Visando contemplar e atender ao maior número de situações decorrentes da partilha dos bens, a legislação brasileira previu espécies diversas de inventário, que serão detalhadas no artigo a seguir.
Laísa Santos[1]Advogada do escritório Schiefler Advocacia. Coordenadora da unidade de Planejamento Patrimonial, Família e Sucessões. Pós-Graduanda em Planejamento Patrimonial e Sucessório pela FGV/SP. … Continue reading.
Quando há o falecimento de uma pessoa, quase sempre é necessária a abertura do inventário para a apuração de eventuais bens, direitos e dívidas deixadas.
Todavia, o inventário não se presta à transmissão do patrimônio deixado pelo falecido. Transmite-se a herança no imediato momento da morte, não sendo, porém, delimitadas a quantidade e a qualidade de bens que irão compor o quinhão de cada herdeiro ou a meação do cônjuge supérstite. Deverá ter lugar, portanto, um procedimento para se apurar, descrever e partilhar os bens componentes desta universalidade. Para tanto, o ordenamento jurídico brasileiro prevê o procedimento de inventário e partilha[2]DA ROSA, Conrado Paulino; RODRIGUES, Marco Antonio. Inventário e partilha: teoria e prática. Salvador: Editora JusPodivm, p. 381..
Visando contemplar e atender ao maior número de situações decorrentes do processamento deste tipo de situação, a legislação brasileira previu espécies diversas de inventário, a saber:
a) Inventário extrajudicial: é cabível na hipótese em que todos os herdeiros são capazes e haja consenso quanto à partilha que será realizada. É feito por meio de uma escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro necessário bem como para o levantamento de valores em instituição financeira.
b) Inventário judicial: terá cabimento se houver testamento a ser cumprido, se houver interesse de incapaz, por opção ou caso não haja concordância entre os herdeiros. O inventário judicial pode ser processado na forma de inventário litigioso, arrolamento ou arrolamento sumário.
Abaixo, será melhor detalhada cada espécie de inventário.
Inventário extrajudicial:
Na hipótese de todos os herdeiros serem capazes e estarem de acordo entre si, o ordenamento jurídico brasileiro permite a realização do inventário e da partilha extrajudicialmente, por meio de uma escritura pública, em um tabelionato de notas. A norma traz a escritura como uma opção aos herdeiros, cabendo a eles optarem pelo o que melhor lhes convém.
A escritura pública será o documento hábil para qualquer ato de registro necessário, bem como para o levantamento de importância depositada em instituições financeiras.
As regras expostas se inserem na tendência de desjudicialização de certos atos jurídicos que não precisam de intervenção obrigatória do Poder Judiciário, como forma de lhes conferir maior celeridade e economia de esforços.
Ainda, nesta espécie de inventário há a flexibilização de local para a sua celebração, diferentemente do inventário judicial. Assim, podem os herdeiros escolher em que tabelionato querem fazê-lo, independentemente do local de falecimento do autor da herança.
Cabe destacar que para a celebração da escritura pública é necessário que todas as partes interessadas estejam assistidas por advogados ou por defensor público, que também assinarão a escritura.
Por fim, é importante ressaltar que há situações em que, mesmo que todos os herdeiros sejam capazes e estejam de acordo entre si, o inventário extrajudicial, embora quase sempre mais célere, pode ser desvantajoso do ponto de vista financeiro. Isso porque, ao contrário do Poder Judiciário, os tabelionatos não possuem um teto de custas a serem cobradas.
Explica-se. As custas a serem pagas, seja ao tabelionato, seja ao Poder Judiciário, serão calculadas com base no valor do patrimônio deixado pelo falecido. O Poder Judiciário de Santa Catarina, por exemplo, possui um teto de custas no valor de R$ 5.197,61. Assim, não importará se o valor dos bens do falecido é de 200 mil ou 1 milhão de reais, o valor cobrado será o mesmo.
Diferentemente, o tabelionato possui uma tabela de custas e emolumentos que, a depender do valor do patrimônio, poderá cobrar por cada bem individualizado – o que poderá acarretar um valor superior de custas, se comparado ao Poder Judiciário.
Assim, além dos requisitos intrínsecos para a realização de um inventário extrajudicial, sugere-se, sempre, a realização de um orçamento prévio para que os herdeiros possam sopesar qual o melhor caminho a ser tomado para a realização da partilha dos bens.
