AS ETAPAS DA CONCORRÊNCIA NA NOVA LEI DE LICITAÇÕES
A Concorrência, modalidade de licitação com previsão no art. 6º, inciso XXXVIII, art. 28, inciso II, e art. 29 da Lei nº 14.133/2021 (NLLCA), é caracterizada pela completude de seus procedimentos, sendo composta por várias etapas, e contando com diversos possíveis critérios de julgamento.
À luz da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, a modalidade Concorrência pode ser subdividida em 9 etapas, são elas: (i) Credenciamento de representantes; (ii) Apresentação das propostas; (iii) Abertura das propostas; (iv) Julgamento e classificação; (v) Modos de disputa; (vi) Negociação; (vii) Habilitação; (viii) Recursos; e (ix) Homologação.
Por tratar-se de modalidade complexa, o presente artigo abordará cada uma de suas etapas para, de forma objetiva e clara, explicar suas principais especificidades.
(i) Credenciamento de representantes:
Como a Concorrência é uma modalidade composta por diversas etapas e sessões públicas, que normalmente são realizadas em datas distintas e para diferentes propósitos (recebimento das propostas, divulgação do julgamento, habilitação, etc.), é comum que ocorra, quando da abertura do certame (1ª sessão pública), o ato de credenciamento de representantes das empresas licitantes.
Neste ato, que não possui correspondência com o procedimento auxiliar “credenciamento” (art. 79 da Nova Lei de Licitações), o representante da empresa interessada em participar da licitação comprova à Comissão de Contratação que possui poderes para agir em nome da pessoa jurídica, mediante a apresentação de documento de identificação pessoal e, a depender do caso, de procuração pública ou particular e do ato constitutivo da empresa (contrato social).
Ao agir assim, a empresa licitante poderá ser representada no certame pela pessoa credenciada, nos termos do ato que lhe outorgou poderes. Exemplificativamente, estes poderes podem compreender (e normalmente compreendem) a assinatura e a apresentação de propostas e documentos, a participação nas sessões públicas, a interposição de recursos e a negociação de preços e condições, bem como, de forma genérica, a assinatura de quaisquer documentos e a prática de todos os atos indispensáveis para a regular participação da empresa no certame.
Ainda que o credenciamento de um representante não seja um requisito obrigatório para que uma empresa interessada possa participar da licitação, é um ato extremamente importante para que a licitante consiga praticar atos de seu interesse e defender os seus direitos durante as etapas do certame.
(ii) Apresentação das propostas:
A forma com que ocorre a etapa de apresentação das propostas técnicas e de preços pode depender de como a Concorrência está sendo realizada, isto é, se no formato eletrônico ou presencial. No âmbito das licitações regidas pela Lei nº 8.666/1993, esta modalidade de licitação ocorria quase que inteiramente de forma presencial, salvo a divulgação de alguns atos e comunicações no sítio eletrônico do órgão, por e-mail ou no diário oficial.
Agora, com o advento da NLLCA, ficou nítida a opção do legislador em privilegiar os processos administrativos eletrônicos[1]Sobre a tramitação eletrônica de processos administrativos, ver: SCHIEFLER, Eduardo André Carvalho. Processo Administrativo Eletrônico. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019., ou seja, a tramitação eletrônica dos processos licitatórios. A nova lei é clara e expressa: utilizando-se do termo “preferencialmente” (art. 12, inciso VI, e art. 17, § 2º), a regra passa a ser o formato eletrônico, e a exceção se torna a forma presencial, que deve ser sempre motivada.
Prova disso é que, no art. 17, § 5º, a nova lei qualifica expressamente a forma presencial como “hipótese excepcional de licitação”, assim como determina, como regra, que “a sessão pública de apresentação de propostas deverá ser gravada em áudio e vídeo, e a gravação será juntada aos autos do processo licitatório depois de seu encerramento”..
Dessa forma, a etapa de apresentação das propostas técnicas e/ou de preços (a depender do critério de julgamento adotado na licitação) também está relacionada com a forma do processo administrativo de contratação pública, se “eletrônico” ou se “presencial”.
Quando a entrega das propostas deve ocorrer presencialmente, em sessão pública, o representante da empresa nada mais faz do que literalmente entregar o envelope contendo os documentos da proposta à Comissão, ao passo que no formato eletrônico possivelmente será exigido do licitante o cadastro prévio em um sistema que permita o envio de arquivos eletrônicos, a exemplo do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), no caso dos certames do Governo Federal regulados pela Nova Lei de Licitações.
