Como garantir que pais e filhos continuem a conviver, se há obrigatoriedade de cada um permanecer em sua própria residência?
FAMÍLIA: CONVIVÊNCIA FAMILIAR EM ÉPOCA DA PANDEMIA DE COVID-19
Laísa Santos[1]
Maria Luisa Machado Porath[2]
No atual cenário de pandemia, a principal recomendação difundida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é que, todos aqueles que puderem, fiquem em casa e apenas saiam em situações excepcionais. Essa medida visa a evitar a disseminação do vírus e o consequente esgotamento do sistema de saúde.
Mas, diante dessa situação, como fica a convivência familiar dos pais que não detêm a guarda ou não possuem como residência fixa do filho a sua moradia?
O Código Civil, em seu artigo 1.589[3], determina que o pai ou a mãe que não estiver com os filhos poderá visitá-los e tê-los em sua companhia – conforme acordado com o outro genitor ou fixado pelo juiz.
A convivência familiar tem a finalidade de manter os laços afetivos entre pais e filhos, ainda que já não haja mais convivência conjugal. Nessa toada, o art. 1.630 do Código Civil aduz que os filhos, enquanto menores, estão sujeitos ao poder familiar. Em complemento, o art. 1.634 da mesma norma traz que compete a ambos os pais, independentemente da situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar.
Nesse sentido, a convivência familiar decorre do direito-dever do poder familiar. Ou seja, toda criança tem o direito de manter o laço afetivo e a convivência com seus pais; e, todo pai ou mãe, através do exercício do poder familiar, tem o dever de zelar pelo filho – sendo esse, inclusive, um dever passível de execução judicial, até mesmo com imposição de multa pecuniária[4].
A crise decorrente do COVID-19 afetou de forma estrondosa as relações familiares. Assim, remanesceu a dúvida sobre a continuidade da manutenção da convivência familiar em época de pandemia e distanciamento social. Como garantir que pais e filhos continuem a conviver, se há obrigatoriedade de cada um permanecer em sua própria residência?
Adianta-se: não há uma resposta pronta, genérica, a ser aplicada a qualquer caso. É primordial que se analise a situação de cada seio familiar, a fim de que se encontre a melhor solução para o impasse.
Inicialmente, é válido destacar que o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) emitiu um documento com recomendações para a proteção das crianças e dos adolescentes durante a pandemia do COVID-19. Dentre as orientações, o CONANDA defendeu que, para evitar o risco à saúde dos menores, as visitas e o período de convivência deveriam ser, preferencialmente, substituídos por meios de comunicação telefônica ou on-line[5].
Evidentemente, se houver uma relação saudável entre os genitores, o bom senso surgirá de forma natural. Para se chegar a um denominador comum, é mister que, além dessas recomendações, façam-se alguns questionamentos, como: quem tem mais condições, nesse momento, de praticar o distanciamento social? Qual dos genitores se expõe menos ao risco de contágio diante da impossibilidade de home office?
Infelizmente, o que se percebe rotineiramente é a falta de diálogo efetivo entre ex casais. Pais que não seguem as orientações para evitar o contágio da doença ou que se aproveitam dessa medida para fomentar campanhas de afastamento do outro genitor em relação ao filho são alguns dos exemplos que impactam negativamente na vida e no desenvolvimento das crianças. Nesses casos, acima de tudo, recomenda-se o registro de qualquer tentativa de acordo acerca do bem-estar do filho; até mesmo para se evitar uma eventual falsa alegação de alienação parental.
Mas, afinal, não havendo composição amigável entre os pais, quais as possibilidades jurídicas a serem adotadas?
O Direito, por si só, é incapaz de antever todos os cenários da vida. No entanto, nesse momento de pandemia, o judiciário vem respondendo às demandas judiciais de maneira ágil e, quase sempre, priorizando o equilíbrio entre as relações, bem como o melhor interesse dos menores frente à atual situação.
Há decisões, por exemplo, que substituem a convivência e a visita pessoal do genitor e determinam a realização do contato de modo virtual, pautando-se na segurança do menor e nas recomendações do Ministério da Saúde. Veja-se decisão recentemente proferida pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR):
[…] 5. Diante do conhecimento público e notório quanto à pandemia do Coronavírus (COVID-19) que assola o mundo e o país, bem como considerando as diversas restrições determinadas pelos poderes públicos para fins de contenção da proliferação do vírus (orientação de isolamento, evitar aglomerações, suspensão das atividades de shoppings centers, cuidados na higienização, etc.), oportuno acolher o pedido formulado, a fim de restringir, temporariamente e excepcionalmente, o direito de visitação paterno, de modo a evitar que a criança seja retirada do seu lar de referência neste período, expondo-se à contaminação do vírus, assim como os seus familiares e demais pessoas do seu convívio social.