Inventário negativo:
Embora incomum, o inventário negativo é realizado quando o falecido não deixou bens ou direitos, mas os herdeiros, por algum motivo específico, buscam realizá-lo para sanar eventuais situações particulares.
Como exemplo desta situação cita-se o caso dos herdeiros que queiram assegurar que não serão responsabilizados, em virtude da ausência de bens e direitos do falecido – caso este tenha deixado dívidas. Outra finalidade para a aplicação do inventário negativo decorre do interesse do cônjuge supérstite de afastar a causa suspensiva em relação a uma nova relação matrimonial, que implicaria o regime de separação obrigatória de bens.
A Resolução nº 35/07 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) possibilita que o inventário negativo seja também feito por escritura pública, facilitando e acelerando o reconhecimento da ausência de patrimônio do falecido.
Inventário judicial litigioso:
O inventário pelo procedimento litigioso tem seu requerimento inicial relativamente simples, bastando o pedido de início do procedimento e a informação do óbito perante o Poder Judiciário.
Uma vez admitido o processamento do inventário, o juiz nomeará o inventariante, que passará a representar o espólio. O Código de Processo Civil prevê uma ordem de nomeação do inventariante, que, salvo situações excepcionais, deve ser seguida, por se tratar de regra impositiva.
Da decisão que nomeou inventariante, caberá recurso dirigido ao Tribunal de Justiça. Após nomear inventariante, este será intimado para prestar compromisso no prazo de cinco dias. Ato contínuo, da data em que prestou compromisso, o inventariante terá o prazo de vinte dias para apresentar as primeiras declarações ao juízo (relação detalhada dos bens e direitos que compõem o patrimônio do autor da herança).
Na sequência, os demais herdeiros serão intimados para apresentarem manifestação sobre as primeiras declarações. Após apresentadas as primeiras declarações e depois que os demais herdeiros tenham tido a oportunidade de se manifestarem, passa-se à avaliação dos bens componentes do espólio.
Em seguida, são apresentadas as últimas declarações, os débitos relativos às dívidas do espólio são pagos, assim como os impostos (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCMD e Imposto de Transmissão de Bens Imóveis – ITBI) e há a apresentação do formal de partilha, com a consequente sentença.
Evidentemente que, dentro de todos estes atos, há diversas situações que podem ocorrer e vários recursos que podem ser interpostos, dificultando sobremaneira o trâmite do processo e a partilha dos bens.
Arrolamento:
O arrolamento é uma espécie de inventário judicial simplificado, que se divide em duas espécies: sumário, cabível quando os herdeiros optarem pela partilha amigável ou se houver pedido de adjudicação por herdeiro único; e sumaríssimo, se o valor dos bens deixados não superar mil salários mínimos.
O arrolamento sumário é a partilha judicial amigável, realizada por partes capazes, sendo irrelevante o valor dos bens deixados.
Por se tratar de procedimento mais simples, a petição inicial já indicará o inventariante a ser nomeado, os títulos dos herdeiros, os bens componentes do acervo hereditário e o valor atribuído a eles. Em regra, não há que se falar em primeiras e últimas declarações, fazendo com que este processo se torne bem mais célere do que um inventário judicial litigioso.
No entanto, reforça-se a necessidade de comprovação da quitação de todos os tributos relativos aos bens do espólio para a prolação da sentença de partilha ou adjudicação.
Por fim, o arrolamento comum (ou sumaríssimo) é realizado quando o valor total do monte for igual ou inferior a mil salários mínimos. Nesta hipótese, o legislador também estabeleceu um procedimento bastante simplificado, sendo necessária a apresentação, desde logo, da indicação para nomeação do inventariante, juntamente com as suas declarações, o valor atribuído aos bens e o plano de partilha.
Aqui também é necessário comprovar a quitação de todos os tributos, sob pena de lançamento administrativo, conforme dispuser a legislação tributária.
O presente artigo objetivou apresentar as mais diversas espécies de procedimentos que podem ser utilizadas para a realização da partilha de bens deixados pelo titular do patrimônio.
Destaca-se que não se buscou exaurir o tema, mas trazer reflexões acerca da escolha de determinado procedimento e alertar para a necessidade de sopesar os caminhos disponíveis que melhor atendam às necessidades dos herdeiros, diante da situação que já é, por si só, bastante sensível.
