
Programa de Integridade: Quando ele é obrigatório?
1. INTRODUÇÃO
O termo compliance, de origem anglo-saxônica, não possui uma tradução exata para o português, o que justifica sua permanência na língua inglesa no uso cotidiano no Brasil. Derivado do verbo to comply, o conceito remete à ideia de conformidade e é amplamente utilizado por organizações para estabelecer diretrizes voltadas à prevenção, detecção e correção de práticas ilegais, antiéticas ou incompatíveis com os valores institucionais[1].
Nesse cenário, as ferramentas de compliance assumem papel estratégico na gestão de riscos empresariais, prevenindo condutas indesejadas tanto por colaboradores internos quanto por terceiros que integrem a cadeia de relações comerciais da organização[2].
Com esse objetivo, os Programas de Integridade despontam como uma vertente específica do compliance, com foco na promoção de uma cultura organizacional baseada na ética e na transparência, pilares essenciais da governança corporativa e elementos indispensáveis para relações públicas e privadas sustentáveis.
2. BREVE CONTEXTO HISTÓRICO
A partir de 1992, o Brasil aprofundou sua abertura comercial, adequando-se às exigências do mercado global e ampliando sua competitividade. Esse processo também demandou uma regulamentação mais rigorosa do mercado interno, em sintonia com padrões internacionais[3].
Nesse contexto, novas obrigações de conformidade emergiram, impulsionando a redefinição das responsabilidades no campo do compliance, notadamente com a promulgação de normativas voltadas à transparência e à integridade empresarial[4]. Assim, as organizações passaram a buscar maior alinhamento às boas práticas e aos incentivos promovidos pela Lei Anticorrupção[5]–[6].
Diante da recorrência de escândalos de corrupção que evidenciaram fragilidades estruturais no ambiente corporativo brasileiro, a institucionalização dos Programas de Integridade no país surgiu como uma resposta para o fortalecimento dos mecanismos de proteção empresarial.
3. COMPLIANCE COMO PILAR DE GOVERNANÇA
No cenário atual, o compliance transcendeu a função de mera estratégia de mitigação de riscos e consolidou-se como um pilar essencial de governança. Mais do que prevenir ilícitos, tornou-se um diferencial competitivo e um fator determinante para a sustentabilidade das organizações.
Dessa forma, o compliance atua como agente transformador ao fomentar uma cultura organizacional baseada na ética, transparência e responsabilidade corporativa. Inicialmente tratado como uma vantagem competitiva, o Programa de Integridade evoluiu sob o impulso da legislação e hoje se apresenta como uma exigência indispensável tanto sob a ótica estatal quanto social.
A integridade corporativa, nesse sentido, desempenha papel central no fortalecimento da confiança entre empresas, consumidores e demais stakeholders, deixando de ser um conceito abstrato para consolidar-se como um elemento estratégico fundamental na construção de um ambiente de negócios mais ético, transparente e sustentável[7].
4. A OBRIGATORIEDADE DE PROGRAMAS DE INTEGRIDADE NAS CONTRATAÇÕES DE GRANDE VULTO
A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (NLLCA – Lei nº 14.133/2021)[8] prevê expressamente a adoção de programas de integridade como critério relevante em diversas situações. Especificamente, estabelece sua utilização como critério de desempate em licitações (art. 60, IV), reconhece sua adoção como fator atenuante na aplicação de sanções administrativas (art. 156, §1º, V) e exige sua implementação como requisito para a reabilitação de licitantes eventualmente sancionados (art. 163, parágrafo único).
Além disso, a NLLCA impõe a obrigatoriedade de programas de integridade em contratações de grande vulto — aquelas cujo valor estimado ultrapasse R$ 200 milhões (art. 25, §4º)[9]. A exigência visa fortalecer a segurança jurídica e mitigar riscos em contratos de alto impacto financeiro para a Administração Pública, reforçando a necessidade de mecanismos que assegurem transparência, ética e conformidade na execução contratual.
A regulamentação dessa exigência foi aprimorada pelos Decretos nº 11.129/2022 e 12.304/2024, que detalham os parâmetros essenciais para a estruturação de um programa de integridade eficaz e estabelecem critérios objetivos para a avaliação dos programas exigidos em contratações de grande vulto.
Dessa maneira, as empresas contratadas no grande vulto, devem adotar medidas concretas para assegurar a conformidade e mitigar riscos, implementando mecanismos eficazes que garantam a integridade nos contratos firmados com a Administração Pública. Dentre essas medidas, destacam-se:
- Código de Ética e Conduta, com diretrizes claras para a atuação organizacional.
- Procedimentos de controle interno, com práticas que assegurem a efetividade da conformidade.
- Canal de denúncias, garantindo um mecanismo seguro e anônimo para o reporte de irregularidades.
- Treinamentos periódicos, com um cronograma de capacitação contínua para a disseminação da cultura de integridade.
- Políticas de prevenção a fraudes e corrupção, com normativas voltadas à mitigação de riscos e ao fortalecimento da transparência.
Ante o exposto, a obrigatoriedade dos programas de integridade em contratações de grande vulto representa um avanço significativo na prevenção de ilícitos e no fortalecimento da governança pública.