A medida é necessária no caso em apreço considerando a informação de que a criança reside com pessoa enquadrada em grupo de risco, de acordo com a classificação do Ministério da Saúde, já estando, inclusive, em isolamento domiciliar.Friso, novamente, que se trata de uma medida temporária, num momento em que os cuidados para com a criança devem ser adotados por ambos os pais, não se rompendo por completo o convívio com nenhum dos genitores, ainda que esse contato se dê de forma virtual. Neste caso, pensando no bem estar da criança e visando evitar a ruptura do vínculo paterno-filial, adequado que se mantenha o convívio paterno de forma segura mediante chamada de vídeo nos mesmos dias de visitação acordados entre as partes[6].”
Indo ao encontro do que foi decidido no estado do Paraná, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) assim também decidiu:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. VISITA PATERNA AOS FILHOS MENORES. COVID-19. VISITAS NO MODO VIRTUAL. O convívio com o pai não guardião é indispensável ao desenvolvimento sadio das crianças e adolescentes. Situação excepcional configurada pela pandemia de COVID-19 e recomendação do Ministério da Saúde para manutenção do distanciamento social que apontam para o acerto da decisão recorrida, ao determinar contato do pai com o filho por meio de visita virual diária, pelo menos por ora. Medida direcionada não só à proteção individual, mas à contenção do alastramento da doença. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO, EM DECISÃO MONOCRÁTICA[7].
Diferentemente das decisões acima destacadas, há posicionamentos jurisprudenciais diversos que entendem devida a manutenção da convivência e da visitação dos genitores, desde que ausente comprovação de risco à saúde e ao bem-estar do menor. Nesse sentido, foi decisão também proferida no TJRS, demonstrando a peculiaridade de cada caso:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DIVÓRCIO LITIGIOSO. VISITAÇÃO MATERNA. MANUTENÇÃO. SUSPENSÃO INDEVIDA. A fim de preservar a necessária convivência entre mãe e filha, deve ser mantida a regulamentação da visitação materna, nos moldes estipulados em audiência. Descabida a pretensão de suspensão da visitação diante do evento COVID-19, uma vez que ausente comprovação de que as visitas da mãe importariam risco à saúde e ao bem-estar da criança, presumindo-se que empreenderá todos cuidados necessários para a respectiva preservação. Manutenção da adequada convivência da mãe com a filha menor. Precedentes do TJRS. Agravo de instrumento desprovido[8].
Independentemente da situação e do relacionamento entre os genitores, o bom senso deveria se sobressair a todos os impasses eventualmente existentes com a finalidade de se buscar o melhor interesse do menor. Caso não seja possível, há outros meios de resolução dos conflitos, como a mediação extrajudicial – podendo ser realizada inclusive por videoconferência – , com o objetivo de que os pais consigam firmar um acordo.
Na impossibilidade de qualquer tentativa extrajudicial, pode-se recorrer à via judicial para a regulamentação do período de convivência. Nesse caso, o juiz, a seu critério e com base no ordenamento jurídico, analisará com impessoalidade a situação em concreto.
É preciso salientar que há diversos outros meios para a manutenção da convivência entre os menores e os genitores, ainda que seja definida a suspensão temporária da convivência física. Com o advento da tecnologia, é possível a realização temporária de telefonemas e videochamadas em dias e horários pré-determinados, imperando para a análise o bom senso e a boa-fé dos genitores. Distância física não representa, necessariamente, distanciamento afetivo. Assim, os meios virtuais, neste momento de confinamento, podem ser instrumentos para manter os laços afetivos entre pais e filhos.
Desse modo, por mais que o contato pessoal reste prejudicado, o convívio familiar se mantém, ainda que de forma temporariamente diversa. Pode-se estipular, inclusive, que após a pandemia o genitor que teve seu período de convivência restrito tenha um convívio mais longo como forma de “compensação”.
Frisa-se: não existe uma única resposta certa que abranja todos os tipos de situações. O direito de convivência nos moldes convencionais é primordial, salvo casos em que haja risco de saúde dos filhos, dos pais ou das demais pessoas que residam com o menor. O importante é que os genitores tentem, na medida do possível, buscar a solução mais benéfica para o menor, considerando todas as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e as necessidades dos infantes.
[1] Advogada. Pós-Graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI). Especialista em Planejamento Sucessório pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e da Comissão de Direito de Família da OAB/SC. Co-autora do livro “Desafios Contemporâneos do Direito de Família e Sucessões” (2018) e de artigos.