Caso você tenha alguma dúvida a respeito do assunto, entre em contato com um dos nossos especialistas pelo e-mail contato@schiefler.adv.br.
Referências[+]
↑1 | Advogada do escritório Schiefler Advocacia. Coordenadora da unidade de Planejamento Patrimonial, Família e Sucessões. Pós-Graduanda em Planejamento Patrimonial e Sucessório pela FGV/SP. Pós-Graduada em Família e Sucessões pela EBRADI. Graduada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membra da Comissão de Direito de Família e Sucessões da OAB/SC e do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Co-autora do livro Desafios Contemporâneos do Direito de Família (Editora Lumen Juris) e de artigos sobre a temática. |
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↑2 | DA ROSA, Conrado Paulino; RODRIGUES, Marco Antonio. Inventário e partilha: teoria e prática. Salvador: Editora JusPodivm, p. 381. |
Aquele que deseja empreender sozinho, sem sócios, no Brasil, possui basicamente três opções: tornar-se empresário individual, abrir uma EIRELI ou constituir uma sociedade limitada unipessoal.
Marcelo John Cota de Araújo Filho[1]
O risco inerente ao exercício de uma atividade empresarial é algo que causa muita preocupação àqueles que se sentem inseguros em empreender com um sócio. A possibilidade de discordância sobre alguma estratégia de negócios específica e o receio da formação de desavenças pessoais pela diferença de ideias são exemplos que levam muitos a optarem por desenvolver um empreendimento sem a participação de outras pessoas.
Aquele que deseja empreender sozinho, sem sócios, no Brasil, possui basicamente três opções: tornar-se empresário individual, abrir uma Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI) ou constituir uma sociedade limitada unipessoal. Cada uma das alternativas possui especificidades que podem ser vistas como vantagens ou como desvantagens, cabendo ao empreendedor decidir qual a melhor solução para o modelo de negócio que deseja desenvolver.
Essas especificidades serão abordadas a seguir, por meio do detalhamento das características de cada alternativa e das considerações pertinentes que devem orientar a decisão do empreendedor.
O EMPRESÁRIO INDIVIDUAL
Empresário individual é a pessoa física que exerce, em nome próprio, uma atividade empresarial. Isto é, empresário individual é a pessoa natural que desenvolve, com seus próprios recursos, seu empreendimento.
Uma característica marcante dessa modalidade é a responsabilidade ilimitada e direta do empresário individual, que responde por todas as dívidas contraídas com o seu patrimônio pessoal. Como não há uma pessoa jurídica à frente da atividade desenvolvida, não existe a hipótese de separação patrimonial, de forma que o patrimônio da pessoa física responde direta e ilimitadamente por quaisquer dívidas oriundas do exercício da empresa.
Apesar de essa característica ser vista como uma grande desvantagem, essa modalidade de empresário possui uma característica vantajosa para pequenos empreendimentos: a possibilidade de enquadramento como MEI (Microempreendedor Individual), que tem um procedimento de registro simples e um regime de tributação muito mais brando se comparado às outras modalidades de empresário.
Com efeito, o Microempreendedor Individual é isento de tributos fiscais federais (Imposto de Renda, PIS, Cofins, IPI e CSLL), devendo pagar apenas um valor fixo mensal, que corresponde a uma contribuição para o INSS e ao pagamento do ICMS ou ISS. Esse valor mensal, para o ano de 2020, equivale à quantia de R$ 53,25 para atividades relacionadas ao comércio e indústria, R$ 57,25 para atividades relacionadas a serviços e R$ 58,25 para atividades relacionadas ao comércio e serviços. No entanto, cumpre ressaltar que o MEI é uma categoria que se restringe a atividades mais simples, sobretudo por possuir um limite de faturamento bruto anual baixo, no valor de R$ 81 mil.
Embora seja comum confundir a figura do empresário individual com a do microempreendedor individual, eles são institutos distintos. Ser empresário individual é um requisito necessário para configurar-se como MEI, mas esse enquadramento só é possível se o empresário individual não ultrapassar o limite de faturamento anual de R$ 81 mil.
Diante do exposto, conclui-se que a opção de empreender sozinho através da roupagem de empresário individual só é conveniente para pequenos negócios. A grande vantagem para o empreendedor dessa modalidade reside na possibilidade de enquadrar-se como MEI, mas, caso esse enquadramento não seja possível, a responsabilidade direta e ilimitada do empresário individual, que faz com que seus bens pessoais possam responder pelas dívidas oriundas do exercício da empresa, é um motivo mais que suficiente para que o empreendedor busque outra alternativa para iniciar sua empresa.
A EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA (EIRELI)
Integrada ao ordenamento jurídico brasileiro com a Lei nº 12.411/11, por muito tempo a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI) foi a única alternativa para aqueles que desejavam exercer atividade empresarial sozinhos e, ao mesmo tempo, gozar do instituto da separação patrimonial entre pessoa física e pessoa jurídica.
A EIRELI é uma pessoa jurídica tutelada pelo artigo 980-A do Código Civil e rege-se, no que couber, pelas mesmas regras aplicadas às sociedades limitadas[2]. Isso significa que a EIRELI proporciona ao seu titular a mesma blindagem patrimonial que uma sociedade limitada oferece ao seu sócio, ou seja, existe uma separação patrimonial, de maneira que o patrimônio da pessoa jurídica não se confunde com o patrimônio da pessoa física.
Dessa forma, é certo dizer que a pessoa física que constituiu uma EIRELI limita sua responsabilidade ao capital investido para a formação da pessoa jurídica.
Ocorre que, no caso da EIRELI, há a imposição de um capital social mínimo de 100 salários mínimos para a sua constituição. Esse requisito mínimo pode ser visto como uma desvantagem principalmente para empreendedores iniciantes e que não possuem grande poder econômico, pois necessitariam de um investimento inicial elevado para poder exercer sua atividade empresarial devidamente.
Além disso, outra grande ressalva a se fazer sobre a EIRELI é que a pessoa natural que a constitui só pode ser titular de uma única pessoa jurídica desse tipo. Isso representa uma barreira principalmente para empreendedores mais dinâmicos e ousados, que têm o desejo de exercer atividades empresariais em mais de um ramo econômico, pois só poderiam ser titulares de uma única EIRELI, inviabilizando a constituição de outra pessoa jurídica desse tipo para desenvolver empresas distintas.
Assim, em que pese a EIRELI proporcionar a separação patrimonial, de forma que, ressalvados os casos de fraude[3], somente o patrimônio da pessoa jurídica será responsável pelas dívidas decorrentes do exercício da atividade empresarial, as restrições ligadas à constituição dessa pessoa jurídica podem estabelecer entraves a determinados empreendedores, sobretudo àqueles que não possuem condições de fazer um investimento inicial na monta de 100 salários mínimos e àqueles que possuem a pretensão de exercer diversas empresas.
SOCIEDADE LIMITADA UNIPESSOAL
Possibilidade existente desde a promulgação da Lei nº 13.874/2019, também conhecida como Lei da Liberdade Econômica, a Sociedade Limitada Unipessoal também representa uma alternativa para quem deseja empreender sozinho no Brasil.
Tratando-se de pessoa jurídica, a sociedade limitada unipessoal também promove a separação patrimonial entre o patrimônio da sociedade (pessoa jurídica) e o patrimônio pessoal do sócio (pessoa física), isto é, os bens pessoais do sócio não responderão pelas dívidas contraídas pela sociedade.
Como os patrimônios da pessoa física e da pessoa jurídica não se comunicam, é possível dizer que o sócio responderá de forma subsidiária[4] e limitada pelas obrigações sociais. Ou seja, quem responde por essas obrigações é a própria sociedade, com seus próprios bens, de forma que os bens particulares do sócio estão, em princípio, resguardados.
Vale ressaltar que essa blindagem patrimonial não é absoluta, existindo a possibilidade de responsabilização pessoal do sócio em caso de abuso da personalidade jurídica, hipótese configurada quando o sócio utiliza a sociedade para cometer irregularidades envolvendo o desvio de finalidade da pessoa jurídica ou para promover uma confusão patrimonial com o intuito de ocultar os próprios bens. Nesses casos, pode ocorrer a desconsideração da personalidade jurídica, responsabilizando-se diretamente o patrimônio do sócio pelas irregularidades cometidas[5].
Portanto, ressalvados os casos de abuso, a sociedade limitada unipessoal retrata uma opção viável para a proteção patrimonial da pessoa que deseja empreender de forma a diminuir os riscos inerentes ao exercício da atividade empresarial no Brasil. Fornecendo blindagem patrimonial mas não se prendendo a restrições como ocorre no caso da EIRELI, a sociedade limitada unipessoal representa um grande avanço legislativo pátrio na área do Direito Empresarial, possibilitando aos mais diversos tipos de empreendedores o exercício adequado da atividade empresarial.
