CARTEL EM LICITAÇÃO PÚBLICA: QUAIS AS PENALIDADES?
Eduarda Militz
Estagiária
Alguma vez você, licitante, já se sentiu prejudicado ou até mesmo “perseguido” por um determinado grupo em algum certame público? Por mais que isso possa ser um desdobramento natural do caráter competitivo das licitações públicas, é sempre recomendável analisar todas as evidências à disposição para se certificar que você não tenha sido vítima de um cartel.
Os cartéis são acordos entre concorrentes para combinar o aumento de preços, a divisão de mercado, a exclusão de licitantes do certame ou outras práticas pré-acordadas com o objetivo de frustrar o caráter competitivo de uma licitação pública. Segundo estimativas da OCDE, os cartéis geram um sobrepreço estimado entre 10% e 20%, em comparação com os preços de um mercado competitivo, razão pela qual são uma das práticas mais danosas contra a sociedade no âmbito das contratações públicas.
Em uma licitação, os concorrentes devem atuar de forma independente e empreender esforços individuais para ofertar a melhor proposta possível para a administração pública. Tanto é verdade que a Nova Lei de Licitações incluiu em seu artigo 5º o princípio da competitividade, que visa assegurar a justa competição entre os concorrentes.
Em razão da gravidade da prática, os cartéis são proibidos por diversas leis e esferas diferentes. Abaixo serão apresentadas as possíveis penalidades aplicadas contra licitantes punidos pelo crime de cartel em licitação pública.
Penalidades administrativas
A nova lei de licitações (Lei 14.133/2021) prevê expressamente a responsabilização administrativa de licitantes que adotem a prática de “atos ilícitos com vistas a frustrar os objetivos da licitação” (artigo 155, inciso XI). Nestes casos, a depender da gravidade da situação e das peculiaridades do caso concreto (artigo 156), poderão ser aplicadas as seguintes penalidades administrativas:
- advertência;
- multa;
- impedimento de licitar e contratar;
- declaração de inidoneidade para licitar ou contratar.
Estas penalidades administrativas são aplicadas diretamente pelo órgão contratante da licitação pública afetada, a partir da instauração de processo administrativo contra o(s) licitante(s) responsabilizado(s).
Adicionalmente, a repressão aos cartéis em licitação também está prevista na Lei 12.529/2011, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Este diploma legal (artigo 36, §3º, inciso I, alínea ‘a’) prevê expressamente a vedação à prática de “acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma, preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação pública”. Nestes casos, a responsabilização é levada a cabo pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), autoridade responsável pela defesa da ordem econômica e concorrencial.
Nos casos processados pelo tribunal administrativo do CADE, as penalidades podem ser, conforme artigo 38 da Lei 12.529/2011, as seguintes:
- À empresa: multa de 0,1% a 20% do valor do faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado, no último exercício anterior à instauração do processo administrativo, no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração.
- Aos administradores da empresa: se direta ou indiretamente envolvidos com o ilícito podem ser condenados a pagar uma multa entre 1% a 20% daquela aplicada à empresa.
- Outras penas acessórias: a publicação em meia página, às expensas do infrator, em jornal indicado na decisão, de extrato da decisão condenatória por prazo indeterminado em lei; a proibição de contratar com instituições financeiras oficiais e participação em licitação da administração pública por prazo não inferior a 5 anos; inscrição no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor; a proibição de exercer o comércio em nome próprio ou como representante de pessoa jurídica pelo prazo de até 5 anos, entre outros
Os critérios para a penalização de cartelistas pelo CADE leva em conta os critérios dispostos no artigo 45 da Lei 12.529/2011. Entre eles, cita-se a avaliação da gravidade, da boa-fé do infrator e da vantagem auferida pela prática anticoncorrencial.
Penalidades criminais
Além da responsabilização administrativa demonstrada acima, a prática de cartel pode ser configurada como crime, conforme previsão do código penal brasileiro. O crime de cartel já era previsto genericamente no art. 4º da lei 8.137/90, que define crimes contra a ordem econômica. No âmbito das licitações públicas, a Lei 8.666/93 previa em seu artigo 90 o crime de frustrar ou fraudar o caráter competitivo das licitações públicas, com pena de 2 a 4 anos, além de multa.
No entanto, a Nova Lei de Licitações fez alteração no código penal para incluir previsão expressa do crime de fraude à licitação, agora inserido no artigo 337-F do Código Penal, com a seguinte redação:
Art. 337-E. Admitir, possibilitar ou dar causa à contratação direta fora das hipóteses previstas em lei:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
Assim, os administradores responsáveis pelas empresas condenadas pela prática de cartel também podem ser responsabilizados criminalmente, a partir da investigação e atuação do Ministério Público e da Polícia Civil.
Penalidades cíveis
Por fim, ainda é possível a responsabilização cível pela prática anticoncorrencial. Nestes casos, de acordo com o artigo 47 da Lei 12.529/2011, os prejudicados, por si ou pelos legitimados referidos no artigo 82 da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, poderão ingressar em juízo para, em defesa de seus interesses individuais ou individuais homogêneos, obter a cessação de práticas que constituam infração à ordem econômica, bem como o recebimento de indenização por perdas e danos sofridos. Tal ação independe da abertura ou resultado de processo administrativo por parte do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC, que não será suspenso em virtude do ajuizamento de ação.
Como se vê, a prática de cartelização é uma das infrações mais graves no âmbito das licitações públicas, e pode ser penalizada de formas diferentes e cumulativas. Para evitar prejuízos e prevenir o ilícito, uma das melhores práticas é a elaboração de um Programa de Integridade para a empresa licitante, com o objetivo de assegurar as melhores práticas profissionais para a empresa e a prevenção de ilícitos administrativos e criminais.
Em caso de dúvida sobre como agir frente a uma situação de violações concorrenciais em licitações públicas, não deixe de consultar um advogado especializado no tema para uma assessoria jurídica experiente e qualificada!