(iii) Abertura das propostas:
No que toca à etapa de abertura das propostas, é essa ocasião que permite a comparação das propostas dos licitantes, e por sua vez o julgamento e a classificação das propostas mais vantajosas para a Administração, a depender do critério selecionado e previsto em edital.
Em algumas situações, após o recebimento e abertura das propostas, a Administração segue a uma rodada de aposição de rubricas nos conteúdos dos invólucros, pois o julgamento propriamente dito das propostas não acontecerá instantaneamente. É possível até mesmo que determinados envelopes não sejam abertos nesta ocasião, sendo que, nesses casos, as rubricas são adicionadas aos fechos dos envelopes. Em casos como esses, o resultado do julgamento das propostas é divulgado em data futura, previamente designada, em sessão pública específica para tal intento.
Isto ocorre normalmente nas hipóteses de propostas técnicas (em que o critério de julgamento é o “melhor técnica” ou “técnica e preço”), justamente porque é preciso haver tempo hábil para a análise das propostas apresentadas pelos licitantes.
Por outro lado, quando se está diante de uma Concorrência com propostas exclusivamente de preços, ou de critérios técnicos simplificados de julgamento, a abertura e o julgamento das propostas pode ocorrer no mesmo ato ou dia da entrega dos envelopes pelas empresas.
(iv) Julgamento e classificação:
Na Concorrência regida pela Lei nº 8.666/1993, os critérios de julgamento foram, por muito tempo, chamados de “tipos” de licitação, que poderiam ser: (i) o de menor preço; (ii) a de melhor técnica; (iii) a de técnica e preço; e (iv) a de maior lance ou oferta (nos casos de alienação de bens ou concessão de direito real de uso). Estes critérios estão previstos nos incisos do art. 45 da Lei nº 8.666/1993.
Na NLLCA, por sua vez, os critérios de julgamento das propostas apresentadas em sede de Concorrência podem ser diversos, a exemplo: (i) do menor preço; (ii) da melhor técnica ou conteúdo artístico; (iii) da técnica e preço; (iv) do maior retorno econômico; e (v) do maior desconto. Estas possibilidades estão previstas nos incisos do art. 6º, inciso XXXVIII, da Lei nº 14.133/2021, sendo que os os critérios (iv) maior retorno econômico e (v) maior desconto são novidades para a modalidade Concorrência.
A etapa de julgamento, assim como as demais etapas que compõem um processo licitatório, depende da modalidade adotada e, naturalmente, do critério de julgamento.
Dessa forma, como salientado acima, o julgamento das propostas pode dar-se de maneira mais objetiva nas hipóteses em que a classificação será estruturada de acordo com propostas mais vantajosas em termos exclusivamente financeiros (menor preço ou maior desconto, por exemplo).
No que diz respeito às concorrências públicas cujos critérios de julgamento envolvem a técnica, é bastante usual que tal etapa seja antecedida de uma análise por uma comissão de avaliadores (como no caso das licitações de serviços de publicidade, regidas pela Lei nº 12.232/2010), de modo que, posteriormente, uma sessão pública é agendada para a divulgação da classificação final. A propósito, de acordo com a NLLCA (art. 37), a atribuição de notas a quesitos de natureza qualitativa obrigatoriamente deve ocorrer por banca designada para tal fim, ou seja, por uma comissão de avaliadores.
É no momento do julgamento que pode haver a desclassificação de propostas que contiverem vícios insanáveis ou apresentem preços inexequíveis ou acima do orçamento estimado para a contratação, nos termos das hipóteses previstas nos incisos do art. 59 da Lei nº 14.133/2021.
Também é nesse momento que pode ocorrer um empate entre duas ou mais propostas consideradas como mais vantajosas à Administração, de acordo com o critério de julgamento adotado. Nessa situação, serão aplicados os critérios de desempate compreendidos pelo art. 60 da Lei nº 14.133/2021, que envolvem a apresentação de novas propostas, a avaliação de desempenho contratual prévio de licitantes, a análise de ações de equidade entre homens e mulheres no ambiente de trabalho e a avaliação de programas de integridade dos licitantes, dentre outros critérios.