CONCLUSÃO
O desejo de empreender é latente a muitos cidadãos brasileiros, independente das condições de vida e esfera social em que estão inseridos. Do pequeno ao grande empreendedor, a possibilidade de exercer uma atividade empresarial sozinho deve ser avaliada em conformidade com as condições concretas do empreendedor e com a expressividade da atividade que ele pretende desenvolver, cabendo-lhe, assim, selecionar a alternativa mais viável entre as existentes para o seu modelo de negócios.
[1] Estagiário de Direito no escritório Schiefler Advocacia. Bacharelando em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Membro do grupo de extensão Inteligência Jurídica (UFU). Ex-assessor de presidência e ex-consultor de Negócios da Magna Empresa Júnior, além de ex-representante discente do Conselho da Faculdade de Direito (CONFADIR) da UFU.
[2] Art. 980-A. […] § 6º Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas.
[3] Art. 980-A. […] § 7º Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, hipótese em que não se confundirá, em qualquer situação, com o patrimônio do titular que a constitui, ressalvados os casos de fraude.
[4] A responsabilidade subsidiária surge na hipótese em que o sócio ainda não integralizou todo o capital social subscrito, estando limitada a esse valor subscrito mas ainda não integralizado.
[5] Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
Read MoreO testamento é o ato de manifestação de última vontade de uma pessoa acerca do destino dos seus bens e de outros assuntos de caráter não patrimonial, considerado um dos atos mais solenes do ordenamento jurídico.
Laísa Santos[1]
A propagação do novo coronavírus no Brasil e o significativo aumento no número de mortes provocou em todos a reflexão sobre este momento e os efeitos que dele decorrem. Isto pode ser percebido, por exemplo, pelo expressivo aumento nas consultas relativas à gestão patrimonial e à elaboração de testamentos, o que demonstra a preocupação das famílias com a sucessão da herança. Apesar de ainda ser considerado um tabu, o cenário atual fez com que, desde março de 2020, houvesse uma maior procura de indivíduos e famílias para sanar dúvidas a respeito da sucessão patrimonial.
A Associação dos Notários e Registradores do Paraná (Anoreg-PR), por exemplo, afirmou que, desde o dia 8 de março do presente ano, época que coincide com a ampla divulgação da pandemia do novo coronavírus no Brasil, houve um aumento de 70% da procura pelo registro de testamentos[2].
Ainda que a lei determine a transmissão dos bens para os herdeiros diretos, esta divisão de bens costuma gerar inúmeros descontentamentos que se transformam em disputas judiciais desgastantes e demoradas. Para buscar evitar tais judicializações, há diversos instrumentos que podem ser feitos em vida para definir a sucessão patrimonial, dentre elas, o testamento.
Mas afinal, o que é o testamento?
O testamento é o ato de manifestação de última vontade de uma pessoa acerca do destino dos seus bens e de outros assuntos de caráter não patrimonial. É considerado um dos atos mais solenes do ordenamento jurídico, uma vez que a lei determina a observância de minuciosas formalidades para assegurar que a vontade de quem testa (testador) seja livre e fielmente externada.
Via de regra, o testamento é feito para dispor sobre direitos patrimoniais: formas de divisão dos bens, destinação de um imóvel determinado, orientação sobre investimentos, etc. No entanto, o testador poderá dispor também de assuntos de caráter não patrimonial, como o reconhecimento de um filho, a nomeação de um curador para administrar os bens dos filhos menores, a indicação de um beneficiário do seguro de vida ou a nomeação de um tutor para os filhos que ainda não atingiram a maioridade. Poderá, também, dispor sobre os bens acumulados em vida no ambiente virtual, como páginas, contatos, senhas, músicas, perfis e outros elementos adquiridos nas redes sociais.
Para existir, o testamento não depende da aceitação da herança ou da concordância dos herdeiros. Basta a vontade de quem testa e o seu pleno discernimento. Logo, o testamento exige, para a sua validade, apenas a capacidade do testador no momento em que é feito[3].