[2] Estagiária do escritório Schiefler Advocacia. Graduanda da sétima fase em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Graduada em Licenciatura e Bacharelado em Teatro na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) – 2015.
[3] O parágrafo único desse mesmo artigo afirma que esse direito também se estende aos avós, a critério do juiz, conforme o interesse do menor. Apesar de não ser o foco do estudo, é válido mencionar que as recomendações aqui expostas também podem ser aplicadas, de acordo com o caso concreto, a situações de convivência familiar entre avós e netos.
[4] MADALENO, Rolf. Direito de família. 7. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 456.
[5] […] 18. Que crianças e adolescentes filhos de casais com guarda compartilhada ou unilateral não tenham sua saúde e a saúde da coletividade submetidas à risco em decorrência do cumprimento de visitas ou período de convivência previstos no acordo estabelecido entre seus pais ou definido judicialmente. Para tanto, devem ser observadas as seguintes orientações: a. As visitas e os períodos de convivência devem, preferencialmente, ser substituídos por meios de comunicação telefônica ou on-line, permitindo que a convivência seja mantida; b. O responsável que permanece com a criança deve manter o outro informado com regularidade e não impedir a comunicação entre a criança ou adolescente com o outro responsável; c. Em casos que se opte pela permissão de visitas ou períodos de convivência, responsáveis que tenham voltado de viagem ou sido expostos à situações de risco de contágio devem respeitar o período de isolamento de 15 dias antes que o contato com a criança ou o adolescente seja realizado; d. O deslocamento da criança ou do adolescente deve ser evitado; e. No caso de acordada a visita ou permissão para o período de convivência, todas as recomendações de órgãos oficiais devem ser seguidas; f. O judiciário, a família e o responsáveis devem se atentar, ao tomarem decisões relativas à permissão de visitas ou períodos de convivência, ao melhor interesse da criança e do adolescente, incluindo seu direito à saúde e à vida, e à saúde da coletividade como um todo
[6] TJPR, Autos n. 0018199-09.2019.8.16.0188, Relatora Juíza Fernanda Maria Zerbeto, 3ª Vara de Família e Sucessões da comarca de Curitiba, Data da decisão:20/03/2020
[7] TJRS, Agravo de Instrumento, Nº 70084141001, Sétima Câmara Cível, Relator: Vera Lucia Deboni, Julgado em: 16-04-2020
[8] TJRS, Agravo de Instrumento, Nº 70084149186, Sétima Câmara Cível, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em: 23-04-2020
Read MoreA chegada das audiências de conciliação on-line para tratar de seus conflitos, seja em âmbito administrativo ou judicial, é uma realidade pretendida, um pouco distante, mas cada vez mais próxima e já autorizada.
A Lei Federal nº 13.994/2020 previu uma relevante adaptação evolutiva e tecnológica: a audiência de conciliação em ambiente virtual nos Juizados Especiais Cíveis, estendendo-se a autorização aos Juizados Especiais da Fazenda Pública e aos Juizados Especiais Federais.
Gustavo Henrique Carvalho Schiefler[1]
Há uma utilidade inerente às audiências de conciliação quando as partes estão abertas ao diálogo, ainda que em posições firmes e contrapostas. A razão é simples: no evento de autocomposição, um terceiro intermedeia o processo de troca de informações e facilita que as partes compreendam seus interesses recíprocos, e não somente as posições, que criem opções aceitáveis, empreguem critérios objetivos e, ao fim, estruturem uma solução legítima para o problema. O acordo abrange a ideia de superação da solução potencial que decorreria da sentença, que naturalmente apresenta riscos às partes, pois depende inteiramente do entendimento de um terceiro imparcial.
As conciliações em Juizado Especial Cível que conduzi como estagiário e estudante de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), há mais de 10 anos, representaram a minha primeira experiência como ator do sistema de Justiça. Empolgava-me a quantidade e a qualidade dos acordos que eram alcançados quando as partes despiam-se de suas armaduras, quando ouviam o problema relatado por um terceiro, a partir de orientação legal e oportunidade para o diálogo.
Obviamente, muitas audiências de conciliação duravam trinta segundos e eram inúteis à resolução da controvérsia. Mas, quando venciam a resistência inicial, o acordo era comum. Se por um lado existem críticas relevantes em relação à obrigatoriedade da audiência de conciliação quando uma das partes expressa e antecipadamente nega o seu interesse em buscar um acordo[2], por outro é incontroverso o seu potencial e que um sem número de casos é encerrado adequadamente pela via consensual.
