavagem de dinheiro com criptomoedas: estado da arte. Revista do Consultor Jurídico: Coluna Público & Pragmático, 1. jan. 2023. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-jan-01/publico-pragmatico-combate-corrupcao-lavagem-dinheiro-criptomoedas. Acesso em: 11. set. 2023. |
↑6 | BRASIL. Lei n.º 6.385, de 7 de dezembro de 1976. Dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6385.htm. Acesso em: 11. set. 2023. |
↑7 | BRASIL. Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986. Define os crimes contra o sistema financeiro nacional, e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7492.htm#:~:text=LEI%20No%207.492%2C%20DE%2016%20DE%20JUNHO%20DE%201986.&text=Define%20os%20crimes%20contra%20o,nacional%2C%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias.. Acesso em: 20. set. 2023. |