Salvo exceção, o testamento é considerado como um ato revogável e modificável – por quantas vezes se entender devido – até o momento do falecimento. Ainda, é importante destacar que ele não pode ser simultâneo, ou seja, duas ou mais pessoas não podem dispor de suas últimas vontades em um único testamento.
Tipos mais comuns de testamento
1) Testamento público: é considerado a forma mais segura de realizar a disposição de última vontade, pois é redigido e registrado por um Tabelião em seu Livro de Notas, de acordo com as declarações do testador. Após escrito, ele será lido em voz alta pelo tabelião ao testador e duas testemunhas e assinado na sequência. Em regra, a solenidade do ato (escritura pública) exige o emprego do idioma nacional, diversamente do cerrado e particular, que permitem o idioma estrangeiro. Todavia, há doutrinadores que entendem que o testamento público pode ser lavrado em língua estrangeira, desde que, por ocasião da sua leitura, se faça presente um tradutor juramentado[4].
Junto ao testamento e, com o objetivo de resguardar a própria vontade do testador, pode-se anexar um ou mais atestados médicos, devidamente datados e subscritos por profissionais especializados, onde se comprova que quem testou, no momento do ato, estava em perfeitas condições de saúde mental[5].
Além da vantagem de o testamento público conceder segurança da sua elaboração – por ser realizado pelo Oficial do Tabelionato – resguarda-se, ainda, a inteireza do documento por constar em livro público, possibilitando a obtenção de cópia a qualquer tempo.
No entanto, ressalta-se algumas desvantagens como o custo do serviço – variável de acordo com as taxas e emolumentos vigentes no local – como também pela publicidade, tornando a vontade do testador passível de conhecimento por terceiro.
2) Testamento particular: é uma forma mais simplificada e acessível para dispor de última vontade. Pode ser escrito de próprio punho ou por processo mecânico (computador) e deve ser lido e assinado, ao mesmo momento, por quem o escreveu e por, pelo menos, três testemunhas. Poderá ser escrito em língua estrangeira desde que as testemunhas compreendam a língua.
Importante destacar que já se consolidou, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), a tese de que são admissíveis determinadas flexibilizações nas formalidades legais exigidas para a validade do testamento particular, a depender da gravidade do vício, para preservar a vontade do testador[6].
Apesar de ser de baixo custo, facilmente elaborado e dispensado de certas formalidades, o testamento particular pode se extraviar com facilidade ou, ainda, ser destruído ou ocultado. Para evitar tais riscos, sugere-se que duas ou mais vias deste testamento sejam deixados pelo testador com diversas pessoas de sua confiança, em lugares diferentes[7].
Ainda, é importante destacar que, após o falecimento, as testemunhas que o subscreveram deverão ir a juízo para confirmá-lo, o que poderá ser mais um óbice na hora de optar por este tipo de testamento.
3) Testamento de urgência: Ainda que seja uma modalidade de testamento particular, cabe aqui destacá-lo em virtude da situação atual vivenciada. Em circunstâncias excepcionais, caracterizadas como situações imprevisíveis que fogem por inteiro à normalidade e ocasionam graves riscos de vida à pessoa, impedindo o acesso aos meios regulares para testar e pela absoluta falta de quem possa testemunhar o ato, é permitido testar, de próprio punho, sem a presença de testemunhas.
Contudo, há alguns requisitos a serem cumpridos. É imprescindível que o ato seja assinado e que haja, junto às disposições finais, uma declaração expressa explicando sobre a circunstância excepcional. Na atual conjuntura, acrescentar-se-ia a recomendação das autoridades públicas ao distanciamento social. Caso não sejam seguidas as exigências, haverá invalidade da disposição testamentária.
Apesar de o testamento de urgência não se enquadrar nos tipos de testamentos especiais (marítimo, aeronáutico ou militar), há doutrinadores que entendem que, por ser feito em situação excepcional, deveria ser passível de um mesmo requisito dos testamentos especiais, qual seja, o prazo de caducidade. Neles, se o testador não falece no evento especial ou nos 90 dias subsequentes ou, se, ao fim das circunstâncias excepcionais que autorizam a sua confecção, o testador, podendo fazê-lo, não testar por uma das formas testamentárias ordinárias[8], o testamento perderá sua eficácia. É o que está previsto no Enunciado 611 da 7ª Jornada de Direito Civil.