Aliás, o peso às partes e a ineficácia de inúmeras audiências de conciliação obrigatórias e presenciais são apenas sintomas de que este evento necessita de uma reformulação conceitual, ou melhor, de uma evolução estrutural.
Neste contexto, a transição das audiências para o ambiente virtual é desejada e previsível. A referência do momento é a Lei Federal nº 13.994/2020. Elogia-se efusivamente a inovação normativa segundo a qual os Juizados Especiais Cíveis estão agora autorizados a realizar as suas audiências de conciliação em ambiente virtual, por intermédio das tecnologias de transmissão de imagem e som.
É o que dispõe o recém-inserido § 2º do artigo 22 da Lei Federal nº 9.099/1995:
“Art. 22. […] §2º É cabível a conciliação não presencial conduzida pelo Juizado mediante o emprego dos recursos tecnológicos disponíveis de transmissão de sons e imagens em tempo real, devendo o resultado da tentativa de conciliação ser reduzido a escrito com os anexos pertinentes.”
A inovação é aderente a uma realidade nacional: a cultura tecnológica. Sem ignorar a carente categoria dos excluídos digitais, fato é que os brasileiros são adeptos e vocacionados aos meios de comunicação em ambiente virtual, com mais de 420 milhões dispositivos digitais, sendo 230 milhões celulares ativos e 180 milhões computadores (desktops, notebooks ou tablets), segundo estatísticas divulgadas em abril de 2019 pela Fundação Getúlio Vargas – FGV[3].
A prova derradeira de que a cultura tecnológica ocupa espaço cada vez mais integrado ao cotidiano do brasileiro e incorpora um progresso pujante à realidade socioeconômica veio com os tempos pandêmicos. É com a transmissão de áudios, vídeos e textos por dispositivos eletrônicos que se viabiliza a temporada de distanciamento social. É pelos smartphones, tablets, notebooks e computadores que nos comunicamos com aqueles que estão em isolamento domiciliar ou hospitalar em razão da COVID-19. É com videoconferências que nos organizamos profissionalmente ou aproveitamos momentos de descontração com familiares afastados.
De contatos a contratos, de diálogos a negociações, de serviços a pagamentos, de notícias a políticas públicas, os relacionamentos deslocaram-se de vez para um ambiente multimídia, universal e interligado: a internet. Nada mais natural que o locus para a resolução de controvérsias também seja deslocado a esse ambiente.
Os atendimentos remotos ao cliente, por meio de chats e e-mails, ou mesmo a resolução de controvérsias intermediada por plataformas eletrônicas especializadas, já são uma realidade. A novidade é que o fomento ao consenso on-line entre partes litigantes não representa mais uma exclusividade da iniciativa privada. A Lei Federal nº 13.994/2020 é prova de que o estado brasileiro, pouco a pouco, vem descobrindo as benesses do emprego de ferramentas eletrônicas para dirimir as controvérsias, expressão de uma tendência internacional denominada Online Dispute Resolution (ODR).
Como consultor jurídico da Mediação Online (MOL), empresa vencedora do Prêmio Conciliar é Legal, de 2018, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pelos resultados obtidos com sua plataforma tecnológica de serviços de negociação, conciliação e mediação em ambiente virtual, participei de alguns eventos que confirmaram esta tendência.
Desde o lançamento da campanha “A Justiça Não Vai Parar”, pela referida empresa, há algumas semanas, percebi um interesse genuíno de diversos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs) e Núcleos Permanentes de Mediação e Conciliação (Nupemecs) por uma solução que permitisse a virtualização estruturada das audiências de autocomposição.
Para além da recente autorização legal específica aos Juizados Especiais Cíveis, nota-se uma pretensão abrangente em favor da efetiva instauração de audiências on-line em todas as espécies de processos judiciais, seja em audiências de autocomposição pelo rito ordinário ou mesmo em audiências de instrução e julgamento.
Com a gratuidade do uso da plataforma tecnológica e dos serviços oferecidos durante a sobredita campanha, as dúvidas jurídicas mais básicas e comuns da administração judiciária, geralmente vinculadas ao processo de contratação pública, foram rapidamente superadas. Não havendo necessidade de se conversar sobre “como contratar” uma plataforma tecnológica que permita a realização estruturada e integrada dessas audiências, passou-se diretamente ao diálogo sobre as funcionalidades e sobre “como melhorar” as audiências de autocomposição no Brasil.
E neste contexto, não há espaço para dúvida. A virtualização das audiências de autocomposição nos processos judiciais brasileiros representa uma verdadeira adaptação evolutiva do Poder Judiciário.