(v) Modos de disputa:
Aqui há uma novidade importante na NLLCA: o modo de disputa em licitação que é conduzida pela modalidade Concorrência. De maneira específica, o art. 56 da Nova Lei de Licitações dispõe que a disputa na Concorrência pode ser realizada no modo aberto (lances sequenciais) ou fechado (proposta única, apresentada sem o conhecimento das demais propostas), ou mediante a combinação de ambas.
O modo aberto é a “hipótese em que os licitantes apresentarão suas propostas por meio de lances públicos e sucessivos, crescentes ou decrescentes”, enquanto o modo fechado é a “hipótese em que as propostas permanecerão em sigilo até a data e hora designadas para sua divulgação”.
De acordo com a NLLCA, e diferentemente do que ocorre na Lei nº 8.666/1993, os critérios de julgamento de “menor preço” e de “maior desconto” não podem ser realizados a partir do modo de disputa fechado. Ou seja, vedou-se o uso do modo de disputa fechado (apresentação sigilosa de proposta única, a ser aberta e comparada com as demais propostas) quando o critério de julgamento estiver unicamente vinculado a uma questão de preço. Por outro lado, e provavelmente em razão de uma pretendida simplificação do procedimento, a disputa aberta (lances sequenciais) é vedada nas hipóteses em que o julgamento se dará por meio do critério de julgamento técnica e preço.
(vi) Negociação:
Uma vez definida a proposta vencedora, o órgão licitante poderá negociar por condições mais vantajosas à Administração com o primeiro colocado. Em caso de impasse na negociação, será adotado procedimento idêntico e sucessivo com os demais licitantes classificados.
Nas Concorrências Públicas regidas pela Lei nº 8.666/1993, a etapa de negociação pode ocorrer, por exemplo, no âmbito das licitações cujo critério de julgamento é o de “melhor técnica”, nos termos do seu art. 46, § 1º. Embora não haja disposição expressa pela Lei nº 8.666/1993, a etapa de negociação também é admitida em outras modalidades de licitação, entendimento sustentado pelo Acórdão nº 1401/2014, da 2ª Câmara do Tribunal de Contas da União (TCU).
Por outro lado, a negociação conforme as regras da NLLCA (art. 61) não depende do critério de julgamento, sendo inviável apenas nos casos em que o valor a ser pago é predefinido no edital. Mais do que isso, a Lei nº 14.133/2021 também estabelece que a competência para realizar a negociação é do agente de contratação ou da comissão de contratação, na forma de regulamento. Também consigna, em prol da publicidade e da formalidade dos processos administrativos, que o resultado da negociação será divulgado e anexado aos autos do processo licitatório (art. 61, § 2º).
A bem da verdade, na prática, as negociações em licitação costumam acontecer mediante simples barganha por parte da Administração, que questiona se o particular está disposto a diminuir o preço de sua proposta, mas sem resultar em alterações nas especificações do objeto a ser executado. Essas alterações, se acontecerem, devem necessariamente melhorar a economicidade da contratação, sob a perspectiva pública, ou então aumentar os encargos do particular, mas nunca diminuí-los (por exemplo, seria possível obter em negociação uma redução de preços ou um prazo menor de entrega de um produto à Administração, mas não seria possível conceder ao particular um prazo superior).
(vii) Habilitação:
A etapa de habilitação, de acordo com o art. 62 da Nova Lei de Licitações, é “a fase da licitação em que se verifica o conjunto de informações e documentos necessários e suficientes para demonstrar a capacidade do licitante de realizar o objeto da licitação”.
A habilitação é categorizada em “jurídica”, “técnica”, “fiscal, social e trabalhista” e “econômico-financeira”, cada qual com sua relevância para o processo de contratação pública e com critérios próprios de avaliação, conforme o edital.
No que se refere ao momento em que ocorre a etapa de habilitação das licitantes, a Nova Lei de Licitações proporcionou uma alteração substancial em comparação com o regime da Lei nº 8.666/1993: a inversão das fases de habilitação e de julgamento das propostas.
Até o advento da Lei nº 14.133/2021, que aproximou o rito procedimental da concorrência pública e do pregão, ambas as modalidades possuíam ritos distintos, em especial no que toca ao momento de averiguação da habilitação dos licitantes.