Este tipo excepcional de testamento está previsto no artigo 1.879 do Código Civil e, apesar de o dispositivo condicionar a validade do ato ao crivo judicial, não há dúvidas de que ele se encaixa perfeitamente a este momento de pandemia. No entanto, aconselha-se que, uma vez relaxadas as medidas de restrição do novo coronavírus, o testamento seja refeito para evitar o enfrentamento de argumentações dessa ordem.
4) Testamento cerrado (secreto): É escrito pelo testador ou por outra pessoa a seu rogo, ficando sujeito à aprovação do tabelião. O conteúdo é, em regra, sigiloso, somente sendo conhecido pelo próprio testador. Este tipo de testamento é composto de duas partes: a carta testamentária propriamente dita, com o ato de última vontade do testador, e o auto de aprovação, redigido pelo tabelião. A entrega do documento será realizada na presença de duas testemunhas e ele poderá ser escrito em língua nacional ou estrangeira.
Após a leitura do auto de aprovação, o instrumento é cerrado, cosido e entregue ao testador. O tabelião, por sua vez, lançará em seu livro nota do lugar, dia, mês e ano em que o testamento foi aprovado e entregue. Embora não exista o costume dos testadores deixarem o testamento cerrado depositado no cartório onde foi aprovado, nada impede que isso ocorra.
Tal atitude, inclusive, resguardaria o testador sobre a guarda e manutenção do documento. Apesar da vantagem do sigilo absoluto do documento, o custo financeiro da sua submissão a aprovação do notário, bem como a manutenção do documento por pessoa de confiança do testamento, acaba gerando inúmeros impasses, que fazem com que este tipo de testamento seja raramente utilizado.
É importante que o ato seja realizado com o auxílio de um advogado de confiança, visto que há formalidades inerentes ao testamento que podem, inclusive, gerar nulidade do documento.
E qual é o tipo de testamento mais apropriado?
Não existe um tipo de testamento mais apropriado que se encaixe em todas – ou quase todas – as situações. É necessário averiguar não somente a totalidade do patrimônio, como também a existência e a quantidade de herdeiros e o objetivo principal do próprio testador. São inúmeras as variantes para um planejamento adequado.
Além disso, embora o testamento seja um dos mecanismos de planejamento sucessório mais utilizados, existem outros meios capazes de satisfazer a vontade da pessoa. Doação, contrato de compra e venda, seguro de vida, codicilos, legado, constituição de sociedade holding, offshore ou fundos de investimento são algumas das inúmeras possibilidades para um planejamento patrimonial.
Ainda que o momento atual de pandemia faça com que as pessoas pensem mais sobre a finitude e a importância do planejamento sucessório, há de se ter cautela. O testamento – ou qualquer outro instrumento utilizado para planejamento sucessório – quando realizado sem a devida atenção pode não garantir que todas as disposições sejam cumpridas de acordo com aquele que planejou ou, até, gerar mais despesas (incidência de impostos, custos com a defesa judicial de seu conteúdo e validade, dentre outros) do que o necessário.
Para todos os casos, é essencial a presença de um advogado especialista na área para um acompanhamento jurídico e auxílio na elaboração da sucessão desejada.
[1]Advogada. Pós-Graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI). Especialista em Planejamento Sucessório pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e da Comissão de Direito de Família da OAB/SC. Co-autora do livro “Desafios Contemporâneos do Direito de Família e Sucessões” (2018) e de artigos.
[2]https://noticias.r7.com/economia/cartorios-tem-aumento-na-procura-por-testamentos-apos-coronavirus-17042020. Acesso em 03/05/2020.
[3] SIMÃO, José Fernando. Arquitetura do planejamento sucessório/ Daniele Chaves Teixeira (coord). 2. ed. rev. ampl. e atual. – Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 504
[4] FONSECA, Priscila Corrêa da. Manual do Planejamento patrimonial das relações afetivas e sucessórias. São Paulo: Thomson Reuters, Brasil, 2018, p. 360
[5] CARVALHO, Luiz Paulo Vieira de. Direito das sucessões. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 600-601
[6] Rosa, Conrado Paulo da. Inventário e Partilha. Salvador: Editotra JusPodivm, 2019, p. 222
[7] Veloso, Zeno. Comentários ao Codigo Civil: parte especial: direito das sucessões, vol. 21. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 141.
[8] Rosa, Conrado Paulo da. Inventário e Partilha. Salvador: Editora JusPodivm, 2019, p. 224
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