5. OS PROGRAMAS DE INTEGRIDADE NAS CONTRATAÇÕES ESTADUAIS
A exigência de programas de integridade como condição para a celebração de contratos com a Administração Pública tem se tornado uma realidade crescente no Brasil. Diversos entes federativos, em movimento prévio à regulamentação federal, instituíram normas específicas impondo tal requisito, muitas vezes com critérios próprios e valores mínimos distintos.
Entre os estados que adotaram essa diretriz, destacam-se:
- Rio de Janeiro (Lei 7.753/2017): determina a obrigatoriedade de programas de integridade em contratos acima de R$ 1,5 milhão para obras e serviços.
- Goiás (Lei 20.489/2019): fixa a exigência para contratos acima de R$ 650 mil para compras e R$ 1,5 milhão para obras públicas.
- Distrito Federal (Lei 6.308/2019): estabelece o limite de R$ 5 milhões para a implementação obrigatória de programas de integridade.
- Rio Grande do Sul (Lei 15.228/2018): estipula a obrigatoriedade para contratos de R$ 10 milhões ou mais.
- Amazonas (Lei 4.730/2018): fixa valores de R$ 3,3 milhões para obras e serviços de engenharia, e R$ 1,43 milhão para compras e serviços.
- Pernambuco (Lei 16.722/2019): apresenta uma graduação nos valores, exigindo a partir de 2022 programas de integridade para contratos de obras e serviços de engenharia acima de R$ 10 milhões, reduzindo esse limite para R$ 5 milhões em 2024 e, a partir de 2025, aplicando a regra a contratos administrativos gerais acima de R$ 10 milhões.
Observa-se que, em muitas unidades da federação, os valores exigidos para a implementação de programas de compliance são inferiores aos previstos na legislação federal. Além disso, há estados que adotam requisitos mais rigorosos. Também há requisitos similares. No Rio de Janeiro, por exemplo, exige-se que o programa de integridade esteja implementado em até 180 dias após a assinatura do contrato, enquanto a legislação federal estipula o prazo de seis meses.
A tendência reflete a crescente importância da governança corporativa nas contratações públicas, obrigando empresas que desejam contratar com o setor público a adotarem mecanismos de compliance eficazes. Em um cenário de maior controle e exigência de transparência, estar em conformidade com as normas não é apenas um diferencial competitivo, mas um requisito imprescindível para aqueles que pretendem atuar junto à Administração Pública.
[1]SOUSA, Henrique Adriano de; PASSOS, Gabriela de Abreu; PORTULHAK, Henrique; AZEVEDO, Sayuri Unoki de; IRIGARAY, Hélio Arthur Reis; STOCKER, Fabricio. A evolução na divulgação de práticas de compliance por companhias abertas brasileiras no período “Lava Jato”. Cadernos EBAPE.BR, v. 22, n. 1, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1679-395120230041. Acesso em: 10 mar. 2025.
[2]SÁNCHEZ RIOS, Rodrigo; ANTONIETTO, Caio. Criminal Compliance: Prevenção e minimização de riscos na gestão da atividade empresarial. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 114, p. 341-375, mai.-jun. 2015. IN MAGALHÃES JÚNIOR, Danilo Brum de. Gerenciamento de risco, compliance e geração de valor: os compliance programs como ferramenta para mitigação de riscos reputacionais nas empresas. Revista dos Tribunais, v. 997, p. 575-594, nov. 2018. Disponível em: <DTR\2018\20828>. Acesso em: 12 fev. 2025.
[3]DALLA PORTA, Flaviano Carvalho. As diferenças entre auditoria interna e compliance. 2011. 91 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Economia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Ciências Econômicas, Programa de Pós-Graduação em Economia, Porto Alegre, 2011.
[4]SALES, Absolon Silva de. A corrupção transnacional e os programas de compliance. 2023. 155 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2023. Disponível em: http://www.bdtd.uerj.br/handle/1/21659. Acesso em: 3 mar. 2025
[5]MAGALHÃES JÚNIOR, Danilo Brum de. Gerenciamento de risco, compliance e geração de valor: os compliance programs como ferramenta para mitigação de riscos reputacionais nas empresas. Revista dos Tribunais, v. 997, p. 575-594, nov. 2018. Disponível em: <DTR\2018\20828>. Acesso em: 12 fev. 2025.
[6]BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 ago. 2013. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm. Acesso em: 10 mar. 2025.
[7]MARTINS, Ana Luiza Gomes; NEGRI, Luiz Felipe Almeida. Dia Internacional da Proteção de Dados: um marco global e nacional. São Paulo: Schiefler Advocacia, 2025. Disponível em: https://schiefler.adv.br/dia-internacional-da-protecao-de-dados/ Acesso em: 10 mar. 2025.
[8]BRASIL. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Estabelece novas normas gerais de licitação e contratação para a administração pública. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1º abr. 2021. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm. Acesso em: 10 mar. 2025.
[9]Art. 6º, Lei 14.133/2021. Para os fins desta Lei, consideram-se: XXII – obras, serviços e fornecimentos de grande vulto: aqueles cujo valor estimado supera R$ 200.000.000,00 (duzentos milhões de reais)
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