TCU aplica multa por erro grosseiro em parecer jurídico
Em outubro deste ano, o Tribunal de Contas da União (TCU) julgou o Processo nº 018.739/2015-6, que resultou no Acórdão 2.121/2024, do Plenário. Neste julgamento, o TCU reconheceu irregularidades no Contrato de Gestão 51/2014, firmado entre o Município de Candeias (BA) e o Centro Médico Aracaju Eireli (CMA). As irregularidades foram atribuídas, em parte, à aprovação de um edital licitatório contendo vícios graves, classificados como erro grosseiro, o que levou à aplicação de multa de R$10.000,00 a duas procuradoras jurídicas que emitiram parecer atestando a legalidade da minuta.
O contexto do caso
O Contrato de Gestão 51/2014, destinado à execução de serviços de saúde no Município de Candeias, foi marcado por irregularidades substanciais no edital de licitação, que motivaram a atuação do Tribunal de Contas da União. O certame apresentou exigências desproporcionais e restritivas à competitividade, além de critérios técnicos de pontuação incoerentes, violando os princípios da isonomia, legalidade e eficiência estabelecidos no art. 3º da Lei nº 8.666/1993.
O edital, ao ser submetido à análise jurídica, foi aprovado pela procuradora adjunta e pela procuradora jurídica do município, responsáveis por assegurar sua conformidade com as normas e princípios aplicáveis à administração pública. Todavia, o TCU constatou que o documento apresentava vícios graves e de fácil identificação, os quais comprometeram a competitividade do certame e acarretaram prejuízos ao erário.
De acordo com o TCU, a aprovação do edital nessas condições, sem quaisquer ressalvas, demonstrou a ausência da diligência que se espera de agentes públicos encarregados de revisar e validar atos administrativos dessa natureza.
Os argumentos de defesa
Em sua defesa, as procuradoras municipais sustentaram que sua atuação limitou-se a uma análise estritamente formal do edital, cabendo à área gestora a responsabilidade exclusiva pelo exame de aspectos técnicos específicos. Sustentaram que o parecer jurídico por elas emitido possuía natureza meramente opinativa e não vinculante, o que, a seu ver, afastaria qualquer imputação de responsabilidade pelas falhas identificadas no edital.
Além disso, argumentaram que sua análise baseou-se integralmente nos elementos fornecidos pelos gestores, não havendo dolo ou culpa stricto sensu que pudesse caracterizar erro grosseiro. Por fim, afirmaram que a formulação do conteúdo do edital era prerrogativa exclusiva da gestão administrativa, de modo que quaisquer inconsistências detectadas decorreram de decisões tomadas de forma independente, alheias a sua atuação direta.
O entendimento do TCU
A Corte de Contas rejeitou os argumentos apresentados pela defesa, ressaltando que, embora os pareceres jurídicos não tenham caráter vinculante, eles desempenham papel essencial na garantia da legalidade dos atos administrativos. O TCU apontou que as irregularidades no edital eram flagrantes, dispensando análise aprofundada para sua identificação, e concluiu que a insuficiência na análise jurídica foi determinante para os vícios do Contrato de Gestão nº 51/2014, os quais culminaram em prejuízo ao erário.
A omissão em apontar essas falhas, mesmo em uma análise formal, foi classificada pelo TCU como erro grosseiro, configurando violação ao dever de diligência exigido de profissionais jurídicos. Isso porque, conforme destacou a Corte Julgadora, o conceito de erro grosseiro abrange condutas que evidenciam o descumprimento do dever de cuidado objetivo esperado da média dos profissionais em circunstâncias semelhantes, independentemente da intenção subjetiva dos agentes envolvidos.
O TCU ressaltou que, embora não seja exigida dos pareceristas uma cognição exauriente, o dever de diligência impõe a identificação de omissões que comprometam a regularidade do certame. Nesse contexto, a emissão de um parecer jurídico em um processo licitatório marcado por erros grosseiros — como a ausência de planilhas de composição de custos e justificativas para variações de preços — evidenciou negligência na análise, ultrapassando os limites da razoabilidade esperada de um profissional médio na área jurídica.
Não se trata, portanto, de demandar que as procuradoras realizassem, por iniciativa própria, análises técnicas específicas, como a avaliação da economicidade dos preços. A falha, segundo o Tribunal, consistiu na ausência de qualquer ressalva ou apontamento, no parecer jurídico, indicando que os responsáveis pela condução do certame haviam negligenciado o cumprimento de requisitos legais antes da abertura da fase externa da licitação.
A importância do precedente
O Acórdão 2.121/2024-TCU-Plenário configura um marco paradigmático ao delimitar os contornos do erro grosseiro como critério central para a responsabilização de agentes públicos, conforme o art. 28 da LINDB.
Ao afastar a necessidade de elemento subjetivo para a configuração do erro grosseiro, o TCU esclareceu que o tipo descrito no art. 28 da referida Lei abrange condutas marcadas por negligência manifesta ou desatenção a normas e princípios fundamentais da administração pública, como a legalidade, eficiência e economicidade. Esse entendimento reforça o dever de cuidado objetivo que deve nortear a atuação técnica e jurídica dos agentes públicos, consolidando o padrão de diligência exigido no desempenho de suas funções.
Ante o exposto, a decisão define parâmetros objetivos de diligência, orientando os agentes públicos a uma atuação marcada por rigor técnico e ético, com especial atenção à análise de certames licitatórios. Assim, o acórdão firma-se como um referencial interpretativo de elevada importância para as futuras deliberações do TCU.
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