Enquanto no rito da Concorrência (estipulado pela Lei nº 8.666/1993) a etapa de habilitação ocorre no início do processo licitatório, de sorte que apenas os licitantes devidamente habilitados podem apresentar propostas, no rito do Pregão apenas se verifica o atendimento aos critérios de habilitação das licitantes cujas propostas não foram desclassificadas – sendo que, em alguns casos, analisa-se a habilitação apenas da primeira colocada (conforme permitido pelo art. 63, inciso II, da Lei nº 14.133/2021).
A Nova Lei de Licitações, contudo, formalizou a comentada “inversão de fases” como padrão do rito procedimental das licitações públicas no seu novo regime de contratações. O art. 29 da Lei nº 14.133/2021 determina que tanto a concorrência pública como o pregão seguirão o rito procedimental comum previsto no art. 17, o qual prevê que a etapa de habilitação ocorrerá, via de regra, depois do julgamento das propostas.
Esta alteração é vista como uma forma de tornar o procedimento mais célere, pois, como regra, “será exigida a apresentação dos documentos de habilitação apenas pelo licitante vencedor”, conforme preceitua o inciso II do artigo 63. Ainda assim, é uma regra passível de flexibilização, se comprovado que a antecipação da fase de habilitação é positiva, nos termos do § 1º do art. 17 da NLLCA.
(viii) Recursos:
Outra novidade advinda da nova lei diz respeito à fase recursal una, razão pela qual não mais poderão ser interpostos recursos ao final de cada fase, como é o padrão da Lei nº 8.666/1993. Nesse sentido, caso o licitante de uma concorrência pública tenha o interesse de interpor recurso contra o julgamento da sua proposta técnica, por exemplo, será preciso aguardar as demais etapas, inclusive de habilitação, para interpor o recurso ao final do certame.
Isso é o que está disposto no teor do art. 165 da Lei nº 14.133/2021, que prevê um prazo de 3 (três) dias úteis para a interposição de recurso contra o julgamento das propostas ou o ato de habilitação ou inabilitação de licitante, dentre outras hipóteses (para situações não previstas no art. 165, inciso I, é cabível o pedido de reconsideração, nos termos do inciso II).
Independentemente de o licitante ter interposto recurso (inciso I) ou apresentado pedido de reconsideração (inciso II), o art. 168 da Lei nº 14.133/2021 garante o efeito suspensivo do ato ou da decisão recorrida, até que a autoridade competente por apreciar os argumentos do licitante profira decisão.
Destaca-se, contudo, que a ventilada fase recursal una diz respeito apenas a estas duas hipóteses recursais, nos termos do § 1º do art. 165 da Lei nº 14.133/2021. Em ambos os casos, como dito, os licitantes não poderão interpor o recurso imediatamente, mas deverão manifestar imediatamente a intenção de recorrer, sob pena de preclusão (tal como ocorre com o pregão no regime anterior ao advento da Nova Lei de Licitações). O prazo recursal se iniciará após a etapa de habilitação ou, na hipótese de inversão de fases, depois do julgamento das propostas.
De acordo com o § 2º do art. 165 da nova lei, o recurso deve ser dirigido à autoridade que praticou o ato ou proferiu a decisão impugnada, a qual terá a oportunidade de se retratar do seu posicionamento em até 3 (três) dias úteis. Caso haja a reconsideração, a autoridade deverá encaminhar o recurso com a sua motivação para o seu superior hierárquico, o qual terá até 10 (dez) dias úteis para apreciar o recurso.
(ix) Homologação:
Por fim, quanto ao momento de homologação do certame, tal procedimento está previsto no art. 71, inciso IV, da Lei nº 14.133/2021, segundo o qual, após o encerramento das fases de julgamento, de habilitação e recursal, a autoridade competente poderá adjudicar o objeto e homologar a licitação.
Vale observar que o certame somente poderá ser adjudicado e homologado caso a autoridade administrativa não verifique a existência de irregularidades que exijam o retorno dos autos para saneamento (art. 71, inciso I), não revogue a licitação por motivo de conveniência e oportunidade, baseado em fato superveniente (inciso II), ou não identifique uma ilegalidade insanável e anule o certame (inciso III). Em quaisquer desses casos, a autoridade deverá motivar o seu posicionamento.
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Referências[+]
↑1 | Sobre a tramitação eletrônica de processos administrativos, ver: SCHIEFLER, Eduardo André Carvalho. Processo Administrativo Eletrônico. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. |
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