Comunicações não presenciais são mais econômicas, céleres, seguras e, comumente, mais eficientes. Para ficar em apenas um exemplo sobre a economicidade desta solução, ilustre-se que o preço de duas passagens de metrô, economizado por uma audiência presencial substituída pela audiência virtual, é aproximadamente equivalente ao preço de dois gigabytes de internet móvel para um smartphone, suficientes para as comunicações virtuais de uma semana regular; e as três ou cinco horas investidas entre o deslocamento antecedente e o retorno à residência para a participação em uma audiência presencial são substituídas por trinta a sessenta minutos da audiência virtual. Economia de tempo, economia de recursos.
O futuro das ODRs é promissor. As audiências on-line nos Juizados Especiais Cíveis devem ser apenas o início de uma transformação normativa e cultural na condução dos processos pelo Poder Judiciário brasileiro, que precisa alcançar especialmente as causas em que contende a administração pública.
Como advogado atuante na área de direito administrativo, vivencio também o lado oposto do entusiasmo com as audiências de conciliação. A partir do rigoroso e preconceituoso dogma de que a indisponibilidade do interesse público impediria qualquer transação pela administração pública, percebo o alívio da classe com despachos que negam a realização da audiência de conciliação.
O alívio quando uma audiência de conciliação não é agendada ou é cancelada num processo contra a administração pública não decorre de um espírito bélico que seria inerente à advocacia brasileira, mas de um verdadeiro sentimento de autopreservação, tanto de interesses próprios como dos clientes, já que audiências neste contexto infelizmente costumam durar trinta segundos, em tentativa infrutífera[4].
Sendo o estado brasileiro o maior litigante nacional, a chegada das audiências de conciliação on-line para tratar de seus conflitos, seja em âmbito administrativo ou judicial, é uma realidade pretendida, um pouco distante, mas cada vez mais próxima e já autorizada.
Autorizada porque, vale recordar, a Lei Federal nº 9.099/1995, que recebeu a inovação das audiências virtuais, é aplicável subsidiariamente aos Juizados Especiais da Fazenda Pública (vide artigos 15 e 27 da Lei Federal nº 12.153/2009) e aos Juizados Especiais Federais (vide artigo 1º da Lei Federal nº 10.259/2001). Portanto, a interpretação jurídica mais adequada é que os Juizados Especiais da Fazenda Pública (JEFPs) e os Juizados Especiais Federais (JEFs) também estão autorizados a realizar audiências on-line.
Deseja-se um implementação efetiva. Por enquanto, fica o anúncio de que a transposição da audiência de conciliação ao ambiente virtual é uma adaptação evolutiva do Poder Judiciário, que aumentará a eficácia do evento, seja pela economia de recursos e de tempo, pela diminuição das ausências ou pelo aumento dos níveis quantitativos e qualitativos dos acordos.
Com o tempo, a virtualização das audiências contribuirá para a confirmação de que o acesso à justiça nem sempre depende de um juiz togado, ou mesmo de um árbitro. Nada contra o trabalho dos magistrados e dos árbitros brasileiros, que, em regra, entregam boa jurisdição à comunidade, mas tudo em favor das alternativas prévias, como a pacificação das controvérsias pela internet, em exercício institucional e intermediado de autotutela.
Texto originalmente publicado em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/conciliacao-online-nos-juizados-especiais-e-uma-adaptacao-evolutiva-do-judiciario-11052020
[1] Advogado. Doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP). Educação Executiva pela Harvard Law School (Program on Negotiation). Pesquisador Visitante sobre arbitragem com administração pública no Max-Planck-Institut, em Hamburgo (Alemanha).
[2] Cf. CARREIRÃO, Bruno de Oliveira. Audiências de Conciliação são inúteis. Será que vocês já estão preparados para essa conversa? Portal Jurídico Investidura, Florianópolis/SC, 28 Abr. 2020. Disponível em: investidura.com.br/biblioteca-juridica/colunas/pitacos-de-um-advogado-rabugento/337834-audiencias-de-conciliacao-sao-inuteis-sera-que-voces-ja-estao-preparados-para-essa-conversa. Acesso em: 03 Mai. 2020
[3] Cf. 30ª Pesquisa Anual de Administração e Uso de Tecnologia da Informação nas Empresas, realizada pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP). Disponível em: << https://eaesp.fgv.br/ensinoeconhecimento/centros/cia/pesquisa>> Acesso em 3. Mar. 2020.
[4] Uma importante novidade neste cenário encontra-se na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), com a inserção recente do seu artigo 26, que permite expressamente a celebração de compromissos pela administração pública para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público.
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